Entangled empathy: an alternative ethic for our relationships with animals – GRUEN (C)

GRUEN, Lori. Entangled empathy: an alternative ethic for our relationships with animals. New York: Lantern Books, 2015. Resenha de: MARIN, Ana Paula Foletto; TRINDADE, Gabriel Garmendia da. Conjectura, Caxias do Sul, v. 21, n. 3, p. 672-677, set/dez, 2016.

Recentemente, empatia se tornou um tópico de interesse em múltiplos campos profissionais (e.g., direito, administração, recursos humanos, etc.), além de alvo de pesquisa em diferentes áreas do conhecimento (e.g., psicologia, filosofia, neurociência, etologia, etc.).

Embora empatia seja um termo constantemente empregado como se o seu significado fosse aceito por todos, é surpreendentemente difícil encontrar uma base comum entre especialistas não apenas no que concerne à melhor maneira de defini-la, mas também de entendê-la.

Em Entangled empathy, a filósofa Lori Gruen1 contribui para esse debate ao propor uma nova maneira de conceber e praticar o ato de empatizar. Gruen inicia seu livro com uma crítica às teorias éticas tradicionais (e.g., consequencialistas, deontológicas, etc.). Segundo a autora, uma das limitações dessas teorias é que o uso de argumentos fundamentados exclusivamente em princípios universais/abstratos/imparciais faz com que a complexidade dos problemas morais por eles abordados seja minimizada ou mesmo ignorada. As preocupações, os interesses, as atitudes, as simpatias ou sensibilidades de pessoas reais que precisam agir diante de certos problemas acabam sendo deixados de lado, o que gera um hiato entre teoria e experiência. Gruen argumenta que teorias éticas tradicionais são alienadoras precisamente porque suas exigências são tais que as decisões e ações morais afastam os agentes daquilo que torna sua vida significativa. O fato de essas teorias não atenderem nem às particularidades da vida dos agentes morais, nem suas relações com outros as impossibilita de lidar adequadamente com questões que deveriam resolver. Por conseguinte, tais teorias falham no seu objetivo basilar comum, qual seja, nortear as ações dos agentes morais. Com isso em vista, Gruen propõe uma abordagem alternativa para lidar com problemas morais.

De acordo com a autora, a ética do cuidado seria uma perspectiva mais apropriada por várias razões. Em primeiro lugar, conforme tal abordagem, os detalhes que constituem cada situação são indispensáveis à resolução efetiva de qualquer problema moral. Em segundo lugar, a ética do cuidado entende que os indivíduos estão imersos em relações sociais, e que o contexto nos quais os mesmos tomam decisões – i. e., quem eles são, a natureza de suas relações com outros envolvidos, assim como o seu próprio envolvimento em determinada situação – devem ser considerados seriamente. Em terceiro lugar, essa perspectiva preocupa-se em entender como agentes passam a ver um problema como tal e explorar a sua imaginação moral não apenas como um meio de reformular as dificuldades enfrentadas, mas igualmente como um modo de buscar soluções. Por último, a ética do cuidado reconhece que emoções complementam a razão, sendo um equívoco grave tomá-las separadamente.

O conceito de empatia desempenha papel-chave na tradição da ética do cuidado. Por empatia Gruen compreende uma forma particular de atenção ou percepção moral. Tal percepção exige uma capacidade de “resposta sensível” (no original, sensitive responsiveness) a uma série de informações, além de um exercício de juízo: determinar qual informação está disponível e quais outras são necessárias e/ou pertinentes ao fim em pauta. Gruen sugere que a percepção moral empática auxilia os indivíduos a compreenderem dada situação de maneira mais acurada e a formarem juízos que lhe permitam agir moralmente. Antes de desenvolver essa posição e propor uma nova concepção que seja capaz de lidar com problemas morais, todavia, a autora chama a atenção para outras formas de interpretar a noção de empatia.

Tanto a noção quanto o fenômeno empatia têm sido entendidos de maneiras distintas e, por vezes, contraditórias. Empatia é comumente compreendida como sendo a capacidade de se colocar no lugar do outro de modo a compartilhar emoções e sentimentos. Alguns, todavia, consideram-na uma forma de inferência psicológica na qual observação, memória, conhecimento e raciocínio são combinados para produzir insights de pensamentos e sentimentos alheios.2 Ao passo que outros sugerem que ela seja uma resposta emocional mais adequada às dificuldades enfrentadas pelos demais do que para a situação do próprio indivíduo que empatiza.3 Além da falta de consenso quanto à melhor forma de definir a noção de empatia, essa ainda é, muitas vezes, confundida com a noção distinta de simpatia. Na interpretação de Gruen, simpatia é a resposta a um acontecimento ruim, lamentável, ou desagradável, de modo que o simpatizante não abre mão de suas atitudes, crenças, sentimentos, etc.

