Los gobiernos progresistas latinoamericanos del siglo XXI. Ensayos de interpretación histórica | Frank Gaudichaud, Jeffrery Webber e Massimo Modonesi

Resenha Destaque post 4 Los gobiernos progresistas latinoamericanos

MODONESI Los gobiernos progressistas Los gobiernos progresistas latinoamericanosO livro [II] traz uma reflexão sobre os motivos que fizeram os governos progressistas latino-americanos, que outrora possuíam bastante força política para governar diversos países, a estarem atualmente sucumbindo frente a novas investidas da direita, como a eleição de Bolsonaro no Brasil, após mais de uma década de PT que se inicia em 2003 com Lula e se encerra em 2016 com Dilma. Nesse sentido, o livro realiza uma análise crítica dos governos de esquerda das duas primeiras décadas do século XXI com o objetivo de contribuir para as reflexões sobre essa temática.

O continente cresceu com lutas, rupturas e resistências. Entender o passado histórico nos permitirá compreender os fatos que sucederam a partir do fim da década de 1990 na região. O aspecto insurgente pode ser considerado um catalisador de mudanças que se associam aos governos progressistas.

O livro realiza uma análise crítica em torno desse tema. Podemos encontrar avaliações positivas e negativas dos chamados governos progressistas latino-americanos. Há, neste trabalho, uma narrativa imparcial, que avalia aspectos históricos, sociais e econômicos ocorridos entre o período das décadas de 1990 a 2000. Faz-se necessário destacarmos alguns pontos que se entrelaçam na análise dos três autores na obra, que se divide em três capítulos, o primeiro intitulado “Conflictos, Sangre y Esperanza. Progresismos y movimientos populares en el torbellino de la lucha de clases latinoamericana.” de Frank Gaudichaud [III], o segundo, “Mercado Mundial, Desarrollo desigual y Patrones de acumulación: La política Económica de la Izquerda Latinoamericana” de Jeffery Webber [IV] e o terceiro “El Progresismo Latinoamericano: Un Debate de Época” de Massimo Modonesi [V].

Para melhor compreensão do período do final da década de 1990, é importante considerar anos anteriores. Por isso, Gaudichaud demonstra em seu capítulo dados econômicos e sociais desde a década de 1980. Por exemplo, no período de 1980 a 2003 o desemprego aumentou de 7,2% para 11%. Além disso, no mesmo período, o salário mínimo diminuiu em um em média de 25%, e o trabalho informal teve um aumento de 36% para 46%.[VI]

Além disso, no decorrer da década de 1980, houve a mobilização dos movimentos de esquerda e a formação de um novo ethos militante. Novos movimentos sociais ganharam força, como o feminista, o indígena e o negro. Os desgastes das ditaduras militares, sobretudo pelas crises financeiras que vinham enfrentando, serviram de combustível para esses movimentos conquistarem espaço. Contudo, apesar de a década de 1980 ser considerada favorável às manifestações democráticas, pois encerra-se um estado repressivo, pelo lado econômico, a década de 1980 foi desastrosa, marcada pelos ajustes estruturais propostos pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), tais como as privatizações, restrições salariais e o fim de barreiras aduaneiras [VII].

Portanto, segundo os autores, no final da década de 1990 surgiram diversos debates e críticas sobre o neoliberalismo. Inúmeros movimentos sociais estavam insatisfeitos, na ocasião, com um sistema econômico neoliberal que, na narrativa de partidos políticos e movimentos sociais, sujeitava o Estado ao interesse de empresários e oligarquias.

Dessa forma, a partir dos anos 2000, podemos perceber que essa insatisfação com a hegemonia neoliberal começa a agitar os movimentos populares e de esquerda, que buscavam uma mudança nas estruturas, no Estado, ou seja, de baixo para cima. O cenário era propício para mudanças, as agitações nas calles, os movimentos sociais e a luta contra o imperialismo norte-americano. Portanto, a democracia novamente parecia o caminho para as mudanças, o que estimulou novamente a organização popular através de votos.

À vista disso, os autores apontam que o ciclo dos governos de esquerda, que se inicia em 1999 com Hugo Chávez na Venezuela, tem continuidade durante os anos 2000. Essas experiências têm suas bases nas raízes históricas do continente e surgem com a intenção de refundar a sociedade. Porém, em alguns casos foi necessário romper com mais veemência com antigos poderes na região, como a própria Venezuela com revoltas anti-imperialistas, a mais famosa delas chamada de Caracazo que contou com a maioria da população lutando por mudanças sociais e políticas.

Porém, precisamos destacar que dentro dessa “Onda Rosa” [VIII] houve diferentes formas de governos progressistas. Isto é, existiram experiências mais radicais e outras mais moderadas, ainda que fazendo parte do mesmo movimento. Isso explica-se pelas próprias diferenças entre os países. Dessa maneira, não podemos generalizar as experiências, ou seja, os projetos de governos progressistas tiveram suas particularidades em cada região.

Neste contexto, líderes políticos como Rafael Correa (Equador), Hugo Chávez (Venezuela) e Evo Morales (Bolívia) emergem no cenário político com grande apoio popular, tendo como conceitos principais de seus governos o anti-imperialismo e antineoliberalismo. Esses líderes políticos assumiram o embate político com os Estados Unidos como um aspecto central em sua inserção internacional.

Tal postura gerou reações dos Estados Unidos. Como exemplo disso, citamos a interferência norte-americana na Venezuela, que ocorreu com a tentativa de desestabilização à experiência progressista de Hugo Chávez, em abril de 2002. Os EUA utilizaram-se de agências, como a Central Intelligence Agency (CIA), para desestabilizar a gestão de Chávez. No capítulo de Webber, notamos inclusive, exemplos recentes de apoio norte-americano à instabilidade nos países Latino-americanos. Podemos citar o golpe militar de Honduras em 2009 que destituiu o presidente Manuel Zelaya e o golpe parlamentar no Paraguai em 2012.

No caso venezuelano, o ocorrido pode ser explicado pelo fato da Venezuela ter a maior reserva de petróleo do mundo e isso estava no controle norte-americano. O golpe só foi frustrado pelo fato de Chávez ter contado com apoio de grupos da sociedade civil e das Forças Armadas venezuelanas. Como destacam os autores, as estratégias de intervenções imperialistas norte-americanas têm se adaptado para serem feitas através da grande mídia, com ataques constantes à credibilidade de governos de esquerda.

Para além do anti-imperialismo e anti-neoliberalismo que os governos progressistas de esquerda propuseram, podemos ressaltar a forte raiz nacionalista e libertária de Símon Bolívar nestes governos. Essa imagem de Símon aparece mais ainda na “Revolução Bolivariana” que Chávez promoveu na Venezuela. Faz-se isso na tentativa de libertar a América Latina por meio do conhecimento de seu passado histórico de luta e resistência, fazendo uso dos grandes heróis do passado, tal como Símon Bolívar, San Martin, dentre outros.

As diferenças entre as experiências de esquerda residem, por exemplo, no fato de algumas delas terem sido caracterizadas como revolucionárias ou experiências moderadas/reformistas, segundo os autores. Isso está baseado nas reformas econômicas, sociais, políticas que esses governos propõem em relação aos modelos que já estavam implementados. As experiências mais revolucionárias são aquelas que mais promoveram rupturas em uma resposta ao neoliberalismo. Já as mais moderadas/reformistas são as que, ainda que tenham promovido algumas mudanças progressistas, deram continuidade às práticas dessa doutrina.

Durante uma década de governos progressistas na América Latina, podemos concluir que a política de distribuição foi o foco principal. Esses governos buscaram implementar mudanças sociais e econômicas, sobretudo, para as grandes maiorias. Projetos como o “Bolsa família” do PT no Brasil são um exemplo disso. Não somente isso, os governos de esquerda buscaram aumentar o poder de consumo das classes menos favorecidas. Por isso, durante esses governos muitas famílias que outrora não tinham condições, conseguiram conquistar bens como casa própria. Grande parte deve-se ao fato dos governos progressistas terem se aproveitado da alta das commodities, ocorrida em 2003 com a alta demanda industrial que a China promoveu.

Este país foi o principal destino das exportações da região no período de 2002 a 2012. Matérias-primas exportadas, como petróleo, soja, dentre outras, tiveram um aumento de preço, favorecendo a economia latino-americana. Portanto, um dos méritos desses governos é ter aproveitado esse aporte financeiro para investir nos projetos sociais. Isto deu resultado, pois vimos que, durante uma década, um número considerável de pessoas saíram da pobreza. Como aponta Gaudichaud, “Según la CEPAL, 70 millones de personas salieron de la pobreza en una década…” [IX]

Durante os governos de esquerda, também podemos destacar as nacionalizações de empresas que anteriormente haviam sido privatizadas. Esse processo visou combater um “mal” para a economia dos países latino-americanos, pois, em contraponto com o setor privado, o Estado ficava com menos recursos financeiros do que poderia. Ou seja, as empresas estrangeiras repassavam mais capital para seus países de origem, do que ao Estado em que elas estavam sediadas, além disso, é importante ressaltar que as empresas foram nacionalizadas de acordo com as políticas do mercado, isto é, com negociações do Estado com as empresas e com taxas de indenizações.

Alguns exemplos dessas nacionalizações ocorreram na Bolívia e na Venezuela com as empresas de gás, petróleo, água, etc. Na Bolívia, em 2000 e 2005, ocorreram grandes vitórias populares antes mesmo de Evo Morales ser presidente, como as “Guerras da Água” em 2000. Esses episódios terminam com a expulsão de duas multinacionais: a estadunidense Bechtel e a filial de Suez, Aguas del Illimani. Essas vitórias fizeram o governo desmercantilizar a água. Além disso, também houve a vitória popular na questão do gás em 2003. Esse alavancou a imagem de Evo Morales como um líder pelas lutas nacionais. O acordo cancelado com a empresa americana Pacífic LNG tinha como principais justificativas o fato de que afetava a soberania da Bolívia, uma vez que fazia com que ela fizesse negócios com o Chile (recentemente há um histórico de embates entre os dois países). Outra justificativa era que a Bolívia receberia um valor “x” pelo gás, e este seria vendido em solo americano por outro bastante superior.

Já na Venezuela, Chávez recuperou o controle da Petróleos de Venezuela Sociedade Anônima (PDVSA) e multiplicou os contratos com empresas estrangeiras de origens distintas onde entra, por exemplo, a aproximação com a China. As nacionalizações foram essenciais para inversão da política social, saúde e educação que os governos progressistas promoveram durante seu período na América Latina.

O Produto Interno Bruto (PIB) durante os governos progressistas cresceu na América Latina com casos excepcionais como a Bolívia, cujo PIB subiu de $8 bilhões em 2002 a $30 bilhões em 2013, de acordo com Gaudichaud [X]. Isso pode ser explicado pela alta dos preços das matérias-primas (como o petróleo) e investimento no agronegócio, ainda que isso tenha desagradado a setores sociais. Além disso, as experiências nacionais-populares que os governos progressistas implementaram também contribuíram para a economia interna, com o aumento do número de empregos e maior poder de consumo. Isso se fez por políticas redistributivas, assistencialistas e com concessão de créditos.

Como debatido por Massimo Modonesi, essa estratégia, voltada para a democratização do consumo, permitiu às pessoas que saíram da pobreza ou extrema pobreza contribuírem para a economia, gerando mais riqueza. Por outro lado, essa estratégia contribuiu também para que os governos progressistas, no que diz respeito à parte econômica, possam ser analisados como projetos conciliatórios. Haja vista que a democratização do consumo favorecia também a classe dominante, ou seja, segmentos da sociedade que são compostos majoritariamente por empresários, bancários, e, segundo Gaudichaud, isso resultou em consequências negativas para a esquerda pois podemos compreender que politicamente teria sido melhor para a esquerda que a incorporação das classes populares tivesse sido através da politização e não somente através do acesso ao consumo.XI

Portanto, uma das críticas que o livro faz aos governos progressistas deve-se ao fato do grande capital ter tido uma alta lucratividade durante suas gestões. Como aponta Webber, “tales mejoras modestas para las clases populares coexistieron con ganancias netas sin precedentes para el capital privado extranjero y nacional invirtiendo en sectores de recursos” [XII]. O agronegócio foi uma atividade que pode ser citada como exemplo. Os seus membros contaram com incentivos financeiros à produção, diminuição da burocracia e as economias do Estado se mantiveram e se intensificaram dependentes desse setor. O Brasil é um exemplo cuja economia depende de maneira relevante da exportação de soja. Durante o governo de Dilma Rousseff, houve um grande incremento nessas atividades, segundo Jeffery Webber.

Como apontado por Massimo Modonesi, os grupos indígenas merecem destaque como agentes políticos bastante relevantes na luta contra o neoliberalismo e o imperialismo na América Latina, entre as décadas de 1990 e 2000. Ao longo da história do continente, desde as invasões feitas pelos europeus, os indígenas têm sido perseguidos, exterminados e excluídos de um território que lhes pertencia. A mentalidade colonizadora que se faz presente até os dias atuais faz com que esses grupos sejam excluídos da sociedade, acentuando a vulnerabilidade desses povos indígenas. A constante perda de seus espaços, tão essenciais para a vida em comunidade que precisam, afeta diretamente a manutenção da cultura desses povos. Esses fatores geram um apagamento da cultura e identidade desses grupos, o que muitas vezes é legitimado pelo Estado, uma vez que falha em ter políticas que possam proteger esses grupos, suas terras e seu modo de viver.

Como debatido nos capítulos de Gaudichaud e Modonesi, após esse descaso e perseguição ao longo de diversos anos na América Latina, a resistência e a união se tornaram bastante presentes no modo de viver desses grupos indígenas, e por conta disso eles conseguem se mobilizar politicamente para continuar com suas reivindicações aos seus direitos à terra e à defesa da mãe natureza. Fazem ouvir suas vozes e marcham pelas ruas em manifestações agindo o ser político e chamando a atenção para o fato dos indígenas terem espaço em qualquer projeto de Estado na América Latina. Esses grupos estavam articulados, e com consciência política, e durante a época do descontentamento com o neoliberalismo, eles se uniram com outros grupos sociais em torno de um ideal comum, a luta contra o imperialismo.

Como afirma Gaudichaud, podemos destacar os Mapuches no Chile e a Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE) no Equador. Esses grupos apoiaram os governos de esquerda e obtiveram respeito e respostas quanto a muitas de suas reivindicações. Porém, antes de ser esquerda ou direita esses grupos são primeiramente indígenas, e vimos isso em diversas vezes em que eles também se chocaram com decisões dos governos de esquerda, como ocorreu a partir de 2013 no Equador em manifestações questionando o presidente Rafael Corrêa, principalmente após a decisão de explorar o Parque Nacional Yasúni, abrindo-a a empresas mineiras. Ou seja, Corrêa adotou o discurso de exploração para justificar seu projeto econômico de redistribuição, o que para muitos pode ser entendido como uma política que busca um plano mais amplo para a nação equatoriana, mas que foi visto por esses grupos indígenas como uma traição por afetar diretamente suas matrizes.

Diante do extrativismo e do avanço do setor capitalista do agronegócio sobre os recursos da natureza, diversos grupos resistentes a esses ideais têm se chocado com o capital privado, como os camponeses, que defendem o meio ambiente e, em especial, os indígenas, como apontado no livro. Logo, é correto afirmar, segundo o capítulo de Webber, que esses grupos indígenas possuem uma ação política muito importante e uma voz politicamente ativa [XIII].

Nesse sentido, em alguns países latino-americanos, observamos que a luta de classes é muito recorrente. Como apontado pelos autores, o enfrentamento de grupos com interesses antagônicos se faz presente no continente, como por exemplo os movimentos sociais, indígenas, que discordam de projetos defendidos pelos grandes empresários, bancários, dentre outros. No livro, percebemos um viés marxista na análise dos autores que mostram como a temática da luta de classes é relevante para compreendermos como ocorreu a luta pela terra, por direitos sociais, por um Estado amplo de direitos em diversos países da América Latina como, por exemplo, nas experiências mais notórias dos governos progressistas: Bolívia, Equador e Venezuela.

Notas

II. O livro Los gobiernos progresistas latinoamericanos del siglo XXI – Ensayos de interpretación histórica, 2019 de organização de Franck Gaudichaud, Jeffery Webber, e Massimo Modonesi, fazem uma análise geral dos movimentos de esquerda latino-americanos iniciando em 1999 com Hugo Chávez na Venezuela até 2019 com o golpe a Evo Morales na Bolívia. Esses movimentos se acentuaram nesse período pois havia um descontentamento em diversos países latino-americanos com o projeto de direita: Neoliberalismo. Entretanto, o livro também irá apontar que o continente tem um histórico de revoltas, revoluções, e de lutas, em períodos que antecedem o neoliberalismo.

III. Frank Gaudichaud possui uma linha de pensamento marxistas além disso é francês, o que para esse estudo é bastante relevante pois permite ao mesmo uma análise de fora do objeto de estudo.

IV. Jeffery Webber é estadunidense mas visitou os centros de pesquisas da Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (FLACSO) em Quito, Equador, além do Centro de Estudos para o Desenvolvimento Laboral e Agrário (CEDLA) e o Centro Boliviano de Estudos Multidisciplinares (CEBEM) em La Paz, Bolívia.

V. Massimo Modonesi pode ser destacado pelos seus estudos de movimentos sócio-políticos em México e América Latina e de conceitos e debates marxistas, além de ser diretor da revista “Memoria del Centro de Estudios del Movimiento Obrero y Socialista (CEMOS) e da revista OSAL de CLASCO (2010-2015).

VI. GAUDICHAUD, Frank. Conflictos, Sangre y Esperanza. Progresismos y movimientos populares en el torbellino de la lucha de clases latinoamericana. In: GAUDICHAUD, Frank, WEBBER, Jeffery, MODONESI, Massimo. Los gobiernos progresistas latinoamericanos del siglo XXI – Ensayos de interpretación histórica. UNAM, México. 2019. p. 22

VII. Um reflexo da desastrosa economia da América Latina na década de 1980 pode ser a queda do Produto Interno Bruto (PIB). Em fins do século XX o PIB na América Latina caiu consideravelmente de 3,8% em 1997 para 0,9% em 1998. Ou seja, uma queda brusca que representa quase ¼ em menos de um ano.

VIII. O que nós conhecemos hoje pelo nome governos progressistas foi um giro político impulsionado pela esquerda em diversos países da América Latina. Exemplo de Equador, Bolívia, e Venezuela, que podem ser consideradas como as mais notórias experiências deste “giro a esquerda”. Mas também podemos citar Brasil, Argentina, Uruguai, entre outros. Essas experiências foram apelidadas também como “marea rosa“.

IX. Ibidem, p. 46

X. Ibidem, p. 46

XI. Ibidem, p. 83

XII. WEBBER, Jeffery. Mercado Mundial, Desarrollo desigual y Patrones de acumulación: La política Económica de la Izquerda Latinoamericana. In: GAUDICHAUD, Frank, WEBBER, Jeffery, MODONESI, Massimo. Los gobiernos progresistas latinoamericanos del siglo XXI – Ensayos de interpretación histórica. UNAM, México. 2019. p. 114

XIII. Analisamos que em alguns países como Equador, a ruptura de Corrêa com os grupos campesinos, com grupos indígenas como a CONAIE, gerou um desgaste político do então presidente. Ou seja, essa ruptura pode ser entendida como relevante pois antes dela o próprio Rafael Corrêa havia recebido prêmios e grande visibilidade pelo projeto Yasúni, sendo coerente afirmar que este evento foi um ponto chave para sua imagem política.

Referências

GAUDICHAUD, Frank, WEBBER, Jeffery, MODONESI, Massimo. Los gobiernos progresistas latinoamericanos del siglo XXI. Ensayos de interpretación histórica. México, UNAM, 2019.

João Carlos Calzavara – Graduando do curso de História pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Membro do Laboratório de Estudos de Imigração (LABIMI). Bolsista do Projeto de Extensão “Ideias Políticas e História do Tempo Presente da América Latina entre 1998 e 2018: uma comparação entre Bolívia, Equador e Venezuela”. E-mail: [email protected]


GAUDICHAUD, Frank, WEBBER, Jeffery, MODONESI, Massimo. Los gobiernos progresistas latinoamericanos del siglo XXI. Ensayos de interpretación histórica. México, UNAM, 2019. Resenha de: CALZAVARA, João Carlos. Boletim Historiar. São Cristóvão, v.2, n.8, abr./jun. 2021. Acessar publicação original [IF].

Cadernos Pagu | Campinas, n.61, 2021.

 


Edição n. 61 (2021)

Artigos

Resenhas

ERRATA ERRATA

 

La niñez desviada: La tutela estatal de niños pobres huérfanos y delincuentes. Buenos Aires 1890-1919 | Claudia Freidenraij

La niñez desviada: La tutela estatal de niños pobres, huérfanos y delincuentes. Buenos Aires 1890-1919 es una investigación minuciosa y profunda realizada por la historiadora argentina Claudia Freidenraij sobre una época en la que “las calles [de tierra] de Buenos Aires estaban salpicadas de niños” (p.13). Enmarcado en el periodo que va desde 1890 a 1919 este libro analiza los intersticios de las intervenciones públicas que recayeron en la capital argentina sobre los niños pobres, huérfanos, infractores, delincuentes pero especialmente de los sectores trabajadores, en un momento clave de transformaciones urbanas.

Aquí no sólo reconstruye y analiza el complejo articulado de politicas de castigo y represión de actividades y hábitos de los niños de las clases trabajadoras urbanas previo a lo que se consideraría una “justicia para menores,” sino también las formas en que se estereotiparon esas prácticas construyendo categorías jerarquizadoras y segregacionistas sobre estos sectores etarios y poblacionales. Bajo la etiqueta criminalizante y clasista de “minoridad”, las élites morales, constituidas en parte por una constelación de especialistas, colocaron sobre los niños de las clases trabajadoras un conjunto de etiquetas que no sólo inventarían categorías infantiles sino que asociarían prácticas de la infancia pobre con la desviación, la inmoralidad, el abandono y la delincuencia.

A partir de un enfoque que se nutre y forma parte de la historia social, de la historia del delito y la justicia, así como de la historia de las infancias, la autora consigue el relevamiento y análisis de un amplio corpus documental, fotografías, diarios y revistas, memorias de justicia, legislación, fuentes policiales, autobiografías, crónicas urbanas, cuentos, informes médico-legales. Con estas fuentes Freidenraij va desagregando cada uno de los adjetivos, cada una de las prácticas, para estudiarlos separadamente y mostrar cómo la construcción discursiva de la minoridad, el abandono o la delincuencia, vista en espejo, devuelve una imagen que permite ver las ideologías clasistas y los prejuicios de las “elites morales” hacia las infancias pobres urbanas.

La presencia de niños de los sectores populares en el espacio urbano, como muestra con detalle Freidenraj, causó alarma e incomodidad en quienes pretendían un ilusorio orden urbano. Para contener y minimizar las imágenes de niños efectuando todo tipo de labores o transgrediendo constantemente las múltiples normativas, se construyó, para usar las palabras de la autora, un archipiélago penal y asistencial de establecimientos, agencias estatales e instituciones particulares, cuyos engranajes operaron en conjunto, en un concierto de voces e intervenciones que oscilaron más en discordancia que en armonía, más hacia la represión que hacia el amparo.

El libro se concentra en niños mayoritariamente varones, porque hacia ellos se orientaron las políticas criminológicas del periodo de estudio y porque constituían el 82 por ciento de los aprehendidos (p. 108). A través de una lúcida escritura y análisis, la autora acompaña a esos centenares de niños en sus trayectos y circulaciones. Su intención es no dejarlos solos en algún momento. De tal forma, frente al histórico emplazamiento como “niños abandonados” que han sufrido, ella se decide por tomar una postura vinculante de cuidado, de atención, de conexión con sus situaciones y de búsqueda de entendimiento sobre cómo ha sido que han llegado a las puertas de las instituciones de control social. Así, advierte su vida en los conventillos, sus intermitencias escolares, los sigue a sus andanzas en calles, veredas y plazas, presencia sus juegos, escucha sus malas palabras y sus risas, los ve subirse colgados a los tranvías. En las líneas de este texto es posible escuchar la sonoridad que producían los niños en la calle. Pero el libro muestra, cómo al terminar el día no todos aquellos niños y muchachitos podían volver a sus casas o a sus andanzas. En tanto caía sobre ellos un amplio abanico de disposiciones de corte jurídico y se consideraban parte de un “problema social” que había que combatir, sus actividades estuvieron siempre al borde de ser delictivas, irregulares o “predelictivas” en tanto pertenecían a un sector social sobre el cual el Estado buscaba intervenir (p. 285). La institucionalización, por lo tanto, aparece siempre acechante al otro lado de la esquina; esto no hace que la autora los pierda de vista: los sigue a sus comparecencias ante la justicia, hasta los interiores de las instituciones, como si de un estudio etnográfico se tratara, escucha lo que los agentes del estado piensan sobre ellos, lo que escriben los jueces de menores, advierte el tratamiento que se les da a los cuerpos infantiles y luego articula todas estas observaciones en un estudio puntilloso de las estructuras de control y de construcción del “peligro infantil”.

El libro disecciona la anatomía de las prácticas de los agentes encargados o interesados en la “corrección” de esa infancia: jueces, intelectuales, defensores de menores, médicos, abogados. La policía aparece especialmente protagónica, preocupada por lo que considera una ocupación anárquica de la ciudad por los niños: no le gusta como juegan, cómo se relacionan, cómo se comportan (p.115), considera sus actividades siempre sospechosas, elabora catálogos de cada vez más crecientes normativas, porque los niños en el espacio público, si lo ocupan autónomamente, incomodan, en cualquier sitio, en Argentina, en México, en Brasil, en América Latina.

Los vaivenes que sufre la justicia para menores en los primeros años de su implementación en Buenos Aires son una respuesta, explica la autora, a la alarma social frente a las condiciones antihigiénicas y de hacinamiento que sufrían los niños en las cárceles con adultos delincuentes o detenidos. Consideraciones de orden moral e higiénico fueron las que impulsaron a las autoridades a construir instituciones de castigo infantil diferenciadas del mundo adulto, que en un inicio serían de corte religioso y luego laboral. El texto subraya cómo las violencias físicas contra los niños y adolescentes se implementaron también como terapéuticas correccionales por los encargados del orden carcelario. Pero, como la sociología, la antropología y la historia de la infancia ya han apuntado, los niños son actores sociales y siempre tienen respuestas imprevistas a los intentos de control que caen sobre ellos. Por eso, en este libro, aparecen también las resistencias infantiles a ese sistema lacerante de cuerpos y emociones. Aparecen entonces los niños como sujetos capaces de burlarse de las autoridades carcelarias, de ejercer su sexualidad dentro de los límites marcados por la prisión, por el encierro, por el género, organizando sociabilidades estructuradas a partir del lenguaje, de la risa, del juego.

El periodo que se trabaja en este libro se inscribe en un momento de despunte de la transnacionalización de las ideas de infancia. En 1916 se reúnen los “especialistas”, esas élites morales, especialmente de los saberes médico-pedagógicos, en la ciudad de Buenos Aires, en lo que sería el I Congreso Panamericano del Niño, para discutir las acciones necesarias para higienizar, moralizar y escolarizar a la población infantil del continente. Los discursos estigmatizantes, las políticas sancionadoras y la persecución de las prácticas de los hijos de las clases trabajadoras se posicionan como uno de los nodos en las iniciativas en favor de la infancia de los países de la región.

Por todo lo anterior, este libro, si bien se dedica al caso argentino, también puede leerse en clave latinoamericana para vislumbrar los puntos en común con experiencias acaecidas en otras latitudes: las sociabilidades infantiles en conventillos, vecindades o inquilinatos y sus porosas fronteras con la calle, fabricada como espacio peligroso, la construcción de la figura del incorregible, las colocaciones de los niños en hogares y talleres, la criminalización constante de las prácticas cotidianas, la construcción de un andamiaje de leyes y normas para el control de la infancia en sus tránsitos por los rumbos de la ciudad, o la laborterapia como método de regeneración de los llamados menores delincuentes. Los niños argentinos no son los niños indígenas del México del porfiriato y de la revolución, tampoco los que venden diarios en Bogotá al iniciar el siglo, o los niños negros que trabajan en las calles de Sao Paulo. Sin embargo, coinciden con ellos temporalmente y sufren políticas que han cruzado las fronteras nacionales en forma de ponencias en congresos, de publicaciones en revistas médicas o criminológicas, en editoriales y noticias en la prensa. Así, terminan siendo depositarios de formas hegemónicas de concebir a las infancias populares acusadas de peligrosas, inmorales y antihigiénicas, discursos que justifican la obligatoriedad de que el Estado controle sus prácticas.

Los seis capítulos de este libro recuperan largos años de avances en la historia de las infancias en América Latina y proponen caminos novedosos para interpretar la minoridad, la categoría etaria, la historia de la criminalidad y el delito, y su vínculo con la historia social de la infancia. Es un libro propositivo e inteligente que da cuenta de la madurez y la plenitud en la que se encuentra este campo historiográfico en Latinoamérica.

Susana Sosenski – Doctora en Historia, Investigadora del Instituto de Investigaciones Históricas de la Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM). Ciudad de México – MÉXICO. investigadores/sosenski.html. E-mail: [email protected].


FREIDENRAIJ, Claudia. La niñez desviada: La tutela estatal de niños pobres, huérfanos y delincuentes. Buenos Aires 1890-1919. Buenos Aires: Editorial Biblos, 2020, 302p. Resenha de: SOSENSKI, Susana. Un archipiélago estatal para las infancias populares argentinas (1890-1919). Revista Tempo e Argumento. Florianópolis, v.13, n.32, p.1-6, 2021. Acessar publicação original [IF].

História das mulheres, das relações de gênero e das sexualidades dissidentes / Estudos Ibero-Americanos / 2021

A pesquisa sobre História das Mulheres, relações de gênero e sexualidades dissidentes da cisheteronormatividade vem rendendo muitos textos publicados na forma de livros, capítulos e artigos. Essa trajetória de pesquisa que, em 1989, rendeu o primeiro dossiê intitulado “A mulher no espaço público”, publicado na Revista Brasileira de História e organizado por Maria Stella Martins Bresciani,[3] tem crescido significativamente, ampliando seus debates, incorporando novas discussões e enfrentando novos desafios.

Quando fomos convidadas a propor uma chamada de artigos para o dossiê, sabíamos que havia no campo uma grande quantidade de resultados merecendo ser divulgados. Foi com agradável surpresa que recebemos 43 artigos. Desses, 12 estavam fora das normas e foram devolvidos; e 31 foram enviados para avaliação. Da lista dos que tiveram pareceres ad hoc favoráveis, escolhemos apenas 12, como constava das regras da revista.

Essa experiência foi gratificante, mas nos causou preocupação. Muitos artigos com grande qualidade e bons pareceres não puderam ser publicados aqui, nesse dossiê. No entanto, demonstram a potencialidade do campo, resultado de recursos investidos na pesquisa, especialmente entre 2005 e 2016, da criação de grupos de estudos nas universidades e da vitalidade de movimentos sociais. Mostra, também, que a chamada “onda conservadora” antifeminista e homofóbica na América Latina, apesar dos seus ganhos eleitorais, não tem conseguido implantar seu “pânico moral”[4] na academia. Ao contrário, observa-se resistência, crescimento e diversificação.

Os artigos escolhidos para publicação neste dossiê se concentram, principalmente, na discussão sobre História das Mulheres. Apenas um dos artigos focalizou as sexualidades dissidentes da cisheteronormatividade. Pelo menos três artigos fizeram balanços historiográficos. O debate com a mídia, tendo como fontes livros, novelas e jornais, foi o principal suporte para a discussão sobre as subjetividades e a prescrição de normas para mulheres em diferentes momentos.

Abrindo o dossiê, o artigo “Relações de gênero, capitalismos afetivos, literatura ‘Chick-lit/Soft Porn’ e a ‘nova’ escrita contemporânea de/para mulheres”, escrito por Ana Carolina Eiras Coelho Soares, focaliza a literatura recente, sucesso de vendas, voltada para mulheres. A autora mostra como, apesar de essa literatura partir do pressuposto de que o prazer no sexo é um direito das mulheres, muitas imagens antigas são revisitadas. Nos pares que se formam, nessa literatura, os homens são sempre brancos, bem-sucedidos profissionalmente e muito mais ricos que as mulheres. Essas, possuem empregos insignificantes e nunca têm carreiras de sucesso. Elas se submetem “livremente” aos desejos do homem, por mais violentos que esses sejam. Uma cinderela contemporânea?

Raquel de Barros Pinto Miguel, no artigo “Fotonovelas: prescrevendo normas, modos e modas”, analisou as fotonovelas publicadas na revista Capricho nas décadas de 1950 e 1960. Nelas, as mocinhas, em geral pobres e órfãs, sofriam até encontrar a felicidade, casando-se com homem rico e lindo. A autora analisa essa “literatura de escape” e mostra o sucesso que obteve, observando a constituição das subjetividades engendradas.

O artigo “Modernidad, cultura y vanguardia feminista: Concha Méndez, una adelantada a su tiempo. De la voluntad emancipadora al exilio trasatlántico”, de Esmeralda Broullón, trata de analisar a trajetória pessoal e cultural da poetisa da geração de 1927, Concha Méndez, destacando o seu papel como escritora, editora e promotora cultural na Espanha nos anos 1920 e 1930, juntamente com o conhecido poeta Manuel Altolaguirre. Enfoca o período caracterizado pela grande efervescência política, pelo avanço do feminismo no país ibérico e por instituições de estudos como o Lyceum Club, um influente círculo cultural do qual Concha Méndez fez parte e onde se conheceram destacadas feministas que, pouco depois, em 1931, defenderam a conquista do voto feminino. A trajetória da autora no exílio mexicano, após a derrota da república espanhola em 1939, é, também, rapidamente delineada no artigo.

As discussões que articulam gênero e decolonialidade ou, como dizem as autoras, as “perspectivas contra coloniais” estão presentes no texto de Cintia Lima Crescêncio e Gleidiane de Sousa Ferreira, intitulado “Da História das Mulheres às perspectivas Contra-Coloniais? Reflexões sobre a historiografia do gênero no Brasil (2001-2019)”. Buscando, em eventos promovidos pela Associação Nacional de História (ANPUH-Brasil) e pelo Fazendo Gênero a presença da discussão contra-colonial entre pesquisadoras/es que discutem História das Mulheres e gênero, as autoras constatam que esse é um tema iniciante e com pouca presença, o que demonstra um pouco de resistência do campo da historiografia para essa questão.

Utilizando com principal fonte o periódico argentino Brujas, Júlia Glaciela da Silva Oliveira, no artigo “’Sin senderos prefijados’: a defesa da autonomia feminista nas páginas de Brujas (1981-1996)”, discute a autonomia do movimento feminista. Além de apresentar a historicidade desse debate nos anos 1970, a autora articula o tema com o avanço neoliberal na América Latina.

Também usando periódicos como a principal fonte, o artigo “As mulheres e suas tramas impressas: um repensar historiográfico das produções sobre a sociedade carioca e portenha dos anos iniciais da segunda metade do século XIX”, escrito por Bárbara Figueiredo Souto, mostra como a historiografia da imprensa e a que focaliza intelectuais ainda não deu a devida visibilidade às mulheres que escreveram e dirigiram periódicos em Buenos Aires e no Rio de Janeiro no século XIX. No artigo, Joanna Paula Manso de Noronha, por sua trajetória como editora e escritora, tanto na Argentina como no Brasil, é classificada como uma intelectual-mediadora-feminista-transnacional.

