A novela História do Predestinado Peregrino e de seu irmão Precito (1682): compêndio dos saberes antropológicos e psicológicos dos jesuítas no Brasil Colonial – MASSIMI (HU)

MASSIMI, M. (org.). A novela História do Predestinado Peregrino e de seu irmão Precito (1682): compêndio dos saberes antropológicos e psicológicos dos jesuítas no Brasil Colonial. São Paulo: Edições Loyola, 2012. 298 p. Resenha de: DILLMANN, Mauro. Literatura religiosa e jesuítas no Brasil Colonial. História Unisinos 18(3):645-648, Setembro/Dezembro 2014.

O livro aqui resenhado é uma análise psicológica – mas também histórica – da obra História do Predestinado Peregrino e de seu Irmão Precito escrita pelo padre jesuíta Alexandre de Gusmão2 (1629-1725) e publicada inicialmente em 1682.

Organizado por Marina Massimi, professora titular do Departamento de Psicologia da USP, a obra conta com sete textos, incluindo uma grande introdução escrita pela própria organizadora, quatro textos desta em coautoria com “jovens pesquisadoras” – três alunas do curso de Psicologia da USP, Lidiane Ferreira Panazzolo, Nayara Aparecida Saran e Lívia Tieri Kuga –, com uma mestre em Psicologia pela mesma Universidade – Maira Allucham Gulart Naves Trevisan Vasconcellos – e, por fim, um texto de um pós-doutorando em Cultura Contemporânea na UFRJ – José Eduardo Ferreira Santos.

A literatura investigada é uma novela do padre Gusmão que aborda a peregrinação de dois personagens, um chamado Predestinado e outro chamado Precito, que escolhem diferentes caminhos, percursos de vida, representados, respectivamente, pela viagem do Egito a Jerusalém (o paraíso, a salvação) ou do Egito à Babilônia (o inferno, a condenação), procurando demonstrar metaforicamente que a peregrinação representa o próprio percurso existencial e as escolhas de cada sujeito ao longo da vida.

Esta novela do padre Gusmão – dedicada ao peregrino e missionário Francisco Xavier Apóstolo do Oriente (1506-1552) – se configura, segundo Massimi (2012, p. 52), enquanto um compêndio da visão antropológica e dos saberes psicológicos elaborados pela Companhia de Jesus na América Portuguesa, cujo enredo é a peregrinação como figura alegórica da vida. Os dois personagens, Predestinado e Precito, aspirando à felicidade, iniciam sua peregrinação; o primeiro em direção a Jerusalém, em busca da salvação, segue com sua esposa, a Razão, com a qual tem dois filhos, Reta Intenção e Bom Desejo; o segundo segue em direção à Babilônia, em busca de satisfações materiais, com sua esposa Própria Vontade e seus filhos, Mau Desejo e Torta Intenção. A intenção de Gusmão, segundo Massimi e Panazollo (in Massimi, 2012, p. 203), ao intitular seu livro como a história de um Peregrino, servindo aos propósitos contrarreformistas, era a de recuperar fiéis perdidos, no sentido de atrair leitores, uma vez que alguns anos antes, em 1678, John Bunyan, um autor protestante, publicou O Peregrino.

Podemos incluir o livro de Gusmão, analisado por Massimi e outros, na categoria que chamamos “manuais de devoção”, obras da literatura religiosa moderna destinadas a difundir a doutrina cristã e os modelos de comportamento moral esperados para a vida virtuosa, a boa morte e a salvação da alma. Em um dos textos (O percurso de Predestinado Peregrino: encontros, lugares e imagens edificantes na História de Alexandre de Gusmão) do livro, as autoras, Lidiane Ferreira Panazzolo e Marina Massimi, reconhecem a obra do padre como “uma espécie de manual de conduta provavelmente utilizado nos colégios jesuítas” (p. 204). Na conclusão deste artigo, as autoras destacam que “havia poucos exemplares originais do livro”.

