Quaderni del Carcere: Edizione crittica dell’Istituto Gramsci a cura di Valentino Gerratana | Antonio Gramsci

Uma obra pode ser considerada um clássico quando projeta influência para além de seu tempo e espaço. Assim pode ser definida a obra de Antônio Gramsci (1891-1937), cuja influência sobre as Ciências Sociais e Humanas pode ser medida pelo grau de apropriação que as diferentes matrizes e correntes epistemológicas fizeram de seus escritos.

A leitura de Gramsci sobre o desenvolvimento histórico da sociedade italiana e suas análises sobre os problemas culturais, sociais, políticos, econômicos e educacionais de seu tempo tornaram seu pensamento um importante referencial teórico sobre o século XX.

A força e vitalidade do pensamento de Gramsci é corroborada pela terceira publicação italiana da Edizione critica (EC) dos Quaderni del Carcere (QC), pela Editora Einaudi de Turim, datada de 2007. Como um clássico, os QC geram inquietações em relação ao conteúdo e à forma e levam o leitor a examiná-los e a questioná-los, sem permanecer indiferente. Por ser a primeira publicação completa dos Cadernos, a EC se tornou uma fonte indispensável de consulta para o conhecimento e a compreensão do pensamento de Gramsci.

Nascido na Sardenha, região pobre da Itália, Gramsci foi um intelectual cuja experiência pessoal se refletiu em sua teoria. Teórico e militante, participou ativamente no desenvolvimento do pensamento político na Itália, colaborou com periódicos de esquerda e fomentou a formação dos conselhos de fábrica. Fundador do Partido Comunista Italiano (PCI), foi eleito deputado em 1924. Por sua oposição declarada a Mussolini e à política do regime fascista foi aprisionado em novembro de 1926.

Desenvolveu no cárcere, de 1926 a 1935, intensa produção intelectual, que registrou em trinta e três cadernos escolares fornecidos pelas diretorias das prisões por onde passou. Destes, vinte e nove contêm apontamentos e notas elaborados ao longo de uma década de reflexão e constituem o cerne de seu pensamento. A complexidade do estilo de redação dos QC, embora dificulte o acesso do leitor à obra, é a sua maior riqueza. O amadurecimento intelectual e o contínuo processo de desconstrução ao qual Gramsci submeteu as suas ideias lhe permitiram produzir análises que determinaram conceitos e concepções de grande valor para o avanço do marxismo.

Gramsci faleceu em 1937, em consequencia das condições da vida no cárcere e de sua saúde debilitada. Tatiana Schucht, sua cunhada, cuidou que o material produzido na prisão fosse preservado e o levou a Moscou, deixando-o sob a tutela do Partido Comunista (PC), que confiou a Palmiro Togliatti a responsabilidade de organizá-lo e prepará-lo para publicação. QC é uma obra póstuma e os primeiros escritos vieram a público na Itália, entre 1948 e 1951, graças ao empenho de Togliatti, que agrupou cuidadosamente os textos por temas e publicou-os em seis volumes distintos: Il materialismo storico e la filosofia di Benedeto Croce; Gli intellettuali e l’organizzazione della cultura; Il Risorgimento; Note sul Machiavelli, sulla politica e sullo Stato moderno; Leteratura e vita nazionale; Passato e presente.

Embora seja reconhecido o mérito e a importância histórica do trabalho de Togliatti, este continha fragilidades metodológicas que favoreceram distorções na interpretação e na análise do pensamento gramsciano, distorções cuja origem não se deve apenas ao caráter truncado da redação ou à ausência de linearidade temática dos cadernos.

O zelo com que Tatiana organizou os cadernos após sua recuperação no cárcere pode ter influenciado. Preocupada em manter a integridade do material, numerou-os aleatoriamente com algarismos romanos, sem considerar a cronologia de redação. A organização temática extraiu os textos de seu contexto original, ignorou sua cronologia e desconsiderou o processo de amadurecimento do pensamento gramsciano.

Togliatti, no anseio de atender às necessidades do PC, trouxe a público textos que interessavam à ideologia comunista, ignorando as reflexões nas quais Gramsci ultrapassou os interesses do partido. Para resolver os impasses da edição de Togliatti, o Instituto Gramsci organizou, sob os cuidados de Valentino Gerratana, a Edizione Critica del Quaderni del Carcere, publicada pela primeira vez em 1975. Durante os anos de 1968 e 1975 Gerratana e um grupo de especialistas desenvolveram os trabalhos de organização e de datação do conteúdo dos Quaderni, objetivando reproduzir a obra como nos manuscritos originais, para que o leitor entrasse em contato com ela sem interferências teóricas ou metodológicas. Essa edição dos QC encontra-se publicada em três datações diferentes: 1975 (lançamento), 2001 e a atual publicação, de 2007.

