Minha guerra alheia – COLASANTI (S-RH)

COLASANTI, Marina. Minha guerra alheia. Rio de Janeiro: Record, 2010. 286 p. Resenha de: ABRANTES, Alômia. “O mosaico falhado de memória”: composições da infância e da guerra. sÆculum REVISTA DE HISTÓRIA, João Pessoa, [23] jul./dez. 2010

No fluxo da produção de biografias e autobiografias lançadas no Brasil, Marina Colasanti, conhecida e premiada escritora, surpreende-nos com um livro de memórias sobre a sua infância vivida em meio a conflitos bélicos, em especial, no cenário italiano da II Guerra Mundial.

Poderíamos apressadamente pensar que trata-se de mais um trabalho de memória sobre um conflito reiteradamente narrado por tantos escritores, inspirador de tantas obras literárias e cinematográficas, mas “Minha Guerra Alheia”, além da marca sensível comum à escrita da autora, insinua um fazer escriturístico que ressoa nas inquietações de quem se debruça sobre a reflexão acerca da produção da memória, da escrita de si, e da relação destas com a história.

Antes, porém, de tocar a estas questões, vale pontuar rapidamente o que de mais comum sabemos sobre Marina Colasanti: nascida na África, de descendência italiana, veio ainda menina morar no Brasil, em 1948, radicando-se no Rio de Janeiro.

Trabalhou por vários anos no Jornal do Brasil e tornou-se uma cronista importante em revistas voltadas para o público feminino, como Nova e Cláudia. Exerceu funções de redatora, editora e também apresentadora em programas televisivos. Publicou dezenas de livros, de diferentes gêneros literários, com destaque para a produção infanto-juvenil. Nesta, marca presença com contos que brincam com o maravilhoso universo dos contos de fadas, onde figuras femininas complexas e fortes atualizam conteúdos existenciais e transgridem rotas traçadas pelos discursos normativos das relações de gênero. Tal marca, presente em toda sua obra, tem tornado a sua escrita e aos seus livros, objetos frequentes de estudos acadêmicos ligados às questões da literatura, história das mulheres e de gênero2. Também pintora, com formação em Belas Artes, ilustra vários dos seus livros.

Premiada no jornalismo e na literatura, Marina Colasanti foi agraciada com o prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, por Entre a Espada e a Rosa (Infanto ou Juvenil/ 1993), Rota de Colisão (poesia/ 1994), Ana Z Aonde vai você? (Infanto ou Juvenil/ 1994), Eu sei, mas não devia (Crônicas/ 1997) e Passageira em Trânsito (Poesia/ 2010), além de somar vários outros prêmios nacionais e internacionais. É casada com Affonso Romano de Sant’Anna, também reconhecido escritor brasileiro3.

Com esta vasta trajetória, de pronto já se instiga a curiosidade sobre a sua vida.

Mas, decerto, apenas pelo envolvimento com o universo literário de Colasanti, o(a) leitor(a) não desconfie das imagens surpreendentes das lembranças de uma infância, vivida em um contexto de uma grande guerra, mas que, para além de bombardeios, armas e escassez, (re)constrói lugares em ricos detalhes, que tecem as relações familiares, os afetos, a criatividade e a delicadeza presentes nas experiências de uma menina, que se questiona sobre o seu pertencer a um lugar, a um tempo, a conflitos que, embora tão eloquentes, parecem-lhes alheios.

Ao começar sua narrativa, apresentando-nos seus pais em suas rápidas núpcias, em virtude de que seu pai, Manfredo, partiria como voluntário para participar das Guerras de Conquista da Itália na África, a autora puxa os primeiros fios que vão preparando a sua existência quase nômade, de em pouco tempo morar em diferentes casas, cidades e países, aos ventos da política de expansionismo italiano, dos conflitos internos na África, da paixão incurável do seu pai pela guerra. Com tanta mobilidade em tempos que pediam retiradas rápidas e estratégicas, e até mesmo, fugas, poucos registros restaram ou mesmo foram feitos: “Não eram de grandes registros, meus pais, não deixaram documentos, datas, escritos. Até mesmo minha certidão de nascimento desapareceu. Como a vida, os fatos para eles também eram voláteis. Terei que me servir quase que só da memória. E, em Asmara, a memória estava nascendo comigo”4.

