European Empires and the People: Popular responses to imperialism in France, Britain, the Netherlands, Belgium, Germany and Italy – MACKENZIE (LH)

MACKENZIE, John M. European Empires and the People: Popular responses to imperialism in France, Britain, the Netherlands, Belgium, Germany and Italy. Manchester: Manchester University Press, 2011, 242 pp. Resenha de: REIS, Célia. Ler História, n.67, p. 190-193, 2014.

1 Há várias décadas que o editor deste livro, John M. Mackenzie, se dedica a estudar as manifestações do imperialismo na vida cultural da metrópole e da identidade nacional e aqui continua nesse campo de trabalho. Se isto é, incontestavelmente, importante, este volume da série «Studies in Imperialism» (dirigida pelo mesmo) ainda se mostra mais relevante ao seguir uma linha que não é habitual: a comparação entre os casos de seis países, França, Grã-Bretanha, Holanda, Bélgica, Alemanha e Itália. Com esse fim, em Julho de 2009, MacKenzie reuniu à sua volta – em todo o sentido da palavra porque o encontro ocorreu na sua própria casa – quatro investigadores de vários países (a exceção foi apenas Giuseppe Finaldi, impossibilitado pela sua estadia na Austrália) e com eles discutiu as diversas questões que resultaram nesta obra; o trabalho continuou depois através dos novos meios de comunicação. Encontramo-nos assim perante o que o editor considerou mais uma coautoria do que uma coleção de ensaios (p. 16).

2 O resultado foi um livro cujo tema central é, como se encontra logo na introdução, a “colonização da consciência” (‘colonisation of consciousness’) e o “imperialismo internalizado” (‘internalised imperialism’), expressões que MacKenzie foi buscar às obras de Comaroff e D. A. Low (p. 1), usadas inicialmente noutros contextos mas que aqui correspondem, fundamentalmente, ao desenvolvimento da ideia imperial entre as próprias populações de cada Estado, entre os finais do século XIX e a primeira metade da centúria seguinte. Com efeito, como se assegura, o imperialismo correspondeu a um processo múltiplo, que se alargou não só às populações indígenas e colonos mas igualmente aos habitantes metropolitanos (p. 6). Assim, a leitura proporciona-nos a análise de situações diferenciadas mas que, no seu global, nos situam perante duas abordagens principais: a procura da conciliação entre os efeitos económicos do imperialismo e os seus resultados sociais, canalizando as tensões internas para outra dimensão; a apreciação das particularidades culturais e de propaganda do imperialismo, a parte com maior destaque na sucessão das páginas do livro. Ou, visto numa outra via, e considerando que a realidade é mais complexa, numa infiltração entre o social e o cultural (pp. 4-5).

3 A conjugação de todos estes elementos tem na sua base um aspeto não menos relevante: o «outro». Para além do nativo dos territórios ultramarinos, sobre quem se desenvolveram teorias raciais da diferença integradas no contexto do darwinismo social, ou do colono, o imperialismo teve como pano de fundo as relações intereuropeias. Com efeito, estava-se perante um facto transnacional, desenvolvido numa teia de relações muito diversas entre os Estados. Apesar das rivalidades, evoluíram no mesmo processo, fomentando formas e teorias comuns – «learned from and copied each other» (p. 7); mesmo os americanos e japoneses assumiram estes modelos. E, não obstante as variantes nacionais, os diversos capítulos apelam frequentemente ao uso de meios similares. Mas em relação ao «outro» cresceram também as competições, os ressentimentos e o medo, dos «inimigos» tradicionais (entre a França e a Inglaterra, por exemplo), ou dos novos, criados pelas ambições dos competidores e que foram mudando num contexto que em muito alargava as fronteiras ultramarinas.

4 Neste contexto, na obra são consideradas instituições e formas de transmissão da ideia imperial. O período sobre o qual se debruça, aliás, potencializava esta propagação: desenvolvia-se a escolarização, propagavam-se os meios de comunicação de massas, alargava-se o sufrágio, expandiam-se os mercados de consumo, surgiam novas disciplinas e técnicas, etc. As instituições culturais, políticas, religiosas, científicas, educativas, ou outras, assumiram um papel preponderante, com a criação de museus, organização de exposições, realização de cerimoniais, integração dos temas nos currículos escolares, publicação de livros das mais variadas formas, criação de heróis nacionais, difusão de imagens, monumentalização de factos e pessoas, entre outros, de que os diferentes autores vão dando conta. Entre as instituições um papel destacado é concedido às de evangelização das diferentes confissões: para além do seu conhecido e desconhecido papel na pregação e no alargamento da influência dos Estados europeus por terras ultramarinas, o destaque dá-se aqui ao seu papel na difusão do imperialismo nas metrópoles.

5 Estas questões mais gerais ganham lugar na individualidade de cada um dos Estados, considerados em cada capítulo e mostrando que houve diferentes níveis de aceitação dos factos imperiais.

6 Berny Sèbe, em «Exalting imperial grandeur: the French empire and its metropolitan public», mostra como, apesar das dificuldades metropolitanas e da importância dos valores agrários em França, se sustentou o interesse pela expansão ultramarina. Vindo já de épocas anteriores, ele converteu-se numa parte importante das ideias da III República e incrementou-se ao longo do tempo, entrando na cultura popular. Se o período entre guerras conheceu maior incremento, ganhou ainda maior dimensão durante com a II Guerra, como contraponto à fraqueza interna. O momento final do seu colonialismo foi, deste modo, o do seu paroxismo.