Patrícia Lessa e Claudia Maia, no artigo “Feminismo, vegetarianismo e antivivisseccionismo em Maria Lacerda de Moura”, trazem do início do século XX uma discussão que tem ganhado força neste início do século XXI: o antiespecismo. No caso de Maria Lacerda de Moura, tratava-se de um feminismo que se articulava com a questão da classe, com a luta pelo vegetarianismo e contra a vivissecção. Importante destacar como questões que hoje ganham destaque eram alvo de discussões e de publicações por Maria Lacerda de Moura e, no entanto, ficaram esquecidas.

O artigo “Algunas reflexiones sobre género y memoria en las narrativas sobre los años setenta en Argentina”, de Ana Laura Noguera, levanta questões importantes sobre a memória e a História do Tempo Presente na Argentina. A autora aponta as discussões teórico metodológicas que articulam gênero e memória na história recente. Mostra a importância da história oral para a pesquisa em História das Mulheres e do Gênero. Destaca, também, a forma como homens e mulheres narram suas histórias de vida e o impacto historiográfico das diferentes histórias para a noção de agência.

Caroline Pereira Leal, no artigo “’Mais bela do que o sol, mais bela do que o céu’: representação feminina no discurso carnavalesco da Porto Alegre do início do século XX (1906-1914)”, nos leva de volta ao início do século passado para mostrar as tentativas de definir, nas elites e com repercussões duvidosas, como deveriam se comportar as mulheres nas festas de carnaval.

O artigo “Memória em disputa: Inah Costa e os desafios da história das mulheres artistas”, escrito por Rebecca Corrêa e Silva, discute a invisibilidade, as dificuldades e o impacto do gênero na vida das mulheres que atuam no campo da arte. Ela traz a história de uma artista que passou da pintura figurativa para a moderna e abstrata.

O único artigo que discute sexualidades dissidentes é o de Marina Leitão Mesquita, intitulado “Gênero, dissidência e tradição na (re)invenção da feminilidade em concursos de beleza gay”. Trata- -se de uma etnografia sobre concursos de beleza gay em Fortaleza, Ceará. A discussão sobre as hierarquias, formas de feminilidades aceitas, assim como a memória de momentos em que a polícia interferia, marcam a narrativa. A discussão sobre a “feminilidade espetacular”, como padrão de beleza, ajuda a questionar as configurações de gênero.

O artigo de María Laura Osta Vázquez, intitulado “Manos que mecen la cuna: las nodrizas uruguayas bajo el control del discurso médico en el siglo XIX”, mostra o fim de uma profissão assumida por muitas mulheres pobres, negras, mestiças e estrangeiras: as amas de leite. Na segunda metade do século XIX, o discurso médico passou a questionar as mulheres que entregavam seus filhos para amas de leite e a discutir a saúde e a moral dessas profissionais. Toda essa campanha foi feita pela imprensa e pelo discurso médico higienista que – em nome da redução da mortalidade infantil – passou a cobrar das mulheres o “amor materno”.

Temos a honra que encerrar este dossiê com a entrevista de Maria Odila Leite da Silva Dias, professora emérita da Universidade de São Paulo (USP). Autora, entre outros, do livro Quotidiano e Poder, que abriu caminhos para a história das mulheres no Brasil, focalizando mulheres pobres, escravizadas e forras nas suas lidas para prover a existência no início do século XIX, ela é responsável pela formação de pesquisadoras que trouxeram inúmeras contribuições para o campo da História das Mulheres, do gênero e das sexualidades dissidentes.

Boa leitura.

Notas

3. BRESCIANI, Maria Stella Martins (org.). A Mulher no Espaço Público. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 9, n. 18, p. 7-8, ago./ set. 1989.

4. MISKOLCI, Richard; CAMPANA, Maximiliano. “Ideologia de gênero”: notas para a genealogia de um pânico moral contemporâneo. Sociedade e Estado, Brasília, v. 32, n. 3, p. 725-744, set./dez. 2017

Joana Maria Pedro –  Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (USP), em São Paulo, SP, Brasil; pós- doutora na França, na Université d’Avignon e, também, nos Estados Unidos, na Brown University; professora titular da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis, SC Brasil. Coordenadora do Instituto de Estudos de Gênero (IEG), Florianópolis/SC, Brasil. Atuou como Presidenta da Associação Nacional de História (ANPUH), na gestão 2017-2019. orcid.org/0000-0001-5690-4859 E-mail: [email protected]

Pilar Domínguez Prats –  Doctora en Historia por la Universidad Complutense de Madrid (UCM), en Madrid, España. Profesora honorífica del área de Historia del Pensamiento Político y Movimientos Sociales de la Universidad de Las Palmas de Gran Canaria, España. En la actualidad es investigadora del proyecto: Redes de Cooperación Interuniversitaria Canarias-Africa en Políticas de Igualdad desde metodologías colaborativas” y del Centro de Estudios y Difusión del Atlántico, CEDA. Socia fundadora del Seminario de Fuentes Orales de la Universidad Complutense de Madrid y del Instituto de Investigaciones Feministas de la UCM; presidenta de la Asociación Internacional de Historia Oral, IOHA (2008-2010) y miembro del Consejo de IOHA (2004 a 2012). orcid.org/0000-0002-8829-2508 E-mail: [email protected]


PEDRO, Joana Maria; PRATS, Pilar Domínguez. Apresentação. Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre, v. 47, n. 1, jan./ abr. 2021. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

 

Pan-americanismo: novos olhares sobre as relações continentais / Estudos Ibero-Americanos / 2020

A criação da União Internacional das Repúblicas Americanas (1889), depois renomeada União Pan-americana (1910), e a realização das chamadas Conferências Internacionais Americanas, que acabaram ficando muito mais conhecidas simplesmente como Conferências Pan-americanas – Washington (1889-1890), Cidade do México (1901-1902), Rio de Janeiro (1906), Buenos Aires (1910), Santiago de Chile (1923), Havana (1928), Montevidéu (1933), Lima (1938), Bogotá (1948) e Caracas (1954) – marcou de forma profunda o estabelecimento de novos canais e formas de relacionamento econômico, político, diplomático e cultural dos Estados Americanos, entre si e com as nações de outros continentes.

Ainda que muitos estudos remontem suas origens ao Congresso do Panamá, convocado por Simon Bolívar, em 1826, é certo que o Pan-americanismo da União Pan-americana (UPA) em nada lembra o ideal bolivarista de formação de uma Confederação dos novos Estados americanos recém independentes. Ao contrário, remete muito mais às ideias esboçadas pelo Presidente James Monroe na sua célebre mensagem ao Congresso dos Estados Unidos em 1923 e que se tornaram os pilares da chamada Doutrina Monroe.

A conferência inaugural, realizada em Washington sob os auspícios do Secretário de Estado James G. Blaine, marca definitivamente a nova orientação que ele buscou imprimir à política exterior estadunidense. Convoca-se a conferência no momento em que os Estados Unidos estão em transição, deixando atrás a fase de isolamento e iniciando uma era mais intervencionista. O projeto desse Pan-americanismo estava intimamente ligado ao desejo dos Estados Unidos de se firmar como potência, substituindo a influência europeia e buscando estabelecer sua hegemonia política e econômica no continente.

É inegável o sucesso alcançado nesse sentido. A hegemonia política e econômica dos Estados Unidos sobre a UPA e depois sobre sua sucessora, a atual Organização dos Estados Americanos (OEA), chegou a matérializar-se inclusive em intervenções militares em diferentes países membros. Entretanto, também não restam dúvidas de que essas organizações se constituíram, e ainda se constituem, em importantes espaços de manifestação e negociação de interesses os mais variados, trocas culturais e de ideias e até mesmo de projeção dos seus países membros como atores mais ou menos relevantes no xadrez continental. Nestes foros, às vezes, é também possível que os países latino-americanos alcancem certo protagonismo, como nos casos de Argentina, Brasil e México, por exemplo.

A esse respeito, dada sua grande diversidade, complexidade e o caráter naturalmente relacional ou comparado dos estudos sobre o Pan-americanismo e das relações intercontinentais em seus mais variados aspectos, são também muitos e variados os trabalhos já publicados. Há uma rica diversidade de áreas do conhecimento que se dedicam à temática, representadas por pesquisadores de diferentes áreas de formação e atuação profissional, como historiadores, cientistas políticos, economistas, sociólogos, internacionalistas, diplomatas, entre outros.

Segundo Carlos Marichal Salinas, em entrevista publicada neste dossiê, pode-se classificar esses trabalhos em três grandes tendências de abordagem e análise do objeto: realismo clássico, teoria da dependência e anti-imperialismo. No primeiro caso, em acréscimo à classificação de Marichal, se incluiriam aqueles estudos que privilegiam a análise centrada na atuação do Estado no seu papel mais tradicional como ator nas relações internacionais, tais como a celebração de acordos diplomáticos e comerciais, e nas disputas de poder e de hegemonia regional; no segundo, os estudos com ênfase em questões relacionadas às desigualdades econômicas e de desenvolvimento entre Estados Unidos e América Latina e o Pan-americanismo como meio e forma de manifestação do imperialismo norte-americano; e, no terceiro caso, os estudos que veem o Pan-americanismo sob a ótica dos países latino-americanos, de suas ações e estratégias de resistência à hegemonia e ao imperialismo do grande irmão do Norte.

De volta à entrevista de Marichal Salinas, é novamente ele quem nos aponta as mais recentes tendências nos estudos de Pan-americanismo, sendo a primeira de ordem mais cultural e a segunda sobre o que o autor chama de outridades e de cooperação. Esse enfoque vai afastar o olhar dos interesses do governo e dos grupos de interesse tradicionais dos Estados Unidos para a América Latina e destacar o papel de um grande número de atores diversos – diplomatas, juristas, acadêmicos, trabalhadores, feministas, engenheiros e cientistas – no debate e na definição de projetos Pan-americanos. Os trabalhos ora publicados nesse dossiê orientam-se em grande medida nesse sentido, debruçando-se, por exemplo, tanto sobre questões de ordem cultural sobre folclore e literatura e a construção do passado, quanto sobre o discurso Pan-americanista entre os liberais brasileiros e o protagonismo mexicano na discussão de um Código de Paz na década de 1930.

Em “A Pan-americanização do Trabalho no período entreguerras: a relação da Organização Internacional do Trabalho com os países americanos e a criação do Instituto Interamericano do Trabalho”, Norberto Osvaldo Ferreras analisa as diferenças entre as duas instâncias paralelas em que se desenvolviam as relações dos países do continente com a OIT: as Conferências Internacionais de países membros da OIT e as Conferências Pan-americanas. O autor trata das formas em que se produz o reconhecimento mútuo no âmbito das organizações internacionais e de como pautas de comportamento comum para América Latina são estabelecidas nesses espaços.

Ana María Serna Rodriguez aborda a história do Pan-americanismo tomando um caso particular em “La National Paper and Type Co. y el negocio del Pan-americanismo (1900-1930)”. A partir do estudo das atividades comerciais e do discurso publicitário da empresa, Serna Rodriguez conclui que a National Paper and Type Co. atuou ativamente como divulgadora do discurso pan- -americanista para conquistar clientes, cultivar uma mentalidade pró-consumo e, ultimamente, promover na América Latina uma cultura de negócios típica da sociedade estadunidense.

Alexandra Pita González também elegeu um caso específico como objeto em “El Código de Paz y la trama del Pan-americanismo en la década de 1930”. Utilizando a pouco conhecida documentação de Alfonso Reyes para o período, a autora busca observar o papel desempenhado pelo México na triangulação entre as aspirações hegemônicas dos Estados Unidos e da Argentina. Revela-se, assim, o pan-americanismo como uma trama complexa e multifacetada, o que desafia a ideia de que os países latino-americanos tinham pouca ou nenhuma influência e capacidade de negociação.

“Do declínio Conservador e ascendência Liberal: o Pan-americanismo no pensamento liberal brasileiro (1860-1890)”, de Elizeu Santiago Tavares de Sousa, analisa o Pan-americanismo no pensamento liberal brasileiro nas décadas finais do século XIX. Utilizando como fontes os anais parlamentares, diplomáticos e do Conselho de Estado, além de fontes jornalísticas, o autor argumenta que existe uma diferenciação axiológica entre liberais e conservadores. Ele conclui ainda que o discurso pan-americanista foi incorporado de maneira recorrente ao pensamento dos primeiros.

O artigo de Gabriela Correa da Silva, “O Pan- -americanismo e o projeto de construção de um passado comum para os países da América: uma análise das atividades da União Pan-americana através da coleção Pan-American Patriots (1926)”, está inserido na área da história da historiografia e dos estudos decoloniais. Analisando alguns números especiais do boletim da União Pan-americana, a autora argumenta que através da publicação, a UPA buscou fomentar a ideia do pan-americanismo e criar um passado comum que passaria a incluir grande parte dos países do continente.

“Entre cores e luzes: a Exposição Internacional Pan-americana de 1901”, de Mônica de Souza Nunes Martins e Teresa Cribelli, analisa as ideias sobre o Pan-americanismo que estiveram presentes na organização e execução da exposição, marcada pelo assassinato do presidente William McKinley. As autoras apontam que o evento foi um espaço para a exibição das ideias imperialistas presentes na perspectiva pan-americana, ao mesmo tempo em que demonstrou os seus limites.

Finalizando o dossiê está “Folklore, Literatura y Pan-americanismo. Reflexiones a partir de dos visitas académicas estadunidenses a la Argentina (1940-1945)”, de Matias Emiliano Casas. Casas analisa as viagens de dois promotores da “unidad panamericana”, Ralph Steele Boggs Edward Larocque Tinker, para entender como os discursos pan-americanos se articularam com as representações identitárias nacionais então em ascensão e quais foram os efeitos dessas visitas na sociedade estadunidense.

Boa leitura!

Nathalia Henrich – Doutora em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), mestre em Ciência Política pela Universidad de Salamanca e mestre em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Foi pesquisadora pós-doutoral (PNPD / CAPES), professora colaboradora no Programa de Pós-graduação em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), e pesquisadora visitante no Colégio de México e no Center for Latin American Studies (CLAS) da Georgetown University. É diretora da Oliveira Lima Library e professora do Departamento de Sociologia na Catholic University of America. orcid.org / 0000-0001-7691-2477 E-mail: [email protected]

Luciano Aronne de Abreu – Doutor em Estudos Históricos Latino Americanos pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), em São Leopoldo, RS, Brasil. Mestre em História do Brasil pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), em Porto Alegre, RS, Brasil. Professor titular do Programa de Pós-graduação em História da PUCRS e Editor-chefe da Editora Universitária da PUCRS (Edipucrs), em Porto Alegre, RS, Brasil.orcid.org / 0000-0002-5375-694X E-mail: [email protected]


HENRICH, Nathalia; ABREU, Luciano Aronne de. Apresentação. Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre, v. 46, n. 3, set. / dez., 2020. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

Imprensa, cultura e circulação de ideias / Estudos Ibero-Americanos / 2020

Este dossiê foi proposto, tendo por norte os objetivos do grupo de pesquisa inscrito no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq): Imprensa e circulação de ideias o papel dos periódicos nos séculos XIX e XX que reúne cerca de 90 pesquisadores nacionais e estrangeiros, distribuídos em várias linhas de estudos, para pensar a imprensa impressa periódica de grande circulação em suas conexões nacionais e internacionais. Proposto pela linha de pesquisa O Brasil e as Américas, o dossiê aqui apresentado reúne artigos que ultrapassam os limites desta última, apresentando temas que envolvem não só a imprensa ibero-americana, mas também aspectos mais gerais do fazer jornal e do fazer jornalismo.

Demos aos artigos selecionados uma organização cronológica, mas que acaba por atender também a uma divisão temática. O artigo de Karen Racine transporta a questão para a década de 1820, em Birghman, na Inglaterra, a nação mais poderosa do mundo e berço da imprensa periódica. Em um contexto tanto de expansão da imprensa como de novas experiências pedagógicas, jovens estudantes, filhos da elite de uma América hispânica revolucionada foram enviados para o estrangeiro, a fim de estudar numa escola progressiva chamada Hazelwood onde produziram um curioso jornal, o Hazelwood Magazine, que alinhado com os objetivos cívicos e pedagógicos da escola, pretendia formar os cidadãos de bom caráter dentro da lógica revolucionária liberal. Do outro lado do mundo, no Brasil, o embate que se verificava entre as elites de um Maranhão ainda divido entre a adesão à independência brasileira e a fidelidade a Portugal, aparece nas páginas do jornal longevo – para os padrões do tempo –, o Conciliador do Maranhão. Exemplo que demonstra como as notícias e o debate constitucional tiveram uma circulação transatlântica que incluía os pontos mais distantes desse imenso país, como o demonstra o artigo de Marcelo Cheche. Na corte do Rio de Janeiro, uma imprensa incipiente, mas de grande atividade agitaria a cena da independência. Um dos personagens de maior destaque foi João Soares Lisboa, redator do Correio do Rio de Janeiro que liderou o movimento pela convocação de uma constituinte brasileira, a partir de um abaixo-assinado apresentado a d. Pedro. Soares Lisboa foi um difusor da cultura política das luzes e, em seu artigo, Paula Caricchio apresenta e discute a forma como as ideias de Civique Gastine foram difundidas no Brasil através as páginas do Correio do Rio de Janeiro.

Dentro do mesmo recorte temporal, século XIX, reunimos os artigos que contemplam o papel da evolução das técnicas de impressão e da especialização das atividades jornalísticas que sucederam aos embates travados na imprensa do Primeiro Reinado. O uso da litografia pela imprensa periódica possibilitou o surgimento e a popularização das revistas ilustradas dando vez a um elenco de caricaturistas e ilustradores especialmente estrangeiros, que tornariam bem mais animada a cena impressa brasileira. Um dos que aqui aportou, em 1875, foi Rafael Bordalo Pinheiro, maior nome da caricatura portuguesa do XIX. Rosangela de Jesus analisa as dificuldades de adaptação de Bordalo Pinheiro em um ambiente já consolidado em que outros artistas já tinham conquistado renome. Com a multiplicação de jornais e revistas ao longo do século XIX, os empregos nas tipografias para profissionais do ramo também se multiplicaram. Exercendo uma profissão que requeria o bom conhecimento da língua, os tipógrafos foram uma das primeiras categorias a se organizar e a publicar seus próprios jornais. Tania de Luca analisa esse processo a partir do estudo de uma das publicações do gênero, a Revista Tipográfica, que circulou no Rio de Janeiro entre 1888 e 1890, revelando a forma como os tipógrafos viam a profissão e como avaliavam o avanço da arte tipográfica no Brasil. O progresso da imprensa no dezenove também levou a uma especialização setorial com destaque para a imprensa esportiva uma das que primeiro se firmou. Sendo o famoso esporte bretão o que viria a se tornar o mais popular no Brasil, Victor Melo apresenta as adaptações que o futebol sofreu, comparando as informações que a imprensa fluminense fornecia sobre a prática daquele esporte na Inglaterra, na França e na Argentina. Em 1898, a realização, em Lisboa, do Congresso Internacional da Imprensa, como nos revela Adelaide Machado, seria um fator de reconhecimento da grande transformação que a imprensa sofrera ao longo do século XIX: o jornalismo tinha se firmado como profissão independente; fora criado um estilo jornalístico de escrita e a própria imprensa se convertera um negócio altamente lucrativo dando origem às grandes empresa jornalísticas.

A segunda parte de nosso dossiê se ocupa do século XX e se divide entre quatro artigos. Os dois primeiros voltados para o tema da imigração em dois contextos bem diferentes. A política de imigração europeia iniciada por d. Pedro II teve grande impulso no final do século XIX. O artigo de Rosane Marcia Neuman nos apresenta curiosa publicação aparecida em Leipzig, na Alemanha, em 1902 e 1903. Era assinada pelo dono de uma empresa de colonização, Hermann Meyer, com o objetivo de fazer propaganda das vantagens de imigrar para o Brasil. Em sua publicação, Meyer reproduz artigos e cartas de e / imigrantes alemães, membros da colônia criada por ele, entre os municípios de Cruz Alta e Palmeira, no Rio Grande do Sul. Uma outra imigração, bem diversa foi a que, depois da Segunda Guerra Mundial, deu origem a uma colônia formada por certa de 2500 pessoas que se estabeleceram no município de Guarapuava, no Paraná, no hoje distrito de Entre Rios. Esse distrito foi fundado, entre março de 1951 e janeiro de 1952, justamente para acolher aqueles imigrantes. Os membros dessa colônia se identificam coletivamente como suábios do Danúbio e eram oriundos de áreas da antiga Iugoslávia, Hungria e Romênia. Marcos Nestor Stein em seu artigo, apresenta e analisa as narrativas desses imigrantes publicadas em 1991 e 1992 no Jornal de Entre Rios em comemoração aos 40 anos de fundação daquele distrito.

O uso da imprensa para a desconstrução de imagem de um político é contemplado com dois artigos que falam sobre Getúlio Vargas em dois períodos momentos distintos. George Seabra escreve sobre o jornal Anhanguera, principal veículo de divulgação do ideário do movimento bandeirante que se apropriava de representações literária dos bandeirantes paulistas com finalidades políticas. O autor apresenta o perfil de alguns de seus membros, analisa a forma como divulgam seu ideário e mostra como o jornal foi recebido por militares e civis. Destaca ainda o papel de Anhanguera na construção da imagem negativa de Getúlio Vargas, em contraste com a do candidato paulista à Presidência da República, Armando de Salles Oliveira, nas eleições de 1937, abortadas pelo golpe do Estado Novo. Outro Getúlio Vargas, eleito presidente em 1951 e já transformado pela história, será o alvo dos ataques do jornal Correio da Manhã. Luiz Carlos dos Passos Martins, mostra em seu artigo como aquele jornal fundando no final do século XIX, seria uma das trincheiras de combate a Vargas e ao próprio regime democrático.

Finalmente, mas não menos importante, é a contribuição que nos traz de Cuba Yaneidys Arencibia Coloma, que nos revela um pouco do que era a imprensa que se fazia na ilha, antes da revolução de Fidel. A autora nos apresenta a Jorge Manach, jornalista, editor e intelectual de grande influência no seu país, destacando o caráter de ensaística cultural que caracterizava seus escritos, seus vínculos com vários projetos editoriais e sua ação decisiva no sentido de que fosse criada a Universidad del Aire. Esse artigo nos ajuda a conhecer o gradual processo de autonomia e de legitimação do pensamento cultural cubano, além de contribuir para nos mostrar formas específicas de sociabilidade intelectual, originadas pela atuação de Manach em seu tempo.

Temos o privilégio de encerrar esse número com uma entrevista com Celia Del Palácio Montiel, importante pesquisadora da história da imprensa mexicana, fundadora da Red de Historiadores de la Prensa en Iberoamérica (1999) e, desde 2018, coordenadora do Grupo Temático Historia de la Comunicación, da Asociación Latinoamericana de Investigadores de la Comunicación (ALAIC) e autora de inúmeras publicações. Nesta entrevista, Célia del Palácio reafirma a importância da imprensa como campo estratégico fundamental para a história e demonstra como esse campo de estudos vem se consolidando na América Latina. A historiadora também destaca o papel dos estudiosos da imprensa no atual contexto mundial: “A los estudiosos de los medios toca analizar a profundidad lo que ocurre, desde la academia, denunciar los ataques a la libertad de expresión y presentar la evidencia en los foros más allá del reducido espacio académico” [3]. Esperamos que este Dossiê seja uma contribuição à essa tarefa.

Notas

3. PALÁCIO, Célia Del. Depoimento de Célia Del Palácio. Destinatários: Marlise Regina Meyrer e Helder V. Gordim da Silveira. [S. l.], 7 abr. 2020. 1 mensagem eletrônica.

Isabel Lustosa – Fundação Casa de Rui Barbosa, Rio de Janeiro, RJ. orcid.org / 0000-0003-2456-6925 E-mail: [email protected]

Marlise Regina Meyrer – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs). orcid.org / 0000-0002-6446-7799 E-mail: [email protected]


LUSTOSA, Isabel; MEYRER, Marlise Regina. Apresentação. Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre, v. 46, n. 2, maio / ago., 2020. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

Direitos humanos e políticas de memória / História – Questões & Debates / 2020

O Dossiê que temos a satisfação de apresentar ao olhar crítico dos leitores da Revista História: Questões & Debates, reafirma nossas convicções sobre as exigências que a história nos impõe em não permitir apagamentos, silenciamentos, ocultações e censuras em face de experiências traumáticas que afetaram (e afetam) o cotidiano do Brasil e da América Latina. Elaborar o traumático por meio de um trabalho de memória, como destacou Elizabeth Jelin (2002), implica colocar uma distância entre o passado e o presente. Mas esta distância implica igualmente em não recusar as interações dinâmicas e as contínuas reapropriações que marcam as temporalidades históricas. Significa, ao contrário, recordar que algo ocorreu, e ao mesmo tempo, reconhecer a vida presente e os projetos futuros. Levando em consideração as circunstâncias políticas passadas e presentes que repercutem no modo pelo qual as nossas sociedades produzem suas representações; preocupados com os processos históricos que maximizam as situações de vulnerabilidade de grupos sociais e comunidades, e atentos à lição de Jelin, nossa crença é que são cada vez mais urgentes as reflexões que congregam o binômio “direitos humanos” e “memória”. Quer nos parecer, portanto, que tal urgência está plenamente contemplada no conjunto dos artigos que compõem este Dossiê. Um Dossiê tecido por narrativas plurais; construído pelas vozes da persistência, e, sobretudo, concebido pela coragem de não tangenciar ou se omitir diante da responsabilidade de enfrentarmos um duplo desafio: educativo e político.

É imperativo destacar dois aspectos. Primeiro, o potencial crítico e analítico alicerçado sob o binômio “direitos humanos” e “memória” e em seus desdobramentos temáticos possíveis, é o que temos nos empenhado em desenvolver no âmbito de uma rede de investigadores brasileiros e de outros países que, afortunadamente, tem se ampliado nos últimos anos, justamente, a partir de interesses comuns de pesquisa e pelo intenso grau de similitudes entre seus objetos de estudo. Destarte, os debates gerados no Grupo de Pesquisas DIHPOM (Direitos Humanos e Políticas de Memória), sob coordenação da pesquisadora e professora Marion Brepohl, têm auspiciado uma série de publicações e encontros científicos que contribuem para refinar e reformular as percepções sobre o mundo no qual atuamos. Em segundo lugar, reforçamos como estatuto epistemológico de nossas práticas, a opção por uma vertente profundamente crítica tanto em relação ao uso instrumental e etnocêntrico da noção de direitos humanos; quanto aos modismos que inflacionam e despolitizam o conceito multiforme de memória. É sob tal orientação que se organizam os nove artigos oferecidos ao leitor pelo Dossiê “Direitos Humanos e Políticas de Memória”.

No artigo que abre o Dossiê, de título “Desafios para a história nas encruzilhadas da memória: entre traumas e tabus”, Marcos Napolitano enfoca as categorias de trauma e tabu vinculando-as à análise dos processos de memorização e suas conexões com o conhecimento histórico, sobretudo, na apreensão dos períodos marcados por violências extremas. O autor constrói uma reflexão em que visualiza o “trauma” como categoria recorrentemente apropriada pelo campo de saberes historiográficos; enquanto o “tabu” é identificado como uma espécie de negação produzida pelos perpetradores das violências e seus herdeiros. Ambos são mobilizados para analisar e compreender as mutações na memória hegemônica da ditadura militar brasileira.

Em seguida, Diogo Justino no artigo “Uma responsabilidade pelo que não fizemos? A memória como fundamento da responsabilidade histórica em Walter Benjamin e Reyes Mate” explora as relações entre memória e história a partir de um diálogo entre Benjamin e Reyes Mate. Justino pauta sua análise pensando os vínculos entre passado e presente, centrais na reflexão do filósofo alemão, conectando-os com a noção de memória da injustiça como fundamento de uma ideia de responsabilidade histórica em Reyes Mate. O autor conclui que a operação de pensar o presente a partir do passado, incluindo as experiências de injustiça, é como pensar sobre as responsabilidades que as gerações do futuro possuem em relação às gerações do passado.

No terceiro artigo, “La violencia dictatorial y la violencia estatal de largo plazo en el Cono Sur de América Latina: entre lo excepcional y lo habitual”, o historiador argentino Daniel Lvovich propõe uma série de perguntas e vinculações entre as modalidades mais gerais da violência estatal contra a próprias populações, e as formas de violência especificamente políticas instauradas pelos estados nos períodos ditatoriais. Para Lvovich, a violência política representa a potencialização em escala geométrica da violência cotidiana previamente existente e que atinge as comunidades nacionais, tendo como alvos involuntários os setores mais vulneráveis da população.

Magdalena Figueredo Corradi e Fabiana Larrobla Caraballo, em “Una aproximación a la metodologia de investigación de los crímenes de lesa humanidad en las dictaduras del cono sur. La experiencia del Equipo de Investigación Histórica (EIH) – Uruguay”, tratam do processo de construção de uma abordagem metodológica cujo enfoque trandisciplinar, permite às autoras trazer ao leitor o exitoso trabalho realizado durante mais de quinze anos na investigação sobre os crimes cometidos pelo estado uruguaio dentro de seu território, e no marco do Plano Condor. O empenho sistemático no âmbito do EIH tem como princípios contribuir para os processos de verdade, justiça e reparação em relação às graves violações de direitos humanos cometidas pelas últimas ditaduras do século XX no cone sul, mas também almeja gerar um campo de estudo que possa ampliar o escopo de metodologias favoráveis ao trabalho dos investigadores.

As percepções do direito internacional humanitário quanto à reparação jurídica e ao direito à memória são desenvolvidas por Melissa Martins Casagrande e Ana Carolina Contin Kosiak, no artigo “Reparação jurídica e direito à memória: o papel das sentenças condenatórias internacionais e estrangeiras sobre desaparecimentos forçados”. As autoras propõem que sentenças condenatórias referentes às violações de direitos humanos cometidas em períodos ditatoriais têm um duplo papel: prover reparação jurídica às vítimas e / ou aos seus familiares; assim como produzir meios documentais que permitam o acesso ao passado contribuindo para a consolidação do direito à memória. O recorte temático mais específico repousa na atuação transnacional da Operação Condor e as suas responsabilidades no desaparecimento forçado de opositores das ditaduras na América do Sul entre as décadas de 1960 e 1990.

No artigo seguinte, de título “Los refugiados chilenos residentes en Argentina como un ‘problema de seguridad nacional’, 1973-1983”, Maria Cecilia Azconegui estuda as repercussões do golpe pinochetista no cenário político argentino. Azconegui explora os impactos provocados pelo ingresso de milhares de refugiados chilenos no território argentino, e analisa as mudanças nas percepções e nas políticas de governo com respeito a esses refugiados. A autora sugere que, gradativamente, os chilenos passaram a ser considerados uma ameaça cuja permanência na Argentina devia ser objeto de regulação, controle, e mesmo, repressão, eliminação física ou expulsão, a despeito dos mecanismos de proteção proporcionados pelo ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados.

Ao relacionarem as Comissões da Verdade e a literatura no artigo “Experiências de ditadura na Argentina e no Brasil: notas sobre a reelaboração da memória a partir da literatura”, José Carlos Freire e Alexandre Fernandez Vaz discutem aspectos gerais sobre a Justiça de Transição ocupando-se do papel assumido pela CNV – Comissão Nacional da Verdade implantada no Brasil em 2011. Em perspectiva comparativa, os autores refletem sobre a CONADEP na Argentina, e trazem à luz quais as possíveis contribuições da literatura de testemunho a partir de dois relatos: K. Relato de uma busca de Bernardo Kuncinski (2011), e Mi nombre es Victoria, de Victoria Donda (2009). Os autores concluem que tanto os trabalhos das Comissões instaladas nos dois países em temporalidades distintas, como a diferença entre as duas narrativas literárias sobre desaparecimentos evidenciam a dificuldade do Brasil em elaborar o seu passado ditatorial.

Na sequência, Leandro Brunelo e Angelo Priori no artigo “Resistência democrática versus graves violações dos direitos humanos durante a ditadura militar no Paraná: a atuação dos advogados na defesa dos presos políticos” problematizam o Inquérito Policial Militar 745 (IPM 745), que, durante a ditadura militar brasileira, apurou o envolvimento dos comunistas na suposta organização do partido no estado do Paraná em 1975. Os autores contrapõem as instituições políticas que controlam e formulam leis, e os advogados de defesa das pessoas presas que denunciaram as violações dos direitos humanos. Ao ressaltarem as disputas que ocorriam em um campo específico, o jurídico, Brunelo e Priori demonstram os modos pelos quais agentes díspares na escala do poder travaram uma batalha legal e jurídica, e, por sua vez, como os advogados valiam-se do mesmo substrato burocrático-legal fomulado pelo estado para tornar menos rígidos os limites da lei e do campo jurídico.

Encerra nosso Dossiê, o artigo escrito pela historiadora Carla Cristina Nacke Conradi: “Gênero, memória e ditadura: a militância política de Lídia Lucaski no Paraná”. Neste artigo, Carla Conradi aborda a complexa relação entre gênero e ditadura, partindo de uma escrita sobre a história da ditadura civil-militar no Paraná, por meio da memória autobiográfica de uma militante paranaense. A autora retrata o retorno que Lídia Lucaski faz ao seu passado e como esse relato está entrelaçado pelas análises que Lídia, a protagonista, tece sobre sua militância política. Conradi destaca que, muito mais do que narrar sua trajetória, Lídia problematiza a relação que tem no presente com sua memória, dimensionando sua capacidade de arquivar o passado ou de fazer apropriações das experências vividas.

Este volume da Revista História: Questões & Debates conta ainda com três artigos em sua Seção Livre. “Saber histórico e desenvolvimento das competências de leitura e escrita no currículo oficial do estado de São Paulo”, de Jorge Eschriqui Vieira Pinto, pelo qual o autor argumenta como o saber histórico de sala de aula a partir do desenvolvimento de leitura e escrita pode se tornar uma importante ferramenta cidadã dos alunos. Na sequência, Diogo da Silva Roiz e Tiago Alinor Hoissa Benfica, em “Elza Nadai: a formação da papisa do ensino de História”, apresentam a trajetória intelectual de Elza Nadai, no intuito de visualizar os locais institucionais e as proposições teóricas que edificaram a área de pesquisa de ensino de História. Por fim, no artigo “Estado do conhecimento sobre história da alimentação indígena no Brasil”, Tamiris Maia Gonçalves Pereira, Sônia Maria de Magalhães e Elias Nazareno discutem as recentes abordagens desenvolvidas no âmbito da História da Alimentação, com foco específico na alimentação indígena.

Os organizadores deste Dossiê desejam agradecer a contribuição de autoras e autores na concretização de mais esta edição da Revista, e, sobretudo, a generosidade pela qual as editoras acolheram a nossa proposta.

Uma boa leitura!

