Antigo Oriente (M. Liverani)

LIVERANI, Mario. Antigo Oriente: História, Sociedade e Economia. Tradução de Ivan Esperança Rocha. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2016. Resenha de ROCHA, Ivan Esperança. História v.36  Franca  2017.

Após mais de trinta anos das publicações específicas e de envergadura sobre o Oriente Próximo Antigo, em língua portuguesa, representadas pelos dois volumes de Paul Garelli e de Valentin Nikiprowetzky, traduzidos pelo professor Emanuel O. Oliveira, o clássico livro Antigo Oriente, História, Sociedade e Economia, de Mario Liverani cumpre o importante papel de atualizar e enriquecer os conhecimentos historiográficos sobre as civilizações do Antigo Oriente Próximo.

O autor utiliza não apenas documentos sobejamente conhecidos, como os que integram parte da literatura clássica e antico-testamentária, mas inclui um conjunto de documentação primária trazida à luz por descobertas arqueológicas que, em muitos casos, contaram com sua participação direta, percorrendo três milênios (3500-500 a.C.) de uma história que deixa importantes traços na cultura ocidental. Liverani destaca que o surgimento de novas fontes acaba exigindo a revisão contínua de capítulos inteiros da história oriental e, naturalmente, com implicações historiográficas mais abrangentes.

Liverani publicou, originalmente, seu livro em 1988, mas em suas numerosas reedições, particularmente na reedição de 2009, utilizada nesta tradução, preocupou-se em incorporar as modificações surgidas na interpretação das fontes, nas discussões e metodologias aplicadas ao conhecimento do Antigo Oriente Próximo.

Como professor e pesquisador emérito da Universidade La Sapienza de Roma, Liverani nos apresenta de forma didática e inovadora seu conhecimento acumulado sobre sumérios, hititas, assírios, babilônios, judeus, fenícios, entre outros povos.

Oferece um rico conjunto de documentos, figuras e tabelas que colocam o leitor diretamente em contato com as fontes, com informações textuais, epigráficas, arquitetônicas e cartográficas combinadas de forma criativa, além de indicar possíveis reconstruções com base em informações arqueológicas.

Liverani tem como colegas vários pesquisadores da Universidade La Sapienza que também são responsáveis por novas descobertas no âmbito do Antigo Oriente como é o caso, por exemplo, de Ebla, onde foram encontrados em torno de 15.000 tabletes na língua cuneiforme que trouxeram uma rica contribuição para a ampliação dos conhecimentos sobre essa área.

O autor se apoia em conhecimentos consolidados sobre o Antigo Oriente Próximo, mas não deixa de apontar novas possibilidades e até mesmo superações necessárias de acordo com novos dados e tecnologias surgidos nesse campo historiográfico, que colocam em cena novos atores e novas relações ainda não conhecidos ou pouco explorados, mas não deixa de apontar para as dificuldades e desafios envolvidos.

Percorre os espaços da revolução urbana, da tecnologia de produção, do nascimento da escrita, das relações entre ‘metrópoles” e “periferias”, dos sistemas de governo e de administração, dos processos de fragmentações e unificações políticas, das relações comerciais locais, regionais e de longa distância e do dinamismo das relações culturais presentes nesse espaço.

O livro apresenta, enfim, uma nova perspectiva historiográfica sobre o tema, mesmo sem pretender arvorar-se na última palavra sobre esse amplo e importante espaço da antiguidade. Releva, outrossim, que sua principal contribuição é a tentativa de tecer uma visão de conjunto nesse campo, distanciando-se de abordagens excessivamente filológicas, elegendo um ponto de vista mais histórico e não se eximindo de indicar opções de recortes cronológicos, temáticos e geográficos.

O extenso livro, com 832 páginas, é dividido em seis partes. Na primeira, o autor faz uma longa introdução ao texto; na segunda trata sobre o período do bronze inicial; na terceira sobre o período do bronze médio; na quarta sobre o período do bronze tardio; na quinta sobre o primeiro período do ferro e na sexta parte apresenta uma discussão sobre os impérios orientais e movimentos de unificação.

Do ponto de vista cronológico, a obra se restringe ao período entre o Neolítico e o Império Persa (500 a.C.) que geograficamente se estende do planalto iraniano à Anatólia e do Mar Negro ao Golfo Pérsico, deixando deliberadamente de lado a história de culturas da península arábica. Mas com esta opção não quer defender o que poderia ser chamado de “imperialismos regionais” pois não deixa de se referir a regiões constituídas por outros núcleos fronteiriços e a redes de interconexão vinculadas aos espaços de seu recorte geográfico. No entanto, este recorte impede uma discussão sobre o Oriente Próximo no mundo helênico, deixando de relevar as importantes formas de adaptação e interação entre as sociedades do Oriente Próximo e as culturas helenísticas, assim como a contribuição intelectual de babilônios e assírios no âmbito da cultura antico-oriental. Por vezes, em virtude da falta de informações, utiliza dados mais recentes para se referir a realidades anteriores.1 Pouco se refere, também, ao crescente número de bases eletrônicas que disponibiliza um número cada vez maior de dados sobre fontes, cultura material e literatura sobre o Antigo Oriente.

Cada capítulo é lastreado por uma ampla bibliografia, que foi sendo atualizada ao longo das novas edições e, que além de subsidiar seu texto, possibilita ulteriores aprofundamentos sobre cada um dos diferentes temas discutidos.

O texto inclui um meticuloso índice onomástico de pessoas e divindades e de lugares e povos que facilitam e complementam a leitura desta longa, mas inovadora descrição historiográfica sobre o Oriente Próximo Antigo que se tornará uma obra de extrema importância não apenas para quem faz um estudo especializado de história antiga, mas para os leitores em geral.

A crescente ampliação das fontes e dos conhecimentos sobre o Antigo Oriente, como alerta o próprio autor, exigirá cautela e atualizações na leitura da obra. No entanto, as lacunas e desafios apontados não retiram o brilhantismo com que o autor apresenta e discute o conteúdo por ele elegido.

Notas

1LIVERANI, Mario . The Ancient Near East: History, Society and Economy. Tradução de Soraia Tabatabai. Londres; New York: Routledge, 2014. Resenhado por C. Jay Crisostomo. Bryn Mawr Classical Review, 19 outubro 2014.

Ivan Esperança Rocha – Professor Doutor da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Av. Dom Antônio, 2100 – Parque Universitário, Assis – SP, 19806-900.

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