Paulo Freire: uma prática docente a favor da educação crítico-libertadora – SAUL (C)

SAUL, Ana Maria. Paulo Freire: uma prática docente a favor da educação crítico-libertadora. São Paulo: Educ, 2016. Resenha de: DALZOTTO, Mariana Parise Brandalise. Conjectura, Caxias do Sul, v. 22, n. 3, p. 623-626, set/dez, 2017.

Quando pensamos nos autores que estudaram e reinventaram o conceito de educação no Brasil,1 é impossível não lembrar Paulo Freire. Seu pensamento é referência e tema de estudo, independentemente do passar dos anos, pois está fundamentado na prática educativa realizada, principalmente, neste país. De forma concisa, Ana Maria Saul busca tratar da atualidade do pensamento de Paulo Freire ao refletir sobre sua notória presença em pesquisas de pós-graduação e em práticas educativas no Brasil.

Ela também comenta, brevemente, a história do educador, escrevendo a respeito de algumas vivências com o mesmo. Por isso, em alguma medida, é possível observar que parte da biografia da autora se mistura com seus escritos no livro.

A autora é graduada em Pedagogia, Mestra e Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, onde é professora desde 1970. Nessa instituição, trabalhou com Paulo Freire, tendo sido também sua colega na Secretaria Municipal de Educação da cidade de São Paulo,2 fatos que marcaram sua trajetória de vida e influenciaram na sua forma de pensar. A prática ao lado de Paulo Freire e a referência teórica recebida por ele foram momentos de aprendizagem à autora, como ela mesma destaca ao longo do livro. Essas também foram influências para os estudos desenvolvidos por Saul, de tal modo que, hoje, ela coordena a Cátedra Paulo Freire da PUC-SP, continuando a desenvolver ensino e pesquisa a partir dos ideais do educador em meio a temáticas atuais.

O livro está dividido em quatro seções: (i) a atualidade do pensamento de Paulo Freire; (ii) o jeito de ser docente de Paulo Freire; (iii) a Cátedra Paulo Freire da PUCSP; e (iv) últimas palavras. No que segue, apresento, de forma mais detida, cada uma das seções referidas.

A autora começa a primeira seção com um breve escrito sobre parte da trajetória de Paulo Freire, comentando sua saída do Brasil após o Golpe Militar de 1964 e seu retorno em 1980. Nesse período, o pensamento freireano continuou sendo considerado subversivo no País, embora estivesse sendo difundido mundo afora. A variedade de trabalhos que continuam sendo desenvolvidos a partir desse pensamento confirma a atualidade de suas ideias. Saul destaca os trabalhos desenvolvidos a partir do pensamento freireano no Brasil, considerando Paulo Freire como clássico e atual na medida em que seu pensamento “se instala, muda e permanece porque tem vitalidade, anima (inspira) e estimula”. (p. 16). Na mesma seção, outros autores internacionais que comentam sobre a atualidade do pensamento freireano são apresentados. Ainda: a autora menciona o índice de utilização do livro Pedagogia do Oprimido nas universidades dos Estados Unidos, que mostra a obra entre os cem livros mais solicitados para leitura nas universidades americanas.

A segunda seção começa com uma citação de Paulo Freire na qual é enfatizada a ideia de que o ser humano é um ser inacabado e, por isso, se constrói e se refaz. Esse pensamento permeia toda sua concepção de educação. A partir disso, a autora, então, relata sobre o que aprendeu “com o ‘jeito de ser docente’ de Paulo Freire” (p. 20) enquanto partilhava com ele o espaço da sala de aula na PUCSP. Destaco sua memória sobre os encontros com o educador para planejar o seminário que conduziam juntos, nos quais ele ressaltava que os desejos dos alunos e dos professores (eles mesmos) seriam confrontados, por isso, seria importante conversar com os primeiros (sobre a proposta formulada), logo na primeira aula. Saul também comenta que a preocupação de Paulo Freire com as situações de opressão eram evidenciadas no seminário quando esse buscava desenvolver temáticas como liberdade e educação como um ato político.

Além disso, a autora destaca, também, a expressão de Paulo Freire na qual ele afirma não haver neutralidade na prática docente, complementando  que, por isso, os princípios da educação popular estavam sempre presentes na prática do educador. “Esse modo de ‘ser’ e de ‘fazer’ de Paulo Freire, na unidade, [era] centrado em proposições fundamentais de sua obra”. (p.25). Paulo Freire recebeu, em 1988, um convite para ser secretário de Educação na Prefeitura de São Paulo, e essa atuação do educador, segundo Saul, influenciou fortemente sua prática educativa e produção escrita. (p.33).