Angelo Priori (Universidade Estadual de Maringá)

Marcos Gonçalves (Universidade Federal do Paraná)

Silvina Jensen (Universidad Nacional del Sur)

Organizadores


PRIORI, Angelo; GONÇALVES, Marcos; JENSEN, Silvina. Apresentação. História – Questões & Debates. Curitiba, v.68, n.1, jan. / jun., 2020. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

Rhetoric turn and medieval history: a look into europe and usa / Brathair / 2020

That historiography is indebted to a «linguistic turn» may today be taken for granted, and appears to be almost banal. Historiographic essays, methodological introductions, disciplinary discussions describing the developments of European and American historiography in the second half of the twentieth century, all of them agree in identifying an important turning point in the 1960s, the time when research began to be increasingly influenced by linguistic and language studies. The same thing is true in practice, given that no good research today would be conceivable without a thorough analysis of textual construction of its written sources1. Instead, less well known and therefore less obvious is to affirm that between that «linguistic turn» and today‘s research there have been further moments of development and reflection, which have led to refine methodologies, rethink some basic assumptions, extend the scope of some acquisitions to disciplines so far remained at the margins of those developments. This is the case of the intellectual phenomenon known to various scholars as the «rhetorical turn».

What is the «rhetorical turn»? Basically, it is an awareness of the limits of objectivism and materialism that, starting from the Enlightenment, influenced, and in some cases structured, many scientific, social and humanistic disciplines. Some scholars, mostly American social scientists strongly influenced by European intellectuals such as Jacques Derrida and Roland Barthes, realized that scientific communities are influenced by appeals to auctoritates, traditions, conventions, intuitions, anecdotes and aesthetic care no less than by those rigid formal and deductive logics and by those sets of impartial data that we are still used to associating with scientists today. Following Thomas Kuhn in his The Structure of Scientific Revolutions, they realized that very often those scientific communities look much more like religious groups than detached intellectuals with brilliant minds; likewise, those scientific revolutions and paradigm shifts are much more like religious conversions than carefully considered and well-reasoned shift in scientific practices2. Such an awareness has thus generated particular attention to mechanisms of persuasion that make knowledge changes possible. In other words, it put rhetoric at the center of the debate. «What can rhetorical theory teach us about how to adjudicate among competing values, or prescriptions, or knowledge claims?». This is the question those scholars have posed to themselves and to their colleagues, near and far. Guided by Herbert W. Simons, they were thus able to identify a real «rhetorical turn» in the «growing recognition of rhetoric in contemporary thought, especially among the special substantive sciences. It means that the special sciences are becoming increasingly rhetorically self-conscious»3.

As they matured such reflections, which came together in a volume published in 1990, those scholars were well aware that they had not created that phenomenon but, more simply, they realized that they had revealed an intellectual movement that had begun some time earlier but was particularly evident at that moment. One of them, Dilip Parameshwar Gaonkar, has effectively identified a double dimension in this turn. On the one hand, an explicit dimension coincides with the work of those who have explicitly recognized the relevance of rhetoric for contemporary thought and have used rhetoric as a critical and interpretative tool. On the other hand, an implicit dimension concerns production and reflection of all those who were little aware of the rhetorical lexicon and on disciplines inherent in communication, but even so recognized the importance of formal and persuasive aspects of the discourse starting from problems internal to their specific disciplines, no matter whether scientific or humanistic. According to Gaonkar, the internal dimension is much more important than the external one, due to the empirical processes that characterize it and involve, not only philosophers and experts in literary theory and criticism, but also scholars like Walter J. Ong and Tzvetan Todorov: perhaps not all will agree in defining them as historians à part entière but, of course, all will agree in affirming that they have practiced historical research4.

The presence of history in the «rhetorical turn» is not surprising for two reasons. The first reason is that the vast majority of sources that historians have to deal with are usually elaborated by one or more senders for one or more recipients, with the aim of persuading the latter to do or to accept something. This persuasive dimension is clearly present in written sources, but it is also present in the visual ones, which in fact have been well valued from this point of view by many scholars, on top of which is Peter Burke5. The second reason is that rhetoric, i.e. «the study and practices of persuasion»6, «l‘art de persuader et la science du bien dire»7, often tends to have parasitic relations with other disciplines. It therefore finds a particularly suitable host in the prismatic and multidisciplinary dimension of history.

But what exactly did the «rhetorical turn» mean for historians and particularly for historians of the Middle Ages? One could speak in general of a double movement, which became evident starting from the early 1990s and decidedly accelerated in the last ten years. On the one hand, rhetoric has acquired a deeper and a more concrete temporal and contextual dimension thanks to a new narrative: it is no longer a technique promoted by the Greeks in Antiquity, interrupted during the Middle Ages and recovered by Humanism, but a discipline that has transformed from Antiquity to present day according to a continuum rich in nuance and to temporal, cultural and social variations. On the other hand, like other disciplines, even as history, after having long despised rhetoric, because it is opposed to the Enlightenment scientific methodologies, research has returned to dialogue with it by acquiring new research tools useful both for analyzing and questioning sources and for constructing its own discourses. Medieval history, and medieval history of Europe in particular, played an important role in this evaluation. Given the intense relations between history and diplomatics, i.e. the discipline that studies historical documents from a formal point of view, it could be said that in a certain sense medieval history was more ready than other disciplines to accept rhetoric. In addition to this, medieval European history has played a pivotal role in ‗unlocking‘ the historical dimension of rhetoric. As I said, until the last quarter of the twentieth century the dominant narrative was that of an «art of persuasion» very widespread in Antiquity, but which vanished in the Middle Ages and was rediscovered by humanists at the beginning of the Modern Era. Nothing could be a greater falsehood, and historians have well noticed it: in the Middle Ages, rhetoric pervaded many areas of human action, starting from the teaching of systems of rhetoric, passing through the writing of documents and literary works up to liturgy, preaching, assemblies and so on. After all, the articles published in this dossier of Brathair are all indebted to this revaluation, and on their own make a significant contribution to it. Since – except for my mistake – a reflection on these developments in European and American medieval history has not yet been produced, I believe it is useful in these pages to propose a brief illustration. It could constitute a first historiographic orientation on the subject. I need to anticipate that it is not possible, in this case, to establish a direct derivation of these researches from the explicit awareness summarized in the American volume published in 1990. We deal, rather, with a complex, composite process, rich in nuances and also developed, in many cases, from reflections internal to the discipline or to a single research itinerary. Nevertheless, the spread of historiographic topics appears to be coherent to the point of suggesting a real cultural movement. Given their international dimension, I will focus on historiographical fields rather than on individual national historiographies.

A point that is common to all areas, with USA in advance compared to Europe, is the extension of the rhetoric object to historical disciplines starting from literary, philosophical and social disciplines. The first historiographical areas that have benefited from this extension are Renaissance Italy and Byzantium. The reason is quite clear: Renaissance Italy explicitly recovered the rhetoric of the Greco-Roman period, whereas Byzantium is the direct heir of the Greco-Roman structures from which rhetoric was born. But, from there, its extension covered several other areas of Europe, in particular France, Germany, England and Spain — first in the late medieval period, more recently in the early and high medieval ones. In most of these researches, rhetoric was part of a binomial, that is, it was observed in relation to other aspects of human action, but one can also observe a development of rhetoric as a specific object of historical research.

Among the more in-depth topics there is undoubtedly the relationship between rhetoric and politics, directly derived from the late twentieth-century research on ideologies and propaganda in the Middle Ages. Beyond Byzantium, the research focused mainly on communal Italy and on the struggle between the German empire and the papacy in the thirteenth century. The studies on communal Italy were inaugurated by Enrico Artifoni, who, in the 1990s, sparked the attention of political historians towards characters and texts that had been totally ignored until that moment, as is the case of Boncompagno da Signa, Albertano da Brescia and their works. At the same time, Artifoni showed that political practices of thirteenth-century Italy were pervaded by the art of the word, to which Italians were educated through handbooks of ars dictandi and ars arengandi. After him, Enrico Faini, Lorenzo Tanzini and Florian Hartmann further articulated the reflections by extending them to the entire communal period (twelfthfourteenth centuries) and bringing a magnifying glass closer to the specific relationships between city assemblies, rhetorical education of participants, epistolary and historiographical production. Research on empire and papacy also used similar methodologies: after reflecting at length on ars dictaminis, Peter Herde, Laurie Shepard and Benoît Grévin showed that from the thirteenth century the rhetorical dimension of public epistolary production, i.e., the production of documents that were read aloud in assemblies, was at the center of ideological and political constructions of the two institutions and more generally of the greater European monarchies. More recently, Mayke de Jong has explored France during the Carolingian era, drawing attention to the relationship between the polemical intellectual production of the monk Radbert, his rhetorical strategies, his audience, and the consent towards sovereigns during the ninth century8.

A topic closely linked to the political one is the relationship between rhetoric and documentary production. Reflections on rhetorical aspects of medieval documents took shape even before the «rhetorical turn», thanks to diplomatic studies that started with Heinrich Fichtenau, if not earlier, focused on the more literary sections of public documents such as the arengae. The intersection between these older studies and the new rhetorical awareness has meant that, from around 2000, not only researchers in diplomatics but also historians dealt more systematically with the persuasive dimension of medieval written sources. Starting from a complete re-evaluation of sources such as the epistles, these scholars have understood that, within medieval chanceries, notaries and officers sought the maximum effect of rhetoric for their texts, with the help of tools such as literary manuscripts of classical authors and, above all, model-letter collections. Furthermore, that rhetoric effect found its raison d‘être in the public reading of documents in highly ritualized contexts, such as assemblies. The ancient and resistant barrier between diplomatics / history and literature has thus begun to crumble. At the heart of these reassessments are the studies of Benoît Grévin and Fulvio Delle Donne, but important steps have also been produced thanks to collective works, such as a French one on the language of Western and Byzantine acts or an Italian one on epistolary correspondence in Italy. The most investigated documentary productions are those of the papacy and the empire between the twelfth and fifteenth centuries, but recently there have been many new openings: Maria Isabel Alfonso Anton and David Aller Soriano have studied the Spanish fueros between the eleventh and thirteenth centuries, Brigitte Resl the twelfth-century Italian cartularies, Adele di Lorenzo the Italian Greek acts of the Norman period, Dario Internullo the communal epistles of Rome, Pierre Chastang and François Otchakovsky-Laurens the thirteenth-century statutes of Marseille, Adrien Roguet the French and German documents of the twelfth century, Thomas W. Smith, Matthew Phillips, Helen Killick, Linda Clark and others the English petitions and documents of the thirteenth-fifteenth centuries, Benoît Grévin and Sébastien Barret the French royal acts in the fourteenth century9.

Moving on the relationship between rhetoric and groups, first of all, one should note that already in the early 1980s there was in Italy a conference on the relationship between rhetoric and social classes. Since the 1990s the discourses have developed further, on the one hand around the formation of ethnic-religious groups, as is the case of the early medieval Bulgarians studied by Lilia Metodieva, or the late medieval Georgian church studied by Barbara Schellewald; on the other hand, around the construction of social groups or genders. Vincent Serverat, in the footsteps of Georges Duby, has studied the rhetorical construction of social classes in Castile, Catalonia and Portugal through a corpus of over 400 texts; François Menant and Enrico Faini explored the concept of populus in Italy and Europe between the eleventh and thirteenth centuries, coming to the conclusion that, even before a social class, populus designates a political program aimed at framing urban and rural communities within precise institutional frameworks, first episcopal and then municipal; Francesco Stella revealed a cultural circuit between teachers of rhetoric, hagiographic production and the emergence of civic identity in the communal cities of Bologna and Arezzo between the twelfth and thirteenth centuries. As far as genres are concerned, the development of research around late medieval women, especially those of higher social level, is truly remarkable: this is the case for instance of the studies led by Liz Oakley Brown and Louise J. Wilkinson on the rituals and rhetoric of queenship between the Middle Ages and the Modern Era, those of Rüdiger Schnell on the relationship between gender and rhetoric in the Middle Ages and in the early Modern Era, or those of Nuria Gonzalez Sanchez, Jane Couchman, Ann Crabb on the rhetoric, persuasion, and female epistolography at the end of the Middle Ages10.

Another particularly practiced theme concerns the relationship between rhetoric and images. Although already practiced by Jacob Burckhardt and Johan Huizinga, historical studies on images have greatly benefited from the twentieth-century reflections on photography, more generally on images, creating in the 1990s a fruitful field of study. I refer here to the works that explicitly use the concept of rhetoric in their research on images: Suzanne Lewis studied the narrative rhetoric of Norman Bayeux tapestries; Thomas Dittelbach and Beat Brenk studied paintings and sculptures of the palatine chapel in Palermo during the Norman period; Nirit Ben-Aryeh Debby and Marco Folin focused respectively on the persuasive aspects of the «images of the Saracens» and on the civic functions of buildings an monuments in Florence in the late Middle Ages; Olga Perez Monzon, Matilde Miquel Juan and Maria Martin Gil have contextualized and unveiled the rhetorical construction of the funeral monument of Alvaro de Luna (†1453) in the cathedral of Toledo, a monument aimed at redeeming the memory of a Spanish officer who was publicly killed under the accusation of sorcery; Mary Carruthers led a collective work on medieval artistic production (lato sensu) aimed at applying the concept of performance to authors and public, as well as at reflecting on the persuasion strategies implemented by ‗non-verbal‘ enterprises such as the architectural, figurative, musical and liturgical ones, with particular attention to late medieval France and England. As I said, these are the most aware studies of the rhetorical dimensions of images and monuments, but there are many researchers who have used similar methodologies. In addition, especially in Germany and France, there have been several collective reflections on the «rhetoric of images» in the Middle Ages11.

The encounter between rhetoric and religious history was fruitful as well. In this sense, the research focused above all on the relationship between rhetoric and preaching. Some seminal ideas seem to have come from French historiography around Jacques Le Goff between the late 1970s and the 1980s: a collective work published in 1980 focused on the rhetorical exemplum as a basis for investigating the histoire des mentalités between Antiquity and the Middle Ages, which was followed by a work by Le Goff himself on the relationship between exemplum and the rhetoric of preaching. Also in this case the 1990s witnessed to a growth in intensity of such research: starting from those early French works Nicole Bériou explored the persuasion of late medieval preaching in France with dozens of articles, recently collected in a volume; Bériou led together with Jean-Patrice Boudet and Irène Rosier-Catach a collective research on Le pouvoir des mots au Moyen Âge, focused on virtus verborum in the most diverse cultural practices of the Middle Ages, from preaching to theological writing, from miracles to curses up to magic; Michael Menzel has published a book focusing on the rhetoric of historical exemplum in late medieval artes praedicandi and sermons; Carlo Delcorno concentrated on medieval Italian preaching from many points of view, from exemplum to ecclesiastical politics, from the literary dimension to the linguistic one; Nicolangelo D‘Acunto investigated the political rhetoric of the main actors in the Investiture Conflict, as well as in religious order in the thirteenth century; Gian Luca Potestà studied the prophetic rhetoric of the Minor Friars in relation to Gioachimism; Francesca Romoli explored the communication strategies of Slavic preachers between the eleventh and thirteenth centuries, adopting a comparative perspective that took into account both the Western world of artes praedicandi and Byzantium; Antonio Sennis dealt with the persuasion strategies of monastic supernatural visions in Italy in the eleventh and twelfth centuries; in the wake of Bériou, Christian Grasso illustrated the relationship between papal politics, preaching and the crusades in the thirteenth century; Victoria Smirnova and Marie-Anne Polo de Beaulieu reflected on the Cistercian collections of exempla in Germany during the fifteenth century12.

Such rhetorical and discursive dimensions — not only of medieval texts themselves, but also pertaining to our historiographic operation — have not passed unheeded by in the studies of scholars not strictly bound to rhetorical studies or approach. It is, par excellence, the case of Joseph Morsel, professor and researcher at the University of Paris-1 – Panthéon Sorbonne, whose theoretical reflections recover a great range of intellectual interests and topics. We should like to highlight some of his writings, specially his Le diable est-il dans les détails? L‘historien, l‘indice et le cas particulier (―Is the devil in the details? The historian, the signal and the particular case‖, 2019) and Traces, quelles traces? Réflexions pour une Histoire non passéiste (―Traces, what traces? Reflections for a non-backward-looking History‖, 2016), among many other pieces of work. Morsel is also a strong interlocutor of Flavio de Campos and Hilário Franco Júnior, along with Eliana Magnani, Daniel Russo and Dominique IognaPrat. He also has valuable essays on the matter of archives and diplomatics, in the light of historical theory, here we will mention Histoire, Archives et Documents – vieux problèmes, nouvelles perspectives (―History, Archives and Documents – old problems, new perspectives‖, 2020), but there are many others.

Although emerged from the traditional narrative (see above) the studies that have dealt with the relationship between rhetoric and Humanism are decidedly important from a historiographical point of view. Thanks to a greater awareness of the ‗historicity‘ of rhetoric, they have managed to rethink deeply that cultural movement. Among the main players in this renewal are Marc Fumaroli, Ronald Witt and Clémence Revest. Fumaroli has the merit of placing the debates on style and forms of speech, promoted by the humanists themselves in the fifteenth and sixteenth centuries, in a more concrete perspective, thus raising the awareness of many historians towards the subject. In the wake of Paul Oskar Kristeller, Ronald Witt then has rediscovered the links between medieval and humanistic culture, identifying their trait d‘union in the rhetorical style of ars dictaminis practiced by Italian notaries and teachers of rhetoric, especially those who lived in Florence and Padua. Lastly, Clémence Revest was able to retrace ex novo the entire humanist movement, using public and private letter sources and observing its expansion through stylistic networks that not only from Florence, but also from papal Rome spread first in Italy and then pervaded whole Europe, inducing intellectuals to abandon ars dictaminis for a new classicizing style based on Cicero. That style in turn would have influenced the ways of thinking culture to the point of profoundly modifying educational programs of Europe13.

Those illustrated here are of course not all the historiographical fields that were formed through the «rhetorical turn», but they are certainly the most practiced. Rather than dwelling on other developing topics, such as the relationship between rhetoric and judicial practices, rhetoric and music and rhetoric and medicine, I find it more useful to conclude on rhetoric as a historiographical theme in itself. There are two trends that can be detected in the studies of the last three decades. On the one hand, the ancient binary of rhetoric as an argument and as a method of literary disciplines has by no means vanished after the «rhetorical turn» in history. Indeed, it seems that the «rhetorical turn» has also refreshed literary studies with a new strength, as it is demonstrated by a recent volume on Dante and rhetoric, edited by Luca Marcozzi. The same can be said for studies on medieval education: given that rhetoric was part of the arts of trivium since the early Middle Ages, there are countless researches that have deepened the mechanism of learning transmission of the «science du bien dire». We should mention the most recent collective studies on medieval universities, in particular those promoted by Joël Chandelier and Robert Aurélien, involving scholars such as Benoît Grévin and Clémence Revest: they have well incorporated the most recent contributions of French historiography on rhetoric. Similarly, the most recent studies on the so-called artes poetriae, promoted by Gian Carlo Alessio and Domenico Losappio, have clearly identified the schooling and rhetoric dimension of these manuals, long neglected by research, providing further insights for eliminating the border between history and literature. On the other hand, and I come here to the second trend, rhetoric as a scientific object has not only entered with new vigor in numerous historical researches, ranging once more from Byzantium to Europe, but has also undergone an interesting transformation: research has passed from the study of the theory of rhetoric to the study of rhetoric in practice, according to a process similar to that which led political history to pass from institutions to the relationship between rulers and ruled. Particularly indicative, in this sense, are the studies promoted by Floriam Hartmann on the functions of eloquence in communal Italy; the ones by Georg Strack and Julia Knödler on concepts, practices and diversity of medieval and Renaissance rhetoric; by Benoît Grévin and Anne-Marie Turcan-Verkerk on ars dictaminis in all its forms; those by Irene van Renswoude on rhetoric of free speech from the second to the tenth century – the latter also being effective in breaking down the disciplinary barrier between Late Antiquity and the Middle Ages, highlighting historical and cultural consistency of the «first millennium» well illustrated by Garth Fowden. If we adopt this broader chronological perspective, it is finally worth mentioning the ERC-funded project coordinated by Peter Riedlberger on the late antique conciliar proceedings: being focused on rhetorical and communicative aspects that lie behind the complex manuscript tradition of the proceedings, it could provide many methodological insights to the study of political and judicial acts and speeches of the Middle Ages14.

Rhetoric Turn and Medieval History. A look into Brazil.

Notwithstanding the fact that some really good researches on Rhetoric have been carried out in Brazil in the last decades, which gave rise to some mandatory readings for students and postgraduate researchers, the field is still to be deepened. As a matter of fact, should we set up a brief archeology of Brazilian pieces of work on Rhetoric and Human Sciences, we would necessarily come across initial writings in legal and literary studies.

Indeed, the first major influences from the Linguistic Turn of the 1980s was exerted in all areas of Human and Social Sciences, especially Anthropology and Law, yet the properly called Rhetoric Turn came about recently and found a large critical fortune in Philosophy of Law. In this ballast, we can mention a prime book by Professor Tércio Sampaio Ferraz Júnior, Law, Rhetoric and Communication (Direito, Retórica e Comunicação, 1979), which features a thought-provoking dialogue with his former mentor at the University of Mainz (Germany), Theodor Viehweg (1907-1988). Actually, Viehweg was responsible for this inaugural approach to Legal Philosophy in Topics and Jurisprudence (Topik und Jurisprudenz, 1953), by linking up Rhetoric, Dialectics and Law in a very original reflection.

Sampaio Júnior‘s work has also brought about an entire ―rhetorical‖ tradition in Legal Studies in Brazil, particularly at the University of São Paulo (USP), for which the Faculty of Law – Faculdade de Direito do Largo de São Francisco – has proved to be an actual hatchery. For instance, some significant writing on Law and Rhetoric have been put forth by José Eduardo Faria – Political Rhetoric and Democratic Ideology (Retórica Polìtica e Ideologia Democrática, 1982)

A first and not unimportant binding with History was to be perceived in Sampaio Júnior‘s work, mainly concerning the idea of History, Crisis and Politics by Hannah Arendt in her The Human Condition of 1958. Viehweg also temporally precedes all the New Rhetoric (Nouvelle Rhétorique) championed by Chaïm Perelment (1912-1984) and Lucie Olbrechts-Tyteca (1899-1987) in Treatise of Argumentation – The New Rhetoric (Traité de l‘Argumentation – La Nouvelle Rhétorique), Law and Anthropology have preceded History in terms of adopting the rhetorical method. Henceforth, the first attempts to provide History and Literary Theory with an innovative method couched in rhetorical formulation has come from Legal Philosophy.

Nevertheless, it seems that legal-philosophical and sociological approaches have been prone to reduce the manifold dimensions of Rhetoric to the sense of Forensic Oratory, which draws roots in Cicero‘s De Oratore, with few regards to Aristotle.

Soon there will be a book by Professor José Reinaldo de Lima Lopes (University of São Paulo), named Course of Philosophy of Law: Law as Practice, expected for 2021, where an entire chapter is devoted to Rhetoric. Lima Lopes‘ great merit, in our view, is his sensibility and sensitiveness to realize that Aristotle must still be looked upon as the most important auctoritas in the field of Philosophy and History. For Professor Lopes, Rhetoric could not be reduced, at all, to its oratory dimension. It is a matter of urgently retrieving its contents as the ars of producing veracity in social relationships and providing legal practice with rational and reasonable arguments and mostly the capacity to formulate truthful judgements and assertions.

Thus, his book is going to endow us with reflections that are vital both to the realms of Cultural History and History of Law, which confirms the author‘s primacy in History and Philosophy of Law in terms of Brazil and internationally. It is not at all by chance that one of the very leading historians of our time takes exactly the same pathway. In fact, in his History, Rhetoric, and Proof (The Menahem Stern Jerusalem Lectures) (Rapporti di Forza – Storia, Retorica, Prova, 1999), Ginzburg tells of the trend to approach Rhetoric through a Ciceronian view. It hinders historians and other researchers to unfold the huge heuristic potential of Aristotle‘s doctrine of Rhetoric as the art (in the sense of τέχνη) that grants us the ways to formulate proof to our speeches, i.e., the way to elaborate truthful reasoning.

Before making its way towards History in Brazil, Rhetoric were also widely influenced by Literary Studies. However, this time, the linkage to History turned out to be much more profound and fruitful. There are, to our mind, two founding names for these studies, especially regarding the medieval period, who are Professor Márcia Mongelli and Professor Yara Frateschi Vieira.

First comes a book, organized by Professor Mongelli (University of São Paulo), called Trivium and Quadrivium – The Liberal Arts in Middle Ages (Trivium e Quadrivium – As Artes Liberais na Idade Média, 1999), wherein Mongelli has written a chapter herself, entitled ―Rhetoric: the virtuous elegance of well sayinging” (“Retórica: a virtuosa elegância do bem dizer”).

Moreover, in her turn, Professor Frateschi Vieira has composed an already classic article drawing attention to the rhetorical dimensions of narrative, ―‗A Bee in the Rain‘: rhetorical proceedings of narrative‖, which was published in Alfa – Revista de Linguìstica, 16th volume, 1970.

Both scholars organized a collection of medieval writings and narratives featuring rhetorical motives and topics ranging from the 11th to the 15th century and entailing auctoritates both from Islam and Latin Christendom. Their excellent Introduction to the collection itself can perfectly act out as a detailed guidebook for rhetorical studies and maiden researches in the area, as was our own case. The collection book is nominated Medieval Aesthetics (Estética Medieval, 2001).

A colleague and friend of Mongelli and Frateschi Vieira, Professor Maria do Amparo Tavares Maleval, is as well to be regarded as a major researcher on Medieval Rhetoric, which we can promptly infer from her book Fernão Lopes and Medieval Rhetoric (Fernão Lopes e a Retórica Medieval, 2010). The three of them, Mongelli, Frateschi Vieira and Maleval, with the support of the Brazilian historian Hilário Franco Júnior, stand for the very idealizers and founding members of the Brazilian Association of Medieval Studies (ABREM), which has existed since 1996.

One specific citation is as well mandatory: a very recent piece of work by Dante Tringali (University of São Paulo), Ancient Rhetoric and Other Rhetorics (A Retórica Antiga e Outras Retóricas, 2013), which stands for a culminating moment of his research career, having succeed two other masterpieces in Brazil, i.e. The Poetics of Horace (A Arte Poética de Horácio, 1983) and Introduction to Rhetoric: rhetoric as literary criticism (Introdução à Retórica: a retórica como crìtica literária, 1988).

Furthermore, it is relevant to point out the works, specifically dedicated to Rhetoric, by José Luiz Fiorin (University of São Paulo), with his recent Rhetorical Figures (Figuras de Retórica, 2014), and Luiz Rohden (UNISINOS), with The Power of Language: The Rhetoric of Aristotle (O Poder da Linguagem: a Arte Retórica de Aristóteles, 1997).

Recently, much attention is drawn to the researches of Artur Costrino (UFOP), whose main subject is the rhetorical production of Alcuin of York (c.735-804), principally couched in his De Rhetorica from around the year 790, drawing its roots to the Palatine Court of Charlemagne.

Nonetheless, the very ground of Rhetorical Studies in nowadays Brazil definitely lies upon two major authors, João Adolfo Hansen (University of São Paulo) and Alcir Pécora (University of Campinas). They respectively wrote The Satire and the Spirit: Gregório de Matos and 17th century Bahia (A Sátira e o Engenho: Gregório de Matos e a Bahia do século XVII, 1989) and The Machine of Genders (Máquina de Gêneros, 2001), both having given rise to a huge number of studies, monographic pieces of work, dissertations and books on Rhetorics and Belles Lettres.

Their great influence has not been restricted to the field of Literary Theory or Critics. The domain of Cultural History has gained a great deal from it in Brazil, as we can prove by resorting to the great work of Alìrio Carvalho Cardoso (Federal University of Maranhão) on Rhetorics and Epistolography, mainly pointing out to his article, composed in partnership with Alcir Pécora, ―An art lost in the Tropics: Jesuit‘s Epistolography in Maranhão and Grão-Pará (17th-18th centuries)‖ (―Uma arte perdida nos Trópicos: a epistolografia jesuìta no Maranhão e Grão-Pará, Séculos XVII-XVIII‖), published in the 8th volume of the Revista de Estudos Amazônicos (2012).

Although not a tout court historian, we should like to mention the writing of Fábio Palácio (Federal University of Maranhão) on Rhetorics and Economics, in partnership with Cristiano Capovilla, named ―We are, in fact, hell: on method and rhetoric in Economics‖ (―Somos, de fato, o inferno: sobre método e retórica na Economia‖), published in Revista Princìpios, 8th volume, 2016. This piece of critical work draws an important interface with Economic History and has proved much influential in our Northeast part of Brazil, especially in Maranhão, where Brathair is officially held.

At last, directly pertaining to the realm of Medieval History, there are the researches by Professor Flavio de Campos (University of São Paulo), which encompass the theme of games and ludic modalities, wherein he handles Aquinas‘ retrieval of the Aristotelean virtue named eutrapely (ST. II-IIae, q.168), also appearing in the Comments to Aristotle‘s Ethics (IV,16). It is indeed the virtue ordaining and balancing human appetite to experience fun.

It is certainly worthy catching a glimpse of the work of Ricardo da Costa (Federal University of Espìrito Santo), specially The Rhetoric in Antiquity and the Middle Ages from the perspective of eleven philosophers (2019) and his painstaking translation of Ramon Llull‘s New Rhetoric (1301).

Finally, there has been the recent work by Marcus Baccega (Federal University of Maranhão) addressing the rhetorical and sacramental dimensions of chivalric romans from the Central Middle Ages in the German regions of Central Europe. We should like to mention his book The Sacrament of the Holy Grail (2020), in which a reflection on medieval sacramentology and rhetoric is developed by leading off from German Arthurian narratives of the 13th century.

Baccega‘s researches are deeply influenced by the French medievalist Professor Joseph Morsel (University of Paris-1 – Panthéon Sorbonne), whose theoretical reflection on reading and interpreting medieval writings and also on Methodology and Theory of History have turned out to be a great source of scientific inspiration. The first wave of inspiration and enthusiasm for the rhetorical approach to medieval romans and chivalric novels has come from Professor Flavio de Campos, who has permanently been sensitive to the need of defining other ways of focusing medieval narratives. A great influence is also exerted by the work of the aforementioned Professor Benoît Grévin (University of Paris-1 – Panthéon Sorbonne), whose researches deal directly with Rhetorics in Middle Ages, as already explained in the first part of this Editorial.

Contributions to this Edition

It is actually on this ballast that the articles found in this edition of Brathair explore the manifold relationships between the Rhetoric Turn and Human Sciences, evincing all its heuristic potential to Medieval History.

Therefore, our edition, nominated Rhetoric in Middle Ages, features at first the dense article by Professor Benoît Grévin (LAMOP / University Paris I), L‘ars dictaminis et la poésie: questions théoriques et pratiques (XIe-XIVe s.) (The ars dictaminis and poetry: theoretical and practical questions), which lays emphasis on the epistolographic character of medieval rhetorics, thus stressing a major dissemblance to ancient rhetoric. Very relevant for both personal and political purposes, letters were the sources of rhetorical expression. From the 11th to the 15th centuries. This is why the so-called Artes Poetriae and Artes Dictaminis feature so many intersections and convergences, being one of their functions the teaching on how to compose decorous pieces of writing for communication. The article explores as well the metrical and properly poetical traits of these letters, gracing our Edition with a true Lectio on the subject, as the readers shall certainly remark.

Our second article is by Professor Alberto Cotza (University of Florence), Le orazioni nel Liber Maiorichinus (Prayers in the Liber Maiorichinus), which poses very pertinent questions on language and speech in the 12th century Pisan society through a truly exegetical approach of a text barely known to Brazilian scholars. It is the Liber Maiorichinus, an epic poem dealing with the history of the Balearic war, which the Pisans and other Christians conducted against the Muslims in Ibiza, Minorca, and Mallorca (1113-1115), as the author lectures.

Such a sophisticated exegesis, in terms of Linguistics and Rhetoric is to be found as well in Professor Clara Barros‘ (University of Porto) reflection entitled A construção da imagem do poder em textos jurìdicos da Idade Média peninsular (The construction of the image of power in legal texts of the Middle Ages). Drawing precisely upon the theoretical and methodological interface between Discourse Pragmatics and the multiple versions pertaining to the Theories of Argumentation, Barros seeks to analyze some strategies of the persuasion characteristic of Afonso X – the Wise‘s legislative work which reveal a certain relationship between rhetorical construction and political power in the Peninsular Middle Ages (in the 13th and 14th centuries). Focus is here laid upon the argumentum ab auctoritate in the Primeyra Partida (1265) and the Foro Real (c.1280), which allows the author to explain in detail and by means of graphs the ideological structure of Iberian medieval societies in the 13th and 14th centuries.

By dint of his expertise in the field of Rhetorics and Historiography, the Italian researcher Dario Internullo (University of Rome-3) proposes a dense reflection about the links between Historical Theory, Diplomatics and Rhetorics regarding the legal practice of process citation in the commune of Rome during the Late Middle Ages. His article is called A citação na chancelaria – a comuna de Roma no Medievo (Citation in Chancellery – The commune of Rome in Middle Ages) and presents the very potential of rhetorical analysis not only to the sciences of language and to interpreting documents and testimonies (in this case, sources contrived and made circulate by lay and clerical authorities), but to casting a complex historiographical problem to hard political and legal documentation in order to achieve what we would dare to call a Total History.

Providing very qualified concreteness to our purpose of an interdisciplinary dialogue, and once again exposing how Historiography owns much to Literary Theory in terms of rhetorical studies, we present the text by Professor Márcia Mongelli (University of São Paulo), which analyses the connection between Rhetoric and Poetry in the troubadours‘ and trouvères‘ love songs from Central Middle Ages. The poem chosen in her A ―retórica cortês‖ e suas sutilezas (Courtly Rhetoric and its subtleties) is Senhor Genta (―Gentle Lady‖), composed by the Galician-Portuguese troubadour Joan Lobeyra (c. 1233-1285), which would grant the poetic matter and topics to the notorious 16th century chivalric novel Amadis de Gaula (1508), by Garci Rodrìguez de Montalvo.

This early 16th century Portuguese edition was preceded by a Castilian one from 1496, yet both of them take roots in an original Portuguese version that would have been conceived by Vasco Lobeira during the reign of Dom Fernando I (1367-1383). Mongelli‘s piece of work actually acquires poetic tones and builds up a past-present analysis by resorting to the poems of Amor em Leonoreta (1951) by the major neosymbolist Brazilian poet Cecìlia Meireles, who devoted part of her poetic production to retrieving our medieval roots.

In the present edition of Brathair, we are also graced at the presence of an article by a much prominent scholar in the domain of Medieval Rhetoric, Professor Maria do Amparo Tavares Maleval (State University of Rio de Janeiro), whose contribution is dedicated to a rhetorical analysis of the great figure of Portuguese drama in Late Middle Ages. The article is entitled A Retórica no Purgatório de Gil Vicente (Rhetoric in the Purgatory of Gil Vicente). It is certainly a discussion on the playwright Gil Vicente, whose play Auto da Barca do Purgatório (―Purgatory barge auto‖, 1518) is here the theme for manifold perceptions concerning the classical parts of rhetoric, mainly the elocutio, dispositio and inventio. Thus, traits of humor, comic scenes and strict morality and virtues are interlarded in the plot, along with the threefold conception of the Other World. For historians interested in unravelling the late medieval imaginary about death and afterlife, this text is definitely a must.

