O misticismo apocalíptico do apóstolo Paulo. Um novo olhar nas Cartas aos Coríntios na perspectiva da experiência religiosa – MACHADO (RMA)

MACHADO, Jonas. O misticismo apocalíptico do apóstolo Paulo. Um novo olhar nas Cartas aos Coríntios na perspectiva da experiência religiosa. São Paulo, Paulus, 2009, 294 pp., Resenha de: FUNARI, Pedro Paulo A. O misticismo apocalíptico do apóstolo Paulo. Um novo olhar nas Cartas aos Coríntios na perspectiva da experiência religiosa. Revista Mundo Antigo, v. 6, n. 12, jun., 2017.

Paulo de Tarso já foi considerado o grande fundador do Cristianismo, o apóstolo dos gentios, aquele que transformou uma seita judaica numa religião de aspiração universal. Outros discordaram dessa avaliação, mas não há dúvida que Paulo continua a constituir um dos mais importantes personagens históricos, tanto pelo que escreveu e chegou até nós, como por tudo que inspirou nos pósteros. O que seria da Reforma Protestante, sem sua leitura de Paulo? Jonas Machado, mestre em Teologia e doutor em Ciências da Religião, aceitou o desafio de voltar-se, com um olhar original, para esse que pode ser considerado um dos grandes referenciais da História ocidental e mesmo mundial.

O volume inicia-se com um balanço historiográfico sobre Paulo, cuja ênfase está nas correntes mais recentes e inovadoras, voltada para a historicidade do personagem. Em particular, destaca a experiência religiosa e o misticismo apocalíptico, assim como o arrebatamento, agenciando, para isso, conceitos como a circularidade cultural. Paulo, nesta perspectiva aparece como um fariseu que adotou uma forma apocalíptica, mística e herética do judaísmo, conforme Segal. A revelação, tal como aparece na carta de  Paulo aos Gálatas, constitui aspecto central da sua pregação: “não recebi o evangelho de instância humana, mas por revelação de Jesus Cristo” (Gl 1, 12). Na verdade, Jesus e seus seguidores estavam mergulhados num ambiente religioso caracterizado pelas noções de ascensão celestial e revelação (apocalipse). O termo grego usado por Paulo para “revelar” (apocalypsai) insere-se bem na apocalíptica judaica da época.

A análise mais detalhada está nas cartas aos coríntios. O conhecimento é um tema que aparece em Paulo na esteira da sabedoria esotérica judaica (da’at). A centralidade do tema do Espírito como agente da revelação está no centro da carta aos Coríntios (1Cor 2,6-16), algo nem sempre levado em devida conta pelos estudiosos de Paulo. O fenômeno da fala em diversas línguas desconhecidas ou glossolalia liga-se, assim, às coisas celestiais, não deste mundo. Também a glória é outro conceito que pode ser entendido como “brilho” ou radiância do contato direto com as entidades superiores, com a revelação. Há toda uma hermenêutica resultante da experiência religiosa e visionária, na qual se inclui o próprio Cristo. Paulo, afinal, foi convertido por revelação. Jonas Machado apresenta uma leitura exaustiva de Paulo e o relaciona às crenças e práticas apocalípticas e místicas judaicas, marcadas pela tríade ascensão, revelação dos segredos celestiais e transformação. Paulo não indica ter tido qualquer contato com Jesus de Nazaré, o homem, mas apenas uma experiência mística e visionária com o Cristo.

A abordagem proposta por Jonas Machado procura superar a dicotomia entre teologia e experiência mística, ou entre razão e fé, para mostrar como Paulo estava bem inserido nas preocupações sobrenaturais da sua época. Esta tarefa é tanto mais original, quanto Paulo foi tomado, em muitas épocas e contextos, como o paradigma do teólogo voltado para a formulação de uma compreensão racional da religião cristã. Em sentido diverso, o autor procura mostrar como Paulo estava inserido num mundo mágico e extático e, por isso mesmo, sua força residia, de maneira mais profunda, nessa sua ligação mística com Cristo. Está, pois, no âmbito das considerações da nossa época, pois as representações e o simbolismo mostram toda sua força e pujança como formuladores do mundo social. Este Paulo místico e apocalíptico releva outras facetas daquele personagem, mas também de nós mesmos.

Pedro Paulo A. Funari – Departamento de História e Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais da Unicamp.

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