Pude constatar, em um prévio levantamento nos catálogos de arquivos de Portugal e do Brasil, a existência de edições de 1682, 1685 e 1728. Na Biblioteca Nacional de Portugal, constam três exemplares de 1682, formato livreto de mão, como quase todos manuais de devoção do final do século XVII e do século XVIII, com 15 cm, impresso na oficina Miguel Deslandes; quatro exemplares microfilmados da edição de 1685, publicada pela oficina da Universidade de Évora, e um exemplar de 1728, indicando ser de quarta edição, impresso à custa do mercador de livros Domingos Gonçalves na oficina de Felippe de Sousa Villela. Por esta mesma oficina e mesma edição, existem exemplares na Biblioteca Joanina, em Coimbra, e na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, indicando ainda pertencer à Coleção da Real Biblioteca, o que demonstra o sucesso da obra no período e a circularidade da mesma entre a América Portuguesa.3 Além da interessante análise psicológica com enfoque histórico, o livro tem o mérito de apresentar a íntegra da obra analisada, transcrita com português atualizado, facilitando o acesso e a consulta deste documento para outros pesquisadores e interessados em geral. Além disso, as autoras “traduziram” o texto do padre Gusmão em dois interessantes anexos para a compreensão do texto.

Um deles é uma árvore genealógica dos personagens, o outro são dois mapas com descrições, rabiscos, setas e desenhos literalmente feitos de modo manuscrito, esquematizando a peregrinação de cada um dos personagens.

Ainda que uma estratégia didática e criativa das autoras, tal espécie de “mapa conceitual” poderia ter sido feita com melhores recursos gráficos, podendo manter a mesma diagramação do manuscrito, a fim de apresentar ao leitor uma melhor compreensão e leitura analítica.

Na construção da novela, em que Gusmão aborda a prática da peregrinação como a busca de um sentido de vida, as autoras identificam influências de Inácio de Loyola (Exercícios espirituais) e de Antônio Vieira (sermão Undécimo do seu dia). Loyola estaria presente no exemplo do uso pedagógico que fez de imagens para veicular a mensagem cristã e para agir na subjetividade do leitor, especialmente na memória e na imaginação, de modo a facilitar a meditação (Massimi, 2012, p. 24). Já Vieira destacaria o mundo em que se anda, a peregrinação, designando-a como “aquisição de experiência da qual se tira um ensinamento, uma moral”, diferenciando-a do desterro, um simples caminhar sem aprendizagem alguma (Saran e Massimi in Massimi, 2012, p. 222-223).

A obra do padre Gusmão foi entendida como uma “metáfora da existência humana”, imagem muito empregada no período moderno para “comunicar conceitos”, pois as alegorias atuavam como “dispositivos retóricos” (palavras eficazes na ação do dinamismo psíquico dos destinatários) capazes de provocar atividades sensitivas e imaginativas (Massimi, 2012, p. 18, 23, 28). O uso destas alegorias, metáforas e recursos retóricos estaria de acordo com a pretensão do padre de “mover a curiosidade do leitor”, muito comum nas obras devotas do período moderno.

Essa “novela alegórica” estabelece uma relação de diálogo com o leitor, enquanto manual de instrução para ser (re)lido inúmeras vezes, que exemplifica os “requisitos para chegar à salvação” com suas dificuldades e riscos, tornando-se “mais próxima da vivência dos leitores” (Panazzolo e Massimi in Massimi, 2012, p. 207). A eficácia da proposta apresentada pelo padre estaria na disposição do leitor e na importância que o mesmo atribuiria à leitura (passatempo ou proveito), de modo que somente a leitura “para proveito” seria de grande “lição espiritual” (Massimi, 2012, p. 46).

O livro organizado por Massimi é uma contribuição à História do Brasil, especialmente à historiografia do período colonial, por considerar e interpretar a sensibilidade religiosa jesuíta no contexto de expansão da moral tridentina e da retórica dual barroca (paraíso-inferno, salvação-condenação, verdade-mentira, bem-mal), bem como as práticas de leitura dos manuais de devoção e sua circulação pela América Portuguesa, como se percebe, sobretudo, nos elucidativos textos de Marina Massimi (Texto introdutório) e de Nayara Aparecida Saran e Massimi (A peregrinação como percurso anímico: o percurso da Palavra e do Entendimento). No entanto, não há muitas referências ou exploração do contexto colonial em si, sobretudo em relação aos aspectos sociopolíticos, econômicos ou culturais da Colônia, das cidades por onde possivelmente o texto tenha circulado, como Salvador, Rio de Janeiro e Recife. Além disso, é possível dizer que os primeiros textos do item “Leituras da novela à luz da história dos saberes psicológicos e da história da cultura”, destacado no sumário, são construídos com repetição dos argumentos, que podem ser encarados como reforço intencional na análise da obra de Gusmão.