Nesse mesmo período, Saul foi convidada para trabalhar com Paulo Freire na referida secretaria e foi capaz de perceber que as ações do educador (como secretário) continuaram centradas na escola popular, pública e democrática. Ainda: a atuação do educador era calcada no diálogo que promovia uma participação ativa de todos os que se reuniam com ele para pensar nas questões educacionais do município, construindo, desse modo, uma gestão democrática. A autora finaliza a seção comentando que sua convivência com Paulo Freire ocorreu até os últimos dias de vida do educador, que faleceu em maio de 1997.

Na terceira seção, Saul discorre a respeito de algumas questões que envolvem a Cátedra Paulo Freire da PUCSP. Criada em 1998, seu objetivo é estudar criticamente, compreender e reinventar o pensamento freireano.

É um espaço de estudos “sobre e a partir da obra de Paulo Freire” (p. 38), que se volta à sua repercussão, bem como à criação de novos pensamentos que fundamentam trabalhos teórico-práticos. A cátedra situa seus estudos no campo do ensino e da pesquisa, dando atenção ao pedido de Paulo Freire, para que seu pensamento fosse renovado, recriado. Desde 2004, centra seus esforços em observar a influência do pensamento freireano nos estudos de pós-graduação no Brasil, de modo a dispor de pesquisadores em diversas regiões do País. Segundo Saul, essa característica permite um fazer colaborativo, assim como era o fazer de Paulo Freire. A cátedra organiza seus estudos de maneira a olhar, também, para práticas educativas, buscando a materialidade do pensamento de Paulo Freire nas ações que as permeiam.

As últimas palavras da autora revelam as contribuições dos resultados de pesquisas da cátedra como “indicações importantes para diferentes subáreas da educação”. (p. 45). Também trazem a percepção da autora que, a partir do início do desenvolvimento dos estudos, entendeu que o legado de Paulo Freire não se apresenta somente nos escritos que o tomam como tema, ou que o utilizam como base, mas também estão nas práticas educativas e nas memórias de quem conviveu com ele.

Uma das conclusões obtidas a partir dos estudos da cátedra foi que a obra de Paulo Freire “pode contribuir, efetivamente, com um pensamento e uma prática progressistas que têm, no horizonte, a humanização e a utopia de uma sociedade mais democrática, justa e solidária”. (p. 49).

Outra conclusão: essa obra segue inspirando uma reflexão teórico-prática que utiliza seu pensamento na realidade, buscando novas perspectivas à educação.

Para concluir o livro, Saul (p. 50) coloca-se como alguém que vivenciou a prática ao lado de Paulo Freire e construiu, nesses momentos, muitas aprendizagens, afirmando que ele “deixou saudades pela sua lucidez de interpretação dos fatos do mundo, pelo seu poder de indignação, por seu contagiante amor à vida e ao ser humano, por sua luta incessante pela justiça, pela liberdade e por sua presença solidária e amiga”.

Dado o que foi exposto acima, fica o sentimento de ter conhecido um pouco mais sobre a prática de Paulo Freire como educador. Sem ignorar que em seus próprios escritos ele a apresenta, o livro aqui considerado é um breve complemento que confirma que Paulo Freire era um educador que não ‘dicotomizava’ teoria e prática, sendo seu dizer (suas orientações para os educadores) complementar ao seu fazer (como educador). Fica, ainda, o sentimento de que, sendo inúmeras suas influências na educação, esse é um autor que pode e precisa continuar sendo estudado e, como enfatizado por Saul, reinventado nos mais diferentes contextos.

Em virtude desses sentimentos, recomenda-se a leitura da obra de Ana Maria Saul, quer para pensar as contribuições do pensamento freireano e as possibilidades de sua reinvenção, quer para conhecer parte da prática político educativa realizada por ele. Ou ainda, para conhecê-lo como pessoa, por meio de algumas de suas ações, como alguém que fundamentava cada ação em seus pensamentos, da mesma forma que fundamentava cada pensamento em suas ações, partilhando-os e os reinventando ele mesmo.

Notas

1 Escrevo a respeito do reconhecimento de Paulo Freire no Brasil, devido ao fato de que o livro resenhado concentra-se na experiência do educador neste país, sem esquecer, porém, que Paulo Freire é conhecido como um grande educador/autor mundo afora.

2 A gestão de Paulo Freire ante a essa Secretaria ocorreu entre 1989 e 1991.

Mariana Parise Brandalise Dalzotto– Mestra em Educação pela Universidade de Caxias do Sul. E-mail: [email protected]

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