A EC de Gerratana é constituída de quatro volumes. Os três primeiros reproduzem integralmente os manuscritos de Gramsci, caderno a caderno, página a página, sem interferências de ordem editorial. O quarto volume, denominado de Apparato critico, tem mais de 1.100 páginas e apresenta elementos que ajudam e complementam a leitura, interpretação e análise dos Quaderni. No total, a edição de 2007 possui 3.370 páginas, das quais 2.362 reproduzem os manuscritos dos Cadernos.

Os Cadernos foram organizados conservando a cronologia de redação, numerados progressivamente de 1 a 29, sendo atribuída aos cadernos de tradução uma denominação alfabética de A a D. A nova numeração em algarismos arábicos é acompanhada pela antiga numeração estabelecida por Tatiana, descrita entre parênteses: 1 (XVI); 2 (XXIV); A (XIX); B (XV), sempre acompanhada da datação dos cadernos indicada pelo ano inicial e final da redação: Quaderni 1 (XVI) 1929-1930.

Gerratana assinala que a produção carcerária de Gramsci possui parágrafos com três tipos de redação: os de primeira redação, os de redação única e os de segunda redação. Esses textos foram denominados de textos A, B e C respectivamente. Essa denominação é decorrente do processo de revisão a que Gramsci submeteu diversos textos: os textos A, de primeira redação, foram revisados e reaparecem como textos C, e os textos B, de redação única, permaneceram inalterados. Os cadernos possuem uma classificação elaborada por Gramsci que os divide em miscelâneos e especiais. Os miscelâneos são compostos por vários temas e foram redigidos até 1933. Os cadernos especiais, escritos a partir de 1933, são dedicados à análise e à discussão de uma única temática, na qual Gramsci reviu ou ratificou ideias anteriores, estabelecendo uma relação entre cadernos miscelâneos e especiais.

A edição de 2007 contempla o processo de revisão dos textos desenvolvido por Gramsci e apresenta ao final dos parágrafos revistos a indicação do caderno e da página correspondente em que o texto equivalente pode ser encontrado. A edição de Gerratana reproduz a numeração manual dada por Gramsci às paginas dos cadernos. Esta aparece estampada à margem do texto, e o símbolo “|”, colocado em meio aos parágrafos, fornece ao leitor a localização precisa da transição das páginas no original.

O primeiro volume da EC apresenta os cadernos de 1 a 5, redigidos entre 1929 e 1932, precedidos do Prefazione (p.XI-XLII), assinado por Gerratana, e da Cronologia della vita di Antonio Gramsci (p.XLIII-LXVIII). O Caderno 1 abarca diferentes temas – política, religião, cultura, hegemonia, organização do Estado, história dos intelectuais – e pode ser caracterizado como a gênese do pensamento gramsciano do cárcere. É constituído basicamente por textos A e seus parágrafos foram reformulados nos cadernos posteriores. Destaque para o Caderno 4, que, na terceira parte, apresenta a análise de Gramsci sobre a Divina Comédia, de Dante, e sua influência no desenvolvimento da literatura italiana.

O prefácio possui 31 páginas divididas em duas partes. Na primeira, Gerratana explica a necessidade da EC dos Cadernos, contextualizando historicamente a produção carcerária de Gramsci a partir da descrição de suas relações com o mundo externo à prisão e das cartas redigidas a familiares, amigos e colaboradores. Nelas, Gramsci apresentou seus planos de estudo e descreveu as dificuldades da vida carcerária. Na segunda parte descreve as dificuldades enfrentadas por Tatiana na tentativa de salvaguardar a herança intelectual de Gramsci e destaca as constantes movimentações às quais os manuscritos foram submetidos até sua primeira publicação na Itália. Para finalizar, Gerratana apresenta os critérios basilares do processo de organização e de editoração da EC: descreve os elementos editorais e as peculiaridades da obra de Gramsci relacionando-a com o Apparato crítico, o que facilita o acesso do leitor à edição e à obra de Gramsci.