Na análise que empreendem do manual do padre Alexandre de Gusmão, o objetivo parece ser plenamente alcançado, qual seja, o de destacar a pretensão do manual de “evidenciar a importância do cuidado de si” e os “efeitos do descuido”, enfatizando o “conhecimento da pessoa e prática de orientação” do sujeito (Massimi, 2012, p. 34). É nesse sentido que, ao longo de todos os textos, os autores enfatizam a importância atribuída pelo padre Gusmão ao processo do desengano, que implicava o uso consciente da razão, à confiança na razão para atingir um entendimento considerado verdadeiro da realidade e para ordenar a vontade,4 levando ao discernimento. Esse processo de desengano seria facilitado na prática do exame de consciência e nas demais práticas religiosas, como a confissão, já que eram acompanhadas de recursos culturais como imagens sagradas, pinturas, músicas, etc.5 Na novela de Gusmão, “Desengano” seria um personagem que “fixa os olhos na verdade” (Massimi, 2012, p. 42, 48), e o desenganado seria aquele que reconhecesse a enganação do mundo, que conseguisse visualizar as virtudes do céu desvinculando-as das aparências e prazeres imediatos do mundo terreno (Saran e Massimi in Massimi, 2012, p. 230).

No artigo A experiência corporal na História do Predestinado Peregrino e de seu irmão Precito, a relação corpo e alma foi abordada por Lívia Tieri Kuga e Marina Massimi para enfatizar as metáforas do corpo que remetem aos sentimentos dos personagens (coração, olhos, carne, vestimentas/trajes e corpo/alma), baseadas na filosofia clássica e escolástica (Platão, Aristóteles, Santo Agostinho, São Tomás de Aquino), de modo a demonstrar que as escolhas feitas em vida modificam não apenas o espírito, mas também o corpo de cada um. As autoras elaboraram um interessante índice ao final do capítulo, na medida em que referenciaram todas as expressões, metafóricas ou não, em que aparecem as estruturas corporais, como, por exemplo, “coração a ouvir”, “disse em seu coração”, “coração humilde”, etc.

Esse vínculo corpo/alma aparece ao longo dos textos que compõem o livro. Massimi destacou as “dimensões do dinamismo” do sujeito que seriam o corporal, o psíquico e o espiritual. O corporal estava no “gesto físico de peregrinar”, cujo movimento se vinculava aos estudos dos corpos e às teorias médicas acerca dos temperamentos.

O espiritual, o “núcleo temático central da novela”, uma vez que a leitura implicaria “envolvimento” e atitudes espirituais como a devoção – o apelo ao “devoto leitor” – estava no aprendizado de virtudes divinas, como a piedade, a obediência e a perseverança. Por fim, o dinamismo psíquico relacionava-se ao “funcionamento das potências da alma, suas operações, suas doenças e seus remédios”. As potências principais eram o entendimento e a vontade, cujo cultivo era de fundamental importância para o “bem viver” e para identificar as “enfermidades” da alma (Massimi, 2012, p. 34-37).

Massimi destaca que, no século XVIII, foi comum a presença do médico espiritual para a ordenação da vida pessoal dos fiéis, a partir da obra de Cláudio Acquaviva (1543-1615), Normas para a cura das enfermidades do ânimo (1600), que definiu os “vários tipos de doenças espirituais e de remédios para cada doença”; daí, então, o rótulo de medicina da alma muito recorrente na literatura jesuíta.

A atuação jesuíta, aliás, estaria vinculada à medicina do ânimo, à pregação e à pedagogia. Por “medicina da alma” a autora entende “um conhecimento do ser humano e de sua dinâmica psicológica que visa à adaptação deste ao contexto social de inserção” (Massimi, 2012, p. 50).

