a cultura della plebs romana – HORSFALL (RBH)

HORSFALL, Nicholas. La cultura della plebs romana. Barcelona: PPU, 1996. Resenha de: FUNARI, Pedro Paulo A. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.18 n. 36, 1998. PPU, 1996. Resenha de:

Nicholas Horsfall debruçou-se sobre o tema da cultura da plebe romana, a convite da Academia Americana em Roma, em 1995, e este livro, publicado em italiano pela Universidade de Barcelona, representa o resultado final, após a sua apresentação em diversas universidades (Oxford, Roma, Barcelona, entre outras). Horsfall já era bastante conhecido por sua reflexão sobre a importância da escrita no mundo romano, não tanto em termos estatísticos, pois que não podemos sabê-lo com qualquer grau de certeza, mas como um estado d’alma (state of mind)1. Neste livro, Horsfall estuda, de maneira geral e articulada, as artes e linguagens da plebe romana, em especial a partir da tradição literária, não temendo apresentar seus argumentos contra mundum, para citar suas palavras2. O autor, ainda que se refira à plebe no título do livro, esclarece que prefere tratar daquilo que define como “cultura popular”, já que as fontes antigas referem-se à plebsplebecularustici, entre outros termos, para designar essa cultura não-erudita. Como estudioso da literatura greco-latina, Horsfall concentra sua atenção nas fontes literárias e não se preocupa com o fato de mesclar, para um mesmo argumento, documentos separados por meio milênio, como admite, logo ao início3.

Horsfall aproveita-se da riqueza da língua italiana para referir-se ao povo, objeto de sua pesquisa, utilizando-se de termos como “popolano”4, “svantaggiati”5, “popolo minuto”6. O autor começa por lembrar a existência de uma cultura oral de longa duração, radicada na memória e fundada na música, cujos versos, cantáveis e de cunho político, podiam transforma-se em instrumento político potente e duradouro, podendo servir tanto de apoio como de crítica7. Em seguida, passa a tratar da cultura formal e reafirma que “no mundo romano a capacidade de ler, escrever e contar não dependia, necessariamente, de uma formação escolar”8, ainda que não saibamos como se processaria esse aprendizado popular. De maneira muito perspicaz, propõe que o conhecimento de lugares-comuns filosóficos, atestados nos grafites e na boca dos libertos, no Satyricon, poderiam provir das alusões filosóficas presentes no mimo, um gênero teatral popularesco9. Ainda nessa linha, discute o papel dos circulatores, organizadores de círculos, entendido circulus como um círculo de ouvintes ao redor de um organizador (“intrattenitore”), cuja função consistia em cantar ou ler poesias, trechos de livros, atuando como lector (leitor ou leitor dramático). Um escólio esclarece que “ao meio dia, eles declamam poesia ligeira10.

O autor ressalta que as manifestações coletivas populares, como cantos, slogans, insultos rítmicos (vaias) e aclamações, não devem ser interpretados como mero resultado da manipulação por parte da aristocracia. Neste sentido, denuncia o “coro uníssono de desprezo” pela cultura popular romana11. Segundo o modelo dominante, a grande maioria – vítima das necessidades econômicas, da prepotência aristocrática e da instrumentalização política – estaria condenada ao analfabetismo e à ignorância, depauperada intelectual e culturalmente. Horsfall discorda radicalmente deste esquema e prefere propor um modelo bipolar (pace Ginsburg): “há bons motivos para aceitar a existência de uma outra cultura `paralela’, popular, também essa rica e vigorosa, à sua maneira, fundada não sobre os textos literários, mas sobre a música, as canções, o teatro, a memória, os jogos”12. Ainda contra a corrente, característica, aliás, marcante do livro, o autor não concorda com a interpretação canônica (E.G. Walsh), segundo a qual Petrônio, no Satyricon, apresenta os libertos como dignos de desprezo, mas, ao contrário, os libertos aparentam amar seu modo de falar, assim como demonstram usar com entusiasmo e com criatividade sua língua. Não se consideravam ignorantes, no plano lingüístico, mas criativos13.

Horsfall, embora ressalte a especificidade da cultura popular, lembra que havia gostos partilhados com a elite e que esta, em particular, não deixava de se deleitar com certos entretenimentos populares; para tanto, lembra que Andreotti, ao viajar de avião com a seleção italiana, não deixava de …jogar baralho com os jogadores! Ademais, os próprios autores eruditos podiam escrever obras que se destinassem, segundo as palavras dos próprios autores, ao povo. Assim, Cícero (Pro Murena 61) lembra que “homens do mais baixo nível econômico (homines infima fortuna), sem esperança de qualquer atividade política (nulla spe rerum gerendarum), artesãos (ofices), gostam da História”. Também Plínio, o Velho menciona que seus trinta e sete volumes da História Natural haviam sido escritos para o “povo humilde (humili vulgo)… para a massa de camponeses e artesãos (agricolarum, opificum turbaepra)14. Para a elite, no entanto, o povo, normalmente, era descrito como composto de imperiti, indocti, stultiinsipientes (grosso modo, ignorantes das regras eruditas), viés que predomina, em grande parte, na historiografia moderna sobre o tema. Horsfall não hesita em incluir-se, pois, em uma interpretação minoritária da cultura popular romana que se recusa a aceitar os juízos da elite como parâmetro. Dessa posição decorre uma conclusão de caráter tanto cultural quanto político. Culturalmente, não se deveria julgar a cultura popular como inferior ou como mera imitação degenerativa daquela erudita, pois, antes de mais nada, era diversa, rica a seu modo. Em seguida, se o povo era autônomo em sua cultura, não se poderia admitir que fosse pura e simplesmente manipulado politicamente, espectador passivo do pão e do circo, ou que se concebesse sempre como agregado, dependente do compadrio, como os modelos dominantes nos tentam fazer crer. Horsfall, ainda que se limite às artes e às linguagens representadas na tradição literária, deixando de lado as inscrições, a cultura material e as representações em geral, não deixa de demonstrar que uma leitura menos subserviente e mais crítica das fontes antigas pode nos relevar uma cultura original e criativa. Não fossem outros os méritos da obra, só esta independência intelectual do autor já recomendaria a sua leitura.

Notas

1 Cf. “Statistics or state of mind?”. In Journal of Roman Archaeology. Supplementary series nº 03, pp. 59-76.

2 HORSFALL, Nicholas. La cultura della plebsromana. Barcelona, PPV, 1996, p. 68.

Idem, p. 13, (così mi sembra già di sentire qualche brontolio sul mio modo apparentemente disinvolto di usare testimonianze separate da mezzo milenio di tempo).

Idem.

5 Idem, p. 27.

6 Idem, p. 51.

7 Idem, p. 19.

8 Idem, p. 21.

9 Idem, p. 25.

10 Idem, p. 134, (meridie levia carmina dicunt, Schol Persio1).

11 Idem, pp. 33-34.

12 Idem, p. 34.

13 Idem, p. 38.

14 PLINIO (o Velho). Naturales Quaestiones. Paris, “Les Belles Lettres”, s/d, ef. 06.

Pedro Paulo A Funari – Universidade Estadual de Campinas

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