7 O capítulo dedicado à Grã-Bretanha, «Passion or indifference: popular imperialism in Britain, continuities and discontinuities over two centuries», é devido ao próprio John M. MacKenzie, que aqui reafirma as suas anteriores proposições sobre o imperialismo na cultura popular: apesar da contestação oferecida por alguns autores, são considerados os sinais que, de formas diversificadas, mostram o encantamento com o império. Na sua conclusão, “apesar nem sempre visível, o imperialismo popular esteve sempre presente” (p. 82) – todavia, apesar da sua expressão desde o século XVIII, foi no final de oitocentos que assumiu maior peso na cultura popular.

8 Envolvida no colonialismo desde o século XVII, ao iniciar-se o século XX a Holanda estava essencialmente ligado a dois espaços, as Índias holandesas e a África do Sul. Ao longo do capítulo três, «Songs of an imperial underdog: imperialism and popular culture in the Netherlands, 1870-1960», Vincent Kuitenbrouwer examina como a ideologia imperial se tornou parte importante no processo de desenvolvimento da afirmação da identidade nacional, ligada à modernidade – apesar da incerteza experimentada por um pequeno país com um grande império colonial (p. 118). Prossegue até aos traumas suscitados pelos efeitos da II Guerra, da descolonização e do apartheid.

9 Matthew G. Stanard escreveu «Learning to love Leopold: Belgian popular imperialism, 1830-1960» onde se dedica ao estudo da alteração de atitudes em torno da figura do rei Leopoldo II, de mal-amado a celebrado, e da relação com os belgas com as suas colónias, da indiferença ao entusiasmo. Em todo este processo, a ameaça alemã proporcionou uma mudança, que se desenvolveu pelas atividades internas, organizadas com este fim.

10 Apesar da Alemanha só ter possuído colónias entre 1884 e 1918, a ideia imperial prolongou-se no tempo, numa aspiração ao que o país deveria ter, como destacou Bernhard Gissibl em «Imagination and beyond: cultures and geographies of imperialism in Germany, 1848-1918» (p. 161). Com efeito, já anteriormente à unificação se constatava o assunto; apesar dos efeitos do Tratado de Versalhes, as fantasias imperialistas resistiram através de uma variedade de formas, almejando a satisfação de necessidades nacionais – embora não se tenham manifestado especialmente para com as colónias durante o nazismo. Porém, a ligação entre o nacionalismo e o colonialismo não foi similar em todos os grupos nem em todo o país.

11 Para concluir, no último capítulo, «’The peasants did not think of Africa’: empire and the Italian state’s pursuit of legitimacy, 1871-1945», Giuseppe Finaldi observa como a ligação entre o imperialismo e o Estado prosseguiu ao longo dos regimes que se sucederam entre a unificação e a II Guerra Mundial: o império tornou-se essencialmente a mensagem de comunicação Estado/povo, envolvendo a todos numa «cidadania comum» (p. 224), um esforço para ligar o povo com os vários regimes (p. 196). Neste sentido contradiz a frase de Levi que colocou no título, pois considera que o império se tornou, se facto, um sonho generalizado.

12 Apesar da pertinência de toda a sua análise, o livro enferma de algumas lacunas, aliás reconhecidas na própria introdução. Assim, num nível mais geral não é contemplada a descolonização. Mas se esta é uma decisão que engloba todos os países, podemos considerar que a omissão é mais grave deixando a Espanha e Portugal de fora, por razões de espaço. Se o primeiro destes Estados atravessava a sua fase de perda, já o nosso país, não obstante a sua fraqueza, era indubitavelmente um ponto central destas questões no período em causa. E a sua debilidade poderia eventualmente ser confrontada com a posição que Kuitenbrouwer apontou para a Holanda, a de uma pequena nação descobrir o seu lugar como detentora de um vasto império. No nosso caso interno lamentamos também a exclusão de Portugal porque proporcionaria uma conjugação de elementos que já se começaram a fazer e o incentivo ao seu prosseguimento. Esperamos pois que, como John MacKenzie escreveu, haja outra possibilidade de superar essa falta.

13 No contexto europeu seria igualmente de considerar outras possibilidades de alargamento desta análise. Por exemplo, como é que o imperialismo se refletiu na cultura de países que não estiveram diretamente envolvidos mas certamente experimentaram nele as suas consequências. Alguns teriam, provavelmente, uma relação mais intensa devido ao seu passado, como sucedeu com a Dinamarca. O estudo destes fenómenos contribuiria, sem dúvida, para um melhor conhecimento das dinâmicas europeias. E, apesar do imperialismo ter assumido mais destaque no Velho Continente, seria igualmente desejável compreender o mesmo fenómeno para outras potências que foram adquirindo espaço, os Estados Unidos da América e o Japão.

14 Não obstante estas questões, estamos perante uma obra de grande pertinência, levantando questões variadas e linhas de trabalho muito sugestivas, que se espera que venham a frutificar.

Célia Reis – IHC-FCSH/UNL.

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