El Jano de la morfología: de la homología a homoplasia, historia, debates y evolución – OCHOA; BARAHONA (SS)

OCHOA, Carlos; BARAHONA, Ana. El Jano de la morfología: de la homología a homoplasia, historia, debates y evolución. Ciudad de México: Centro de Estudios Filosóficos, Políticos y Sociales Vicente Lombardo Toledano/ Universidad Nacional Autónoma de Mexico, 2014. Resenha de: FARIA, Felipe. As duas faces da morfologia: funcionalismo e formalismo. Scientiæ Studia, São Paulo, v.13, n. 3, p. 679-84, 2015.

O tema da evolução biológica tem amplo impacto no pensamento humano e científico nos séculos XIX e XX e ainda nos dias atuais apresenta reflexos no desenvolvimento do conhecimento produzido pelas diversas áreas das ciências da vida. Ele é o unificador de uma ampla rede de explicações biológicas que relacionam o trabalho de áreas da biologia que a primeira vista podem parecer que pouco tem a ver entre si em um marco explicativo singular. Podemos entender o fenômeno evolutivo sob o enfoque de três perspectivas diferentes: como uma via, como um mecanismo ou como causa. Obviamente, tais enfoques suscitaram e ainda suscitam discussões dentro de vários campos da biologia, como a anatomia, a fisiologia e a morfologia comparadas. Conceitos fundamentais dessas áreas da biologia comparada, tais como, por exemplo, homologia, analogia, homoplasia, paralelismo e convergência, receberam vários enfoques e sofreram modificações ao longo do tempo, na busca de enquadrá-los nas teorias evolutivas surgidas a partir do século XIX.

Tratando destas questões Carlos Ochoa e Ana Barahona escreveram o livro El Jano de la morfología: de la homología a homoplasia, historia, debates y evolución. O título faz uma referência ao deus romano Jano, que na mitologia representa as portas, os começos e os finais, uma vez que, com seus dois rostos pode olhar ao mesmo tempo o início e o fim das coisas. Por sua vez, o Jano da morfologia é uma analogia às oposições de sentido de conceitos fundamentais relacionados aos estudos dessa ciência, muitas vezes encontradas nas discussões ocorridas ao longo do tempo. Uma dessas discussões refere-se à oposição entre o enfoque funcional, que serve de base aos estudos fisiológicos e adaptativos do corpo orgânico como sendo um sistema complexo de regulação, e o enfoque formalista que se centra no descobrimento de planos fundamentais e causalidades internas do organismo, as quais são independentes de sua função. O Jano da morfologia tem um rosto voltado para o enfoque funcional e o outro voltado para o enfoque formalista.

Na introdução do livro, os autores apresentam sua argumentação em defesa da importância do ensino da ciência e de sua história, tomando como referência o desenvolvimento do pensamento evolucionista. Segundo eles, se queremos ter uma melhor compreensão da maneira como o conhecimento científico é produzido, como os critérios de cientificidade são estabelecidos, como as metodologias são validadas e que evidências podem ser consideradas confiáveis, tanto no passado como no presente, devemos dar especial atenção aos momentos de conflito intelectual, como, por exemplo, aos debates analisados. Os estudos das controvérsias científicas são importantes porque produzem informação fundamental para a compreensão dos processos envolvidos na construção e consolidação das disciplinas científicas, uma vez que é nos momentos de conflito intelectual que se tornam evidentes os aspectos mais importantes desses processos. Nesse sentido, os autores propõem-se a analisar os debates sobre as concepções de forma e função, que ocorreram dentro do âmbito da anatomia comparada, desde os tempos da biologia pré-evolutiva até os dias atuais.

E é o que fazem, já no segundo capítulo do livro ao discutir as diferenças sobre a concepção funcionalista de Georges Cuvier (1769-1832) e concepção formalista de Étienne Geoffroy Saint-Hillaire (1772-1844). Os dois naturalistas do Museu Nacional de História Natural de Paris enfrentaram-se em uma polêmica referente a suas concepções de analogia: o principal ponto de divergência entre suas concepções funcionalistas e formalistas. Esse é o momento histórico no qual um dos grandes objetivos da história natural era a elaboração de um sistema de classificação natural, baseado na busca de leis ocultas na forma dos organismos, as quais refletiriam a maneira na qual haviam sido construídos. Para o funcionalismo de Cuvier, o termo “analogia” referia-se às relações de funcionalidade, ou seja, à necessidade funcional, na qual se baseavam os princípios da anatomia comparada, e que seria a fonte geradora das semelhanças. Por sua vez, para Geoffroy, a analogia estaria baseada nas relações de correspondência estrutural entre distintos organismos, a qual seguia um sistema em comum, ou unidade de tipo, ou seja, ao comparar as estruturas animais, poder-se-ia pensar que elas são as mesmas porque foram construídas com o mesmo material orgânico. Denominada de “polêmica dos análogos” o debate entre Cuvier e Geoffroy foi um conflito entre noções teóricas incompatíveis em que cada um dos naturalistas dava explicações diferentes a respeito da origem da forma animal.