Marina Massimi assina outro texto com Maira Allucham Goulart Naves Trevisan Vasconcellos, que analisa outra obra que trata de peregrinação. Trata-se do Compêndio narrativo do Peregrino da América, escrito pelo padre Nuno Marques Pereira (1652-1728) e publicado em 1728.6 As autoras indicam a “grande circulação” e as várias reimpressões do manual do padre Pereira, nos anos de 1731, 1752, 1760 e 1765, mas não indicam quaisquer informações sobre os arquivos em que se encontram.7 No entanto, destacam que utilizam a sexta edição, publicada pela Academia Brasileira de Letras em 1939. A novela de  Pereira conta a viagem de um peregrino da Bahia a Minas Gerais no início do século XVIII. O Compêndio teria a finalidade de instruir e divertir o leitor por meio de contos e instruções de “como se deve viver para manter corpo e alma saudáveis e salváveis” (Vasconcelos e Massimi in Massimi, 2012, p. 263). Para persuadir quanto aos preceitos de bem viver, Nuno Pereira buscava seus argumentos na Sagrada Escritura, em São João Crisóstomo e em Santo Agostinho.

Tal como a novela de Gusmão, a peregrinação é tanto o percurso geográfico percorrido pelo personagem principal – o Ancião – quanto o caminho existencial que conduz à eternidade (Vasconcelos e Massimi in Massimi, 2012, p. 267), no qual era oportunizado ao homem o conhecimento de si e o desenvolvimento de virtudes.

Vale uma descrição um pouco mais apurada sobre a obra de Nuno Pereira – embora ocupe apenas um artigo do livro – para demonstrar a proposta do livro, que é a de apresentar os saberes dos jesuítas no Brasil Colonial. Se havia, no Compêndio, uma relação entre o bem viver e o bem morrer, da mesma forma havia doenças do corpo e da alma. A tristeza era um mal que, por exemplo, traria efeito na saúde do corpo, levando muitas vezes à morte súbita (uma má morte). As paixões eram empecilhos ao uso prudente da razão, e a demasiada tristeza levaria a doenças como lepra, sarnas, magreza, etc., cujos remédios variavam entre conversas, cheiros, ar do campo ou do mar e música. Aconselhava-se alimentação moderada, sono adequado, consumo de vinho, exercícios físicos, penitência, paciência, jejuns e disciplina. A salvação ou condenação da alma após a morte era determinada pela conduta na existência mundana (Vasconcelos e Massimi in Massimi, 2012, p. 271-278). O Compêndio, tal como A novela História, recebeu infl uência dos Exercícios espirituais de Inácio de Loyola e se apoiava nos escritos de Tomás de Kempis.8 O último artigo a integrar o livro organizado por Massimi é de José Eduardo Ferreira Santos (Peregrinos e viajantes: o homem em movimento, rumo ao destino, através da cultura popular e da música brasileira), um pequeno texto que, exceto por tratar de um tema em comum – a peregrinação, tomada genericamente como sinônimo de viagem e de romaria – destoa do objetivo geral da obra.

O texto de Santos busca identificar o peregrino/romeiro/ viajante na “cultura brasileira”, especialmente na música popular, o que é feito não sem algum juízo de valor, como ao se referir à canção “A triste partida”, de Luiz Gonzaga, destacando ser “muito famosa” e “belíssima”, que “revela uma das características mais complexas do homem moderno, que é a perda de suas raízes ocasionada pelas difíceis condições sociais” (Santos in Massimi, 2012, p. 288-289).

A obra organizada por Marina Massimi atinge plenamente os objetivos propostos, demonstrando a contribuição de autores da Companhia de Jesus no contexto luso-brasileiro da Idade Moderna para a “criação de formas, de métodos e de justificativas de um tipo de conhecimento da subjetividade e do comportamento humano” que deram origem à psicologia moderna (Massimi, 2012, p. 17).

Mesmo sem seguir uma perspectiva metodológica estritamente histórica, o livro é uma importante refl exão e contribuição à atual historiografia dedicada às práticas de leitura e à circulação, no Brasil, de obras religiosas editadas e publicadas inicialmente em Portugal da época moderna, bem como voltada à análise dos discursos cristãos para instruir a vida devota, para conduzir o fiel no caminho do bem viver, para exemplificar as condutas morais que garantiriam uma boa morte e uma eternidade feliz.

Referências

DAVIS, N.Z. 2001. Histórias de Perdão e seus narradores na França do século XVI. São Paulo, Companhia das Letras, 300 p.

DELUMEAU, J. 1989. Nascimento e afirmação da Reforma. São Paulo, Pioneira, 301 p.

FLECK, E.C.D.; DILLMANN, M. 2013. Os sete pecados capitais e os processos de culpabilização em manuais de devoção do século XVIII. Topoi, 14(27):285-317.