Appealing to the Early Middle Ages – or Late Antiquity, as the author advocates – Professor Ana Paula Tavares Magalhães (University of São Paulo) brings us a reflection about the conversion itinerary pertaining to Saint Augustin, from 382 to 386. Her piece of work could not have been nominated in a different manner: A Ars Rhetorica de Agostinho de Hipona na narrativa das Confissões (The Rhetoric Art of Augustine of Hyppo in the narrative of The Confessions). Such testimony is couched in the most well-known opusculum by the Doctor Gratiae, The Confessions, written between 397 and 400, which poses the many pathways and drawbacks of a former Roman pagan from the classis senatorialis in his, so to say, ―itinerarium mentis in Deum‖. Our present comparison takes roots forward to Saint Bonaventure‘s treatise of the year 1259, as a way to highlight the role played by Magalhães as a specialist in Franciscan studies, whose highbrow qualities allow her to identify and dissect Saint Augustine‘s work itself and his huge theological and philosophical influence over the Franciscan writers. This is precisely the reason why the author resorts to the mystic of conversion regarding Augustine, as a manner to uncover a meaningful pattern for the studies on Augustin‘s Rhetoric techniques, as well as it provides a paradigm of symmetry between Augustin‘s life and the History of the Church, her specialty.

Also dealing with the erudite culture layers in Central Middle Ages, Professor Sérgio Feldman (Federal University of Espìrito Santo), a highlighted specialist for Jewish history in the Middle Ages proposes a reflection on a wise Jew from the Hispania of the three religions. As a matter of fact, the article Yehuda Ha-Levi: a retórica na polêmica religiosa no século XI-XII – O Livro de Cuzari (Iehudá Ha-Levi: rhetoric in the religious polemics in the 11th-12th centuries – The Book of Cuzari) portrays and dissect the many rhetoric disputationes in Iberia on the ―true‖ or ―best‖ religion. This way, Feldman narrates and casts a historiographical problem on the Book of Cuzari, the narrative of the conversion of the Khazars to Judaism. So, a literary work that endeavors to demonstrate that the Jewish religion is superior to that of its competitors, even if the Jewish people were subject to an oppressed minority condition.

At this moment of our edition, we come across a very original reflection by Professor Terezinha Oliveira (State University of Maringá) about the statute of language as a subject and the philosophy of language in Aquinas, by making use of the Summa Theologiae: Quaestiones 176 and 177 – IIa-IIae . The article A Retórica como Princìpio do Intelecto e da Linguagem em Tomás de Aquino (Rhetoric as principle of the Intellect and Language in Thomas Aquinas). Having been a profound specialist in the thought – both theological and philosophical – of Aquinas for decades, Oliveira poses herself the challenge of dissecting the role and philosophical locus of Rhetoric as a grounding pillar of his reasoning on language and the unity of the human intellect. This papers also handles Aquinas‘ reading of Aristotle as a rhetoric auctoritas, basically by leading off from Aquinas‘ Commentary on Aristotle’s On Interpretation very well, which demonstrates the connection between language and the intellective appetite of human beings.

Further reflection on highbrow culture in High Middle Ages is provided by a young and much talented scholar from the Federal University of Ouro Preto, Professor Artur Costrino, who has spent many years investigating the work of Alcuin of York De Rhetorica (c.790). As the author pinpoints in his Disputatio de rhetorica et virtutibus de Alcuìno de York: crìtica às recepções modernas e hipótese sobre a organização dos dois assuntos do diálogo (Alcuin‘s of York Disputatio de rhetorica et virtutibus: criticism of modern receptions and a hypothesis about the organization of the two subjects of the dialogue), this dialogue by Charlemagne‘s most famous teacher had a huge favourable acceptance and circulation in its period. Nonetheless, De Rhetorica seems to have been forgotten by scholarly research in our time. Therefore, Costrino‘s piece of work shall surely open up new investigation lines in Medieval Rhetorics and the practices of power by the time of first Renovatio Imperii under Charlemagne and in the aftermath.

In contrast to Costrino‘s analysis of De Rhetorica as an ars of prudence and exercising virtues, Professor Leandro Rust (University of Brasìlia) stresses warfare and violence in Middle Ages, attempting to think the theme of bloodshed over. His article Retórica Sangrenta: pensar a comunidade na Idade Média (Bloody Rhetoric: thinking Community in Middle Ages) challenges the reader to rethink and cast doubt on the common images we all would, almost automatically, associate with our period of study and research. It is not a matter of whittling down that violence and bloodshed were ubiquitous, yet rather of spelling out its significance in terms of medieval communities. Such is the aim of Rust in this reflection, which leads off from a crime that took place in England in the 13th century, which sets bloodshed, authority, power and crime together as signs to be deciphered.

We have in this edition a text that merges History, Literary Theory and Philosophy, approaching a female voice of wisdom in the Late Middle Ages, Christine de Pizan. The Book of the City of Ladies (1405) is probably her most celebrated piece of work and here stirs up a reflection on Education, on women‘s condition in our own time and in Middle Ages. This is why Professor Luciana Eleonora Deplagne (Federal University of Paraìba) endeavors to formulate a hermeneutic exercise regarding the Socratic idea of maieutic applied to the struggle of women for more autonomy and rights to perform tasks usually thought of as masculine. Therefore, the idea of knowledge being born in a metaphorical scene with three « midwifes » and the « parturient » apprentice is here presented as a Platonic dialogue between Lady Reason, Lady Justice and Lady Righteousness and the narrative persona of Christine de Pizan.

The following article can be properly situated in the typically medieval intertextuality drawn between hagiographic narratives (Vitae), rhetorical topics and homiletics in Early Middle Ages / Late Antiquity. Called Retórica e Hagiografia: a Vita Martini (Rhetorics and Hagiography: the Vita Martini), by post-doctoral researcher Glìcia Campos (State University of Rio de Janeiro), the text bethinks the rhetorical aspects of Christian persuasion and exemplarity of conduct by the saints. The basic dialogue of the main part of the corpus is held – and it could not be any different – with the auctoritas of Aristotle and his Rhetorical Art. The writing of Campos bears resemblance, concerning its aims, to Grévin‘s contribution, since the scope of language analysis ranges from Rhetorics to Hagiography, having the idea of conversio morum as a common trait, just like the dictamina.

Moreover, in a sort of dialogue with Mongelli‘s writing, Doctor Ana Luiza Mendes aims at investigating the rhetorical traits of King Dom Dinis‘s poetry. The author regards him as the greatest Portuguese troubadour and a hugely erudite man of his days. Though not intended to be any ―biography‖ of Dom Dinis, this A retórica trovadoresca de Dom Dinis, o rei que não tira a coroa ao trovar (The troubadours‘ rhetoric of Dom Dinis, the king who did not take out the crown to composse troves) features a kind of historiographic individual inquiry that can be sorted out and demonstrated by the traces and indices left by Dom Dinis in his love songs. Our readers shall find it amusing to uncover this enormous cultural heritage hidden in the royal figure, who gives way to catching a glimpse of all the social structures and processes.

A thought-provoking reflection on the relationships between History and Rhetoric, having the Regnum Francorum and the transition from the Carolingian to the Capetians, is adduced by Professor Bruno Casseb Pessoti (Federal University of Western Bahia). Addressing the Historiarum Libri Quatuor by the monk Richer of Saint-Rémi, A retórica como suporte da ‗verdade‘ em um livro de História do século X (The rhetoric as support for ‗truth‘ in a 10th century History book) explores the close bonds between the activity of writing History and persuasive topics handled to legitimate the new dynasty. In this sense, Pessoti achieves a refined combination of Rhetorics and Political History, without renouncing to ensemble view, thus being able to fathom social sensibilities related to Frankish monarchy at the passing of the millennium.

The last thematic article was written by Professor Marcus Baccega (Federal University of Maranhão). Named A Demanda do Santo Graal: Retórica e Poder no Milênio (The Quest of the Holy Grail: Rhetoric and Power in the millennium), the paper aims at proposing a Total History of the passage of the first millennium of the Common Era, by resorting to the Holy Grail as a metaphor, at the level of the ideological representation, of such moving totality. By the way, the Holy Grail purports many dimensions, even heretic ones, of the central-medieval imaginary, defined by the theological concepts of sacraments and sacramentals, point out to a trace of mentality ranging from the Cathars and Templar Knights to the so-called erudite culture. The basic idea is that the Holy Grail acts out (in the sense of having social agency) as a strong symptom of the Immitatio Christi and the Vita vere apostolica as mental traces which are set into dispute both by the Pontifical Reform and by the centralizing attempts of the Holy Roman Empire.

In the section reserved to articles with free choice themes, we also begin with a medievalist of value, Professor Carlile Lanzieri Júnior (Federal University of Mato Grosso). His piece of work, called O lugar da infância medieval nos escritos dos mestres Alain de Lille (1128-1203), João de Salisbury (c.1115-1180) e Adelardo de Bath (1080-1152) (The place of the medieval childhood in the writings of the masters Alain of Lille (1128-1203), John of Salisbury (ca.1115-1180) and Adelard of Bath (1080- 1152), is much thought-provoking as well. Lanzieri draws upon the lectiones of the aforementioned masters and the emphasis they used to lay on Grammar, in order to demonstrate that there was a specific social locus for children and teenagers during the Middle Ages. Therefore, it is a challenging writing in terms of the traditional historiography of the 20th century and even most historians nowadays.

The second article of free choice subject is a contribution by Professor João Batista Bitencourt (Federal University of Maranhão), who lectures Theory of History and History of Historiography at UFMA. The writing deals with a theoretical reflection about History as a scientific discipline and the historiographical operation, by leading off from a famous and intriguing film of the year 1995, nominated Se7en, shot by David Fincher. The author resorts to the philosophy of History of Walter Benjamin in order to weave a joint reasoning about time, event and narrative and to think the implications of the past we retrieve to the present of the historian.

We should also like to offer a very good translation of The New Rhetoric (1301) by Ramon Llull, composed by a major specialist in the life, thought and relationships of the Mallorcan philosopher. It is here a very well carried out and painstaking translation that will certainly give rise to and assist a great number of new researches on the life and work of Llull. The choice could not have been better and we thank Professor Ricardo da Costa for this gift granted to Brathair.

Last, but not least, there is the recension written by a junior researcher of Brathair, Thaìs dos Santos, about the recent book Les Gaulois. Variétés et Légende (2018) de Jean-Louis Brunaux which matches the initial and permanent thematic scope of our journal. There are still very few researches on Celts in terms of Historiography, being the Celtic culture more widely known to Literary Theory and Archeology. This well contrived recension – we do hope – is going to wake up new professional callings to such studies.

Notas

1. For the linguistic turn see Yilmaz 2007.

2. Kuhn 1962; Gaonkar 1990, 354.

3. Simons 1990.

4. Gaonkar 1990.

5. Burke 2001.

6. Simons 1990, 5.

7. Hostein 2003, 2.

8. For Byzantium see Koutrakou 1994; Dostalova 1995; Hilsdale 2003. For communal Italy see Artifoni 1993, 2002, 2011; Cirier 2007; Tanzini 2014; Faini 2015, 2018; Hartmann 2013, 2019. For empire and papacy see Shepard 1999; Herde 2008; Grévin 2008a. For the early Middle Ages see De Jong 2019.

9 For reflections on diplomatics, see Fichtenau 1957 and Winau 1965. The above-mentioned studies, well contextualized also in the so-called «archeology of medieval text» (Chastang 2008), are: Delle Donne 2003, 2004, 2016; Alfonso Anton 2007 and Aller Soriano 2009; Grévin 2008a and 2008b; Resl 2008; Di Lorenzo 2009; Dodd et al. 2014; Barret-Grévin 2014; Clark 2017; Chastang-Otchakovsky 2017; Roguet 2017; Smith-Killick 2018; Internullo 2019. For papacy and empire see, beyond Grévin: Hold 2001 and 2006, Holzapfl 2008. Collective works are Guyotjeannin 2004; Gioanni-Cammarosano 2013; Cammarosano et al. 2016 and now also Grévin-Hartmann 2020.

10 Cortelazzo 1983; Metodieva 1993; Schellewald 2012; Serverat 1997; Menant 2019; Faini c.d.s.; Stella 2009; Oakley Brown-Wilkinson 2009; Schnell 2010; Gonzalez Sanchez 2013; Couchman-Morton Crabb 2005. For women‘s writing in the Middle Ages and the Renaissance see also Zarri 1999; Miglio 2008; Lazzarini 2018.

11 For the reconsideration of images see Burke 2001. The here mentioned researches are Lewis 1999; Dittelbach 2006; Brenk 2011; Debby 2012; Folin 2013; Perez Monzon et al. 2018; Carruthers 2010. For some collective reflections see Kapp 1990; Brassat 2005 e Knape 2007; Vuilleumier Laurens-Laurens 2010; Fricke-Krass 2015.

12 David-Berlioz 1980; Le Goff 1988; Bériou 2018; Bériou et al. 2014; Menzel 1998; Delcorno 1974, 1989, 2009, 2015a, 2015b; Potestà 2007; D‘Acunto 2009, 2012, 2018; Romoli 2009; Sennis 2013; Grasso 2010, 2013, 2014; Smirnova-Polo de Beaulieu 2019.

13 Fumaroli 1980; Kristeller 1969, 1981; Witt 2000, 2012; Revest 2013a, 2013b; Delle Donne-Revest 2016. Other important works are Murphy 1983; Rubinstein 1990; Plett 1993; Vasoli 1999; Vaillancourt 2003; Helmrath 2011; Mack 2011; Delle Donne-Santi 2013; Russo 2019.

14 Marcozzi 2017; Chandelier-Robert 2015; Alessio-Losappio 2018; Hartmann 2011; Strack-Knödler 2011; Grévin-Turcan-Verkerk 2015; van Renswoude 2019. For Riedlberger‘s project and the conciliar proceedings see and Mari 2019. See also Acerbi 2011. For further recent studies on medieval rhetoric see Fried 1997, Carracedo Fraga 2002, Jeffreys 2003, Borch 2004, Kofler-Töchterle 2005, von Moos-Melville 2006; Romano 2007; Struever 2009; Maldina 2011; Camargo 2012; Kraus 2015; Ward 2019; Burkard 2019. For the «first millennium» see Fowden 2014.

Referências

Acerbi 2011: S. Acerbi, Concilios y propaganda eclesiastica en el siglo V. Estrategias de persuasion y adquisicion del consenso al servicio del poder episcopal, in Propaganda y persuasion en el mundo romano. Actas del VIII Coloquio de la Asociacion Interdisciplinar de Estudios Romanos, Madrid 1-2 diciembre 2010, ed. by. Bravo Castaneda, R. Gonzalez Salinero, Madrid 2011, 295-308

Alessio-Losappio 2018: Le «poetriae» del medioevo latino. Modelli, fortuna, commenti, ed. by G.C. Alessio, D. Losappio, Venezia 2018 Alfonso Anton 2007: M.I.

Alfonso Antón, La rhétorique de légitimation seigneuriale dans les fueros de León (XIe -XIIIe siècles), in Pour une anthropologie du prélèvement seigneurial dans les campagnes médiévales (XIe -XIVe siècles). Les mots, les temps, les lieux. Colloque tenu à Jaca du 5 au 9 juin 2002, ed. by M. Bourin, P. Martinez Sopena, Paris 2007, 229-252

Aller Soriano 2009: D. Aller Soriano, El fuero como retorica. De religquia positiva a canon identitario, «Sancho el Sabio» 31 (2009), 55-80

Artifoni 1993: E. Artifoni, Sull’eloquenza politica nel Duecento italiano, «Quaderni medievali» 35 (1993), 57-78

Artifoni 1994: E. Artifoni, Retorica e organizzazione del linguaggio politico nel Duecento italiano, in Le forme della propaganda politica nel Due e nel Trecento, ed. by P. Cammarosano, Roma 1994, 157-182

Artifoni 2002: E. Artifoni, Boncompagno da Signa, i maestri di retorica e le città comunali nella prima metà del Duecento, in Il pensiero e l’opera di Boncompagno da Signa, ed. by M. Baldini, Signa 2002, 23-36

Artifoni 2011: E. Artifoni, L’oratoria politica comunale e i «laici rudes et modice literati», in Zwischen Pragmatik und Performanz. Dimensionen mittelalterliche Schriftkultur, ed. by C. Dartmann, T. Scharff, C.F. Weber, Turnhout 2011, 237-262

Barret-Grévin 2014: S. Barret, B. Grévin, Regalis excellentia. Les préambules des actes des rois de France au XIVe siècle (1300-1380), Paris 2014

Bartuschat 2004: La Persuasion, ed. by J. Bartuschat, Grénoble 2004

Bériou et al. 2014: Le pouvoir des mots au Moyen Âge, ed. by N. Bériou, J.-P. Boudet, I. Rosier-Catach, Turnhout 2014

Bériou 2018: N. Bériou, Religion et communication. Un autre regard sur la prédication au Moyen Âge, Genève 2018

Borch 2004: Text and Voice. The Rhetoric of Authority in the Middle Ages, ed. by M. Borch, Odense 2004

Brenk 2011: B. Brenk, Rhetorik, Anspruch und Funktion der Cappella Palatina in Palermo, in Die Cappella Palatina in Palermo. Geschichte, Kunst, Funktionen, ed. by T. Dittelbach, Künzelsau 2011, 242-271

Brassat 2005: Bild-Rhetorik, ed. by W. Brassat, Tübingen 2005

Burkard 2019: T. Burkard, Rhetorik im Mittelalter und im Humanismus, in Handbuch Antike Rhetorik, ed. by M. Erler, C. Tornau, Berlin, 2019, 697-760

Burke 2001: P. Burke, Eyewitnessing. The Uses of Images as Historical Evidence, London 2001

Camargo 2012: M. Camargo, Essays on Medieval Rhetoric, Farnham 2012

Cammarosano et al. 2016: Art de la lettre et lettre d’art. Epistolaire politique III, ed. by P. Cammarosano, B. Dumézil, S. Giovanni, L. Vissière, Trieste 2016

Carracedo Fraga 2002: J. Carracedo Fraga, La retorica en la Hispania visigotica, «Euphrosyne» 30 (2002), 115-130

Carruthers 2010: M.J. Carruthers, Rhetoric beyond words. Delight and Persuasion in the arts of the Middle Ages, New York 2010

Chandelier-Robert 2015: Frontières des savoirs en Italie à l’époque des premières universités (XIIIe -XVe siècles), ed. by J. Chandelier, A. Robert, Roma 2015

Chastang 2008: P. Chastang, L’archéologie du texte médiéval, «Annales. Histoire, Sciences Sociales 63 / 2 (2008), 245-269

Chastang-Otchakovsy-Laurens 2017: P. Chastang, F. Otchakovsy-Laurens, Les statuts urbains de Marseille. Acteurs, rhétorique et mise par écrit de la norme, in La confection des statuts dans les sociétés méditerranéennes de l’Occident (XIIe -XVe siècle), Paris 2017, 15-40

Cirier 2007: A. Cirier, Diplomazia e retorica comunale. La comunicazione attraverso lo spionaggio politico nell’Italia medievale (secc. XII-XIII), in Comunicazione e propaganda nei secoli XII e XIII. Atti del Convegno internazionale (Messina, 24- 26 maggio 2007), ed. by R. Castano, F. Latella, T. Sorrenti, Roma 2007, 199-216

Civra 2009: F. Civra, Musica poetica. Retorica e musica nel periodo della Riforma, Lucca 2009

Clark 2017: The Fifteenth Century. Writing, Records and Rhetoric, ed. by L. Clark, Woodbridge 2017

Cortelazzo 1983: Retorica e classi sociali. Atti del IX Convegno internuniversitario di studi, Bressanone 1981, ed. by M.A. Cortelazzo, Padova 1983

Coste et al. 2012: La rhétorique médicale à travers les siècles. Actes du colloque international de Paris, 9 et 10 octobre 2008, ed. by J. Coste, D. Jacquart, J. Pigeaud, Genève 2012

Couchmann-Morton Crabb 2005: Women’s Letters Across Europe (1400-1700). Form and Persuasion, ed. by J. Couchman, A. Morton Crabb, Burlington 2005

D‘Acunto 2009: N. D‘Acunto, Pier Damiani fra retorica e tensione eremitica, in Sassoferrato. Alla memoria del professor Alberto Grilli, ed. by F. Bertini, Sassoferrato 2009, 35-45

D‘Acunto 2012: N. D‘Acunto, Le forme della comunicazione negli ordini religiosi del XII e XIII secolo. Il centro, in Die Ordnung der Kommunikation und die Kommunikation der Ordnungen, I, Netzwerke: Klöster und Ordnen im Europa des 12. und 13. Jahrhunderts, ed. by C. Andenna, K. Herbers, G. Melvile, Stuttgart 2012, 253-260

D‘Acunto 2018: Argomenti di natura giuridica e strumenti della comuicazione pubblica durante la lotta per le investiture, in Verbum e ius. Predicazione e sistemi giuridici nell’occidente medievale = Preaching and Legal Frameworks in the Middle Ages, ed. by L. Gaffuri, R.M. Parrinello, Firenze 2018, 89-108

David-Berlioz 1980: Rhétorique et histoire. L’«exemplum» et le modèle de comportement dans le discours antique et médiéval, ed. by J.-M. David, J. Berlioz, «Mélanges de l‘École Française de Rome» 92 / 1 (1980), 1-179

De Jong 2019: M. De Jong, Epitaph for an Era. Politics and Rhetoric in the Carolingian World, Cambridge 2019

Delcorno 1974: C. Delcorno, La predicazione in età comunale, Firenze 1975

Delcorno 1989: C. Delcorno, Exemplum e letteratura. Tra Medioevo e Rinascimento, Bologna 1989

Delcorno 2009: C. Delcorno, «Quasi quidam cantus». Studi sulla predicazione medievale, Firenze 2009

Delcorno 2015a: C. Delcorno, Comunicare dal pulpito (sec. XIII-XV), in Comunicare nel Medioevo. La conoscenza e l’uso delle lingue nei secoli XII-XV. Atti del convegno di studio, Ascoli Piceno, 28-30 novembre 2013, ed. by I. Lori Sanfilippo, G. Pinto, 183-208

Delcorno 2015b: C. Delcorno, Apogeo e crisi della predicazione francescana tra Quattro e Cinqucento, «Studi Francescani» 112 (2015), 399-440

Delle Donne 2003: Nicola da Rocca, Epistolae, ed. by F. Delle Donne, Firenze 2003

Delle Donne 2004: F. Delle Donne, Una «costellazione» di epistolari del secolo XIII. Tommaso di Capua, Pier della Vigna, Nicola da Rocca, «Filologia Mediolatina» 11 (2004), 143-160

Delle Donne-Santi 2013: Dall’«ars dictaminis» al preumanesimo? Per un profilo letterario del secolo XIII, ed. by F. Delle Donne, F. Santi, Firenze 2013

Delle Donne 2016: Le parole del potere e il potere delle parole. Le epistole della cancelleria sveva, in Art de la lettre et lettre d’art. Epistolaire politique III, ed. by P. Cammarosano, B. Dumézil, S. Giovanni, L. Vissière, Trieste 2016, 161-174

Delle Donne-Revest 2016: – L’essor de la rhétorique humaniste. Réseaux, modèles et vecteurs, ed. by F. Delle Donne e C. Revest, «Mélanges de l‘École Française de Rome. Moyen Âge» 128 / 1 (2016)

Debbyt 2012: N.B.-A. Debby, Retorica visual. Imagenes de sarracenos en iglesias florentinas, «Anuario de estudios medievales» 42 (2012), 7-28

Di Lorenzo 2009: A. Di Lorenzo, Tra retorica e formularità. Le arenghe degli atti di donazione italo-greci di età normanna nel Mezzogiorno, «Medioevo Greco» 9 (2009), 107-178

Dittelbach 2006: T. Dittelbach, Rhetorik in Stein. Der normannische Osterleuchter der Cappella Palatina in Palermo, in Visualisierungen von Herrschaft. Frühmittelalterliche Residenzen, Gestalt und Zeremoniell, ed. by F. Alto Bauer, Istanbul 2006, 329-351

Dodd et al. 2014: G. Dodd, M. Phillips, H. Killick, Multiple-clause Petitions to the English Parliament in the Later Middle Ages. Instruments of Pragmatism or Persuasion?, «Journal of Medieval History» 40 (2014), 176-194

Dostalova 1995: R. Dostalova, Der Einfluss der Rhetorik auf die Objektivität der historische Information in den Werken byzantinischen Historiker, «Byzantinoslavica» 56 (1995), 291-303

Faini 2015: E. Faini, Annali cittadini, memoria pubblica ed eloquenza civile in età comunale, «Storica» 60-61 (2015), 109-142

Faini 2018: E. Faini, Italica gens. Memoria e immaginario politico dei cavaliericittadini (secoli XII-XIII), Roma 2018

Faini [forthcoming]: E. Faini, Il Comune e il suo contrario. Assenza, presenza, scelta nel lessico politico (secolo XII), forthcoming

Fichtenau 1957: H. Fichtenau, Arenga. Spätantike und Mittelalter im Spiegel von Urkundenformeln, Graz 1957

Folin 2013: M. Folin, Edifici comunali e retorica civica a Firenze (secoli XII-XV), in Dal giglio a David. Arte civica a Firenze fra Medioevo e Rinascimento, ed. by M.M. Donato, D. Parenti, Firenze 2013, 56-65

Fowden 2014: G. Fowden, Before and after Muhammad. The First Millennium Refocused, Princeton 2014

Fried 1997: Dialektik und Rhetorik im früheren und hohen Mittelalter. Rezeption, Überlieferung und gesellschaftliche Wirkung antiker Gelehrsamkeit vornehmlich im 9. und 12. Jahrhundert, ed. by J. Fried, München 1997

Fricke-Krass 2015: The public in the Picture. Involving the Beholder in Antique, Islamic, Byzantine and Western Medieval and Renaissance Art, ed. by B. Fricke, U. Krass, Zürich 2015, 205-230

Fumaroli 1980: M. Fumaroli, L’âge de l’éloquence. Rhétorique et «res literaria» de la Renaissance au seuil de l’époque classique, Paris 1980

Gadebusch Bondio-Ricklin 2008: Exempla medicorum. Die Ärzte und ihre Beispiele (14.-18. Jahrhundert), ed. by M. Gadebusch Bondio, T. Ricklin, Firenze 2008

Gaonkar 1990: D.P. Gaonkar, Rhetoric and Its Double. Reflections on the Rhetorical Turn in the Human Sciences, in The Rhetorical Turn. Invention and Persuasion in the Conduct of Inquiry, ed. by H.W. Simons, Chicago 1990, 341-366

Gioanni-Cammarosano 2013: La corrispondenza epistolare in Italia, ed. by S. Gioanni, P. Cammarosano, Trieste 2013

Gonzalez Sanchez 2013: N. Gonzalez Sanchez, Mujeres y retorica latina. Aproximacion, analisis y estudio de los epistolarios latinos medievales femininos, in Ser mujer en la ciudad medieval europea, ed. by B. Arizaga Bolumburu, A.A.A. de Andrade, J.A. Solorzano Telechea, Logrono 2013, 491-514

Grasso 2010: C. Grasso, Ars Praedicandi e crociata nella predicazione dei magistri parigini, in Come l’orco della fiaba. Studi per Franco Cardini, ed. by M. Montesano, Firenze 2010, 141-150

Grasso 2013: C. Grasso, La delega papale alla predicazione della crociata al tempo del IV concilio Lateranense, «Rivista di Storia della Chiesa in Italia» 67 (2013), 37-54

Grasso 2014: C. Grasso, Legati papali e predicatori della quinta crociata, in Legati, delegati e l’impresa d’Oltremare (secoli XII-XIII), ed. by M.P. Alberzoni, P. Montaubin, Turnhout 2014, 262-282

Grévin 2008a: B. Grévin, Rhétorique du pouvoir médiéval. Les «Lettres» de Pierre de la Vigne et la formation du langage politique européen (XIIIe -XVe siècle), Roma 2008

Grévin 2008b: B. Grévin, Les mystères rhétoriques de l’État médiéval. L’écriture du pouvoir en Europe occidentale (XIIIe -XVe siècle), «Annales. Histoire, Sciences Sociales» 63 / 2 (2008), 271-300

Grévin-Turcan-Verkerk 2015: Le dictamen dans tout ses états. Perspectives de recherche sur la théorie et la pratique de l’«ars dictaminis», ed. by B. Grévin, A.- M. Turcan-Verkerk, Turnhout 2015

Grévin-Hartmann 2020: – Der mittelalterliche Brief zwischen Norm und Praxis, ed. by B. Grévin, F. Hartmann, Köln 2020

Guyotjeannin 2004: La langue des actes. Actes du XIe Congrès international de diplomatique (Troyes, 11-13 septembre 2003), ed. by O. Guyotjeannin, Paris 2004

Hartmann 2011: Funktionen der Beredsamkeit = Funzioni dell’eloquenza nell’Italia comunale, ed. by F. Hartmann, Göttingen 2011

Hartmann 2013: F. Hartmann, Ars dictaminis. Briefsteller und verbale Kommunikation in den italienischen Stadtkommunen des 11. bis 13. Jahrhunderts, Ostfildern 2013

Hartmann 2019: F. Hartmann, Il linguaggio del consenso nell’elaborazione della retorica comunale, in Costruire consenso. Modelli, pratiche, linguaggi tra Medioevo ed età moderna, ed. by di M.P. Alberzoni, R. Lambertini, Milano 2019, 145-158

Helmrat 2006: J. Helmrath, Der europäische Humanismus und die Funktion der Rhetorik, in Funktionen des Humanismus. Studien zum Nutzen des Neuen in der humanistischen Kultur, ed. by T. Maissen, G. Walther, Göttingen 2006, 18-49

Herde 2008: P. Herde, Friedrich II. und das Papsttum. Politik und Rhetorik, in Kaiser Friedrich II. (1194-1250). Welt und Kultur des Mittelmeerraums, ed. by M. Fansa, Mainz 2008, 52-65

Hilsdale 2003: C.J. Hilsdale, Diplomacy by design. Rhetorical strategies of the Byzantine gift, Chicago 2003

Hohmann 1998: H. Hohmann, Logic and Rhetoric in Legal Argumentation. Some Medieval Perspectives, «Argumentation» 12 (1998), 39-55

Hold 2001: H. Hold, Cural- und Gratial-Rhetorik. Untersuchungen an Arengen in Schreiben des Avignoneser Papsttums, 2 voll., Wien 2001

Hold 2006: H. Hold, Päpstliche Arengen-Rhetorik zur Avignoneser Zeit. Integralistisch angelegte Kultur-Manipulation?, in Inkulturation. Historische Beispiele und theologische Reflexionen zur Flexibilität und Widerständigkeit des Christlichen, ed. by R. Klieber, M. Stowasser, Wien 2006, 129-139

Holzapfl 2008: J. Holzapfl, Kanzleikorrespondenz des späten Mittelalters in Bayern. Schriftlichkeit, Sprache und politische Rhetorik, München 2008

Hostein 2003: A. Hostein, Histoire et rhétorique. Rappels historiographiques et états des lieux, «Hypothèses» 6 (2003), 219-234

Internullo 2019: D. Internullo, La citazione in cancelleria. Il comune di Roma nel Medioevo, «Parole Rubate» 19 (2019), 55-79

Jeffreys 2003: Rhetoric in Byzantium. Papers from the thirty-fifth Spring Symposium of Byzantine Studies, Exeter College, University of Oxford, March 2001, ed. by E.M. Jeffreys, Aldershot 2003

Kapp 1990: Die Sprache der Zeichen und Bilder. Rhetorik und nonverbale Kommunikation in der frühen Neuzeit, ed. by V. Kapp, Marburg 1990

Knape 207: Bildrhetorik. Zweites Tübinger Rhetorikgespräch am 4. und 6. Oktober 2002, ed. by J. Knape, Baden 2007

Kofler-Töchterle 2005: Die antike Rhetorik in der europäischen Geistesgeschichte, ed. by W. Kofler, K. Töchterle, Innsbruck 2005

Koutrakou 1994: N. Koutrakou, La propagande impériale byzantine. Persuasion et réaction (VIIIe -X e siècles), Athene 1994

Kraus 2015: J. Kraus, Rhetoric in European Culture and Beyond, Praha 2015 Kristeller 1969: P.O. Kristeller, Der italienische Humanismus und seine Bedeutung, Basel 1969

Kristeller 1981: – P.O. Kristeller, Studien zur Geschichte der Rhetorik und zum Begriff des Menschen in der Renaissance, Göttingen 1981

Kuhn 1962: T. Kuhn, The Structure of Scientific Revolution, Chicago 1962

Lazzarini 2018: I. Lazzarini, Epistolarità dinastica e autografia femminile. La corrispondenza delle principesse di casa Gonzaga (fine XIV-primo XVI secolo) in Donne Gonzaga a corte. Reti istituzionali, pratiche culturali e affari di governo, ed. by C. Continisio, R. Tamalio, Roma 2018, 49-62

Le Goff 1988: J. Le Goff, L’exemplum et la rhétorique de la prédication aux XIIIe et XIVe siècles, in Retorica e poetica tra i secoli XII e XIV. Atti del secondo convegno internazionale di studi sull’Associazione per il Medioevo e l’Umanesimo Latini (AMUL) in onore e memoria di Ezio Franceschini (Trento e Rovereto 2-5 ottobre 1985), ed. by C. Leonardi, E. Menestò, Perugia-Firenze 1988, 3-29

Lewis 1999: S. Lewis, The Rhetoric of Power in the Bayeux Tapestry, Cambridge 1999

Mack 2011: P. Mack, A History of Renaissance Rhetoric (1380-1620), Oxford 2011

Maldina 2011: N. Maldina, La retorica dalle università alle città, in Il Medioevo. Castelli, mercanti, poeti, ed. by U. Eco, Milano 2011, 387-351

Marcozzi 2017: Dante e la retorica, ed. by L. Marcozzi, Ravenna 2017

Mari 2019: T. Mari, Working on the Minuts of Late Antique Church Councils. A Methodological Framework, «Journal for Late Antique Religion and Culture» 13 (2019), 42-59

Marietti 2002: La science du bien dire. Rhétorique et rhétoriciens au Moyen Âge, ed. by M. Marietti, Paris 2002

Menant 2019: Qu’est-ce que le peuple au Moyen Âge?, «Mélanges de l‘École Française de Rome» 131 / 1 (2019)

Menzel 1998: M. Menzel, Predigt und Geschichte. Historische Exempel in der geistlichen Rhetorik des Mittelalters, Köln 1998

Metodieva 1993: L. Metodieva, La naissance de la rhétorique bulgare. L’influence de l’oeuvre de Jean Chrysostome et des grands cappadociens sur le développement de la prose rhétorique bulgare ancienne aux IXe et Xe siècles, «Rhetorica» 11 (1993), 27-41

Miglio 2008: L. Miglio, Governare l’alfabeto. Donne, scrittura e libri nel Medioevo, Roma 2008

Morsel 2019: J. Morsel, Le diable est-il dans les détails? L’historien, l’indice et le cas particulier, Paris 2019

Morsel 2016: J. Morsel, Traces, quelles traces? Réflexions pour une Histoire non passéiste, Paris 2016

Morsel 2007: J. Morsel, L’Histoire (du Moyen Âge) est un sport de combat, Paris, LAMOP, 2007

Murphy 1983: Renaissance Eloquence. Studies in the Theory and Practice of Renaissance Rhetoric, ed. by J.J. Murphy, Berkeley 1983