Mais precisamente, empatia envolve uma conexão com o outro e um entendimento da situação do mesmo, ao passo que simpatia é uma resposta desapegada, que não requer compartilhar sentimentos e pensamentos do outro. Enquanto a empatia é vivenciada em primeira pessoa, simpatia é sentida por fora, de um ponto de vista de terceiro.

É importante salientar que há diferentes maneiras de se empatizar com alguém. Um tipo de empatia encontrado em múltiplas espécies animais se dá na forma de contágio emocional. Esse pode ser tomado como uma resposta espontânea e automática às emoções alheias, a qual não requer qualquer tipo de entendimento ou reflexão – e.g., bocejar ou gargalhar quando se observa outros fazendo o mesmo.4 Outro tipo de empatia é a chamada “empatia primária” ou “pessoal”. Nessa, o indivíduo empatiza com a situação dos demais, mas não distingue entre a sua própria perspectiva e a de outros, o que acaba fazendo-o se perder nas emoções alheias. Por seu turno, o tipo de empatia que envolve tomar a perspectiva de outro indivíduo através do uso da imaginação é conhecido como “empatia cognitiva”.

Embora Gruen tome empatia como uma forma de percepção associada à moralidade, há quem conteste a sua relevância para teorias ético-filosóficas.5 Certos autores argumentam que o ato de empatizar apresenta uma série de limitações que o torna problemático em contextos morais. Duas dessas limitações destacam-se. A primeira diz respeito ao fato de a empatia ser mais facilmente direcionada a amigos, familiares e parceiros, ou a pessoas que fazem parte da mesma etnia, grupo religioso ou espécie – tal inclinação é chamada de in-group bias. A segunda refere-se ao fato de que é mais fácil empatizar com aqueles que estão próximos, i. e., cuja situação é visível, do que com aqueles que estão distantes – tal inclinação é conhecida como proximity bias.6 Em síntese, tais limitações demonstrariam o quão frágil é o caso em prol da importância moral da empatia.

Gruen responde a essas possíveis objeções apontando para o fato de que as pesquisas controladas em laboratório, que, supostamente, provariam tais inclinações, não são consistentes.7 Ademais, o “mundo real” – (i. e., tudo aquilo) que se passa fora dos laboratórios – fornece amplas evidências de que seres humanos são, de fato, capazes de empatizar com indivíduos que não fazem parte de seu grupo social, membros de outras espécies e também com desconhecidos e com aqueles que estão distantes. Na visão de Gruen, o que os críticos da relevância moral da empatia fazem, em realidade, é atacar uma noção já bastante empobrecida de empatia, que abarca apenas o contágio emocional e a imaginação, porém não reflexão. Não é de se surpreender, portanto, que o ato de empatizar seja tido como um elemento moral limitado e, consequentemente, descartado por defensores de certas teorias éticas mais tradicionais. A solução de Gruen para essa situação é elaborar uma nova concepção de empatia, que não sofra as limitações mencionadas e se mostre necessária para avaliações morais.

Para Gruen, uma das características essenciais de uma noção de empatia indispensável em avaliações morais é a capacidade dos agentes de distinguir as suas próprias percepções, experiências, atitudes e crenças daquelas que pertencem aos indivíduos com quem se empatiza. Tal distinção é fundamental precisamente porque impulsiona aquele que empatiza a refletir criticamente sobre suas experiências pessoais de modo a perceber que a sua situação, sua condição, seus interesses e aspirações diferem (ou não) das de outrem. Tal processo reflexivo, por sua vez, não apenas possibilita que o indivíduo se torne consciente das relações complexas nas quais ele está inserido, mas também que seja capaz de avaliar a natureza e a qualidade dessas relações. Como Gruen faz questão de enfatizar, estar envolvido em relações implica certas consequências éticas, pois, naturalmente, algumas ações podem vir a afetar experiências dos envolvidos, quer para melhor, quer para pior. Uma vez que se aceite que os seres humanos estão enredados em relações complexas, não apenas com outros humanos, mas também com não humanos, o melhor a se fazer é buscar ser mais perceptivo e responsável de forma a lapidar essas relações ainda mais. A partir disso, Gruen propõe o que ela acredita ser uma habilidade essencial para buscar alcançar relações éticas, a saber, entangled empathy. Gruen define entangled empathy como um tipo de percepção atenciosa (caring perception) cujo foco é atender à experiência de bem-estar de outro indivíduo. Um processo experiencial envolvendo uma combinação de emoção e cognição na qual reconhecemos que nós estamos envolvidos em relações com outros e somos solicitados a ser responsivos e responsáveis nessas relações atendendo às necessidades, interesses, desejos, vulnerabilidades, esperanças e sensibilidades alheias. (2015, p. 3).8 De acordo com Gruen, entangled empathy fornece insights sobre como seres humanos podem melhorar suas relações com outros animais.