Que memória, desde então, vive com Marina que, após tantas décadas desde seu nascimento, em 1937, (re)inventa a sua criança, criando para uma audiência pública um artefato literário que, de certo modo, vem a ocupar o lugar de um álbum de família? Sem dúvidas, o desejo de perpetuar e rememorar as sensações e imagens daqueles primeiros anos de vida move a escritora, que comunga com o(a) leitor(a) também o desafio de preencher as lacunas dessa memória individual, de atualizála através das falas de outros, dos poucos indícios materiais preservados consigo, das viagens para revisitar lugares, e das leituras que faz para compreender melhor um contexto geopolítico que não lhe parecia tão claro e compreensível quando criança. E assim, deixa expostas na tessitura do seu texto, os pontos e linhas traçadas, percorridas, que visibilizam a memória como um construto complexo, seletivo, interessado, que, no caso, por tratar-se também de uma prática autobiográfica, apresenta-se ainda como uma operação de produção de si.

Lembramos que as práticas de produção de si, como sintetiza Ângela de Castro Gomes, podem englobar um diversificado conjunto de ações, desde as mais diretamente ligadas à escrita de si, onde se inscrevem os diários e autobiografias, até a da constituição de uma memória de si, que envolve recolhimento de objetos e registros pessoais, relacionados ao indivíduo e aos grupos a que pertence, compondo, muitas vezes, no cotidiano, um “teatro de memória”5.

Lígia Maria Leite Pereira, fazendo “Algumas reflexões sobre histórias de vida, biografias e autobiografias”, lembra-nos a partir de Contardo Calligaris, de que a ideia de que a vida é uma história surge com a era moderna, e de que o escrito autobiográfico, em particular, baseia-se numa cultura em que o indivíduo coloca-se acima da comunidade a que pertence, concebendo sua vida como uma aventura a ser inventada. Assim, a autobiografia consiste numa narrativa da própria existência, que coloca sob o controle do(a) autor(a) os meios de registro; ele(a) seleciona, estabelece os vínculos, define as entonações e estilos. Exerce por isso um fascínio especial, posto que vincula-se à crença de que há ali um discurso de maior autenticidade, já que parte diretamente do interessado. O que, por outro lado, incorre numa maior vulnerabilidade em tornar-se narrativa hagiográfica ou apologética.6 Ainda, contrastam-se comumente diferenças entre autobiografias e memórias enquanto documentos pessoais. O foco, como explica Leite Pereira, dessa vez baseada nos estudos de Leujene, é colocado sobre a questão da intencionalidade:

“o autor quis escrever a história de sua pessoa ou a de sua época?”. Considerarse- ia, pois, memórias, quando o escritor assumisse o lugar de testemunho de seu tempo.

Contudo, no próprio ato da leitura de um livro como Minha guerra alheia, deparamo-nos com as dificuldades em estabelecer uma separação simples, mesmo em termos de intencionalidade, do que seja a história do indivíduo e a da sua época. O próprio título já enuncia a ideia justaposta e contraditória, de algo que é da narradora/protagonista, mas também do outro. Um outro, que embora alheio – e aí tem ênfase ao seu alheamento das causas da guerra, dos propósitos políticos que interferiam diretamente sobre o seu modo de vida e de sua família – é por ela de algum modo subjetivado, atuando na sua constituição enquanto sujeito, repercutindo na construção da sua sensibilidade, que também é, em grande medida, significada por códigos partilhados por muitos de sua época e lugares da infância.

Entramos, pois, em contato com um artefato da memória, cuidadoso e delicado, ainda quando pujante em imagens dolorosas. Uma escrita marcada pela ideia do íntimo, que guia nossos olhares casa(s) e alma(s) adentro, mas que não diríamos introspectiva. Leitura que abre baús, gavetas, cartas, caderninhos de anotações, pequenos apontamentos registrados vida afora (e adentro). Percebemos, pois, uma escrita íntima consciente do seu desejo de tornar-se pública, (com)partilhada, o que condiz com o potencial desejo da ‘memória de si’ na sociedade contemporânea:

“uma sociedade em cuja cultura importa aos indivíduos sobreviver na memória dos outros, pois a vida individual tem valor e autonomia em relação ao todo. É dos indivíduos que nasce a organização social e não o inverso”7.

Como a tessitura do texto revela os percursos da autora para construir suas memórias, sabemos que estas são, em grande medida, voluntárias, partem muitas vezes de um esforço de rememorar, que busca detalhes, como expressões, cores, cheiros, texturas, sabores… Não esquecendo que essa escrita é também a de uma pesquisadora curiosa e experiente, que não deixa a sós a narradora no fluxo de suas lembranças, que perscruta tanto interna quanto externamente os labirintos do jogo de lembrar e esquecer, procurando indícios, que corporificam paisagens, pessoas, coisas, sentimentos, para depois arrumá-las, desenhá-las, com as artimanhas das palavras.