No terceiro capítulo, os autores analisam a alteração que os conceitos de analogia e de homologia sofreram no momento em que se instaurou o evolucionismo como orientação teórica da história natural, estabelecendo a ideia de ancestralidade como fator componente de tais conceitos. Tendo Charles Darwin (1809-1882) e Richard Owen (1804-1892) como nomes centrais dos debates que se seguiram após o estabelecimento da ancestralidade, os autores de El Jano de la morfología apresentam as diferentes concepções de evolução biológica desses dois naturalistas ingleses, as quais resultaram em grandes diferenças nas definições dos termos “analogia” e “homologia”.

Essas diferenças ocorreram em virtude de Owen, apesar de defender a ideia de evolução biológica, ser um anatomista da velha escola, que interpretava a estrutura orgânica mediante o argumento da criação, e de Darwin ser um defensor da seleção natural que, com seu elemento variacional fortuito, seria a responsável pela origem da estrutura orgânica. Para Owen, a homologia referia-se ao mesmo órgão, ou parte, que, encontrado em diferentes animais, poderia variar em sua forma e função. É o que poderia ocorrer nas variações de seu “arquétipo ideal dos vertebrados”, uma forma basal idealizada, na qual todos os planos de organização corporal dos vertebrados eram uma variação e que funcionava como uma unidade de tipo. Assim, a analogia, para Owen, referia-se a uma parte ou órgão de um animal, que tem a mesma função de outra parte ou órgão em um animal diferente. Para Darwin, que defendia que a unidade de tipo era originada pela descendência comum, a homologia indicava um órgão, ou parte, em diferentes animais, que compartilhavam uma mesma origem evolutiva. Tais órgãos ou partes, submetidos às condições de existência ocorridas durante cada um de seus processos evolutivos, acabavam por modificar-se para executar funções diferentes. As analogias, para ele, referiam-se às semelhanças estruturais que dependiam da semelhança funcional. Em suma, Darwin desenvolveu uma teoria funcionalista e interpretou os conceitos básicos do formalismo no interior dessa perspectiva funcional.

No quarto capítulo, são introduzidos os termos “homoplasia” e “homogenia”, formulados por Edward Lankester (1847-1929) que procura sintetizar a visão evolucionista com a perspectiva da velha escola da morfologia. De acordo com Lankester, o termo homologia continha elementos do formalismo defendido por Owen, como a unidade de tipo, que ainda prevaleciam na linguagem dos evolucionistas. Como solução ele propôs o termo “homogenia” para referir-se àquelas estruturas que possuem uma continuidade por ascendência comum. Propôs também, o termo “homoplasia” para indicar aquelas estruturas que não surgem por essa continuidade hereditária, mas sim pela ação modeladora do ambiente. Como decorrência dessas propostas, os conceitos elaborados por Lankester promoveriam a origem dos modernos conceitos de paralelismo e convergência, os quais se desenvolveram dentro do debate do formalismo versus funcionalismo.

O quinto capítulo é iniciado com a definição usual do termo “paralelismo”, relacionando esse conceito com a sua utilização para representar a evolução independente de estruturas similares em linhagens com parentesco próximo, enquanto que o termo “convergência” é utilizado para indicar a evolução independente de estruturas similares em linhagens com parentesco distante. A partir de então, o capítulo trata da origem do termo paralelismo, estabelecendo uma relação deste com a teoria da ortogênese e suas articulações propostas por Henry Osborn (1857-1935) e William Scott (1858-1947), segundo as quais os caracteres surgiriam em direções definidas e sem nenhum valor adaptativo. O livro analisa essa teoria mostrando que a ortogênese pode ser vista como um fenômeno de constrição no qual a estrutura se limita ou se canaliza em apenas poucas rotas de transformação, e é assim que os organismos com parentesco próximo produziriam os mesmos caracteres, mesmo que evoluindo independentemente. Osborn reconheceu a constrição como um fenômeno ocorrente, porque a evidência fóssil mostrava isso e indicava linhas estabelecidas em uma só direção. Scott, por outro lado, mencionou que as estruturas permaneciam estáticas e que a ortogênese deveria explicar a limitação das formas mais do que preocupar-se com a variação.