FLECK, E.C.D.; DILLMANN, M. 2012. “A Vossa graça nos nossos sentimentos”: a devoção à Virgem como garantia da salvação das almas em um manual de devoção do século XVIII. Revista Brasileira de História, 32(63):83-118. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-01882012000100005 PERIER, A. 1724. Desengano dos pecadores, necessário a todo o gênero de pessoas, utilíssimo aos missionários e aos pregadores que só desejam a salvação das almas. Roma, Oficina Antônio Rossis na via do Seminário Romano, 439 p.

WITTMANN, R. 1999. Existe uma revolução da leitura no final do século XVIII? In: G. CAVALLO; R. CHARTIER (org.), História da leitura no mundo ocidental. São Paulo, Ática, vol. 2, p. 135-164.

Notas

2 Alexandre de Gusmão nasceu em Lisboa em 1629 (português, embora a autora se refira ao mesmo como “baiano” [p.18]), foi diretor do Colégio do Menino Jesus de Belém em Cachoeira do Campo, próximo a Salvador, na Bahia, local onde viveu e morreu em 1724. Foi autor de inúmeras outras obras sobre a “arte de viver”, como Arte de criar bem os filhos na idade da puerícia [1685]; Escola de Belém, Jesus nascido no Presépio [1678]; Menino Christão [1695]; Maria Rosa de Nazaret nas montanhas de Hebron, a Virgem nossa Senhora na Companhia de Jesus [1715]; Eleição entre o bem e o mal eterno, O corvo e a pomba da Arca de Noé no sentido alegórico e moral [1734] (Massimi, 2012, p. 18).

3 É possível conferir os catálogos on-line em: http://www.bnportugal.pt; http://www.uc.pt/bguc; http://www.bn.br/portal.

4 Considerando que o público leitor (e ouvinte) das obras manuais de devoção era, em grande medida, feminino, é importante considerar a observação feita pela historiadora Natalie Davis para as características atribuídas às mulheres na França do século XVI. Elas eram caracterizadas com o termo “imbecillité”, que designava “a fraqueza mental e de vontade” (Davis, 2001, p. 126). Sobre a difusão maior da leitura entre o público feminino e para as instruções voltadas às mulheres, ver Wittmann, 1999, p. 143; Fleck e Dillmann, 2012, e Eliane Cristina Deckmann Fleck, Mauro Dillmann. “Remédios para amansar a fera”: as regras para o bem viver e as orientações para os mal casados viverem em paz em um manual de devoção do século XVIII (texto inédito).

5 Reflexões sobre o “desengano” parecem ter sido foco comum de muitos jesuítas, principalmente daqueles dedicados à pregação e à conversão. Um exemplo interessante, nesse sentido, é a obra do jesuíta italiano Alexandre Perier, que no final do século XVII atuou no Brasil, publicando em Lisboa, no ano de 1724, um manual que leva no título a palavra “desengano”. Alexandre Perier, Desengano dos pecadores, necessário a todo o gênero de pessoas, utilíssimo aos missionários e aos pregadores que só desejam a salvação das almas. Roma: Oficina Antônio Rossis na via do Seminário Romano, 1724. Uma análise desta obra pode ser conferida em Fleck e Dillmann, 2013.

6 As autoras indicam a influência da obra de Gusmão em Nuno Marques Pereira, mas destacam que teria sido retomada “quase cem anos depois”, quando, na verdade, entre a primeira edição de História do Predestinado Peregrino [1682] de Gusmão, e o Compêndio [1728], de Pereira, não chegou a se passar meio século.

7 No catálogo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, foi possível localizar quatro exemplares, dois de 1760, um de 1767 e um de 1939. Todavia, a obra continuou sendo editada, considerando que no Acervo da Biblioteca da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – São Leopoldo/RS, existe edição de 1988 pela Academia Brasileira de Letras.

8 Tomás de Kempis (1379-1471) era alemão, autor da obra A imitação de Cristo, uma das que conheceu extraordinária difusão no início do período moderno, segundo Delumeau, e que recebeu impressão em diversas línguas, “umas sessenta vezes antes de 1500” (Delumeau, 1989, p. 77).

Mauro Dillmann – Doutor em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Professor Adjunto da Universidade Federal do Rio Grande. Campus São Lourenço do Sul Rua Marechal Floriano Peixoto, 2236, Centro 96170-000, São Lourenço do Sul, RS, Brasil. E-mail: [email protected].

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