Nicoud 2013: M. Nicoud, Medici, lettere e pazienti. Pratica medica e retorica nella corrispondenza della cancelleria sforzesca, in Étre médecin à la cour (Italie, France, Espagne, XIIIe -XVIIIe siècle), ed. by E. Andretta, M. Nicoud, Firenze 2013, 213-233

Noille 2018: – C. Noille, La narration dans la rhétorique judiciaire. Formes possibles et usages modélisés, in Les recueils de plaidoyez à la Renaissance, ed. by G. Cazals, Genève 2018, 21-38

Oakley Brown-Wilkinson 2009: The Rituals and Rhetoric of Queenship. Medieval to early Modern, ed. by L. Oakley-Brown, L.J. Wilkinson, Dublin 2009

Perez Monzon et al. 2018: Retorica artistica en el tardogotico castellano. La capilla funebre de Alvaro de Luna en contexto, ed. by O. Pérez Monzon, M. Miquel Juan, M. Martin Gil, Madrid 2018

Potestà 2007: G.L. Potestà, Le forme di una retorica profetica e apocalittica. I Frati Minori e il Gioachimismo (secoli XIII-XIV), in El fuego y la palabra. San Vincente Ferrer en el 550 aniversario. Actas del Ier Simposium Internacional Vicentino, Valencia, 26-29 de abril 2005, ed. by E. Callado Estela, Valencia 2007, 233-256

Plett 1993: Renaissance-Rhetorik = Renaissance Rhetoric, ed. by H.F. Plett, Berlin 1993

Resl 2008: B. Resl, Illustration and Persuasion in Southern Italian Cartularies (c. 1100), in Strategies of Writing. Studies on Text and Trust in the Middle Ages. Papers from «Trust in Writing in the Middle Ages, Utrecht 28-29 november 2002», ed. by P. Schulte, M. Mostert, I. van Renswoude, Turnhout 2008, 95-110

Revest 2013a: C. Revest, La naissance de l’humanisme comme mouvement au tournant du XVe siècle, «Annales. Histoire, Sciences Sociales» 68 / 3 (2013), 665-696

Revest 2013b: C. Revest, Naissance du cicéronianisme et émergence de l’humanisme comme culture dominante. Réflexions pour une histoire de la rhétorique humaniste comme pratique sociale, «Mélanges de l‘École Française de Rome. Moyen Âge» 125 / 2 (2013)

Roguet 2017: A. Roguet, Rhétorique et pouvoir. Les chancelleries française et allemande sous les règnes de Louis VII et Frédéric Barberousse, in Aux sources du pouvoir. Voir, approcher, comprendre le pouvoir politique au Moyen Âge, ed. by S. Gouguenheim, Paris 2017, 223-244

Romano 2007: R. Romano, La teoria della retorica a Bisanzio dal tardoantico alla rinascenza macedone, «Porphyra» 9 (2007), 107-125

Romoli 2009: F. Romoli, Predicatori nelle terre slavo-orientali (XI-XIII sec.). Retorica e strategie comunicative, Firenze 2009

Rubinstein 1990: N. Rubinstein, Il Bruni a Firenze. Retorica e politica, in Leonardo Bruni. Cancelliere della Repubblica di Firenze. Convegno di studi, Firenze 27-29 ottobre 1987, ed. by P. Viti, Firenze 1990, 15-28

Russo 2019: – C. Russo, Firenze nuova Roma. Arte retorica e impegno civile nelle miscellanee di prose del primo Rinascimento, Firenze 2019

Schellewald 2012: B.M. Schellewald, Rhetorik um 1200. Die Ausmalung der Kirche von Kintsvisi (Georgien) und Byzanz, in Schnittpunkt Slavistik. Ost und West im wissenschaftlichen Dialog. Festgabe für Helmut Keipert zum 70. Geburtstag, ed. by I. Podtergera, Bonn 2012, II, 363-374

Schnell 2010: R. Schnell, Gender und Rhetorik in Mittelalter und Früher Neuzeit. Zur Kommunikation der Geschlechter, in Rhetoric und Gender, ed. by D. Bischoff, M. Wagner-Egelhaaf, Berlin 2010, 1-18

Sennis 2013: – Sennis, Linguaggi della persuasione. Le visioni soprannaturali nel mondo monastico medievale, in Ricerca come incontro. Archeologi, paleografi e storici per Paolo Delogu, ed. by G. Barone, A. Esposito, C. Frova, Roma 2013, 227-243

Senséby 2004: C. Senséby, Pratiques judiciaires et rhétorique monastique à la lumière de notices ligériennes (fin XIe siècle), «Revue Historique» 306 (2004), 3-47

Serverat 1997: V. Serverat, La Pourpre et la glèbe. Rhétorique des états de la société dans l’Espagne médiévale, Grénoble 1997

Shepard 1999: L.A. Shepard, Courting Power. Persuasion and Politics in the early Thirteenth Century, New York 1999

Simons 1990: The Rhetorical Turn. Invention and Persuasion in the Conduct of Inquiry, ed. by H.W. Simons, Chicago 1990

Smirnova-Polo de Beaulieu 2019: – V. Smirnova, M.-A. Polo de Beaulieu, Lire et faire lire des recueils d’exempla. Entre persuasion cistercienne et efficace dominicaine, in Le texte médiéval dans le processus de communication, ed. by L.V. Evdokimova, A. Marchandisse, Paris 2019, 133-154

Smith-Killick 2018: Petitions and strategies of persuasion in the Middle Ages. The English crown and the church (1200-1550), ed. by T.W. Smith, H. Killick, Woodbridge 2018

Stella 2009: F. Stella, Retorica e agiografia come strumenti per la costruzione dell’identità civica. Arezzo e Bologna fra Chiesa e Studium, in Civis – Civitas. Cittadinanza politico-istituzionale e identità socio-culturale da Roma alla prima età moderna. Atti del seminario internazionale, Siena-Montepulciano, 10-13 luglio 2008, Montepulciano 2009, 265-284

Strack-Knödler 2011: Rhetorik in Mittelalter und Renaissance. Konzepte – PraxisDiversität, ed. by G. Strack, J. Knödler, München 2011

Struever 2009: – N.S. Struever, The History of Rhetoric and the Rhetoric of History, Aldershot 2009

Sultan 2005: A. Sultan, «En conjunction de science». Musique et rhétorique à la fin du Moyen Âge, Paris 2005

Tanzini 2014: L. Tanzini, A consiglio. La vita politica nell’Italia dei comuni, RomaBari 2014

Vaillancourt 2003: L. Vaillancourt, La lettre familière au XVIe siècle. Rhétorique humaniste de l’épistolaire, Paris 2003

van Renswoude 2019: I. van Renswoude, The Rhetoric of Free Speech in Late Antiquity and the Early Middle Ages, Cambridge 2019

Vasoli 1999: C. Vasoli, L’humanisme rhétorique en Italie au XVe siècle, in Histoire de la rhétorique dans l’Europe moderne (1450-1950), ed. by M. Fumaroli, Paris 1999, 45-129

von Moo-Melville 2006: Gesammelte Schriften zum Mittelalter Bd. 2. Rhetorik, Kommunikation und Medialität, ed. by P. von Moos, G. Melville, Berlin 2006

Vuilleumier Laurens-Laurens 2010: F. Vuilleumier Laurens, P. Laurens, L’âge de l’inscription. La rhétorique du monument en Europe du XVe au XVIIe siècle, Paris 2010

Ward 2019: J.O. Ward, Classical Rhetoric in the Middle Ages. The Medieval Rhetors and their Art (400-1300), with Manuscript Survey to 1500 CE, Leiden 2019

Winau 1965: R. Winau, Formular und Rhetorik in den Urkunden Kaiser Ludwigs II, Bamberg 1965

Witt 2000: R. G. Witt, «In the Footsteps of the Ancients». The Origins of Humanism from Lovato to Bruni, Leiden 2000

Witt 2012: – R.G. Witt, The Two Latin Cultures and the Foundation of Renaissance Humanism in Medieval Italy, Cambridge 2012

Yilmaz 2007: K. Yilmaz, Introducing the «Linguistic Turn» to History Education, «International Education Journal» 8 / 1 (2007), 270-278

Zarri 1999: Per lettera. La scrittura epistolare femminile tra archivio e tipografia secoli XV-XVII, ed. by G. Zarri, Roma 1999

Dario Internullo (University of Rome-3). E-mail: [email protected]

Marcus Baccega (Federal University of Maranhão). E-mail: [email protected]


INTERNULLO, Dario; BACCEGA, Marcus. Editorial. Brathair, São Luís, v.20, n.1, 2020. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

 

50 anos de feminismo – BLAY; AVELAR (REF)

BLAY Eva Foto Cecília Bastos 2018 USP Imagens jornal usp br Los gobiernos progresistas latinoamericanos
Eva Alterman Blay. Foto: Cecília Bastos/2018/USP Imagens. jornal.usp.br

BLAY e AVELAR 50 anos de feminismo Los gobiernos progresistas latinoamericanosBLAY, Eva Alterman; AVELAR, Lúcia. 50 anos de feminismo: Argentina, Brasil e Chile: a construção das mulheres como atores políticos e democráticos. São Paulo: EUSP, Fapesp, 2017. Resenha de: ALEIXO, Mariah Torres. Argentina, Brasil, Chile entre feminismos e os direitos das mulheres. Revista de Estudos Feministas, Florianópolis, v.28 n.2 2020.

Em abril de 2017, a socióloga Eva Alterman Blay e a politóloga Lúcia Avelar publicaram1 a obra 50 anos de Feminismo: Argentina, Brasil, Chile: a construção das Mulheres como Atores Políticos e Democráticos. O livro é uma coletânea de artigos que transitam entre sociologia, ciência política, antropologia, demografia, comunicação e os ativismos feministas.

Embora o contexto político sul-americano recente indique retrocessos no que concerne às conquistas de direitos das mulheres, a publicação – ao fazer a genealogia e a problematização de mobilizações, conquistas e desafios feministas na Argentina, no Brasil e no Chile – mostra que há feminismo consolidado nesses países, induzindo pensar no caráter provisório de alguns recuos atuais. Nesse sentido, os feminismos, especialmente nesses países, não seguem um traçado evolutivo unilinear em direção ao progresso, mas seu percurso é espiralado, permeado de conquistas, derrotas e transformações. Leia Mais

Paisagem e memória entre Celtas e Germanos / Brathair / 2019

Paisagem e Natureza são temas que se tornaram largamente difundidos nas pesquisas em História, Arqueologia, Letras e Arte, sobretudo nos últimos vinte anos. Deixando de ser entendida apenas como um mero cenário ou “pano de fundo” para a existência humana, a paisagem passou ser entendida como construto cultural e arena central da vida social. Hoje, entendemos que paisagem é mais do que a “Natureza” ou “o mundo lá fora” em oposição à cultura e ao nosso ambiente construído. Sabemos que a paisagem é produto da interação entre seres humanos e ambientes, ou seja, é construída pela prática e experiência de comunidades e indivíduos (cf. Ingold 1993, 1996, 1998). Os atuais estudos da paisagem estão aliados ao que costumamos designar como “nova virada espacial” (cf. Bodenhamer 2010), que trazem a reflexão sobre o espaço para o centro de análise, visando compreender os processos não apenas de construção, mas igualmente de alteração da paisagem pelas formas de sociabilidade, práticas cotidianas e pela historicidade da vivência local e regional. São pesquisas que buscam, portanto, entender as articulações entre paisagens imaginadas (suas concepções, imagens e representações) e paisagens vividas (sua morfologia, ambiente construído e formas de monumentalização). É na interação dessas experiências do espaço e da paisagem que temos os usos diferenciados e processos de apropriação, que tanto nos têm interessado.

Nesse dossiê da revista Brathair, trazemos ao público brasileiro algumas dessas discussões atuais sobre os temas de paisagem e natureza aplicadas ao estudo das sociedades celtas e germânicas a partir da cultura material, dos registros históricos, assim como dos mitos e lendas dessas sociedades. Para elas, a relação entre os indivíduos e ambiente destaca-se não só como um modo de vida, uma preocupação e compreensão com a terra e o meio-ambiente em si, como largamente têm mostrado os pesquisadores de correntes ambientalistas, mas também, e sobretudo, na produção e alteração de paisagens mentais e materiais.

Aqui, esses debates estão organizados a partir de três eixos temáticos, a saber: 1) Paisagens e visões literárias; 2) Território, Etnogênese e Mitos de Origem; e 3) Construindo paisagens materiais.

No primeiro eixo, abrimos essa edição com o texto do saudoso docente da Universidade Federal Fluminense (UFF), Ciro Flammarion Cardoso† (1942-2013), que traz uma brilhante contribuição para a percepção da relação entre paisagem e religião. Nesse artigo, o autor analisa aspectos da religião nórdica na Islândia através de livros de assentamentos (Landnamabók) em suas diferentes versões e em algumas sagas, incluindo aquela que se refere a Olaf Tryggvason (contida no Heimskringla de Snorri Sturluson), abordando a relação da paisagem com as divindades locais. Fruto de sua conferência de encerramento no V Simpósio Nacional e IV Internacional de Estudos Celtas e Germânicos, ocorrido no ano de 2012, essa foi uma de suas últimas participações em eventos e agradecemos à sua família a gentileza de nos permitir a publicação desse trabalho.

Também avançando nas reflexões sobre religião e paisagem, Elva Johston, professora do University College de Dublin (UCD), analisa as relações entre paisagem, História e Literatura na obra Navigatio Sancti Brendanni Abbatis (A Viagem de São Brandão). A narrativa é um conto de viagem, abordando um percurso imaginário de uma personagem real, São Brandão, abade de Clonfert no século VI, que, de acordo com a narrativa mítica do século X teria chegado até o Paraíso Terrestre. O santo neste relato vai e volta ao mesmo ponto de partida. A autora analisa a relação da narrativa com diversos tipos de paisagem – reais, monásticas, liminares, entre outras, além de vincular esta viagem com o conceito de peregrinatio.

Seguindo em linha semelhante, mas atentando para paisagens imaginadas, Adriana Zierer, professora da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), analisa os espaços míticos cristãos, relacionados ao Inferno e Paraíso e à paisagem numa obra composta por um monge irlandês chamado Marcus, intitulada Visio Tnugdali, bem como a sua circulação no período medieval. A obra destaca a passagem de um cavaleiro pecador, após a sua morte aparente, inicialmente por lugares infernais, onde sofre por seus pecados e depois por espaços paradisíacos, com o objetivo de levar ao arrependimento e à salvação. Destaca ainda o papel dos monges nas construções de paisagens imaginárias acerca do Além Medieval e a figura de heróis irlandeses míticos, como Fergus e Connal, diabolizados no relato, guardando a imensa mandíbula de um monstro (Boca do Inferno).

Já do ponto de vista da Geografia Humanista Cultural aplicada à literatura contemporânea, Márcia Manir Feitosa, da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), analisa sob o romance Um deus passeando pela brisa da tarde (1994), de Mário Carvalho. Este, considerado uma obra-prima do autor, transporta o leitor da Contemporaneidade para paisagens da Antiguidade Clássica, na Antiga Lusitânia do século II a.C. A narrativa discute os conflitos do protagonista Lúcio com o declínio dos valores da Roma Antiga e a ascensão da cultura cristã. Aqui, a autora analisa a paisagem aliada às concepções do personagem-narrador sob a ótica dos estudos literários.

No segundo eixo, Território, Etnogênese e Mitos de Origem, Vinícius C. D. Araujo, da Universidade Federal de Montes Claros (UNIMONTES), discute o mito de origem (origo gente) dos saxônios no livro 1 da Res gestae Saxonicae escrita pelo monge Widukind de Corvey (967- 74), buscando estabelecer as origens nobres deste grupo e o seu papel na ocupação das terras com o objetivo de legitimar inicialmente os saxônios, bem como, suas conexões com a dinastia Otônida e a legitimação da da monarquia imperial germânica em períodos subsequentes.

Já Elton Medeiros, docente do Centro Universitário Sumaré (SP), analisa a origem dos saxões na obra Historia Ecclesiastica da Gentis Anglorum, de Beda. Esta obra produzida no século VIII foi retomada por Alfredo, o Grande, em fins do século IX, o qual, na sua luta por afirmação contra os escandinavos e fortalecimento do território de Wessex, buscou inspiração espiritual em mitos de origem. Inspirado nas obras de Beda e em outras, defendia que os saxões eram descendentes dos hebreus e os reis do passado germânico estavam associados a uma linhagem sagrada.

Em contraste, João Lupi, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), traz uma abordagem do ponto de vista da Ciência da Religião para o estudo da mística e do misticismo na Renânia medieval. Para o autor, o idealismo germânico não apenas se fundamenta em embates contra a hierarquia eclesiástica, mas também em uma nova concepção da Divindade.

No último eixo, abordando a construção de paisagens a partir da cultura material, Maria Isabel D’Agostino Fleming e Silvana Trombetta, ambas vinculadas ao Laboratório de Arqueologia Romano-Provincial (LARP) do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da Universidade de São Paulo (USP) vêm pensar o caso da Península Ibérica. Enquanto, Fleming (fundadora do LARP) faz um balanço do debate peninsular e de suas implicações para a construção do “céltico”, Trombetta empreende uma análise dos enterramentos entre celtas e celtiberos, analisando a inscrição da memória na paisagem a partir das práticas funerárias.

Para além do dossiê, essa edição conta ainda com dois artigos livres, da autoria de Maria Izabel Oliveira (UFMA) sobre o pensamento do jesuíta Antônio Vieira sobre a escravidão no Brasil e de Carlos Silva (Faculdade de Letras da Universidade do Porto), acerca do substrato celta nas línguas hispânicas. Para auxiliar os pesquisadores iniciantes e experientes a edição conta com duas traduções de documentos textuais, Tiago Quintana, vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), apresenta a tradução de A Vingança de Amlet, registrada por escrito no século XIII, mas fruto da tradição oral dos povos nórdicos, provável ancestral de Hamlet, de Shakespeare, enquanto Cristiano Couto, doutor em História pela UFRGS, apresenta uma parte da tradução de uma importante obra da tradição mitológica irlandesa Táin Bó Cuailnge.

Por fim, essa edição é concluída com a resenha de Elisângela Morais (PPGHIS / UFMA / CAPES) sobre o livro Viagens e Espaços Imaginários na Idade Média, organizado pela docente Vânia Fróes e outros pesquisadores, que de certa forma está associado ao tema “paisagem” na medida em que os viajantes se deslocavam por novos espaços construindo novas memórias e paisagens reais e imaginárias.

Referências

BODENHAMER, D.J. The Potential of Spatial Humanities. In: BODENHAMER, D.J.; CORRIGAN, J.; HARRIS, T.M. (eds.) The Spatial Humanities: GIS and the Future of Humanities Scholarship. Bloomington / Indianápolis: Indiana University Press, 2010, pp. 14-30.

INGOLD, T. The temporality of the landscape. World Archaeology, 25, 1993, pp. 152–74.

INGOLD, T. Culture, nature, environment: steps to an ecology of life. In: CARTLEDGE, B. (Ed.). Mind, Brain and the Environment. The Linacre Lectures 1995-6. Oxford: Oxford University Press, 1998, pp. 158–80.

Adriene Baron Tacla – Docente IH / UFF / NEREIDA. E-mail: [email protected]

Adriana Zierer – Docente PPGHIST-UEMA Docente PPGHIS-UFMA. E-mail: [email protected]


TACLA, Adriene Baron; ZIERER, Adriana. Editorial. Brathair, São Luís, v.19, n.1, 2019. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

 

Gênero na idade média / Brathair / 2019

A categoria Gênero, instrumento teórico que busca visibilizar, explicar e entender as diferenças atribuídas aos corpos sexuados, já tem uma história bastante concreta e profícua em meio às ciências humanas. Pelo menos desde a década de 1960, estudiosas e estudiosos das sociedades vêm lançando luz sobre os fenômenos de dominação, exclusão, marginalização, sobretudo, do que se considera como feminino. Embora, historicamente, o olhar sobre gênero tenha se iniciado a partir do viés do feminino e do feminismo, é quase consenso atualmente que essa categoria epistemológica não se limita apenas a esse âmbito da existência. Gênero, a partir da perspectiva scottiana, é uma forma primária de organização das relações de poder que se alicerça nas diferenças biológicas.

Entre os medievalistas, a categoria Gênero tem tido reverberação, no mais das vezes, positiva, no sentido de ter conquistado espaço de legitimidade nas pesquisas voltadas para as sociedades medievais. Ainda que os próprios medievais não se percebessem a partir dessa categoria, sua aplicação ao estudo da santidade, das rainhas, da literatura, das diferenças sociais, propiciam um conhecimento cada vez mais profundo e matizado da complexa cultura medieval.

Como é próprio do conhecimento cientificamente construído, bem como – necessário que se diga no contexto em que vivemos -, muito salutar, as percepções sobre Gênero não são unívocas. Isso fica patente neste dossiê da revista Brathair, que reúne artigos que adotam perspectivas variadas acerca tanto do que se pode entender por gênero, quanto em seus objetos de reflexão. Essa variedade demonstra a vasta riqueza que a categoria permite, e a indiscutível marca que os Estudos de Gênero vêm deixando na academia brasileira.

O primeiro artigo, As mulheres na Vita Sancti Aemiliani e na Legenda Beati Petri Gundisalvi: um estudo de comparação diacrônica, das professoras Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva (PEM-UFRJ) e Leila Rodrigues da Silva (PEM-UFRJ), busca perscrutar o papel das personagens femininas em duas hagiografias medievais ibéricas, separadas em seu contexto de produção por cinco séculos. Ao lançar mão das propostas de Paul Veyne a respeito da análise histórica diacrônica, as autoras conferem sólida base para a reflexão, que se fortalece ainda pelo cuidadoso elencar de elementos a serem analisados, bem como por considerar os contextos específicos de composição das narrativas.

Carolina Gual da Silva (FAPESP-Unicamp) contribui com o artigo Experiência feminina e relações de poder nos romans do século XII. Aqui a pesquisadora se dedica a expor e discutir uma historiografia representativa do que tem sido, nas últimas décadas, as reflexões dedicadas aos estudos de gênero e à História das Mulheres, particularmente no que diz respeito às relações de poder. Percebendo, a partir desse levantamento, problemas sobretudo metodológicos nas obras analisadas, debruça-se então sobre alguns romans do século XII, de autoria de Chrétien de Troyes, Thomas e Béroul, na intenção de lançar um novo olhar sobre documentação literária que possibilite um alargamento de visão sobre os agires e pensares das mulheres medievais.

A Querelle des femmes e a política sexual na Idade Média, escrito pela professora Cláudia Costa Brochado (UnB), como já aponta o título, debate a relação entre a Querelle des femmes e a política sexual na Idade Média, apresentando as principais teorias sobre esta e sua vinculação à Revolução Aristotélica. A autora evidencia as mudanças, ao longo do período medieval, das percepções a respeito da condição (subalterna) das mulheres e faz uso do conceito de genealogia para dar conta da forma como se constrói, naquelas sociedades, as identidades sexuais que informam a política sexual medieval.

O dossiê conta também com a contribuição de Danielle Oliveira Mércuri (UNIFESP), no artigo Da arte de fazer-se virtuosa: regimentos de princesas (Castela, século XV). Tem como objetivo analisar as indicações de governo dirigidas à Rainha Isabel, pelos clérigos Martín de Córdoba, Íñigo de Mendoza e Hernando de Talavera. Nos textos pesquisados, a autora explicita as percepções próprias daquela sociedade quanto às mulheres, em específico as mulheres da nobreza. Em alguns casos, nos textos voltados à rainha Isabel, apontam-se as dubiedades do papel feminino em posição de poder.

As imagens e as leis: diálogos entre discursos normativos e iconográficos medievais no Decretum de Graciano, da lavra de Guilherme Antunes Júnior (PPGHCUFRJ), parte do conceito de gênero para analisar duas miniaturas contidas no Decretum de Graciano, reunião de textos normativos compilados no século XI. O autor entende que o Decretum pauta a chamada “Querela das investiduras” e suas implicações nas hierarquias eclesiais, mas dá margem, igualmente, para que outros aspectos sejam percebidos. E é o que faz, ao relacionar o código jurídico às relações de gênero nas disputas e discursos de poder.

Margarida Garcez Ventura (Universidade de Lisboa / Academia Portuguesa de História), autora do artigo Breves notas sobre Dona Beatriz da Silva e Isabel, a Católica: duas mulheres em Projectos De Santidade e de reforma da Igreja na Hispânia Quatrocentista (1424-1492), partindo da ideia de que a transcendência divina é historicamente construída, discute o percurso de vida de Beatriz da Silva, fundadora da Ordem da Imaculada Conceição. De Portugal à corte castelhana e a Toledo, Ventura demonstra como a espiritualidade da religiosa se institucionaliza no encontro com os projetos reformistas de Isabel, a Católica.

O artigo Mulher não devia ter regimento: rainhas regentes, rainhas depostas (Portugal, séc. XIV-XV), da professora Miriam Coser (UNIRIO), se dedica a investigar o discurso sobre a fraqueza feminina veiculado pelas crônicas da Casa de Avis. O foco de suas considerações são duas rainhas regentes, ambas depostas, Leonor Teles e Leonor de Aragão. A autora defende, valendo-se do conceito de queenship, que o exercício de poder das rainhas constituía uma espécie de ofício, praticado legitimamente e caracterizado por atribuições que não eram tão só protocolares.

Narrativas mitológicas e o papel da mulher na constituição da nobreza portuguesa através do Livro de Linhagens do Conde D. Pedro, de Neila Matias de Souza (IFMA), situa a tradição literária da crença em mulheres-serpente, para daí analisar a personagem Dama do Pé de Cabra, iniciadora da linhagem dos Haros. A autora investiga os significados sociais e políticos da narrativa que apresenta a Dama, percebendo seu papel de propiciadora de legitimidade e abundância para aquela família nobre.

Renato Rodrigues da Silva (UNIFESP), em Mulheres e poder na aristocracia da Nortúmbria Anglossaxã: ausência ou invisibilidade?, compara textos escritos e achados arqueológicos para averiguar se a ausência de personagens femininas nos textos de época reflete uma pouca participação das mulheres no poder aristocrático, ou se esta escassez é indício de uma invisibilização da participação feminina. Para tanto, o autor se fundamenta em abalizada discussão historiográfica para, então, partir para dois estudos de caso.

O último artigo do dossiê, Apontamentos sobre virilidade e inteligibilidade de gêneros na proposta de identidade cristã de Agostinho de Hipona na Primeira Idade Média, de Wendell dos Reis Veloso (CEDERJ), promove uma reflexão teórica fundamentada nas ideias, principalmente, de Judith Butler, aplicada a alguns tratados agostinianos. Dá a ver, em suas ponderações, algo que geralmente fica invisível na historiografia: as possibilidades outras de relação com as realidades, neste caso, as realidades sexuais, em especial os valores a elas atribuídos.

A edição conta ainda com dois artigos de tema livre. Ricardo Boone Wotckoski (UNIFRAN / Claretiano) discute no texto O além e a visão de mundo medieval: o inferno da Visão de Thurkill, o percurso ao inferno do camponês Thurkill, em um relato visionário composto no século XIII. Seguindo a perspectiva teórica de Bakthin, o inferno é analisado pelo articulista como um ambiente carnavalizado, uma encenação popular, na qual as categorias desfavorecidas da sociedade se regozijam com o sofrimento dos ricos, graças à possibilidade de inversão nesse espaço. Nesta concepção bakthiniana, o riso é uma resposta à dor e ao sofrimento no ambiente infernal, bem como, os papéis sociais se invertem.

O professor André de Sena (UFPE) desenvolve o tema da melancolia em A melancolia erótica no auto camoniano El-rei Seleuco. O articulista analisa este sentimento com base principalmente nas teorias do estudioso francês Jacques Ferrand, autor de Traité de l’essence et guérison de l’amour, ou De la mélancolie érotique (1610). Segundo de Sena, o príncipe melancólico em virtude do amor é um dos traços do teatro barroco e renascentista. O artigo analisa elementos da melancolia amorosa e compara o sentimento do rei Seleuco no auto camoniano com a figura de Hamlet, o qual utilizaria a melancolia “fingida” como forma de vingança.

Fechando o dossiê Gênero e a edição 2019.2 da Brathair, temos a resenha elaborada por Juliana Salgado Raffaeli (CEDERJ), O medievo ocidental a partir de conceitos como gênero, santidade e memória em diferentes abordagens teóricas e metodológicas, sobre a rica coletânea, dirigida por Andréia Frazão da Silva Construções de Gênero, Santidade e Memória no Ocidente Medieval (2018). Como deixa claro Raffaeli, evocando a variedade de temas e problemas propostos pelos autores da obra, os estudos de gênero parecem ter deixado o lugar secundário, complementar, que por anos marcaram o campo, e passam, na atualidade, a ser vistos como mais uma possibilidade de compreensão das realidades passadas e presentes.

Carolina Coelho Fortes – (PPGH / UFF). Docente do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense [email protected]


FORTES, Carolina Coelho. Editorial. Brathair, São Luís, v.19, n.2, 2019. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

 

Ingesta | USP | 2019

Ingesta Los gobiernos progresistas latinoamericanos

A Revista Ingesta (São Paulo, 2019-) é uma publicação eletrônica de periodicidade semestral, editada por alunos de pós-graduação em História Social da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, membros do Laboratório de Estudos Históricos das Drogas e Alimentação (LEHDA), fundado em 2016 na mesma instituição.

Nosso objetivo é publicar artigos, resenhas e dossiês temáticos (em português, inglês ou espanhol) produzidos por pós-graduandos e pesquisadores pós-graduados, que possam contribuir com o desenvolvimento dos estudos históricos sobre alimentação e drogas, em seus amplos aspectos.

Textos relacionados ao campo da História serão privilegiados, mas aqueles que abordarem a temática e estiverem relacionados a disciplinas afins, como a Antropologia, a Sociologia, a Arqueologia, entre outras, também serão considerados para avaliação do Conselho Editorial e do Conselho Científico da revista.

[Periodicidade semestral].

Acesso livre

ISSN 2596-3147

Acessar resenhas

Acessar dossiês

Acessar sumários

Acessar arquivos

Une autre science est possible! Manifeste pour un ralentissement des sciences – STENGERS (BMPEG-CH)

STENGERS, Isabelle. Une autre science est possible! Manifeste pour un ralentissement des sciences. JAMES, William. Apresentação de Thierry Drumm., Paris: Les Empêcheurs de Penser en Rond/La Découverte, 2013. 215p. Resenha de: SARTORI, Lecy. Outra ciência? Conhecimento, experimentos coletivos e avaliações. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas. Belém, vol.13, n.3, set./dez. 2018.

“Une autre science est possible! Manifeste pour un ralentissement des sciences” (Uma outra ciência é possível! Manifesto por uma desaceleração das ciências) é o último livro da filósofa da ciência Isabelle Stengers, professora da Universidade Livre de Bruxelas, na Bélgica. Filósofa, graduada em química e pesquisadora da história da ciência, Stengers é uma importante intelectual que reflete sobre a relação entre política, ciência e economia capitalista, e também discute sobre uma antropologia implicada em questionar os saberes, as disciplinas e as instituições.

Stengers participou do colóquio intitulado “Os mil nomes de Gaia: do Antropoceno à idade da terra”, ocorrido em 2014 no Rio de Janeiro, evento que, de forma geral, discutiu os temas da catástrofe ambiental e da mudança climática global. A catástrofe ecológica global é analisada por meio do conceito de Gaia. Para Stengers (2014), Gaia não é apenas outra forma de nominar a Terra como um recurso a ser explorado de forma sustentável, mas sim um “[…] novo campo científico […]” ou “[…] um complexo conjunto de modelos e dados interconectados […]” (Stengers, 2014, p. 2, tradução nossa), produzindo novos sentidos e respostas ao capitalismo globalizado. Seu último livro publicado em português tem como título “No tempo das catástrofes: resistir à barbárie que se aproxima” (Stengers, 2015). Suas análises fazem-nos pensar em possibilidades criativas de ações de resistência política e de lutas anticapitalistas.

No livro ora resenhado, Stengers (2013, p. 8, tradução nossa) explora uma possibilidade de “[…] reconciliação do público com sua ciência […]”, no sentido de produzir saberes a partir das preocupações, das hesitações, das consequências e das opiniões sobre determinada ideia ou solução científica.

Aqui, “[…] produzir saberes […]” aproxima-se, como aponta Stengers (2013, p. 9, tradução nossa), daquilo que Latour (2004, p. 235) denominou de “[…] matter of fact […]” ou “[…] matter of concern […]”, para criticar a objetividade científica, ou do que Guattari (1987, p. 8) chamou de “[…] matière à préoccupation […]”. Stengers (2013) propõe não apenas produzir um campo de comunicação, mas discussões acerca das respostas dos cientistas para situações que nos dizem respeito, como os problemas sociais e econômicos (por exemplo, o desemprego, a poluição, o esgotamento dos recursos naturais, o efeito estufa, o câncer, as patentes de medicamentos). O livro apresenta a importância da elaboração de uma inteligência pública das ciências, por meio da noção de compreensão, que seria o mesmo que produzir em conjunto (com diferentes atores, cidadãos, especialistas e pesquisadores) ações que impliquem soluções sem ignorar as preocupações econômicas e sociais. A ideia principal é possibilitar o encontro entre uma multiplicidade de pessoas e os conhecimentos capazes de criar de forma inteligente propostas para grandes problemas. A partir dessa ideia, Stengers (2013, p. 83, tradução nossa) propõe a “[…] desaceleração das ciências […]” ou slow science (que apresenta a mesma lógica de iniciativas como slow foodslow cityslow economy). Ela fala, dessa forma, de uma ciência produzida de maneira lenta e em conjunto com outras pessoas e saberes, que ativam conhecimentos experimentais e criativos na formulação de novos modos de existência e de resistência, opondo-se à captura de regimes de subjetividade capitalista.

Este livro é composto por cinco capítulos e pela tradução de um texto do filósofo americano, médico e psicólogo William James (1948-1910). A tradução é antecedida por uma apresentação feita pelo pesquisador Thierry Drumm. A capa do livro exibe ilustração de Milo Winter, publicada no livro de Verne (2011), “20 mil léguas submarinas”. A publicação foi organizada pela editora Les Empêcheurs de Penser em Rond – La Découverte. O livro agrega artigos de Isabelle Stengers anteriormente publicados, uma conferência e um artigo inédito. Pode-se afirmar que esta obra apresenta reflexões e discussões muito mais amplas do que a ideia apontada no título, trazendo à tona temas como as avaliações de produções acadêmicas, a elaboração de uma ciência coletiva e experimental, assim como discussões sobre objetivos e funções dos experts.

Em seu manifesto, Stengers (2013) expõe o corporativismo referente ao financiamento acadêmico, bem como as contradições que sujeitam as pesquisas e as produções científicas. No primeiro capítulo, “Pour une intelligence publique des sciences” (Por uma inteligência pública das ciências), Stengers (2013) questiona a autoridade das ciências, por meio de discussões coletivas e da participação dos cidadãos na exposição dos problemas sociais. Essa forma coletiva de refletir sobres os problemas e de elaborar soluções foi denominada pela autora de “[…] inteligência pública das ciências […]” (Stengers, 2013, p. 10, tradução nossa). Desse modo, a autora resiste às “[…] pretensões dos saberes científicos […]” (Stengers, 2013, p. 15), participando da produção do que Haraway (1995, p. 18) denominou de “[…] saberes localizados”.