O segundo volume, composto de cadernos miscelâneos, apresenta os cadernos 6, 7, 8, 9, 10 e 11, escritos entre 1930 e 1933. O caderno 9, Note sul Risorgimento italiano, o Caderno 10, La filosofia di Benedeto Croce, e o Caderno 11, Introduzione allo Studio della filosofia, são conhecidos por suas publicações anteriores. Embora seja um conjunto de cadernos miscelâneos, o volume contém grande quantidade de textos B.

O terceiro volume é o mais denso e traz os cadernos restantes, do 12 ao 29. Redigidos entre 1932 e 1935, representam a fase madura do pensamento gramsciano. Em sua maioria são cadernos especiais, dedicados a uma única temática. O caderno 12, Appunti e note sparse per um gruppi de saggi sulla storia degli intellettuali, apresenta uma reflexão sobre os intelectuais e sua importância histórica no desenvolvimento sociocultural e econômico Itália. Os cadernos 13 e 18 são um exame do pensamento político-filosófico de Maquiavel; o 19 é dedicado a um ensaio sobre o Risorgimento italiano e o caderno 20 é uma análise da modernização e dos movimentos político-intelectuais existentes na Igreja Católica.

A cultura e a produção artística e intelectual da Itália é o mote dos cadernos restantes, nos quais se discutem os Problemi della cultura nazionali italiana, 1ª leterattura popolare (21), Critica literaria (23), Giornalismo (24), Argomenti di cultura, 2º (26), Osservazioni sul “folclore” (27) e Note per una introduzione allo Studio della grammatica (29). Merecem destaque o caderno 28, sobre o Lorianismo, e o caderno 25, Ai margini della storia.

Storia dei gruppi sociali subalterni. Merece destaque também o Caderno 22, cujo título, Americanismo e fordismo, enfatiza a análise gramsciana dos modos de produção e sua influência na organização econômico-cultural do Estado na consolidação de sua hegemonia.

O Quarto volume é denominado de Apparato critico e traz uma contribuição valiosíssima para os estudiosos da obra de Gramsci.

Dividido em nove partes, inicia com a lista de abreviações, a que se segue a seção de Descrizione dei Quaderni, que apresenta, além dos aspectos físicos e teóricos dos 33 cadernos, a classificação de cada parágrafo em textos A, B ou C. Note al testo é a seção das notas editoriais inseridas no texto dos cadernos, que são apresentadas em separado para propiciar a livre consulta sem interferências interpretativas. Esta seção é seguida pelos índices de obras citadas, que são divididos em três bases: Indice delle opere citate nei Quaderni; Libri e opuscoli del Fondo Gramsci non citati nei Quaderni; Indice dei periodici citati nei Quaderni.

O volume possui ainda um índice de citação por nomes e merece destaque o Indice per argomenti, que oferece aos estudiosos um mapeamento dos argumentos de Gramsci, indicando as páginas em que os temas foram tratados. O aparato crítico é um item de grande ajuda para pesquisadores e estudiosos, pois oferece uma análise acurada da obra e auxilia os leitores, de todos os níveis, na compreensão da complexidade estrutural dos Cadernos.

Com ótima apresentação gráfica e impressa em papel de boa qualidade, a edição possui capa dura e vem acondicionada em uma caixa.

A capa traz estampada a foto de Gramsci, com cores diferentes para cada volume, e a descrição do conteúdo acompanhada da inscrição Edizione critica dell’Istituto Gramsci a cura di Valentino Gerratana. O lançamento desta edição é de utilidade para todas as áreas de pesquisa das ciências humanas e tem o mérito de propiciar a atualização da leitura e reavivar o debate sobre o pensamento de um dos mais fecundos pensadores do século XX.


Resenhistas

Jarbas Maurúcio Gomes – Aluno do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá (PR), Mestrado. Direção eletrônica: [email protected].

Cezar de Alencar Arnaut de Toledo – Doutor em Educação Pela Unicamp (1996), professor do Departamento de Fundamentos da Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá (PR). Direção eletrônica: [email protected] 492 Gomes e Toledo.


Referências desta resenha

GRAMSCI, Antonio. Quaderni del Carcere: Edizione crittica dell’IstitutoGramsci a cura di Valentino Gerratana. Torino: Einaudi, 2007. 4v. Resenha de: GOMES, Jarbas Maurúcio; TOLEDO, Cezar de Alencar Arnaut de. Diálogos, v. 13 n. 2 , p. 491-495, 2009.

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