Na tradição filosófica e mesmo no modo de pensar comum, como coloca Paolo Rossi, diferencia-se a memória, referindo-se a uma persistência, da reminiscência, que “remete à capacidade de recuperação de algo que se possuía antes, mas foi esquecido”. Na versão aristotélica, cronologicamente, a memória antecede a reminiscência, pertencendo à mesma parte da alma que a imaginação, tornandose assim uma coleção ou seleção de imagens, a qual acrescenta-se uma referência temporal: “a reevocação não é algo passivo, mas a recuperação de um conhecimento ou sensação anteriormente experimentada. Voltar a lembrar implica um esforço deliberado da mente; é uma espécie de escavação ou busca voluntária entre os conteúdos da alma”, explica Rossi8.

Durval Muniz de Albuquerque Júnior reforça o aspecto construtivo, de recomposição e tessitura do passado, que as lembranças, designadas como “memória voluntária”, possuem. Trabalho de rememoração feito no presente e que somente é significado em relação a este. A recordação, seria, pois “um trabalho de organização de fragmentos, reunião de pedaços de pessoas e de coisas, pedaços da própria pessoa que bóiam no passado confuso, e articulação de tudo, criando com ele um “mundo novo”9.

Esta feitura que liga o passado e o presente, estabelecendo dobras temporais e espaciais, cria a memória romanceada de Colasanti. Músicas, ainda que fragmentadas – sobretudo trechos de canções populares ou hinos da guerra, juntam-se a algumas vestimentas, algumas joias, algumas preciosas fotografias, que são convidadas a falar através da sensibilidade da autora. No seu refazer das lembranças, Colasanti monta um mosaico delicado, avalia as minúcias, descreve os ângulos, as luminosidades, os desenhos e sombras. Sentimos que são observações curtidas ao longo do tempo.

Mas decerto houve também os momentos em que as reminiscências, involuntárias, surpreenderam-na, e embora haja o movimento de tentar capturá-las para a partilha, sabemos que as impressões que nós outros, que espreitamos tão de perto aquela intimidade, embora convidados a fazê-lo, só apreenderemos parcialmente. “A memória guarda o que bem entende, que nem sempre é o que se precisa guardar”, diz ela.

A leitura de “Minha Guerra Alheia” é o acesso à infância da menina Marina, que nasce na Etiópia tomada pelos italianos, que depois vai para a Itália, terra de seus pais, até que se abram os caminhos, ou as nuvens, que trarão ela e sua família para o Brasil. Conhecemos seus conflitos e sensações a cada mudança de residência, seus afetos e inquietações diante das pessoas que lhe circundavam e que tanto mudavam em curto espaço de tempo. Seus gostos literários, gastronômicos, lúdicos, que também variavam ao sabor das vicissitudes de uma época de perigos e tensões. A mulher Marina, adulta, vivida, é, entretanto, a que significa o olhar da criança, que nos jogos da escrita, interfere diretamente para acrescentar um dado que a sua maturidade e conhecimento adquiriram sobre certo acontecimento, justapondo tempos, explicitando o seu desejo de criar sentidos para suas vivências.

E estas vivências oferecem-nos outros cenários: da África colonizada pelos italianos, da Itália envolvida pelo Fascismo e no meio da II Grande Guerra. Cenário de paisagens miúdas, recortadas pelo olhar da menina, que delineia práticas, valores, sentimentos, de pessoas que viviam ali, sob o conflito, não apenas as tensões causadas pelos combates, mas aquelas que parecem comuns ao cotidiano de uma família e de uma criança descobrindo mundos.

Em um desses cenários, a África “italiana” ganha cores que pouco aparecem em outras narrativas, quer por desconhecimento, quer por censuras ao que se estabeleceu como politicamente incorreto:

Quando, em conversas, digo que nasci na África, sei que o interlocutor me vê quase entre choupanas, elefantes ao longe, poeira erguida por um jipe, o sol abrasador recortando a silhueta da savana. A África, para os brasileiros, é sempre um filme de África. A minha África era uma cidade vibrante, divertida, que se modificava a cada dia, à medida que engenheiros e arquitetos erguiam os prédios encomendados por Mussolini para transformar Asmara na Pequena Roma.10 Seja em Asmara ou em Trípoli, para onde segue com a família, o relato apresentanos o desejo, como diz a própria autora, de fundir-se naquele território as ambições cosmopolitas e a cultura colonial. Cassinos, cinemas, teatros, restaurantes, torneios automobilísticos, ville com jardins floridos, avenidas e ruas planejadas e arborizadas delineiam o sonho de uma elite italiana que se quer mais elite ainda na África. Mas também os estranhamentos e adaptações que, por exemplo, faziam dos camelos presença constante na colônia, a despeito do incômodo cheiro, e das caçadas, programas de sucesso, especialmente quando traziam iguarias à mesa.