Nesse sentido, Stengers (2013) propõe a construção de um espaço de discussão com entusiastas que não fazem parte da academia para compor uma produção em conjunto. Isso, no entanto, não significa a popularização da ciência, a qual é entendida como a divulgação das produções científicas para um público amplo. O objetivo dessa popularização é conscientizar os cidadãos sobre direitos, deveres e responsabilidades sociais. Os cidadãos são educados a fim de que produzam reflexões e informações para os pesquisadores desenvolverem as análises científicas. Diferentemente dessa ideia, Stengers (2013) propõe a formação de grupos que sejam capazes de produzir conhecimento (ou uma ciência experimental) e desenvolver formas de ação junto aos elementos dos contextos sociais em que os próprios atores estão inseridos.

No subtítulo do livro, Stengers (2013) destaca a ideia de desaceleração da ciência ou de uma ciência lenta, feita no tempo necessário para a elaboração de suas questões, e não sujeita ao mercado do capital e aos indicadores de produção. A autora mostra como a ciência que está sujeita às necessidades do capital é elaborada de forma rápida, não refletindo sobre suas consequências futuras. Como exemplo, ela dispõe no segundo capítulo, intitulado “Avoir l’étoffe du chercheur” (Competências do pesquisador), as consequências das descobertas científicas como o uso de organismos geneticamente modificados (OGM). Segundo a autora, as descobertas científicas foram produzidas visando os interesses econômicos, ao invés de terem sido analisadas as suas consequências, buscando-se evitar a destruição do planeta. Para ela, as soluções deveriam ser produzidas de forma criativa, sem serem subestimados as dificuldades e os saberes locais. Nesse sentido, as lutas políticas não acionam a ideia de representação, mas devem produzir “[…] caixas de ressonância […]” (Stengers, 2015, p. 148) que explicitem as experiências, fazendo com que as pessoas reflitam sobre formas de ação e as produzam.

Uma interessante contribuição do livro é a discussão sobre a lógica econômica capitalista. Em seus efeitos, esta lógica diminui o tempo necessário para produzir questões e para analisar as consequências de determinadas ações científicas. Nesse contexto, as regras de financiamento à pesquisa direcionam a produção científica e diminuem a autonomia do pesquisador, o qual fica sujeito aos temas interessantes ao poder econômico e à indústria que investem em suas análises. Stengers (2013) explicita a regulação da produção científica por meio da “[…] fórmula de excelência […]” (Stengers, 2013, p. 52, tradução nossa), que dirige o comportamento para o “[…] conformismo, oportunismo e flexibilidade […]” (Stengers, 2013, p. 52, tradução nossa), exigências da nova forma de gestão do conhecimento.

No terceiro capítulo, “Sciences et valeurs: comment ralentir” (Ciências e valores: como desacelerar), Stengers (2013) apresenta uma análise da forma como o conhecimento científico é atualmente avaliado, procurando-se uniformizá-lo, sem se considerar a pluralidade e a qualidade da produção. Neste cenário, o que importa é o número de publicação, e não a qualidade do que está sendo produzido como conhecimento. Para exemplificar, ela expõe a produção científica do filósofo Gilles Deleuze, o qual, segundo o formato atual de exigência de publicação, seria um pesquisador com pouco êxito ou baixo desempenho em avaliações1 científicas. Conforme Stengers (2013), devemos questionar esse formato de produção rápida de conhecimento e formular ferramentas para resistir aos critérios de avaliação das universidades.

Outra contribuição do livro é a tradução de um texto de William James, apresentado por Thierry Drumm. O artigo de William James, “Le poulpe du doctorat” (ou The Ph.D. Octopus), foi publicado, pela primeira vez, em 1903, na revista Harvard Monthly. No texto, o filósofo apresenta, de forma jocosa, uma crítica à política acadêmica e à regra que torna o doutorado obrigatório para os professores universitários. A universidade, por sua vez, é comparada a uma máquina de produção de títulos. A contribuição do texto está na descrição crítica do modo de funcionamento da produção acadêmica de sua época. James mostra-se contrário ao status e ao prestígio daqueles que possuem um diploma, como o de doutorado. O título de doutor, segundo o autor, incentiva o esnobismo acadêmico e a publicidade individual. Acionar o título como uma ferramenta resulta no conformismo e na institucionalização de uma lógica quantitativa. Para James (1903), o objetivo da universidade é instruir as pessoas, e não valorizar um título concedido ao pesquisador que se dedica por um tempo a um determinado assunto.

Infelizmente, não existe uma versão em português do texto de William James. Recentemente, a editora da Universidade de São Paulo (Edusp) publicou um livro organizado pela historiadora Maria Helena P. T. Machado com as cartas que William James escreveu ao participar de uma expedição ao Brasil, em 1865-1866 (Machado, 2010). Ele apresenta o jovem William James questionando a ciência da época e a produção criacionista de seu professor e chefe da Expedição Thayer, Louis Agassiz. William James, mais simpático à teoria da evolução de Charles Darwin, criticou a posição política (com interesses americanos na exploração da Amazônia) e ideológica de Louis Agassiz, que defendia o racismo e as teorias da degeneração. Os escritos de William James explicitam os interesses políticos e o financiamento da coleta de dados prevista na Expedição Thayer, bem como a sua perspectiva de análise. Como William James, Isabelle Stengers analisa a produção científica, a política de financiamento à pesquisa e as formas de avaliação da sua época.

No penúltimo capítulo, “Plaidoyer pour une Science ‘Slow’” (A defesa de uma ciência “lenta), Stengers (2013, p. 83, tradução nossa) destaca a fabricação de uma “[…] economia do conhecimento […]” que produza vínculos de cooperação crítica e de produção coletiva. Trata-se de modificar o foco das avaliações para destacar o conteúdo das produções de conhecimentos, e não o número de artigos publicados ou patentes adquiridas. A slow science, antes de ser uma exigência de mais tempo e de autonomia para a formulação de questões importantes, procura estabelecer outras articulações, além dos vínculos firmados com o mercado e com o Estado.

O livro de Stengers (2013) é instigante ao analisar a forma como a produção científica atual é insustentável. A autora aponta o modo como os pesquisadores acreditam que as soluções dos problemas serão elaboradas de forma racional ou científica, ao mesmo tempo em que ignoram a opinião, as preocupações e os saberes daqueles que são afetados pelos problemas sociais. Ao afirmar que “[…] uma outra ciência é possível […]”, Stengers (2013, p. 6, tradução nossa) explicita no último capítulo, “Cosmopolitique: civiliser les pratique modernes” (Cosmopolítica: civilizar as práticas modernas), que não é uma questão relacionada à qualidade da informação que está em jogo, mas sim a necessidade de os pesquisadores serem capazes de produzir ciências a partir de uma inteligência coletiva, que conecte diferentes modos de elaboração de saberes e reative outras formas de resolver os problemas e de resistir às demandas impostas pelo mercado à produção científica.

Notas

1Algumas referências sobre o modo como as avaliações (ou ‘cultura de auditoria’) limitam as produções de saberes e as ações criativas são Strathern (2000)Shore (2009)Power (1994) e Giri (2000).

Referências

GIRI, Ananta. Audited accountability and the imperative of responsibility: beyond the primacy of the political. In: STRATHERN, Marilyn (Ed.). Audit cultures: anthropological studies in accountability, ethics and the academy. London: Taylor & Francis, 2000. p. 173-195. [ Links ]

GUATTARI, Félix. Les schizoanalyses. Chimères, Bedou, Paris, n. 1, p. 1-21, 1987. [ Links ]

HARAWAY, Donna. Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. Cadernos Pagu, Campinas, n. 5, p. 7-41, quad. 1995. [ Links ]

JAMES, William. The Ph.D. Octopus. Harvard Monthly, Cambridge, v. 36, n. 1, p. 1-9, 1903. [ Links ]

LATOUR, Bruno. Why has critique run out of steam? From matters of fact to matters of concern. Critical Inquiry, Chicago, v. 30, n. 2, p. 225-248, Winter 2004. [ Links ]

MACHADO, Maria Helena P. Toledo (Org.). O Brasil no olhar de William James: cartas, diários e desenhos, 1865-1866. São Paulo: Edusp, 2010. [ Links ]

POWER, Michael. The audit explosion. London: Demos, 1994. [ Links ]

SHORE, Cris. Cultura de auditoria e governança iliberal: universidades e a política da responsabilização. Mediações, Londrina, v. 14, n. 1, p. 24-53, jan.-jun. 2009. DOI: http://dx.doi.org/10.5433/2176-6665.2009v14n1p24. [ Links ]

STENGERS, Isabelle. No tempo das catástrofes: resistir à barbárie que se aproxima. Tradução Eloisa Araújo Ribeiro. São Paulo: Cosac Naify, 2015. (Coleção Exit). [ Links ]

STENGERS, Isabelle. Gaia, the urgency to think (and feel). In: COLÓQUIO INTERNACIONAL OS MIL NOMES DE GAIA DO ANTROPOCENO À IDADE DA TERRA, 2014, Rio de Janeiro. Anais eletrônicos… Rio de Janeiro: Departamento de Filosofia/PPGAS/Museu Nacional/UFRJ, 2014. Disponível em: <https://osmilnomesdegaia.files.wordpress.com/2014/11/isabelle-stengers.pdf>. Acesso em: 1 ago. 2018 [ Links ]

STRATHERN, Marilyn. New accountabilities: anthropological studies in audit, ethics and the academy. In: STRATHERN, Marilyn (Ed.). Audit cultures: anthropological studies in accountability, ethics and the academy. London: Taylor & Francis, 2000. p. 1-6. [ Links ]

VERNE, Jules. 20 mil léguas submarinas. Tradução e notas de André Telles. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. [ Links ]

Lecy Sartori – Universidade Federal de São Paulo. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[MLPDB]

 

AbeÁfrica | ABEA | 2018

Abe Africa Los gobiernos progresistas latinoamericanos

A AbeÁfrica: revista da Associação Brasileira de Estudos Africanos (Rio de Janeiro, 2018-), publicação semestral da Associação Brasileira de Estudos Africanos publica trabalhos inéditos desenvolvidos em torno dos Estudos Africanos em perspectiva interdisciplinar, envolvendo campos do conhecimento tais como a Antropologia, Ciência Política, Educação, Geografia, História, Literatura e Crítica Literária, Relações Internacionais, Sociologia e outros.

Periodicidade semestral.

Acesso livre.

ISSN 2596-0873

Acessar resenhas

Acessar dossiês

Acessar sumários

Acessar arquivos

Estudos Célticos no Brasil / Brathair / 2018

Celtas? No Brasil? Essa é sempre a primeira pergunta que qualquer um dos colegas e alunos ouve quando menciona que tem se dedicado em nossas universidades ao que chamamos de Estudos Célticos. Primeiro, por uma questão de desconhecimento dos recursos disponíveis hoje para pesquisa. Depois, por uma visão um tanto restrita, que presume que aqui se faça tão somente história local ou mesmo que uma história da Europa se insira na antiga perspectiva de “História Geral” e em uma perspectiva antiquada dos estudos da antiguidade e do medievo que seriam dissociados dos debates teórico-conceituais no campo da História e nas grandes áreas de Humanidades e das Ciências Sociais. Entre nossos colegas no Brasil, ainda existe uma visão arraigada de que os estudos da antiguidade e do medievo sejam essencialmente eurocêntricos. Infelizmente, confundem região geográfica com perspectiva de abordagem. Desconhecem, ou preferem ignorar, que a história europeia (independentemente do período abordado) não segue mais uma perspectiva centrada no território europeu e que trabalhamos hoje com horizontes, geográficos e conceituais, muito mais amplos. Olvidam, sobretudo, que o conceito de Europa, como eles empregam, é uma construção da Época moderna e que várias foram as suas acepções (Cf. DUSSELL, 2000, pp. 41- 45). Essas mudanças de sentido são justamente parte das investigações dos últimos 30 anos tanto por colegas europeus quanto latino-americanos, que têm defendido pensar a antiguidade e o medievo em uma perspectiva global – de migrações, de circulação de pessoas, ideias e artefatos, de interações nas mais diferentes escalas e de criação de uma grande variabilidade cultural a partir desses contatos. Hoje, prevalece o paradigma da conectividade onde a noção de eurocentrismo não tem lugar e onde o desenho da Europa, bem como as noções de Oriente e Ocidente são desnaturalizadas.

No caso dos Estudos Célticos, essa perspectiva global é crucial pela própria forma do campo, que é multidisciplinar (abarcando Antropologia, Arqueologia, Artes, Filosofia, História, Sociologia, Letras e Teologia) e encerra uma larga temporalidade (desde a Pré-história até a Contemporaneidade). Ao contrário do que presume o senso comum, os Estudos Célticos não se resumem ao estudo das regiões da chamada “franja céltica” como imaginada pelos cronistas anglo-saxões, isto é, de Cornuália, Gales, Escócia e Irlanda. Em termos de geografia, tratamos de todas as regiões do território europeu onde temos vestígios de uso de línguas célticas ou achados arqueológicos de populações classificadas como celtas, ou regiões habitadas por populações que identificam-se etnicamente como tais, ou ainda de regiões para onde houve migrações dessas populações ou delas descendentes. Nesse sentido, os Estudos Célticos abrangem não somente as construções e migrações da pré-história e do medievo, mas também da época moderna e da contemporaneidade, de modo que migrações (forçadas ou não) para a Oceania e as Américas, por exemplo, são temas prestigiados na área.

Por esse ângulo, a existência de Estudos Célticos no Brasil não seria de se estranhar; afinal eles se vinculam à história das migrações para a região. Contudo, não podemos resumi-la a isso. Em verdade, a maior parte das pesquisas que têm sido feitas no país não se refere ao período moderno ou contemporâneo, como ressalta Eoin O’Neill em seu artigo neste número. Nem tampouco são desenvolvidos exclusivamente por pessoas que migraram para o Brasil de países onde línguas célticas são faladas ou de regiões que se consideram de alguma forma herdeiras de uma herança cultural ‘celta’. Pelo contrário, são trabalhos devotados à antiguidade e ao medievo, aos usos desse passado e à criação do imaginário sobre essas sociedades. São trabalhos que enveredam pelo campo de estudos de etnogênese, do imaginário, do agenciamento, do decolonial e dos grupos subalternos. Trata-se de um “olhar do sul”, como diriam nossos colegas de teoria da História, que traz histórias alternativas desse passado.

Nessas últimas duas décadas, desde a criação da Brathair em 2001, já contamos com uma série de publicações, teses, dissertações e monografias de final de curso dedicadas a temas de Estudos Célticos nas universidades brasileiras. Boa parte dessa produção tem sido nos campos de História e Arqueologia, mas também temos contado com o trabalho de colegas das áreas de letras, filosofia e ciência da religião. Muitos temos criado grupos de pesquisa (registrados no CNPq), que têm promovido debates e eventos temáticos, trazendo vários colegas de diferentes universidades europeias, e em alguns casos, como no curso de História da UFF (no campus do Gragoatá), também conseguimos incluir cursos específicos sobre pré-história europeia e Idade do Ferro na Europa Centro-Ocidental na grade curricular. Hoje, nossos alunos têm um maior intercâmbio com colegas de universidades estrangeiras, participando de eventos internacionais e fazendo estágios de pesquisa em universidades e instituições de pesquisa europeias. Essas quase duas décadas permitiram-nos a formação e qualificação de nossos quadros, mas a criação do campo em si no país, como dizemos em língua inglesa, é ainda work in progress. A maior parte desse desenvolvimento tem sido graças a ações individuais, muitas vezes isoladas, como bem destaca O’Neill em sua apreciação do campo. Em boa parte, ainda não contamos com o reconhecimento das instituições. Os financiamentos são pontuais e mais direcionados à formação de futuros quadros, mas novamente com pouco espaço para inclusão desses novos quadros em currículos que seguem padrões e divisões mais tradicionais.

Com efeito, é em virtude desse formato antiquado que muitos ainda pensam que não há lugar para Estudos Célticos no Brasil. Mas a pergunta que deveriam nos fazer não é se é possível trabalhar com Estudos Célticos no Brasil e sim o que temos a dizer e como estamos contribuindo para essa área no Brasil. Em outras palavras, como esse “olhar do sul” tem explicado essa história europeia e em que medida ele dialoga com as correntes interpretativas consolidadas na academia internacional. E mais: como explicamos o crescente interesse nessa área no Brasil? Afinal, a cada novo curso oferecido, a cada publicação completada vemos um maior interesse por parte de pessoas fora da academia. Certamente, esse interesse é guiado pela celtomania3 que se encontra largamente difundida no senso comum; e isso não é prerrogativa do Brasil. Movimentos religiosos neo-pagãos têm aumentado ao redor do mundo (a exemplo da Wicca, da Ordem Druídica e diversas formas de xamanismo contemporâneo), mas também é crescente o fascínio com as populações da Idade do Ferro na Europa centro-ocidental e com o imaginário medieval – principalmente aquele veicula nas literaturas vernáculas galesa e irlandesa. São fenômenos que têm alimentado a divulgação de estereótipos e de visões fantasiosas sobre esse passado, como observam aqui os ensaios de Lupi e de O’Neill. E boa parte das pesquisas feitas no Brasil têm buscado responder, ou melhor, combater, justamente essa sorte de visão.

Os artigos publicados neste dossiê sobre Estudos Célticos no Brasil comprovam como o campo cresceu nos últimos anos e evidenciam a diversidade de abordagens exploradas. A despeito dos desafios institucionais e financeiros enfrentados por pesquisadores das humanidades dentro e fora do Brasil, a cada ano mais pesquisadores brasileiros escolhem investigar as sociedades celtas ou de línguas celtas. As motivações são difíceis de avaliar. Nenhum mapeamento e identificação dos pesquisadores brasileiros dedicados aos estudos celtas nos fornecerão uma explicação para este interesse para além do fato de que felizmente os acadêmicos brasileiros são, como quaisquer outros acadêmicos, curiosos, interessados no passado da humanidade e interessados no Outro. Aos ouvidos dos estrangeiros, esta afirmação pode soar estranha após ter sido noticiado ao mundo o triste fato de que Museu Nacional do Brasil – o museu mais importante do país com artefatos de valor arqueológico, histórico, de história natural, e etnológico – sucumbiu às chamas em 02.09.2018. Contudo, isto é descaso de um grupo político que governa para seus próprios interesses, e não dos pesquisadores das ciências sociais e de humanidades que lutam diariamente para conscientizar a sociedade brasileira sobre a importância e o direito de conhecer a história da humanidade.

Esse dossiê fornece uma pequena amostra da variedade de projetos de pesquisas desenvolvidos no Brasil que se encaixam no que são considerados Estudos Celtas. Estão nele incluídas temporalidades e localidades diversas: Idade do Ferro (Trombetta, Tacla e Peixoto), Províncias Romanas (Vital), Relações entre o mundo insular e o continente na Antiguidade Tardia (Santos e Belmaia)4, França Medieval (Sinval), Irlanda na Era Moderna (O’Neill) e Irlanda na Contemporaneidade (Abrantes).

Aqui, pode-se encontrar uma gama dos debates conceituais contemporâneos (Santos, Tacla, Abrantes, O’Neill, Pedreira, Lupi, Trombetta) em que nos são apresentadas múltiplas abordagens e diferentes métodos de pesquisa. Lupi faz um ensaio sobre o campo, a trajetória e proposta do Brathair. Inicialmente um grupo de pesquisa, hoje é mais um espaço de debates, tendo a publicação dessa revista e a organização de um evento bianual e itinerante como seus principais focos de atuação. Outros grupos de pesquisa têm contribuído para expansão das pesquisas no campo, como por exemplo, o LARP5 (Laboratório de Arqueologia Romana Provincial), do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, onde pesquisadores têm se dedicado ao estudo das províncias da Britânia, Gália e Hispânia, como é o caso de Silvana Trombetta, que contribui para o presente dossiê com a discussão acerca da etnogênese céltica e o aporte da arqueologia ibérica. Discutindo as novas interpretações do paradigma atlântico6, ela expõe os limites da pesquisa e da atual interpretação.

Outro grupo que tem trabalhado em Estudos Célticos é o NEREIDA7 (Núcleo de Estudos de Representações e Imagens da Antiguidade) da Universidade Federal Fluminense, que tem desenvolvido pesquisas em Pré-história europeia (principalmente Idade do Ferro) e romanização da Britânia, Gália e Hispânia, além de percepção e usos do passado na contemporaneidade. Neste dossiê, temos três contribuições de pesquisadores desse grupo. Do campo das Humanidades Digitais, Tacla propõe aqui a análise numismática a partir do uso de tecnologias 3D. Fazendo uso da técnica de Reflectance Transformation Imaging e apoiada na aplicação das teorias sobre agenciamento e biografia dos artefatos, ela demonstra como podemos trazer um novo olhar para o tradicional estudo das cunhagens da Idade do Ferro. O estudo dessas imagens monetárias tem muito a ganhar com as novas técnicas de visualização, que contribuem para a sua compreensão tanto quanto do artefato monetário em si. Do mesmo modo, dentro dos estudos de agenciamento dos artefatos, Érika Vital Pedreira propõe um novo tratamento do conceito de triplismo a partir da epigrafia. Conceito originalmente cunhado nas décadas de 1920 e 1930, o triplismo, quando entendido como um fenômeno uno, como ela aponta, é inadequado para definir a miríade de práticas cultuais e a complexidade dos títulos e epítetos dedicados às divindades femininas em epígrafes votivas nas províncias Hispania, Gália e Britânia entre os séculos II a.C. e III d.C. Ela defende, na verdade, que se fale de triplismos (no plural) a fim de abarcar a multiplicidade de práticas culturais evidenciadas a partir da cultura material nessas províncias. Igualmente vinculado às pesquisas do NEREIDA, o trabalho de Pedro Peixoto põe em questão a visão largamente difundida da configuração social das populações da Idade do Ferro. Com efeito, ele contesta uma visão profundamente arraigada nos Estudos Célticos – e no senso comum – acerca da atuação das mulheres nas comunidades da Idade do Ferro, bem como o androcentrismo predominante no discurso acadêmico acerca dessas sociedades.

Em contraste, Dominique Santos, também baseado nos estudos epigráficos, informa ao público brasileiro sobre seu trabalho com as ogham stones através do exemplo de uma importante ogham encontrada no País de Gales que apresenta inscrições na línguas romana e ogham. Sua pesquisa enfoca o período do desenvolvimento da escrita no mundo insular e as trocas culturais que se deram ao redor do mar da Irlanda durante a Antiguidade Tardia. Semelhantemente, o artigo de Nathany Belmaia aborda as relações entre o mundo insular o continente. Esta aborda as interações entre os monaquismos insulares e o romano e a disputa sobre a datação da Páscoa travada no século VII. Os trabalhos de Santos e Belmaia representam um grupo de jovens pesquisadores que trabalham no campo da Antiguidade Tardia e Alta Idade Média. Há um número considerável de pesquisadores que desenvolveram teses de mestrado e doutorado circunscritas nestes períodos históricos investigando sociedades e regiões ditas celtas, como a Irlanda e a Escócia primordialmente. Contudo, Santos é um dos poucos pesquisadores que trabalham com estas temáticas que até o momento foram bem sucedidos em assegurar a posição de professor em uma instituição de ensino superior no Brasil. Seu trabalho em Blumenau levou à criação do LABEAM (Laboratório Blumenauense de Estudos Antigos e Medievais) 8.

Um campo que frequentemente desperta o interesse de acadêmicos brasileiros é o estudo da literatura medieval francesa. Obviamente que esta vasta literatura abre caminhos para diferentes abordagens. Sinval Gonçalves, por exemplo, enfatiza como o Conto do Graal de Chrétien de Troyes nos informa sobre o processo de interiorização do conceito de culpa e pecado por leigos no século XII. Enquanto que Pedro Fonseca, na sessão de artigos livres, investiga como ideias misóginas foram difundidas nos séculos XI e XII. Ele analisa aspectos do trabalho de Marbodo de Rennes, evidenciando como este se utilizou tanto de construções literárias do paganismo clássico como dos padres da igreja. Fonseca argumenta que ainda que trabalhos como o de Marbodo tivessem primordialmente um objetivo literário, ou seja, representassem um “mero jogo de fórmulas retóricas para a demonstração de destrezas e de dotes literários” eles ilustram o que de fato eram pensamentos recorrentes na época.

Eoin O’Neill faz uma importante análise sociológica, histórica e política do conceito de celtas e de gaélicos, evidenciando como os primeiros foram incorretamente empregados e apropriados por diferentes grupos e como estes últimos estão sendo estudados (ou pouco estudados como afirma o autor) e apreciados. O ensaio de O’Neill também fornece uma visão geral muito lúcida do panorama acadêmico brasileiro. Ele identificou corretamente os desafios institucionais para o crescimento do campo de Estudos Celtas no Brasil.

O campo dos Estudos Célticos é extremamente instigante para esse processo de transformação da nossa academia, justamente por nos convocar a superar as tradicionais fronteiras de nossas disciplinas e, por exemplo, por romper, outrossim, com as tradicionais periodizações adotadas no Brasil. Precisamos confrontar sociedades da Idade do Ferro com os relatos e registros medievais, tal como com suas apropriações e idealizações na modernidade e na contemporaneidade. Ademais, até dentro desses recortes temporais clássicos, devemos observar a existência de diferentes cronologias e desdobramentos. Se tomarmos a Irlanda Gaélica como exemplo, temos um recorte que abrange desde o baixo medievo ao início da época moderna. São então fronteiras físicas, temporais e disciplinares que devemos avançar; o que decerto nos lançam novas questões.

Parte desses desafios está na análise dos conceitos do campo, a exemplo da “Celticidade”, aqui explorada por Elisa Abrantes. Ela evidencia que desde o século XIX o conceito de “Celta” tornou-se importante para a Irlanda contemporânea, e que a idéia de ser Celta contribui para a definição do sentimento de identidade irlandês. Contudo, ela demonstra que este é uma construção e, por conseguinte, deve ser questionado, ainda que seja uma construção sócio-histórica útil. Além do mais, ela conclui que a Irlanda do século XXI enfrenta desafios para reinventar o conceito de Irishness a fim de incluir a grande quantidade de imigrantes que a sociedade tem englobado.

O trabalho de Abrantes é um exemplo do que nós devíamos talvez rotular mais apropriadamente como “Estudos Irlandeses”, e está associado a duas importantes instituições que fomentam este campo no Brasil. Estas são a ABEI – Associação Brasileira de Estudos Irlandeses – e a Cátedra de Estudos Irlandeses W.B. Yeats da Universidade de São Paulo. Estas instituições representam hoje os principais centros de disseminação de Estudos Irlandeses no Brasil. A maioria dos pesquisadores associados a essas instituições trabalham com literaturas e línguas modernas (inglesa primordialmente); contudo, elas também integram os trabalhos de historiadores trabalhando com Antiguidade Tardia e História Medieval Irlandesa, como Dominique Santos e Elaine Pereira Farrell.

Fechando esse número da Brathair, temos a sessão de traduções, com o trabalho de Susani França e Rafael Afonso Gonçalves sobre o Livro do Estado do Grande Khan, enquanto nas resenhas temos a apresentação das obras de Barbara Rosenwein Generations of Feelings, sobre a construção de “comunidades emocionais” no medievo, e de Ricardo da Costa Impressões da Idade Média, que traz uma coletânea de artigos do autor. Ambas exploram abordagens interdisciplinares e de longa duração para o estudo do medievo. Enquanto Costa expõe diferentes olhares sobre o medievo, Rosenwein lança uma nova perspectiva para os estudos do imaginário e das mentalidades, explorando os sentidos e a percepção como cruciais para a apreensão dessas sociedades.

Por fim, diante da miríade de perspectivas, recortes, temporalidades e espacialidades que apresentamos neste dossiê, fica a questão do que entendemos como Estudos Célticos no Brasil. O que nos une? Como podemos expandir nossas fronteiras de pesquisa e atuação? Como contribuir para o seu florescimento e divulgação?

Como ponto de partida e como proposto acima, temos a discussão e definição de conceitos, cronologias e recortes. Para tanto, é fundamental que avancemos em problemáticas de pesquisa comuns às diferentes disciplinas e recortes temporais. Se observarmos a frequência e o tópico das apresentações no International Congress of Celtic Studies9 a cada quadriênio e das publicações e cursos do campo, veremos o predomínio de pesquisas sobre o medievo e da área de letras (seja em literaturas, seja em linguística). Como observaram Hale and Payton (2000: 1-2), os pesquisadores do campo ainda são reticentes em tratar de fenômenos contemporâneos, e, a nosso ver, ainda são poucos os modernistas que aderem a essa área. Entre os pesquisadores da Idade do Ferro é cada vez menor o número que tem se dedicado aos debates da área e menor ainda daqueles que frequentam os eventos e que aderem a publicações do campo, mormente em virtude do ceticismo céltico10. Entretanto, como uma das organizadoras deste dossiê defende (TACLA e JOHNSTON, 2018 – no prelo), precisamos ampliar a definição desse conceito e não restringi-lo a um único recorte temporal11, a fim de ampliar também as nossas fronteiras de pesquisa e o diálogo transdisciplinar. É preciso, pois, entender que o “celta é tão diverso quanto a sua própria história” (TACLA e JOHNSTON, 2018 – no prelo).

Notas

1 Professora Associada I da Universidade Federal Fluminense, doutora em arqueologia pela Universidade de Oxford, desenvolveu pós-doutorado recém doutor (2008-2009) e pós-doutorado sênior (2017-2018) no Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo. Sua pesquisa atual em conjunto com Lynette Mitchell (Universidade de Exeter) conta com financiamento da British Academy – Newton Advanced Fellowship.

2 Doutora em História pela University College Dublin (UCD. Atualmente pesquisadora do Irish Research Council (IRC) e co-financiada pela Marie Skłodowska-Curie Actions. A primeira parte da pesquisa foi desenvolvida na Universiteit Utrecht e está sendo concluída da University College Dublin.

3 Sobre esse tema, recomendamos ver Décimo (1998), Rieckhoff (2001), Sims-Williams (1998).

4 Entendemos como mundo insular primordialmente as várias localidades em torno do Mar da Irlanda (atualmente: República da Irlanda, Ilha de Man, País de Gales, Inglaterra e Escócia) como definido por Santos em sua contribuição nesta edição. O uso do termo Insular world tem sido optado por alguns pesquisadores para evitar outros termos que carregam significados geopolíticos conflitantes. Um exemplo é a rede Converting the Isles (https: / / www.asnc.cam.ac.uk / conversion / about.html, acessado em 31 / 10 / 2018); entretanto, essa rede inclui também a Escandinávia.

5 http: / / www.larp.mae.usp.br

6 Sobre essa questão, ver Cunliffe (2010).

7 http: / / www.historia.uff.br / nereida / ; http: / / dgp.cnpq.br / dgp / espelhogrupo / 1860859683759986

8 www.furb.br / labeam

9 A décima sexta edição deste congresso ocorrerá entre os dias 22 e 26 de Julho de 2019 na Bangor University: http: / / celticcongress.bangor.ac.uk

10 Esse debate é vastíssimo. Para começar a se familiarizar com ele, recomendamos ver Collis (1997, 2003), Karl (2004, 2010, 2016), Sims-Williams (1998). Para o debate acerca da etnicidade céltica na Irlanda medieval, ver Wooding (2009).

11 Ver também Wooding (2017).

Referências

COLLIS, John. Celtic Myths. Antiquity, 71, n. 271, 1997, pp. 195-201.

______. The Celts: Origins, Myths & Inventions. Stroud: Tempus Pub Ltd, 2003.

CUNLIFFE, Barry. Celticization from the West: The Contribution from Archaeology. In: ______; KOCH, John T. (Eds.) Celtic from the West: Alternative Perspectives from Archaeology, Genetics, Language, and Literature. Oxford: Oxbow Books, 2010, pp. 13-38.

DÉCIMO, Marc. La celtomanie au XIXe siècle. Bulletin de la Société de linguistique de Paris, XCIII (1), 1998, pp. 1-40.

DUSSELL, Enrique. Europa, Modernidade e Eurocentrismo. In: LANDER, Edgardo (org.). La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales: perspectivas latinoamericanas. Buenos Aires: CLACSO, 2000, pp. 41-54.

HALE, Amy; PAYTON, Philip. Introduction. In: HALE, Amy; PAYTON, Philip (Eds.). New Directions in Celtic Studies. Exeter: University of Exeter Press, 2000, pp. 1- 14.

KARL, Raimund. Celtoscepticism, A Convenient Excuse for Ignoring NonArchaeological Evidence? In: SAUER, Eberhard. (Ed.) Breaking Down the Boundaries: The Artificial Archaeology – Ancient History Divide. Londres / Nova York: Routledge, 2004, pp. 185-199.

______. The Celts from Everywhere and Nowhere: a Re-evaluation of the Origins of the Celts and the Emergence of Celtic Cultures. In: CUNLIFFE, Barry; KOCH, John T. (Eds.) Celtic from the West: Alternative Perspectives from Archaeology, Genetics, Language, and Literature. Oxford: Oxbow Books, 2010, pp. 39-64.

______. Interpreting Iron Age Societies. In: MÜLLER, Holger A. (Org.) Keltische Kontroversen II. Gutenberg: Computus, 2016.

RIECKHOFF, Sabine. Die Kelten in Deutschland – Kultur und Geschichte. Kelten heute. In: ______ ; BIEL, Jörg. (Hrgs.) Die Kelten in Deutschland. Stuttgart: Konrad Theiss, 2001, pp. 13-19.

SIMS-WILLIAMS, Patrick. Celtomania and Celtoscepticism. Cambrian Medieval Celtic Studies, 36, 1998, pp. 1-35.

TACLA, A.B.; JOHNSTON. E. Estudos Célticos: para onde vamos a partir de agora? Tempo, 24 (3), 2018, pp. 613-620. Disponível em: http: / / dx.doi.org / 10.1590 / tem1980-542x2018v240310 (no prelo).

WOODING, Jonathan. Reapproaching the Pagan Celtic Past: Anti-Nativism, Asterisk Reality and the Late-Antiquity Paradigm. Studia Celtica Fennica, 6, 2009, pp. 61- 74.

______. Tyrannies of Distance? Medieval Sources as Evidence for Indigenous Celtic and Romano-Celtic Religion. In: HAEUSSLER, Ralph; KING, Anthony (Eds.). Celtic Religions in the Roman Period: Personal, Local, and Global. Celtic: Aberystwyth, 2017, pp. 57-70.

Adriene Baron Tacla1 Docente IH / UFF / NEREIDA [email protected]

Elaine Pereira Farrell2 Pesquisadora do Irish Research Council / UCD / University of Utrecht [email protected]


TACLA, Adriene Baron; FARRELL, Elaine Pereira Editorial. Brathair, São Luís, v.18, n.1, 2018. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

 

Centro e periferia: conceitos e reflexões sobre novas perspectivas de perceber o medievo / Brathair / 2018

Podemos utilizar conceitos tão atuais como “Centro” e “Periferia” para a Idade Média sem incorrermos em anacronismo? Acreditamos que sim! Dentre outras possibilidades, assinalamos abordagens que destaquem a relação de fronteira e dependência, típicos do fenômeno do capitalismo; a correlação entre os espaços da urbs e do ager ou reflexões que valorizem aspectos identitários, complementares, representativos, que nos levam a pensar a condição periférica de forma móvel, dinâmica e criativa.