Como conclusão do quinto capítulo, os autores defendem que os termos “homoplasia”, “paralelismo” e “convergência” desenvolveram-se a partir de teorias evolutivas que concorriam para alcançar aceitação entre a comunidade científica com relação à explicação do fenômeno evolutivo. Assim, as ideias de homoplasia e paralelismo foram descritas com base na teoria ortogenética e a ideia de convergência foi descrita com base na herança dos caracteres adquiridos ou com base na interação de diferentes fatores evolutivos, dos quais a seleção natural resultava ser somente um dentre vários deles. Além disso, como os ortogeneticistas sempre tiveram interesse nos assuntos relacionados aos fatores internos e nas limitações estruturais, Scott acabaria por mencionar que as estruturas prevaleciam estáticas e que sua direção evolutiva encontrava-se restringida. Por outro lado, Osborn argumentou que os fatores externos somente trabalhavam para a acomodação das proporções, mas nunca na origem de novas estruturas. Ambos, por meio de suas definições, proporcionaram as bases epistemológicas para o desenvolvimento do conceito moderno de paralelismo. Para tanto, desenvolveram inúmeros trabalhos na área da paleontologia a qual consideraram como uma disciplina autônoma e fundamental que trazia respostas a grandes questões da teoria da evolução.

No penúltimo capítulo, são discutidas as ideias de Arthur Willey (1867-1942) com relação aos conceitos de homoplasia, paralelismo e convergência. Para ele o conceito de convergência tinha um significado mais geral, que explicaria todos os casos da evolução independente e cujas causas seriam relacionadas aos efeitos da seleção natural. Ainda que Willey estivesse seguro de que o meio externo era o responsável pela convergência, ele afirmava que grande parte da convergência era devida a causas internas, no sentido fisiológico funcional. Consequentemente, propôs que muitas das estruturas que consideramos homologias poderiam ser tomadas como convergências. Ele ainda definiu a homoplasia como sendo estruturas semelhantes que se originaram por meio da seleção natural a partir de órgãos homólogos. O capítulo é encerrado com a observação de que o termo paralelismo, surgido das teorias ortogenéticas, adquiriu um novo significado, sendo tomado como um tipo de convergência na qual se descrevia que duas linhagens evoluiriam paralelamente desenvolvendo semelhanças estruturais.

No capítulo final são apresentadas as principais discussões do passado recente e da atualidade, que envolvem, por um lado, o termo “homologia” e, por outro lado, os termos “homoplasia”, “paralelismo” e “convergência”. Sobre a homologia é possível ver que as principais discussões desenvolveram-se a partir da definição clássica, na qual estão implicados os conceitos de semelhança e ancestralidade comum. Isso gerou um debate entre morfologistas e sistematas filogenéticos, desde meados do século XIX, quando o fator evolutivo adentrou as discussões. No debate atual sobre o conceito de homologia, o paralelismo e a convergência foram incluídos no conceito único de homoplasia e, consequentemente, iniciou-se uma disputa contemporânea sobre a distinção entre esses conceitos, a qual poderá ser solucionada mediante os avanços da biologia do desenvolvimento. Assim atualmente, é possível definir a homoplasia como sendo as semelhanças da forma e da função, que surgem independentemente em duas ou mais linhagens durante o curso da evolução. E paralelismo pode ser definido como a semelhança que surge de maneira independente, em linhagens com parentesco muito próximo, em virtude da adaptação por meio da seleção natural.

Enfim, no livro El Jano de la morfologia, os autores mostram a importância dos debates científicos em um contexto de estudos históricos e filosóficos. A história e a filosofia da ciência são instrumentos úteis para entender as teorias do passado, do modo como foram formuladas e as circunstâncias nas quais se desenvolveram. Nos temas abordados neste livro, a história dos conceitos de homologia, analogia, homoplasia, paralelismo e convergência ajuda-nos a entender a problemática atual dos estudos da sistemática filogenética. E, para tanto, o livro conta com um texto eloquente e agradável, além de fornecer um glossário abrangente, assim como notas e tabelas úteis que comparam as ideias, os conceitos e as teorias envolvidos nas discussões ocorrentes até a atualidade. Como dizem os próprios autores: “hoje as duas caras do Jano da morfologia continuam olhando até pontos contrários de interpretação, mas não devemos desistir de guiá-las até um ponto de unificação” (p. 241). E o livro de Ochoa e Barahona é uma excelente iniciativa nesse sentido.

Referência

OCHOA, C. & BARAHONA, A. El Jano de la morfología: de la homología a homoplasia, historia, debates y evolucíon. México: Centro de Estudios Filosóficos, Políticos y Sociales Vicente Lombardo Toledano/Universidad Nacional Autónoma de México, 2014.

Felipe Faria – Departamento de Filosofia. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[DR]

 

Deixe um Comentário

Você precisa fazer login para publicar um comentário.