Porém, na iminência da declaração de guerra da Itália à França, após quase um ano da aliança firmada com a Alemanha, um hidroavião levou Marina, seu irmão e a mãe, Lisetta, para a Itália, onde passou a morar em diversas cidades, mudando de albergues, hotéis, casas, sendo ocasionalmente visitados pelo pai que, com o agravar do conflito, deixa de vez a África para juntar-se à família.

Nesses outros cenários, a vida modificada pelo ambiente de guerra, traz aprendizados que tornam-se vitais:

A primeira coisa que se aprende na guerra, ou pelo menos uma das primeiras com que construí meu infantil aprendizado de sobrevivência, é substituir. Quando alguma coisa que antes considerávamos insubstituível começa a faltar, colocase outra em seu lugar, que passa a ser insubstituível até ser, por sua vez, substituída. Agradece-se  aos céus existir a outra. E no lugar da palavra insubstituível põe-se desejável.11 E vamos com a narradora aprendendo sobre os hábitos e os sucedâneos possíveis naqueles tempos. Em vez de carne, peru. Em vez de café, chicória, para a qual se reservava o pouco açúcar disponível. Usava-se falsa lã vegetal, que não aquecia tanto, deixando a lã verdadeira para a confecção dos uniformes militares. As meias de seda desapareceram, mas eram ainda desejadas pelas mulheres, que passavam maquilagem escura nas pernas e pediam para alguém desenhar atrás, com lápis de sobrancelha, a linha da “costura”. A moda subsistia à falta de tecidos, com modelos de abrigos feitos com velhos cobertores, e turbantes de lenços, para substituir os chapéus.

A narrativa extravasa em imagens cotidianas, também pitorescas e surpreendentes dos costumes e hábitos que persistiam, ainda que adaptados aos sucedâneos, bem como aqueles que então se estabeleciam como novos. Pode-se sentir o esforço em continuar vivendo, trabalhando, amando, estudando, brincando, “apesar de”… Para a família da autora, que conhecia conforto e experimentara abundância, além de uma convivência próxima com pessoas cultas e amantes das artes, o estado de guerra não seria justificativa para descuidarem-se dos estudos das crianças. Ler, inclusive, fazia parte da ocupação e das horas de crianças que não podiam livremente sair de casa para brincar.

Marina Colasanti, entretanto, sabe o quanto ela e o irmão foram poupados do contato mais cruel e violento com a guerra: “Naquele tempo sem televisão, as crianças eram poupadas das verdades e imagens mais cruas. Algumas intuímos através de trechos de conversas, outras foram sendo entregues pela vida, compondo aos poucos o mosaico falhado da memória”12.

Ainda, ela e o irmão, Arduino, tinham no pai uma espécie de herói aventureiro, mas também protetor, que sendo fascista, pareciam-lhes estar lutando do lado “certo”.

Talvez desconhecesse seu pai também os aspectos mais danosos e exterminadores daquele conflito, ela especula. Naquele cotidiano alterado pela escassez de víveres e alertas de bombardeio, dá-nos a impressão do quanto a extensão do combate parecia desconhecida, alheia, não apenas ao seu mundo infantil, mas ao de muitos, mesmo dos adultos, à sua volta.

E instiga-nos várias passagens a pensar nas relações de alteridade estabelecidas entre pessoas como ela em territórios outros, quando, por exemplo, do seu contato no Brasil com crianças que a insultavam por vir da Itália fascista, derrotada na guerra:

Quando cheguei aqui, as crianças que conheci falavam com entusiasmo de filmes e histórias em quadrinhos cheios de japoneses dentuços, alemães assassinos e italianos sentimentais e covardes. O mesmo entusiasmo com que me provocavam ou me insultavam diretamente, gabando a atuação vitoriosa das tropas brasileiras que haviam posto os italianos em fuga. Essa nova visão parecia-me  inaceitável. Como era possível, perguntava meu coração infantil, que fossem covardes os soldados para os quais minha mãe havia tricotado passamontagna, aqueles que “com lê scarpe o senza scarpe” atendiam ao chamado de seu comandante? Como podia ser covarde meu pai, que havia sido proposto para uma medalha ao valor militar, e que ia para as guerras por gosto, por patriotismo? Eu havia visto na invasão e na ocupação soldados do mundo inteiro, americanos e ingleses, australianos e poloneses, indianos e africanos, canadenses. Mas nenhum brasileiro. A ação da FEB, localizada principalmente no centro da Itália, quando minha família se encontrava no Norte, havia sido inexistente para mim. “Vocês nem estavam lá!”, eu respondia, segura como uma testemunha ocular.13 Vê-se como a atuação da propaganda ideológica, de cada lado, forja identidades, alcançam fronteiras para além das delimitações geopolíticas mais objetivas. Aquela talvez fosse, de fato, a guerra de Marina: lutar, com sua força e consciência ainda de menina, contra a aniquilação simbólica do que lhe era caro e verdadeiro. Encarar, tantas vezes, os dilemas do não-pertencer em definitivo a um lugar, a um grupo, e às vezes a tantos, e ainda assim aprender a reconhecer o que havia de bom e belo em estar de passagem. Lidar ainda com os fantasmas daquele passado que transcorrera logo ali, ruas acima ou abaixo da sua casa, em cidades próximas, tão perto e tão longe dos seus olhos, mas que um dia, com outras lentes, também afetaram seu coração.

Decerto Marina Colasanti já fala de um lugar onde é possível tocar a estas questões sem maiores desconfortos. Sua compreensão e mesmo seu mergulho no passado, inscrevendo, registrando, compondo no presente aquilo que não pretende deixar esquecido, traz indícios da sua coragem e do seu potencial desejo de lutar contra a morte dos sentidos e das imagens que (re)vestem a sua própria história.

Ela evoca o passado para falar com o presente, e assim instaura um novo, um outro tempo, de vivências. Estas, sem dúvida, inscritas e atualizadas pelas várias leituras, instituem outras possibilidades de leitura do passado, instigando uma leitura do sensível mesmo sobre os contextos mais árduos e ásperos. Uma leitura que abre prismas para a problematização da relação conflituosa, mas sempre apaixonante, entre história e memória.

Notas

2 Ver, por exemplo: MICHELLI, Regina. O masculino e o feminino em Marina Colasanti: configurações, encontros embates. In: Anais do XI Congresso Nacional da ABRALIC. São Paulo: USP, 2008; SANTA MARIA, Márcia Juliane V. Marina Colasanti: longe ou perto do querer do leitor? Um estudo de caso de ‘Longe como o meu querer’ por alunos do ensino fundamental. Dissertação (Mestrado em Letras). Universidade Estadual de Maringá. Maringá, 2006. SILVA, Silvana Augusta B Carrijo. Marina Colasanti: mulher em prosa e verso. Dissertação (Mestrado em Letras e Linguística).Universidade Federal de Goiás. Goiânia, 2003.

3 Sobre o prêmio Jabuti: <http://www.cbl.org.br/jabuti/>. Ver também COELHO, Nelly Novaes.

Dicionário crítico da literatura infantil e juvenil brasileira – 1882/1982. São Paulo: Quíron, 1983.

4 COLASANTI, Marina. Minha guerra alheia. Rio de Janeiro: Record, 2010, p. 15.

5 GOMES, Ângela de Castro (org.). Escrita de si, escrita da História. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004.

6 PEREIRA, Lígia Maria Leite. Algumas reflexões sobre histórias de vida, biografias e autobiografias. História Oral – Revista da Associação Brasileira de História Oral, São Paulo, n. 3, jun. 2002, p. 117- 127.

7 GOMES, Ângela de Castro. Escrita de si, escrita da História: a título de prólogo. In: GOMES, Escrita de si…, p.13 8 ROSSI, Paolo. O Passado, a memória, o esquecimento: seis ensaios da história das ideias. São Paulo: Editora da UNESP, 2010, p. 15.

9 ALBUQUERQUE JR., Durval Muniz de. História: a arte de inventar o passado. Bauru: EDUSC, 2007, p. 202 10 COLASANTI, Minha guerra…, p. 29.

11 COLASANTI, Minha guerra…, p. 84.

12 COLASANTI, Minha guerra…, p. 168.

13 COLASANTI, Minha guerra…, p.104.

Alômia Abrantes – Doutora em História pela Universidade Federal de Pernambuco. Professora Adjunta do Departamento de História da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB- Campus III).

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