Defendemos, pois, que contribuições conceituais, teóricas e metodológicas recentes têm permitido um redimensionamento da relevância do(s) centro(s) e da(s) periferia(s) na análise histórica. Para além de uma visão econômica, tais contribuições têm enriquecido estudos acerca da construção sociocultural de identidades e das representações sociais – tais como estabelecidos e outsiders –, em disputas conservadoras ou progressistas. Enfatizamos ainda suas interações no campo religioso, na arte, na arquitetura.

Ao atentar para a relação entre centro-periferia no medievo, a proposta deste dossiê é contestar a percepção dual presente nos primeiros estudos históricos dedicados à temática: trabalhando, deste modo, os aspectos relacionais e as construções decorrentes do antagonismo ou assimilação representados. Com isso, nos interessa colocar em perspectiva referências como cultura popular e erudita, poder das elites e resistências populares, hereges e ortodoxos, cristãos e pagãos, judeus e / ou muçulmanos, dentre outras. Vislumbrando como seus aspectos formativos e discursos relacionais fazem parte de um constructo social imaginário que, pela identificação, apontam para diversas elaborações e estratégias sociais.

Neste Dossiê temos a oportunidade em experimentar essas visões, quando percebemos no artigo do professor Bruno Oliveira (UFF), a identidade do centro romano, servindo como percepção e disputa de identidade na Britannia, no período da passagem da Antiguidade ao Feudalismo através da circulação de bens, ideias e pessoas. O autor discute que, longe de uma ideia de “crise” do Império Romano houve nesta região produção de riqueza e trocas comerciais, o que é provado pela presença de vestígios da cultura material na Britânia, como mosaicos e a ampliação das casas das elites romano-bretãs.

Já no texto do docente Paulo Duarte (UFRJ) observamos como ocorre o discurso de centralidade eclesiástica na formação da Ecclesia romana, e suas disputas contra episcopados mais estruturados, como o de Arlés entre a primeira metade do século V e meados do século VI. O autor utiliza conceitos propostos pelo sociólogo Pierre Bourdieu como suporte para a sua análise.

Ainda sobre a tensão relativa à construção da identidade da Igreja romana, atravessamos alguns séculos para conhecer seus conflitos com as ordens de cavalaria, através do artigo do professor Guilherme Queiroz Silva (UFPB), em uma disputa de discursos com base em textos escritos por Galberto de Bruges (†c. 1134) e Gisleberto de Mons (c. 1150-1224) que muito explicitam sobre a própria Idade Média.

Nossas imersões às fronteiras ilusórias do conceito nos levam a possibilidades muito mais distantes, como as do imaginário, construído sobre a ponte dos mortos e seu papel no Purgatório e Inferno através da viagem ao Além-túmulo na obra Visão de Túndalo, tecidas no texto da professora Solange Oliveira (UFF). Ou quem sabe ainda, podemos ir ainda mais distante, quando pensamos nas relações do cristianismo com a China na Idade Média Tardia (séculos XVI-XVII), através das considerações da professora Adriana de Carvalho (UNESA / UERJ), acerca dos objetivos dos jesuítas de “controle das almas” nessa região, unindo imaginário, territorialidade e relações de poder.

Esta edição da Brathair conta ainda com relevantes contribuições sobre os debates do medievo na atualidade, em especial nas suas dinâmicas culturais, que dialogam com a proposta do Dossiê e nos permitem refletir sobre tais conceitos na Idade Média. Neste sentido, o professor Sérgio Feldman (UFES) nos oferece visões importantes sobre corpo e desejo, tendo por base o pensamento dos bispos Agostinho de Hipona (354-430) e Isidoro de Sevilha (560-636), que influenciaram a legislação canônica nos séculos XI e XII. Já o professor Alex Oliveira (UNESA) analisa a estrutura monástica hispânica através de duas obras produzidas no reino visigodo no século VII, a saber, a Regula Monachorum e a Regula Isidori, escritas respectivamente por Frutuoso de Braga e Isidoro de Sevilha.

A professora Maria Nazareth Lobato (UFRJ) nos apresenta o ideal de rei na concepção do bispo João de Salisbury, com base em sua obra Policraticus (século XII), produzida na Inglaterra, voltada ao soberano Henrique II Plantageneta, discutindo o papel dos poderes espiritual e temporal de acordo com esse eclesiástico. Por fim, a professora Maria Eugênia Bertarelli (UFRRJ) nos oferece um debate sobre a cultura escrita e oralidade na Baixa Idade Média, tendo como objeto de análise o canto V da Divina Comédia, de Dante Alighieri.

A edição 2018.2 conta também com três resenhas. O docente Bruno Alvaro (UFS) analisa a publicação Cavalaria e Nobreza: entre a História e Literatura, livro autoral dos docentes Adriana Zierer e Álvaro Alfredo Bragança Júnior, que discute a cavalaria principalmente com base em fontes literárias da Península Ibérica e do mundo germânico. O professor João Lupi (UFSC) discorre sobre a importância do livro La Edad Media em capítulos, de Lídia Raquel Miranda, a qual busca oferecer um estudo introdutório sobre este período. Na terceira resenha da edição, a professora Rita Pereira (UESB) aborda a publicação A escrita da história de um lado a outro do Atlântico, coletânea organizada por Maria Eurídice Ribeiro e Susani França. O livro conta com a participação de docentes brasileiros e lusos, visando contribuir com a historiografia do medievo nos dois lados do Atlântico.

Esperamos através do dossiê Centro e Periferia: conceitos e reflexões sobre novas perspectivas de perceber o Medievo contribuir para as reflexões sobre os conceitos de centro e periferia e ensejar novos estudos sobre a temática proposta, visando enriquecer as abordagens sobre a chamada longa Idade Média, colaborando com visões críticas acerca deste período, tais como as proporcionadas pela revista Brathair nessa edição.

Rodrigo dos Santos Rainha – UNESA / PEM-UERJ. E-mail: [email protected]

Paulo Duarte da Silva – IH / PEM-UFRJ. E-mail: [email protected]


RAINHA, Rodrigo dos Santos; SILVA, Paulo Duarte da. Editorial. Brathair, São Luís, v.18, n.2, 2018. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

 

As quatro partes do mundo, história de uma mundialização – GRUZINSKI (BMPEG-CH)

GRUZINSKI, Serge. As quatro partes do mundo, história de uma mundialização. Mourão, Cleonice Paes Barreto; Santiago, Consuelo Fortes. Belo Horizonte: Editora UFMG, São Paulo: Edusp, 2014. 576p. Resenha de: SÁ, Charles. Os quatro cantos do mundo: história da globalização ibérica. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v.12 no.2, mai./ago. 2017.

Historiador francês, especialista no estudo das mentalidades, Serge Gruzinski já é conhecido há algum tempo em relação aos quadros historiográficos brasileiros. Suas obras abordam as múltiplas facetas da colonização espanhola na América, particularmente aquelas ligadas ao estudo da história do México. Ele desenvolve pesquisas que discutem a construção de um mundo novo pelos espanhóis e a intercessão de novos padrões culturais no mundo Ocidental a partir das conexões estabelecidas entre os mais diferentes povos dominados pelo Império Espanhol. Esse fenômeno, fruto do aparecimento de uma nova sociedade por meio da conquista espanhola da América e de outras regiões do globo, emergiu da junção entre pessoas de diferentes paragens do globo, unificadas pela imposição do Império castelhano durante a Idade Moderna.

Com livros publicados no Brasil pela Companhia das Letras, seu último trabalho, lançado em 2004, na França, ganhou tradução brasileira no ano de 2014 pelas editoras da Universidade Federal de Minas Gerais (Editora UFMG) e da Universidade de São Paulo (Edusp).

A obra “As quatro partes do mundo” apresenta discussão assaz interessante sobre a junção do planeta pela égide espanhola. Ao estudar, de modo particular, o mundo dominado por Felipe II até Felipe IV, dialoga com a colonização ibérica nos quatro cantos do globo. Do México, ponto fulcral dos estudos, para a África, do Brasil para a Ásia, de Goa para o Japão e daí para Lisboa e Madri, muitas são as junções que o autor se propõe a analisar. O livro está dividido em quatro partes: mundialização ibérica; cadeia dos mundos; as coisas do mundo; e a esfera de cristal. Possui gama generosa de ilustrações, mapas e fotografias de objetos dos séculos XVI e XVII.

Seu trabalho realça vozes que sempre ficam esquecidas nos estudos mais clássicos e tradicionais. Ao invés de líderes, generais, vice-reis, governadores, conquistadores, entre tantos outros ‘grandes homens’, vê-se, aqui, povos, pessoas subalternas, mestiços. Ao invés de focar em conceitos, como exploração, colonização, dominantes e dominados, ele aborda o período a partir da ideia de ‘mestiçagem’. Este conceito, segundo Gruzinski, é o elemento que ganha força para que se entenda e se explique o desenvolvimento do mundo ibérico no Novo Mundo e em outras partes do globo. Da união entre povos de culturas distintas, resultante da imposição das leis, da religião, dos modos de vestir, do trabalho e do viver inerentes ao mundo ibérico, surgiu uma sociedade não europeia e nem indígena: mestiça.

Esse conceito é assim definido: “As mestiçagens são, em grande parte, constitutivas da monarquia. Estão aí onipresentes. São fenômenos de ordem social, econômica, religiosa e, sobretudo, política, tanto senão mais que processos culturais” (p. 48). Na América colonial, não há mais um mundo ameríndio, tampouco ibérico, o que ecoa é um universo multiétnico e plural. Essa diversidade aponta para caminhos e fronteiras que serão parte constitutiva do mundo contemporâneo. A Modernidade e os questionamentos do século XXI sobre identidade e direitos dos povos podem olhar para o Império ibérico e perceber nele semelhanças com os debates que aconteciam no mundo dos Felipes. Nesse sentido, o diálogo hoje existente sobre o direito à identidade dos povos tem um de seus prelúdios nos primórdios da colonização ibérica em terras americanas. A necessidade de compreender o outro no período filipino foi feita por funcionários, clérigos e intelectuais, isso, porém, nem sempre significou tolerância ou respeito para com outras culturas.

Outro conceito interessante para aqueles que estudam a colonização ibérica é o de ‘mobilização’. Mais do que uma expansão, cuja ideia eurocêntrica tende a ver este povo como os mais destacados no processo de formação do Novo Mundo, a ideia defendida pelo autor para a colonização é a de uma mobilização em profundidade, a qual “provoca movimentos e entusiasmos imponderados que se precipitam, uns e outros, sobre todo o globo” (p. 53), fenômeno este que não pode ser controlado pelos seres humanos, nem mesmo pelos poderosos. Ele escapa das mãos daqueles que governam, bem como dos governados, da mistura desse processo dialético, que exclui e também agrega, tudo é mesclado e se espalha. Mesmo os micróbios são internacionalizados. Para o autor, “esse movimento não conhece limites” (p. 53).

A mundialização promovida pelo império ibérico disseminou valores, ideias, pensamentos, costumes, trabalho. Artesãos indígenas começaram a fazer uso de técnicas europeias; materiais feitos na América passaram a ser utilizados na África e na Ásia. Em pouco tempo, a habilidade dessas pessoas superava a dos europeus: roupas, alimentos, casas, pinturas, metais, temperos, tudo era assimilado e reproduzido. Mesclavam-se aos saberes ibéricos aqueles provenientes do mundo indígena, assim como valores vindos da África e da Ásia. Novos conhecimentos e produtos eram feitos. No entanto, quando pressentiam que estavam perdendo o saber para os mestiços, os europeus impunham, então, sua força: se não podiam dominar por meio do conhecimento, passavam a ter o controle da fabricação. Artesãos e trabalhadores eram cooptados pelos espanhóis para suas oficinas. O trabalho braçal e o fruto do saber mestiço foram dominados pelos castelhanos.

O mundo ibérico fez circular livros e saberes. O local e o global passaram a dialogar. Um indígena no Novo México falava das lutas e das disputas referentes ao trono espanhol. Um monge português apresentava sua visão sobre a Índia. Povos africanos eram explicados nas cortes europeias por viajantes vindos da América portuguesa, enquanto nas igrejas e em conventos da América meninos oriundos de aldeias ou assentamentos indígenas desenvolviam os saberes e os valores da religião transmitida da Europa.

Nesse cenário de povos e de culturas, as revoltas foram componentes intrínsecos ao sistema imperial. Membros da Igreja e governadores travavam embates pelo domínio dos novos espaços de conquista. Na Europa, a crise econômica da coroa espanhola no século XVII, consequência da guerra contra a França e a Holanda, fez com que as reformas propostas pelo ministro e cardeal Duque de Olivares encontrassem forte oposição na população mestiça no Novo Mundo. O aumento de impostos e a retirada de privilégios desse grupo, que não era composto nem por indígenas nem por espanhóis, fez com que a cidade do México entrasse em convulsão. Conexões envolvendo a mundialização de povos e economias tornaram-se parte do cotidiano da sociedade, a qual, por sua vez, não era harmônica ou subserviente. Desse modo, a contestação às leis e às ordens foi uma constante no mundo colonial ibérico.

Outro elemento que a mundialização erigida pelo Império ibérico estabeleceu foi a relativização do saber antigo. O mundo não mais se concebia como sendo plano ou com seres demoníacos em suas águas. Povos, bem como a fauna e a flora dos quatro continentes, são entendidos como pertencentes a uma mesma natureza. A difusão dos saberes e dos conhecimentos da Antiguidade foi o contraponto à sua relativização. Nas quatro partes do mundo, ouvia-se falar da Grécia e de Roma e, dessa maneira, a história europeia difundia-se entre povos não europeus, com as implicações que esse tipo de visão eurocêntrica trouxe para a compreensão da própria historicidade dos povos dominados pelos ibéricos. Da cidade do México a Goa, bebia-se dos valores da Antiguidade e dos padres da Igreja Católica. Uma sociedade paternalista, patriarcal e culturalmente judaico-cristã foi aí forjada, valores fundamentais para a cultura local foram realocados ou então dizimados, juntamente com os povos que o professavam.

Em um mundo que se globaliza cada vez mais, o pertencimento a um lugar continua sendo um item considerável. Ao se tornarem cidadãos do mundo, os ibéricos nem por isso deixavam de ser habitantes dessa península, pois o conhecimento por eles produzidos tinha em sua formação católica e europeia a base segundo a qual as relações e as novas concepções de mundo eram efetuadas. Os experts eram compostos por indivíduos europeus ou mestiços que pensavam esse novo mundo. Estes, por sua vez, eram oriundos da Igreja ou dos quadros administrativos do Império e dialogavam, por meio de seus livros e de viagens com esse novo universo que se abria para eles. Nesse contexto, emergiam novas elites: soldados, mulatos, comerciantes, fazendeiros, pessoas da pequena nobreza. Por meio do trabalho realizado em diversas partes do Império, efetivavam com suas ações e ideias o amálgama que concede unidade em meio à diversidade e ajudavam a compor as costuras que forjavam o império filipino.

As ideias e concepções vindas da Europa encontravam solo fértil no Novo Mundo, na África e na Ásia. Aristóteles e o tomismo da escolástica eram ensinados, debatidos e reproduzidos nos colégios e espaços acadêmicos do Império. Franciscanos, Jesuítas, Dominicanos, entre outras ordens religiosas, divulgavam e faziam com que se conhecessem as ideias advindas da Antiguidade grecoromana. Quadros, pinturas, poemas, tratados, esculturas e muitos outros objetos de arte reproduziam a concepção cristã e Ocidental de mundo.

Da mesma maneira que as artes e a fé se globalizavam, a língua também seguia o mesmo ritmo. Latim, português e castelhano tornaram-se o meio oficial de comunicação entre povos diversos. No entanto, estas línguas sofriam por um processo de hibridização: ao serem faladas por povos de outras regiões do globo, incorporavam elementos desses novos grupos. No Brasil, a Língua Geral, mescla da língua portuguesa com a língua tupi, foi o veículo pelo qual seus habitantes se comunicavam até a segunda metade do século XVIII.

Fé e linguagem uniram-se nas tentativas que jesuítas e demais ordens religiosas empreenderam para a propagação da Igreja Católica. Ao tentarem ver, nas crenças e nos valores dos povos que buscavam converter, elementos que possibilitassem exemplificar os ensinamentos de Cristo, houve, em muitos momentos, resultados inesperados. A partir do diálogo com crenças e cultos estrangeiros, alguns religiosos terminaram por adentrar em áreas que beiravam à heresia.

Em sua obra, Serge Gruzinski desenvolve a todo o momento uma escrita que direciona o leitor ao diálogo com outra época. Na tentativa de dominar as quatro partes do mundo, a monarquia católica da Espanha quase conseguiu seu intento. O tempo, esse monstro voraz, e as condições políticas e econômicas da Europa, bem como as resistências enfrentadas na África e na Ásia, contribuíram para que esse projeto não se concretizasse. Ainda assim, o contexto e as ideias da mundialização ibérica vicejam ainda hoje em nossa sociedade contemporânea, quer seja em seus filmes, obra de artes, romances, na linguagem e em atitudes que estão presentes em uma parte significativa do planeta.

A abordagem que se pretende na obra peca em um ponto: apesar de escrever sobre as diversas partes que compunham o Império espanhol, nota-se, ao longo de toda a obra, maior desenvolvimento de conceitos e de fatos circunscritos ao universo mexicano. Outras partes da América espanhola são menos abordadas do que a área do antigo império asteca. Nesse sentido, nota-se o olhar do especialista, já que Gruzinski tem como principal área de pesquisa o estudo da sociedade mexicana colonial.

Entender a globalização ibérica nos séculos XVI e XVII pode nos levar a refletir sobre a globalização capitalista em nossos dias. Ao adentrar em um mundo que se foi, percebe-se sua permanência. Discussões que foram aventadas na Espanha dos Felipes seguem ainda presentes nas sociedades da pós-modernidade. Dessa forma, a leitura da obra pode revelar formas de diálogos que devem ser buscadas na sociedade atual, bem como mecanismos de exploração que, ao persistirem, devem ser combatidos e extirpados. Boa leitura!

Charles Sá – Universidade do Estado da Bahia. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[MLPDB]

 

O nascimento do Brasil e outros ensaios: “pacificação”, regime tutelar e formação de alteridades – OLIVEIRA FILHO (BMPEG-CH)

OLIVEIRA FILHO, João Pacheco de. O nascimento do Brasil e outros ensaios: “pacificação”, regime tutelar e formação de alteridades. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2016. 384p. Resenha de: ROSA, Marlise. O nascimento do Brasil: releituras a partir da antropologia histórica. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas. Belém, vol.12, n.2, mai./ago. 2017.

O livro “O nascimento do Brasil e outros ensaios: ‘pacificação’, regime tutelar e formação de alteridades”, organizado pelo antropólogo João Pacheco de Oliveira Filho, reúne artigos de sua autoria, escritos em diferentes momentos de sua carreira. Professor-titular de Etnologia no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (MN-UFRJ), com mais de quatro décadas de experiência em pesquisas sobre povos indígenas da Amazônia e do Nordeste, nos últimos anos vem desenvolvendo estudos relacionados à antropologia do colonialismo e à antropologia histórica, concentrando-se, principalmente, no processo de formação nacional, na historiografia, em museus e em coleções etnográficas. Nesta obra, resultado destas reflexões, o autor nos apresenta, além de um denso prefácio, outros nove textos, nos quais busca “[…] reexaminar criticamente as interpretações atribuídas à presença indígena, explicitando as múltiplas formas de agência e participação que as populações autóctones tiveram na construção da nação” (p. 7). Por meio deste exercício, João Pacheco de Oliveira Filho chama a atenção para a inexistência de uma história indígena singular e contínua, demonstrando haver uma multiplicidade de histórias, com experiências e temporalidades diversas.

A reflexão introdutória, de certo modo, consiste em um capítulo à parte, no qual o autor não somente problematiza as formas de incorporação dos índios à história e a participação deles à formação do Brasil, mas também critica o próprio fazer antropológico, que negligenciou os modos pelos quais, mesmo em um contexto de dominação, os indígenas resistiram, organizaram-se e continuaram a atualizar sua cultura. Afirma, portanto, que houve uma anistia aos aspectos violentos da colonização por parte de intelectuais não indígenas, ao fazerem do relativismo a ferramenta única de seu horizonte ideológico e inviabilizarem a elaboração de etnografias sobre a tutela. Fala, ainda, sobre os múltiplos regimes de memória e a necessidade de entender a presença indígena em cada um dos contextos históricos em que tais representações foram formuladas. Nestes regimes, os indígenas são relatados como portadores de características variáveis, que podem, inclusive, ser antagônicas em contextos diferentes e sucessivos, pois cada fala corresponde a um regime específico. Por isso, o pesquisador não pode se fixar em apenas um deles, devendo também se beneficiar de pesquisas antropológicas e históricas contemporâneas.

No primeiro capítulo – “O nascimento do Brasil: revisão de um paradigma etnográfico” –, como o título sugere, o autor propõe uma revisão do paradigma historiográfico utilizado, a fim de compreender a presença indígena no Brasil atual, que, segundo ele, é baseado em categorias coloniais e em imagens reificadoras, sem utilidade à pesquisa e ao aumento do protagonismo indígena. Tais narrativas apresentam três grandes equívocos: 1) independentemente do período histórico, de região ou de etnia, os discursos sobre os indígenas passam pela polaridade proteção versus extermínio, legitimando, assim, a tutela; 2) a paz, enquanto objetivo da ação colonial, corresponde a um estado jurídico-administrativo que reflete apenas o ponto de vista dos colonizadores, negligenciando os modos como os indígenas recepcionam e se utilizam destas normas; 3) há o estabelecimento de uma clivagem radical entre índios e não índios, inspirado no modelo religioso de pagão versus cristão, que, diferentemente da questão do negro, não admite misturas, sobreposições ou alternâncias. Estes discursos, portanto, legitimam e naturalizam a ação tutelar, inviabilizando formas de resistência cultural e omitindo situações de incorporação de indígenas a famílias brancas.

Na sequência, com o artigo “As mortes do indígena no Império do Brasil: indianismo, a formação da nacionalidade e seus esquecimentos”, Oliveira Filho constrói uma reflexão sobre narrativas e imagens de indígenas produzidas no século XIX, sobretudo durante o Segundo Reinado, momento no qual os ‘índios bravos’, por representarem empecilho para a expansão colonial, tornaram-se o centro do regime discursivo. As manifestações artísticas e expressões populares analisadas pelo autor indicam um conjunto de seis eixos geradores de sentido: 1) o nativismo; 2) a nobreza pretérita dos indígenas; 3) a morte gloriosa dos guerreiros; 4) o índio como elemento exterior à fundação do país; 5) a morte como o destino trágico dos indígenas; 6) a morte ‘quase vegetal’ do indígena. Em todas estas narrativas e imagens, a morte como elemento central tem efeitos sociais que implicam o esquecimento da presença indígena na construção da nacionalidade, relegando ao índio um lugar na história anterior ao Brasil.

No capítulo três – “A conquista do Vale Amazônico: fronteira, mercado internacional e modalidade de trabalho compulsório” –, contrapondo-se ao que denomina como “história geral” da borracha na Amazônia, Oliveira Filho propõe que o seringal seja pensado como uma fronteira, “[…] isto é, como um mecanismo de ocupação de novas terras e de sua incorporação, em condição subordinada, dentro de uma economia de mercado” (p. 118). O pesquisador demonstra que, devido às condições favoráveis do mercado internacional da borracha em meados do século passado, o ‘seringal de caboclo’ transformou-se no ‘seringal do apogeu’, instaurando uma nova modalidade de trabalho compulsório e de usos distintos da terra e dos recursos naturais. Diante disso, defende que a história da Amazônia, ao ser escrita a partir da fronteira, contemplaria não somente a heterogeneidade deste processo histórico, mas também a pluralidade de sentidos assumidos pelos agentes que lhe foram contemporâneos.

A ideia de fronteira continua sendo seu objeto de análise no capítulo seguinte – “Narrativas e imagens sobre povos indígenas e Amazônia: uma perspectiva processual da fronteira” –, voltado para a análise das representações sobre as populações indígenas amazônicas e sobre a expansão da fronteira nesta região. Para o autor, a singularidade histórica da Amazônia só pode ser entendida quando são analisadas as diferentes formas de fronteiras que ocorreram no Brasil, com características e temporalidades distintas. Sua reflexão é iniciada com a problematização dos dois modelos de colonização vigentes na América portuguesa – a colônia do Brasil e a do Maranhão e Grão-Pará –, abordando, na sequência, as representações sobre o primeiro encontro nas “costas do litoral atlântico e no interior do vale amazônico” até chegar ao cerne do artigo, apresentando “[…] diferentes temporalidades, narrativas e regimes que singularizam essa trajetória histórica das populações autóctones da Amazônia até o momento atual” (p. 185).

No capítulo cinco, Oliveira Filho muda o foco para os povos indígenas do Nordeste, apresentando o artigo “Uma etnologia dos ‘índios misturados’? Situação colonial, territorialização e fluxos culturais”, trabalho muito conhecido, escrito em 1997 para o concurso ao cargo de professor-titular do MN-UFRJ. Nele, o autor problematiza a ‘emergência’ de novas identidades étnicas no Nordeste, chamando a atenção para o fato de que, embora este fenômeno seja recente, a população se considera originária – são coletividades indígenas convertidas ao cristianismo e que, hoje, vivem como camponeses, parceiros e assalariados. Sua reflexão perpassa questões referentes à formação do objeto de investigação – os ‘índios do Nordeste’ –, discute conceitos-chave para a análise da etnicidade e, por fim, debate a respeito do americanismo, refletindo sobre as perspectivas para o estudo de populações tidas como culturalmente ‘misturadas’.

O capítulo seguinte – “Mensurando alteridades, estabelecendo direitos: práticas e saberes governamentais na criação de fronteiras étnicas” – consiste na análise, a partir de três aspectos específicos, de materiais quantitativos produzidos sobre os povos indígenas. O primeiro é o aspecto demográfico, apresentado por meio de censos nacionais e outros levantamentos; o segundo é o aspecto econômico, representado por meio de dados sobre terras, recursos naturais e conflitos fundiários; e o terceiro é representado pelas divergências em torno da compreensão da presença indígena nos dias atuais. Conforme o autor, o ato de contar sujeitos e processos sociais traz, implícito, os procedimentos de comparação e de normatização; o primeiro como parte do processo cognitivo e o outro como parte do ordenamento político. O ato de contar, portanto, quando realizado por um sujeito que detém algum tipo de poder ou autoridade sobre aqueles a quem observa, arbitra sobre direitos e, no que toca aos povos indígenas, “atropela as alteridades e engendra os subalternos” (p. 230).

Tais dados, contudo, “[…] sugerem um novo perfil demográfico, em que as unidades societárias e a situação de contato dos índios brasileiros já não mais correspondem às antigas interpretações sobre frágeis microssociedades isoladas na floresta amazônica” (p. 265). Por isso, no capítulo seguinte – “Regime tutelar e globalização: um exercício de sociogênese dos atuais movimentos indígenas no Brasil” –, Oliveira Filho analisa o processo de formação do movimento indígena brasileiro, identificando algumas estratégias, alianças e projetos que compõem o universo político contemporâneo. Sinteticamente, o autor agrupa as estratégias políticas dos indígenas a partir de três rótulos: índios funcionários, lideranças e organizações indígenas. Estas estratégias têm em comum a luta por uma cidadania indígena, construída por meio do território étnico; porém, divergem no que toca ao fortalecimento da sociedade civil e à defesa de interesses corporativos.

No oitavo capítulo – “Sem a tutela, uma nova moldura de nação” –, a reflexão tem como tema os dispositivos jurídicos que tratam das populações indígenas. O autor fala sobre os embates de forças durante o processo de elaboração da Constituição Federal de 1988, destacando a importância atribuída aos índios, bem como o protagonismo indígena, com presença massiva nas audiências públicas, em subcomissões e no debate diário com os parlamentares. Destaca, ainda, a originalidade da nova Constituição, quando comparada a outros marcos jurídicos voltados à regularização da presença indígena na história do Brasil. Em diálogo com a ciência política e a história, o artigo demonstra que a questão indígena impacta não somente os próprios índios, estendendo-se à estruturação do Estado e ao processo de construção de uma identidade nacional.

Para concluir, Oliveira Filho apresenta o texto “Pacificação e tutela militar na gestão de populações e territórios”, cuja proposta é refletir sobre alguns usos, presentes e passados, da categoria ‘pacificação’. A sua intenção é analisar como esta categoria, por cinco séculos empregada apenas para a população autóctone, foi divulgada e celebrada como intervenção do poder público nas favelas cariocas. Em sua concepção, há uma clara analogia entre as ‘pacificações’ contemporâneas e as coloniais, pois ambas fazem referência à intervenção dos poderes públicos em áreas que antes escapavam ao seu domínio, recuperando “[…] a retórica da missão civilizatória da elite dirigente e dos agentes do Estado” (p. 338). Assim como os índios bravos da época colonial, os moradores das favelas são pensados como uma alteridade totalizadora, situada nos limites da criminalidade, por isso não são tratados como cidadãos comuns, sendo sujeitados a uma tutela de natureza exclusivamente militar e repressiva, implementada por meio das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP).

A intenção do autor, nesta obra, foi abordar os fenômenos sociais a partir de uma postura etnográfica e dialógica, conjugando o olhar antropológico e a crítica historiográfica. Esse movimento rumo à chamada ‘antropologia histórica’, como ele mesmo destaca, reúne um conjunto de antropólogos, de diferentes países, que convergem no desconforto com relação ao antigo olhar imperial da disciplina e, por isso, propõem novos objetos de investigação e novas abordagens.

A inserção de Oliveira Filho nessa seara não se dá com o intuito de contrapor a história nacional, mas sim de – ao contemplar situações históricas e eventos em que agentes com interesses antagônicos interagem – demonstrar que, conjuntamente, esses sujeitos constroem instituições, significados e estratégias. Em outras palavras, é perceber que os sujeitos imersos nesse encontro colonial estão, apesar das assimetrias do contato, igualmente envolvidos no processo de intercâmbio cultural. Ele chama a atenção, portanto, para a necessidade de revermos, de forma crítica, os modos de construção de uma história nacional e as etnificações produzidas pelo saber colonial.

Por tudo isso, os diferentes eventos, personagens e momentos da história dos indígenas no Brasil analisados nesta obra, bem como as particularidades dos olhares empregados, fazem de “O nascimento do Brasil e outros ensaios” uma leitura fundamental, não somente para os estudiosos do tema, mas também para aqueles que se interessam por uma outra história de nosso país, que reconheça e problematize a dissonância entre os fatos concretos e as grandes interpretações.

Marlise Rosa – Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[MLPDB]

 

O nascimento do Brasil e outros ensaios: “pacificação”, regime tutelar e formação de alteridades – OLIVEIRA FILHO (BMPEG-CH)

OLIVEIRA FILHO, João Pacheco de. O nascimento do Brasil e outros ensaios: “pacificação”, regime tutelar e formação de alteridades. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2016. 384p. il. color, ISBN: 978-85-7740-206-9.

O livro “O nascimento do Brasil e outros ensaios: ‘pacificação’, regime tutelar e formação de alteridades”, organizado pelo antropólogo João Pacheco de Oliveira Filho, reúne artigos de sua autoria, escritos em diferentes momentos de sua carreira. Professor-titular de Etnologia no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (MN-UFRJ), com mais de quatro décadas de experiência em pesquisas sobre povos indígenas da Amazônia e do Nordeste, nos últimos anos vem desenvolvendo estudos relacionados à antropologia do colonialismo e à antropologia histórica, concentrando-se, principalmente, no processo de formação nacional, na historiografia, em museus e em coleções etnográficas. Nesta obra, resultado destas reflexões, o autor nos apresenta, além de um denso prefácio, outros nove textos, nos quais busca “[…] reexaminar criticamente as interpretações atribuídas à presença indígena, explicitando as múltiplas formas de agência e participação que as populações autóctones tiveram na construção da nação” (p. 7). Por meio deste exercício, João Pacheco de Oliveira Filho chama a atenção para a inexistência de uma história indígena singular e contínua, demonstrando haver uma multiplicidade de histórias, com experiências e temporalidades diversas.

A reflexão introdutória, de certo modo, consiste em um capítulo à parte, no qual o autor não somente problematiza as formas de incorporação dos índios à história e a participação deles à formação do Brasil, mas também critica o próprio fazer antropológico, que negligenciou os modos pelos quais, mesmo em um contexto de dominação, os indígenas resistiram, organizaram-se e continuaram a atualizar sua cultura. Afirma, portanto, que houve uma anistia aos aspectos violentos da colonização por parte de intelectuais não indígenas, ao fazerem do relativismo a ferramenta única de seu horizonte ideológico e inviabilizarem a elaboração de etnografias sobre a tutela. Fala, ainda, sobre os múltiplos regimes de memória e a necessidade de entender a presença indígena em cada um dos contextos históricos em que tais representações foram formuladas. Nestes regimes, os indígenas são relatados como portadores de características variáveis, que podem, inclusive, ser antagônicas em contextos diferentes e sucessivos, pois cada fala corresponde a um regime específico. Por isso, o pesquisador não pode se fixar em apenas um deles, devendo também se beneficiar de pesquisas antropológicas e históricas contemporâneas.

No primeiro capítulo – “O nascimento do Brasil: revisão de um paradigma etnográfico” –, como o título sugere, o autor propõe uma revisão do paradigma historiográfico utilizado, a fim de compreender a presença indígena no Brasil atual, que, segundo ele, é baseado em categorias coloniais e em imagens reificadoras, sem utilidade à pesquisa e ao aumento do protagonismo indígena. Tais narrativas apresentam três grandes equívocos: 1) independentemente do período histórico, de região ou de etnia, os discursos sobre os indígenas passam pela polaridade proteção versus extermínio, legitimando, assim, a tutela; 2) a paz, enquanto objetivo da ação colonial, corresponde a um estado jurídico-administrativo que reflete apenas o ponto de vista dos colonizadores, negligenciando os modos como os indígenas recepcionam e se utilizam destas normas; 3) há o estabelecimento de uma clivagem radical entre índios e não índios, inspirado no modelo religioso de pagão versus cristão, que, diferentemente da questão do negro, não admite misturas, sobreposições ou alternâncias. Estes discursos, portanto, legitimam e naturalizam a ação tutelar, inviabilizando formas de resistência cultural e omitindo situações de incorporação de indígenas a famílias brancas.

Na sequência, com o artigo “As mortes do indígena no Império do Brasil: indianismo, a formação da nacionalidade e seus esquecimentos”, Oliveira Filho constrói uma reflexão sobre narrativas e imagens de indígenas produzidas no século XIX, sobretudo durante o Segundo Reinado, momento no qual os ‘índios bravos’, por representarem empecilho para a expansão colonial, tornaram-se o centro do regime discursivo. As manifestações artísticas e expressões populares analisadas pelo autor indicam um conjunto de seis eixos geradores de sentido: 1) o nativismo; 2) a nobreza pretérita dos indígenas; 3) a morte gloriosa dos guerreiros; 4) o índio como elemento exterior à fundação do país; 5) a morte como o destino trágico dos indígenas; 6) a morte ‘quase vegetal’ do indígena. Em todas estas narrativas e imagens, a morte como elemento central tem efeitos sociais que implicam o esquecimento da presença indígena na construção da nacionalidade, relegando ao índio um lugar na história anterior ao Brasil.