Empatizar com animais não humanos exige entender o comportamento típico da espécie do indivíduo em questão e sua personalidade individual. Aquele que empatiza precisa ter em mente as particularidades da vida individual dos não humanos e das diferentes relações mantidas com cada um deles. É importante que o indivíduo esteja atento tanto às similaridades quanto às diferenças entre ele e a sua situação e a daqueles com quem ele está empatizando de modo a evitar projeções narcisistas ou antropomorfistas – o que pode gerar erros profundos tanto no que concerne a julgamento quanto à prática. Ainda: é essencial reconhecer que, a despeito de diferenças, todos os indivíduos que mantêm relações estão sempre formando e coconstruindo necessidades, interesses, desejos e até a identidade uns dos outros. Seres humanos são coconstituídos pelas relações que mantêm com outros animais, e tais relações geram compromissos éticos. Como conclui Gruen, uma maneira de cumprir tais compromissos é repensar radicalmente essas relações intricadas e buscar reformulá-las através de escolhas e ações conscientes.

Em suma, em Entangled Empathy, Gruen compromete-se a oferecer uma noção de empatia a partir da qual o leitor possa repensar suas relações e seu engajamento com humanos e membros de outras espécies.

No que concerne a esse objetivo, o livro é pertinente. Tanto ativistas pela causa não humana, simpatizantes da ética do cuidado e interessados na questão da empatia não somente encontrarão no livro de Gruen uma nova maneira de pensar e praticar a consideração moral de não humanos, mas também uma oportunidade de refletir sobre o papel da empatia em sua vida. Leitores à procura de uma argumentação mais aprofundada acerca da relevância moral da empatia, no entanto, deveriam buscar outras obras sobre essa temática, uma vez que Gruen apenas oferece uma introdução ao tópico.9

Notas

1 Gruen é coordenadora do Wesleyan Animal Studies e William Griffin é Professor of Philosophy na Wesleyan University. Em seus escritos, Gruen tem abordado, em especial, a relação entre feminismo e consideração moral de animais não humanos. Uma lista completa de suas publicações está disponível em: http://igruen.faculty.wesleyan.edu/

2 Tal noção de empatia é encontrada em ICKES, W. Empathic accuracy. New York: Guilford Press, 1997.

3 Para uma visão geral acerca das diversas maneiras em que a noção de empatia é entendida por especialistas de diferentes áreas do conhecimento, ver: (COPLAN, A. Understanding empathy: its features and effects. In: COPLAN, A.; GOLDIE, P. (Ed.). Empathy: philosophical and psychological perspectives. New York: Oxford University Press, 2011. p. 3-18).

4 Para mais informações sobre diferentes formas de empatia encontradas em outras espécies, ver: (DE WAAL, F. The age of empathy: nature’s lessons for a kinder society. New York: Souvenir Press Ltd., 2009).

5 Sobre o debate acerca do papel que a empatia ocupa na moralidade, ver (PRINZ, J. Is empathy necessary for morality? In: COPLAN, A.; GOLDIE, P. (Ed.). Empathy: philosophical and psychological perspectives. New York: Oxford University Press, 2011. p. 212-229; PRINZ, J. Against empathy. The Southern Journal of Philosophy, v. 49, s. 1, p. 214-233, 2011; MAIBOM, H. L. Feeling for others: empathy, sympathy, and morality. Inquiry: an interdisciplinary journal of philosophy, v. 52, n. 5, p. 483-499, 2009).

6 Uma discussão detalhada sobre in-group bias e proximity bias pode ser encontrada em: (HOFFMAN, M. L. Empathy and moral development: implications for caring and justice. Cambridge: Cambridge University Press, 2000).

7 Segundo Gruen, alguns estudos com resultados distintos em (SHELTON, L. M.; ROGERS, R. W. Fear-arousing and empathy-arousing appeals to help: the pathos of persuasion. Journal of Applied Social Psychology, v. 11, n. 4, p. 366-378, 1981; FILIPPI, M.; RICCITELLI, G.; FALINI, A. et al. The Brain Functional Networks Associated to Human and Animal Suffering Differ among Omnivores, Vegetarians and Vegans. PLoS ONE, v. 5, n. 5, p. 1-9, 2010)

8 Traduzido livremente do original

9 Sugestão de leitura (MAIBOM, H. L. (Ed.). Empathy and morality. New York: Oxford University Press, 2014.

Ana Paula Foletto Marin – Mestre em Philosophy of Health and Happiness pelo Department of Philosophy of University of Birmingham, UK. E-mail: [email protected]

Gabriel Garmendia da Trindade – Doutorando em Global Ethics no Centre for the Study of Global Ethics, Department of Philosophy, University of Birmingham. Bolsista da Capes/UoB. E-mail: [email protected]

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