No capítulo três – “A conquista do Vale Amazônico: fronteira, mercado internacional e modalidade de trabalho compulsório” –, contrapondo-se ao que denomina como “história geral” da borracha na Amazônia, Oliveira Filho propõe que o seringal seja pensado como uma fronteira, “[…] isto é, como um mecanismo de ocupação de novas terras e de sua incorporação, em condição subordinada, dentro de uma economia de mercado” (p. 118). O pesquisador demonstra que, devido às condições favoráveis do mercado internacional da borracha em meados do século passado, o ‘seringal de caboclo’ transformou-se no ‘seringal do apogeu’, instaurando uma nova modalidade de trabalho compulsório e de usos distintos da terra e dos recursos naturais. Diante disso, defende que a história da Amazônia, ao ser escrita a partir da fronteira, contemplaria não somente a heterogeneidade deste processo histórico, mas também a pluralidade de sentidos assumidos pelos agentes que lhe foram contemporâneos.

A ideia de fronteira continua sendo seu objeto de análise no capítulo seguinte – “Narrativas e imagens sobre povos indígenas e Amazônia: uma perspectiva processual da fronteira” –, voltado para a análise das representações sobre as populações indígenas amazônicas e sobre a expansão da fronteira nesta região. Para o autor, a singularidade histórica da Amazônia só pode ser entendida quando são analisadas as diferentes formas de fronteiras que ocorreram no Brasil, com características e temporalidades distintas. Sua reflexão é iniciada com a problematização dos dois modelos de colonização vigentes na América portuguesa – a colônia do Brasil e a do Maranhão e Grão-Pará –, abordando, na sequência, as representações sobre o primeiro encontro nas “costas do litoral atlântico e no interior do vale amazônico” até chegar ao cerne do artigo, apresentando “[…] diferentes temporalidades, narrativas e regimes que singularizam essa trajetória histórica das populações autóctones da Amazônia até o momento atual” (p. 185).

No capítulo cinco, Oliveira Filho muda o foco para os povos indígenas do Nordeste, apresentando o artigo “Uma etnologia dos ‘índios misturados’? Situação colonial, territorialização e fluxos culturais”, trabalho muito conhecido, escrito em 1997 para o concurso ao cargo de professor-titular do MN-UFRJ. Nele, o autor problematiza a ‘emergência’ de novas identidades étnicas no Nordeste, chamando a atenção para o fato de que, embora este fenômeno seja recente, a população se considera originária – são coletividades indígenas convertidas ao cristianismo e que, hoje, vivem como camponeses, parceiros e assalariados. Sua reflexão perpassa questões referentes à formação do objeto de investigação – os ‘índios do Nordeste’ –, discute conceitos-chave para a análise da etnicidade e, por fim, debate a respeito do americanismo, refletindo sobre as perspectivas para o estudo de populações tidas como culturalmente ‘misturadas’.

O capítulo seguinte – “Mensurando alteridades, estabelecendo direitos: práticas e saberes governamentais na criação de fronteiras étnicas” – consiste na análise, a partir de três aspectos específicos, de materiais quantitativos produzidos sobre os povos indígenas. O primeiro é o aspecto demográfico, apresentado por meio de censos nacionais e outros levantamentos; o segundo é o aspecto econômico, representado por meio de dados sobre terras, recursos naturais e conflitos fundiários; e o terceiro é representado pelas divergências em torno da compreensão da presença indígena nos dias atuais. Conforme o autor, o ato de contar sujeitos e processos sociais traz, implícito, os procedimentos de comparação e de normatização; o primeiro como parte do processo cognitivo e o outro como parte do ordenamento político. O ato de contar, portanto, quando realizado por um sujeito que detém algum tipo de poder ou autoridade sobre aqueles a quem observa, arbitra sobre direitos e, no que toca aos povos indígenas, “atropela as alteridades e engendra os subalternos” (p. 230).

Tais dados, contudo, “[…] sugerem um novo perfil demográfico, em que as unidades societárias e a situação de contato dos índios brasileiros já não mais correspondem às antigas interpretações sobre frágeis microssociedades isoladas na floresta amazônica” (p. 265). Por isso, no capítulo seguinte – “Regime tutelar e globalização: um exercício de sociogênese dos atuais movimentos indígenas no Brasil” –, Oliveira Filho analisa o processo de formação do movimento indígena brasileiro, identificando algumas estratégias, alianças e projetos que compõem o universo político contemporâneo. Sinteticamente, o autor agrupa as estratégias políticas dos indígenas a partir de três rótulos: índios funcionários, lideranças e organizações indígenas. Estas estratégias têm em comum a luta por uma cidadania indígena, construída por meio do território étnico; porém, divergem no que toca ao fortalecimento da sociedade civil e à defesa de interesses corporativos.

No oitavo capítulo – “Sem a tutela, uma nova moldura de nação” –, a reflexão tem como tema os dispositivos jurídicos que tratam das populações indígenas. O autor fala sobre os embates de forças durante o processo de elaboração da Constituição Federal de 1988, destacando a importância atribuída aos índios, bem como o protagonismo indígena, com presença massiva nas audiências públicas, em subcomissões e no debate diário com os parlamentares. Destaca, ainda, a originalidade da nova Constituição, quando comparada a outros marcos jurídicos voltados à regularização da presença indígena na história do Brasil. Em diálogo com a ciência política e a história, o artigo demonstra que a questão indígena impacta não somente os próprios índios, estendendo-se à estruturação do Estado e ao processo de construção de uma identidade nacional.

Para concluir, Oliveira Filho apresenta o texto “Pacificação e tutela militar na gestão de populações e territórios”, cuja proposta é refletir sobre alguns usos, presentes e passados, da categoria ‘pacificação’. A sua intenção é analisar como esta categoria, por cinco séculos empregada apenas para a população autóctone, foi divulgada e celebrada como intervenção do poder público nas favelas cariocas. Em sua concepção, há uma clara analogia entre as ‘pacificações’ contemporâneas e as coloniais, pois ambas fazem referência à intervenção dos poderes públicos em áreas que antes escapavam ao seu domínio, recuperando “[…] a retórica da missão civilizatória da elite dirigente e dos agentes do Estado” (p. 338). Assim como os índios bravos da época colonial, os moradores das favelas são pensados como uma alteridade totalizadora, situada nos limites da criminalidade, por isso não são tratados como cidadãos comuns, sendo sujeitados a uma tutela de natureza exclusivamente militar e repressiva, implementada por meio das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP).

A intenção do autor, nesta obra, foi abordar os fenômenos sociais a partir de uma postura etnográfica e dialógica, conjugando o olhar antropológico e a crítica historiográfica. Esse movimento rumo à chamada ‘antropologia histórica’, como ele mesmo destaca, reúne um conjunto de antropólogos, de diferentes países, que convergem no desconforto com relação ao antigo olhar imperial da disciplina e, por isso, propõem novos objetos de investigação e novas abordagens.

A inserção de Oliveira Filho nessa seara não se dá com o intuito de contrapor a história nacional, mas sim de – ao contemplar situações históricas e eventos em que agentes com interesses antagônicos interagem – demonstrar que, conjuntamente, esses sujeitos constroem instituições, significados e estratégias. Em outras palavras, é perceber que os sujeitos imersos nesse encontro colonial estão, apesar das assimetrias do contato, igualmente envolvidos no processo de intercâmbio cultural. Ele chama a atenção, portanto, para a necessidade de revermos, de forma crítica, os modos de construção de uma história nacional e as etnificações produzidas pelo saber colonial.

Por tudo isso, os diferentes eventos, personagens e momentos da história dos indígenas no Brasil analisados nesta obra, bem como as particularidades dos olhares empregados, fazem de “O nascimento do Brasil e outros ensaios” uma leitura fundamental, não somente para os estudiosos do tema, mas também para aqueles que se interessam por uma outra história de nosso país, que reconheça e problematize a dissonância entre os fatos concretos e as grandes interpretações.

Marlise RosaUniversidade Federal do Rio de Janeiro([email protected])

Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Ciênc. Hum. vol.12 no.2 Belém May/Aug. 2017.

 

As quatro partes do mundo: história de uma mundialização – GRUZINSKI (BMPEG-CH)

GRUZINSKI, Serge. As quatro partes do mundo: história de uma mundialização. Belo Horizonte: Editora UFMG, São Paulo: Edusp, 2014. 576p. Tradução de Cleonice Paes Barreto Mourão e Consuelo Fortes Santiago. Resenha de: SÁ, Charles. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi – Ciências Humanas. vol.12 no.2 Belém May/Aug. 2017.

Historiador francês, especialista no estudo das mentalidades, Serge Gruzinski já é conhecido há algum tempo em relação aos quadros historiográficos brasileiros. Suas obras abordam as múltiplas facetas da colonização espanhola na América, particularmente aquelas ligadas ao estudo da história do México. Ele desenvolve pesquisas que discutem a construção de um mundo novo pelos espanhóis e a intercessão de novos padrões culturais no mundo Ocidental a partir das conexões estabelecidas entre os mais diferentes povos dominados pelo Império Espanhol. Esse fenômeno, fruto do aparecimento de uma nova sociedade por meio da conquista espanhola da América e de outras regiões do globo, emergiu da junção entre pessoas de diferentes paragens do globo, unificadas pela imposição do Império castelhano durante a Idade Moderna.

Com livros publicados no Brasil pela Companhia das Letras, seu último trabalho, lançado em 2004, na França, ganhou tradução brasileira no ano de 2014 pelas editoras da Universidade Federal de Minas Gerais (Editora UFMG) e da Universidade de São Paulo (Edusp).

A obra “As quatro partes do mundo” apresenta discussão assaz interessante sobre a junção do planeta pela égide espanhola. Ao estudar, de modo particular, o mundo dominado por Felipe II até Felipe IV, dialoga com a colonização ibérica nos quatro cantos do globo. Do México, ponto fulcral dos estudos, para a África, do Brasil para a Ásia, de Goa para o Japão e daí para Lisboa e Madri, muitas são as junções que o autor se propõe a analisar. O livro está dividido em quatro partes: mundialização ibérica; cadeia dos mundos; as coisas do mundo; e a esfera de cristal. Possui gama generosa de ilustrações, mapas e fotografias de objetos dos séculos XVI e XVII.

Seu trabalho realça vozes que sempre ficam esquecidas nos estudos mais clássicos e tradicionais. Ao invés de líderes, generais, vice-reis, governadores, conquistadores, entre tantos outros ‘grandes homens’, vê-se, aqui, povos, pessoas subalternas, mestiços. Ao invés de focar em conceitos, como exploração, colonização, dominantes e dominados, ele aborda o período a partir da ideia de ‘mestiçagem’. Este conceito, segundo Gruzinski, é o elemento que ganha força para que se entenda e se explique o desenvolvimento do mundo ibérico no Novo Mundo e em outras partes do globo. Da união entre povos de culturas distintas, resultante da imposição das leis, da religião, dos modos de vestir, do trabalho e do viver inerentes ao mundo ibérico, surgiu uma sociedade não europeia e nem indígena: mestiça.

Esse conceito é assim definido: “As mestiçagens são, em grande parte, constitutivas da monarquia. Estão aí onipresentes. São fenômenos de ordem social, econômica, religiosa e, sobretudo, política, tanto senão mais que processos culturais” (p. 48). Na América colonial, não há mais um mundo ameríndio, tampouco ibérico, o que ecoa é um universo multiétnico e plural. Essa diversidade aponta para caminhos e fronteiras que serão parte constitutiva do mundo contemporâneo. A Modernidade e os questionamentos do século XXI sobre identidade e direitos dos povos podem olhar para o Império ibérico e perceber nele semelhanças com os debates que aconteciam no mundo dos Felipes. Nesse sentido, o diálogo hoje existente sobre o direito à identidade dos povos tem um de seus prelúdios nos primórdios da colonização ibérica em terras americanas. A necessidade de compreender o outro no período filipino foi feita por funcionários, clérigos e intelectuais, isso, porém, nem sempre significou tolerância ou respeito para com outras culturas.

Outro conceito interessante para aqueles que estudam a colonização ibérica é o de ‘mobilização’. Mais do que uma expansão, cuja ideia eurocêntrica tende a ver este povo como os mais destacados no processo de formação do Novo Mundo, a ideia defendida pelo autor para a colonização é a de uma mobilização em profundidade, a qual “provoca movimentos e entusiasmos imponderados que se precipitam, uns e outros, sobre todo o globo” (p. 53), fenômeno este que não pode ser controlado pelos seres humanos, nem mesmo pelos poderosos. Ele escapa das mãos daqueles que governam, bem como dos governados, da mistura desse processo dialético, que exclui e também agrega, tudo é mesclado e se espalha. Mesmo os micróbios são internacionalizados. Para o autor, “esse movimento não conhece limites” (p. 53).

A mundialização promovida pelo império ibérico disseminou valores, ideias, pensamentos, costumes, trabalho. Artesãos indígenas começaram a fazer uso de técnicas europeias; materiais feitos na América passaram a ser utilizados na África e na Ásia. Em pouco tempo, a habilidade dessas pessoas superava a dos europeus: roupas, alimentos, casas, pinturas, metais, temperos, tudo era assimilado e reproduzido. Mesclavam-se aos saberes ibéricos aqueles provenientes do mundo indígena, assim como valores vindos da África e da Ásia. Novos conhecimentos e produtos eram feitos. No entanto, quando pressentiam que estavam perdendo o saber para os mestiços, os europeus impunham, então, sua força: se não podiam dominar por meio do conhecimento, passavam a ter o controle da fabricação. Artesãos e trabalhadores eram cooptados pelos espanhóis para suas oficinas. O trabalho braçal e o fruto do saber mestiço foram dominados pelos castelhanos.

O mundo ibérico fez circular livros e saberes. O local e o global passaram a dialogar. Um indígena no Novo México falava das lutas e das disputas referentes ao trono espanhol. Um monge português apresentava sua visão sobre a Índia. Povos africanos eram explicados nas cortes europeias por viajantes vindos da América portuguesa, enquanto nas igrejas e em conventos da América meninos oriundos de aldeias ou assentamentos indígenas desenvolviam os saberes e os valores da religião transmitida da Europa.

Nesse cenário de povos e de culturas, as revoltas foram componentes intrínsecos ao sistema imperial. Membros da Igreja e governadores travavam embates pelo domínio dos novos espaços de conquista. Na Europa, a crise econômica da coroa espanhola no século XVII, consequência da guerra contra a França e a Holanda, fez com que as reformas propostas pelo ministro e cardeal Duque de Olivares encontrassem forte oposição na população mestiça no Novo Mundo. O aumento de impostos e a retirada de privilégios desse grupo, que não era composto nem por indígenas nem por espanhóis, fez com que a cidade do México entrasse em convulsão. Conexões envolvendo a mundialização de povos e economias tornaram-se parte do cotidiano da sociedade, a qual, por sua vez, não era harmônica ou subserviente. Desse modo, a contestação às leis e às ordens foi uma constante no mundo colonial ibérico.

Outro elemento que a mundialização erigida pelo Império ibérico estabeleceu foi a relativização do saber antigo. O mundo não mais se concebia como sendo plano ou com seres demoníacos em suas águas. Povos, bem como a fauna e a flora dos quatro continentes, são entendidos como pertencentes a uma mesma natureza. A difusão dos saberes e dos conhecimentos da Antiguidade foi o contraponto à sua relativização. Nas quatro partes do mundo, ouvia-se falar da Grécia e de Roma e, dessa maneira, a história europeia difundia-se entre povos não europeus, com as implicações que esse tipo de visão eurocêntrica trouxe para a compreensão da própria historicidade dos povos dominados pelos ibéricos. Da cidade do México a Goa, bebia-se dos valores da Antiguidade e dos padres da Igreja Católica. Uma sociedade paternalista, patriarcal e culturalmente judaico-cristã foi aí forjada, valores fundamentais para a cultura local foram realocados ou então dizimados, juntamente com os povos que o professavam.

Em um mundo que se globaliza cada vez mais, o pertencimento a um lugar continua sendo um item considerável. Ao se tornarem cidadãos do mundo, os ibéricos nem por isso deixavam de ser habitantes dessa península, pois o conhecimento por eles produzidos tinha em sua formação católica e europeia a base segundo a qual as relações e as novas concepções de mundo eram efetuadas. Os experts eram compostos por indivíduos europeus ou mestiços que pensavam esse novo mundo. Estes, por sua vez, eram oriundos da Igreja ou dos quadros administrativos do Império e dialogavam, por meio de seus livros e de viagens com esse novo universo que se abria para eles. Nesse contexto, emergiam novas elites: soldados, mulatos, comerciantes, fazendeiros, pessoas da pequena nobreza. Por meio do trabalho realizado em diversas partes do Império, efetivavam com suas ações e ideias o amálgama que concede unidade em meio à diversidade e ajudavam a compor as costuras que forjavam o império filipino.

As ideias e concepções vindas da Europa encontravam solo fértil no Novo Mundo, na África e na Ásia. Aristóteles e o tomismo da escolástica eram ensinados, debatidos e reproduzidos nos colégios e espaços acadêmicos do Império. Franciscanos, Jesuítas, Dominicanos, entre outras ordens religiosas, divulgavam e faziam com que se conhecessem as ideias advindas da Antiguidade grecoromana. Quadros, pinturas, poemas, tratados, esculturas e muitos outros objetos de arte reproduziam a concepção cristã e Ocidental de mundo.

Da mesma maneira que as artes e a fé se globalizavam, a língua também seguia o mesmo ritmo. Latim, português e castelhano tornaram-se o meio oficial de comunicação entre povos diversos. No entanto, estas línguas sofriam por um processo de hibridização: ao serem faladas por povos de outras regiões do globo, incorporavam elementos desses novos grupos. No Brasil, a Língua Geral, mescla da língua portuguesa com a língua tupi, foi o veículo pelo qual seus habitantes se comunicavam até a segunda metade do século XVIII.

Fé e linguagem uniram-se nas tentativas que jesuítas e demais ordens religiosas empreenderam para a propagação da Igreja Católica. Ao tentarem ver, nas crenças e nos valores dos povos que buscavam converter, elementos que possibilitassem exemplificar os ensinamentos de Cristo, houve, em muitos momentos, resultados inesperados. A partir do diálogo com crenças e cultos estrangeiros, alguns religiosos terminaram por adentrar em áreas que beiravam à heresia.

Em sua obra, Serge Gruzinski desenvolve a todo o momento uma escrita que direciona o leitor ao diálogo com outra época. Na tentativa de dominar as quatro partes do mundo, a monarquia católica da Espanha quase conseguiu seu intento. O tempo, esse monstro voraz, e as condições políticas e econômicas da Europa, bem como as resistências enfrentadas na África e na Ásia, contribuíram para que esse projeto não se concretizasse. Ainda assim, o contexto e as ideias da mundialização ibérica vicejam ainda hoje em nossa sociedade contemporânea, quer seja em seus filmes, obra de artes, romances, na linguagem e em atitudes que estão presentes em uma parte significativa do planeta.

A abordagem que se pretende na obra peca em um ponto: apesar de escrever sobre as diversas partes que compunham o Império espanhol, nota-se, ao longo de toda a obra, maior desenvolvimento de conceitos e de fatos circunscritos ao universo mexicano. Outras partes da América espanhola são menos abordadas do que a área do antigo império asteca. Nesse sentido, nota-se o olhar do especialista, já que Gruzinski tem como principal área de pesquisa o estudo da sociedade mexicana colonial.

Entender a globalização ibérica nos séculos XVI e XVII pode nos levar a refletir sobre a globalização capitalista em nossos dias. Ao adentrar em um mundo que se foi, percebe-se sua permanência. Discussões que foram aventadas na Espanha dos Felipes seguem ainda presentes nas sociedades da pós-modernidade. Dessa forma, a leitura da obra pode revelar formas de diálogos que devem ser buscadas na sociedade atual, bem como mecanismos de exploração que, ao persistirem, devem ser combatidos e extirpados. Boa leitura!

Charles Sá – Universidade do Estado da Bahia ([email protected])

L’Époque romaine ou la Mediterranée au nord des Alpes | Flutsch

No final do século V a.C. os celtas ocuparam o território da atual Suíça, sobrepondo-se às antigas populações lacustres, agrícolas e de pastores. Nova invasão ocorreu no final do séc. II a.C., quando os helvécios – também celtas – liderados por Divico, avançaram do sul da Germânia em direção à Gália. Em 61, então já estabelecidos no território alpino, que os romanos englobavam no nome genérico de gaulês, prepararam-se para nova migração em direção ao oeste, comandados por Orgétorix, migração fracassada pelo assassinato do líder. Entretanto os romanos já haviam dominado parcialmente esse território, isto é, todo o sul da Gália, e o conflito foi inevitável, terminando com a vitória dos romanos sobre os helvécios em 58 a.C.. Tomando partido desse fato Júlio César obriga os helvécios a permanecer na região alpina e dá início à conquista completa da Gália. Estas e outras circunstâncias, afirma Flutsch, têm impedido os suíços contemporâneos de reconhecer Divico ou Orgétorix como heróis nacionais, e leva o autor a falar da cultura ou do legado da romanização mais em termos de galo-romanos (mais abrangente) do que helveto-romanos – mais restrito e discutível, já que os helvécios não defenderam uma “pátria” contra os romanos, mas foram por eles impedidos de sair de onde se tinham estabelecido. Após a vitória sobre os helvécios os romanos iniciaram o estabelecimento de colônias e legiões: por volta de 44 a.C. foi criada a Colonia Julia Equestris (atual Nyon, próximo a Genebra, na margem do lago), e por volta de 20 a. C. começaram as construções na Colonia Raurica, em território dos rauraques, outra população celta – é a atual Augst, próxima a Basiléia, cujos vestígios estão hoje em muito bom estado de recuperação. Portanto no I século a.C. a presença romana embora marcante deixava quase total independência às populações alpinas. Com a chegada do Império as terras da atual Suíça foram ocupadas pelas legiões e pelas instituições políticas e administrativas romanas, que, contudo, não eliminaram as estruturas sociais e a organização dos vários grupos celtas. Nessa fase o território estava dividido por cinco distintas províncias romanas: o norte pertencia à Germânia Superior, o oeste à Narbonense, o sul aos Alpes e à Itália, e o leste à Récia. Ao destacar este fato Flutsch faz notar que a romanização, embora não tenha contribuído para criar uma consciência de unidade no que veio a ser o povo suíço, definiu a “cantonização” que hoje constitui a Confederação Helvética (em que pese a dubiedade deste termo, que ele evitou). De fato, na confederação o norte e centro é de língua alemã, o oeste de língua francesa, o sul de língua italiana, e o sudeste romanche. Depois do seu apogeu no século II d.C. o Império Romano entrou em decadência e em meados do séc. III a crise econômica da Itália atingiu as províncias: as guerras e a anarquia, aliadas aos impostos escorchantes fizeram os agricultores desistir da lavoura, e engrossar as turbas de ociosos e bandidos. Fome e peste provocaram a baixa demográfica, e os germanos, aproveitando-se da fraqueza imperial, começaram a atacar as fronteiras e fazer suas primeiras incursões em território alpino. Apesar da recuperação sob Diocleciano, e depois sob Constantino, os romanos continuaram a sofrer os embates com os invasores, e repetidas vezes os alamanos (354, 365, 375) atacaram as legiões e penetraram no território rauraque. Mas o território dito gaulês, ou helvécio, da posterior Suíça não recebeu, antes do séc.VI, invasões maciças germânicas, mesmo quando as legiões abandonaram o território em 401. Quando os Borguinhões, em 443, se instalaram na região de Genebra, rapidamente se incorporaram à cultura galo-romana. Já os alamanos, que ocuparam o norte no século seguinte, impuseram seu idioma germânico, que se mantém até hoje. Depois dessa revisão histórica do período romano (I a.C. a V d.C.) que ocupa metade do livro, o autor dedica um capítulo à “globalização econômica”, ou seja, às marcas deixadas pela romanização no modo de vida material. A incorporação das regiões alpinas gaulesas e helvéticas à economia do Império trouxe estruturas administrativas eficientes; todos os tipos de produção usual da época floresceram, novas profissões surgiram, estradas foram construídas – definindo em seus cruzamentos e passagens quase todas as principais cidades suíças da atualidade. A ligação dos Alpes com o Mediterrâneo (razão do subtítulo da obra) não só exportava os produtos locais, mas propiciava à população das montanhas consumir produtos até então desconhecidos ou reservados à elite celta: vinho, azeite, frutas e conservas de peixe passaram a estar ao alcance de grande parte da população alpina. Percorrendo diversos aspectos da vida comum, desde a tecnologia de construção à produção agrícola, Flutsch vai mostrando como o período romano lançou as bases da sociedade suíça; contudo adverte: a romanização operou-se principalmente nos centros urbanos, enquanto nas regiões rurais a cultura celta permaneceu; por outro lado, após o desmoronamento do Império muitas de suas características desapareceram, como certos tipos de bens de consumo e de conforto, que só voltaram à Suíça no séc. XX. Se ao falar de economia Flutsch mostra sua formação e pendor de arqueólogo, apoiando-se freqüentemente nos vestígios materiais da romanização, o último capítulo – “o casamento das culturas” – é ainda mais objetivo e concreto na apresentação de elementos materiais: para comprovar a importância das construções civis e da urbanização como modeladoras e ao mesmo tempo indicadores da vida social; ao trazer inscrições latinas que denotam peculiaridades da continuidade da cultura celta, inclusive familiar, sob capa romana, ou a presença das mulheres nas atividades da elite; receitas médicas evidenciando a introdução da medicina greco-romana; mosaicos e esculturas caseiras mostrando a aceitação da mitologia e da religião romanas; a completa alteração dos hábitos de alimentação pela importação de muitos produtos e dos modos de cozinhar mais sofisticados. Os exemplos que aduz são muitos bastando completá-los com os traços referentes ao que é menos material: as crenças. Uma cabeça de touro tricórnio celta esculpida em estilo romano; as inúmeras estatuetas de Lug disfarçado de Mercúrio; Caturix, deus protetor dos helvécios, que surge como Marte Caturix; Taranis empunhando o raio de Júpiter; o culto às novas divindades orientais que tinham entrado no Império, inclusive o cristianismo, cuja presença em território suíço é atestada desde o final do séc. IV, ou ainda os costumes celtas de velório e sepultamento modificados pelos romanos. Na conclusão, intitulada “um parêntese que não se fechou” o autor retoma e resume as principais aportações da romanização à Helvécia galo-romana desde o latim e a telha ao gato doméstico e ao alho, para defender as suas teses, entre as quais destacamos: 1. a arqueologia é uma ciência bem fundamentada em técnicas de interpretação de vestígios materiais, mas não está imune a influências doutrinais e ideológicas, nem à percepção do antigo pelos olhos da atualidade; é assim que discretamente alude à integração alpina na cultura mediterrânica e na globalização imperial para sugerir (129) que essa antiga abertura conduz a Suíça à integração na União Européia; 2. a romanização lançou os fundamentos do modo de vida suíço da atualidade, mas não construiu uma consciência de nacionalidade unificada, que é muito recente; daí as suas críticas às alusões do passado como criador dessa identidade de povo, que ele considera um erro de interpretação que falseia a própria visão da Suíça – aliás o autor continuamente se dirige a seus patrícios, pois usa muito o termo “nós” e “nosso” para falar da região. Deste modo, um pequeno volume de introdução a um período histórico é de fato, como toda a coleção Savoir Suisse, um chamado à revisão da percepção que os suíços têm de si mesmos e do seu papel na atualidade. De alguma forma a arqueologia de Laurent Flutsch, diretor de escavações, de exposições e do Museu romano de Lausanne-Vidy, é uma ciência de intervenção política.

João Lupi – Departamento de Filosofia UFSC. E-mail: [email protected]


FLUTSCH, Laurent. L’Époque romaine ou la Mediterranée au nord des Alpes. Lausana: Presses polytechniques; Universitaires romandes, col. Le Savoir Suisse, 2005. Resenha de: LUPI, João. A Suíça e o Mediterrâneo. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.7, n.1, p. 101-103, 2007. Acessar publicação original [DR]

Matar e morrer na Idade Média / Brathair / 2017

Nesse dossiê da revista Brathair – Matar e Morrer na Idade Média – abordamos esses temas como o cruzamento de duas esferas, a cultural e a natural, a partir da sua instância mais básica: o corpo. Embora seja um “objeto natural”, o corpo humano também é produto cultural, tanto que a educação, disciplina e mesmo valores comuns nos levam muitas vezes a contrariar nossos instintos mais básicos, como quando partimos para a guerra, para matar ou morrer. Discutir a forma de apresentação, narração e problematização dessa temática em seus estereótipos associadas a conceitos como honra-desonra, coragem-covardia, masculino-feminino é uma questão a ser problematizada em um amplo recorte espaço-temporal e nas relações – e valores – atribuídos às populações germânicas e seus vizinhos, amigos e inimigos no medievo.

Mas os textos aqui reunidos não se restringem apenas ao contexto de batalhas, com o qual a temática do matar e morrer (e desertar, fugir etc) medieval é amplamente identificada e que há bastante tempo, e ainda hoje, é campo privilegiado para as pesquisas nessa área []1. Igualmente importante é a discussão sobre a questão da morte e das reações frente a ela: buscar ou fugir da morte? Embora durante a Idade Média o suicídio seja considerado um pecado, a morte voluntária a serviço de uma causa ou testemunho – como o martírio – era considerada um ato de virtude, equiparado mesmo à categoria de imitatio christi [2]. Esse paradoxo, do ponto de vista secular e ocidental moderno, pode ser compreendido se pensarmos no medievo como um momento dominado pela violência – uma civilização da agressão, como define Duby. E embora a violência não seja, de modo algum, exclusiva do período medieval, a apologia da violência e seu uso amplo e quase irrestrito, a banalização da violência – parafraseando Hannah Arendt – é uma das características distintivas desse período. Não por acaso a palavra em alemão para violência – Gewalt – serve também para designar o poder. Por exemplo a expressão “unter jemandes Gewalt zu sein” pode ser traduzida como “estar sob o poder (ou autoridade) de alguém”, o que nos coloca diretamente em contato com a Idade Média quando indivíduos que exerciam poder – senhores, pais, esposos etc – podiam frequentemente agir de forma violenta, inclusive ao matar aqueles sob seu domínio, em alguns casos sem qualquer tipo de punição [3].

O que nos leva à pergunta: O que temos em comum com os homens e mulheres do passado? O que pode ser dito da experiência essencial do ser humano? Há muitas respostas para essas perguntas, mas certamente uma delas está relacionada com a questão da morte. Matar e morrer é algo comum aos humanos e animais, assim como as atitudes – passivas e ativas, em grande parte instintivas como correr e fugir ou ficar e lutar – frente a essa questão. Mas o refletir sobre a morte, sobre o matar e morrer é algo tipicamente humano, em todas as épocas. Nos testamentos da cidade de Colônia do século XV encontramos muitas vezes variações em torno da fórmula “dat nemand dem doede untghain noch entflien mach” (“porque ninguém pode escapar nem fugir da morte” [4] ), assim como disposições sobre onde deveriam ser depositados os restos mortais e a realização das missas ad aeternum, esse último um tema abordado, entre outros, por Chiffoleau [5] .

A preocupação com a morte e a preparação adequada – e os auxílios – para esse evento crucial na vida humana em geral, e cristã em particular, são abordados nesse dossiê por Klaus Militzer em seu artigo sobre a criação – e significados – atribuídos à santa Úrsula de Colônia “intercessora por uma morte suave” e por Dominique Santos e Alisson Sonaglio no texto que analisa a obra Ars moriendi do século XV, um manual para uma “boa morte”, com suas implicações e desdobramentos. O professor Militzer discute não só a construção da lenda de Úrsula e o seu significado para a cidade de Colônia, mas também a sua ampla divulgação em diferentes reinos medievais. Demonstra também as transformações sutis na imagem de Úrsula em vários campos – como as fraternidades medievais – e períodos, que culminam com a construção “definitiva” de Úrsula como a santa indicada para garantir uma boa morte, tema abordado juntamente com as questões sobre as percepções – e medo – da morte e a necessidade de intercessão dos santos

O medo da morte, a presença da morte e a “comunicação e […] aproximação entre os vivos e os mortos” é discutida no texto de Amanda Basílio Santos, que tem como fonte as tumbas-cadáveres e a escultura funerária medieval inglesa, exemplos muito nítidos da realidade que todos vamos morrer. O uso do medo da morte (por exemplo a partir da prática da execução exemplar) e o direito a matar, aplicar a pena de morte é discutido no texto de Marta de Carvalho Silveira, “Um olhar jurídico sobre a morte: uma análise comparativa do Fuero Juzgo e do Fuero Real”, que, abordando essas fontes de direito, analisa o “uso legal da morte” na Península Ibérica sob o domínio visigodo e na Castela do século XIII.

Mas se a morte era uma penalidade, cumprindo uma função punitiva, ela também poderia ser uma arma de propaganda: esse uso propagandístico da morte – da morte violenta em nome de uma causa santa, o martírio [6] – é analisado no texto de Dionathas Moreno Boenavides que discute a questão do martírio no século XIII dentro do contexto das disputas em torno das ordens mendicantes. A atuação e figura de religiosos – bispos em especial – é tratada nos artigos de Bruno Álvaro e Mathias Weber. Bruno discute – a partir da figura literária de Don Jerónimo, modelo de bispo guerreiro no Poema de Mio Cid – a questão da atuação militar do clero em uma realidade ibérica marcada pelas guerras. Mathias Weber discute o problema da má e da boa morte nas descrições de mortes de bispos nos Decem Libri Historiarum de Gregório de Tours, com destaque para o “bem morrer” como um morrer pacífico, na cama, cercado pela sua congregação, o que deixa claro os diferentes parâmetros para a atuação e interpretações do clero ao longo da Idade Média.

A discussão sobre os diferentes significados – e possibilidades – do matar e morrer são habilmente exploradas no texto de Gabriel Castanho que questiona o “Morrer pelo quê? Fugir de quê?” bem como a visão tradicional dos monges como aqueles que “fogem do mundo” demonstrando que, “longe de ser uma fuga”, o abandono do mundo pelos monges-eremitas Cartuxos pode ser pensado como forma de combate, uma luta pela alma, considerada o bem maior. Neste sentido religioso, o texto de Renata Cristina e Sousa Nascimento apresenta uma discussão acerca dos mártires e guerreiros, concluindo que “[o] modelo de mártir almejado faz parte de um longo processo de criação de memórias, relativas à busca de um grau elevado de santidade, atingido através de elaborações discursivas especiais”.

O texto de Mario Jorge da Mota Bastos e Eduardo Cardoso Daflon discute o problema da violência senhorial durante a Idade Média como parte das relações de poder e dominação entre senhores e camponeses e traça paralelos com a situação destes no Brasil atual, no qual as lutas pela terra continuam ocasionando mortes e devastação. E por fim, o texto de Chiara Benati explora magistralmente fontes primárias, em parte ainda não editadas, que demonstram a continuidade de elementos pagãos da tradição germânica das fórmulas de bênçãos e encantos de proteção contra armas e inimigos em situações de guerra, de perigo e mesmo em confrontações na disputa por direitos. Os ideais de coragem e bravura, tão arraigados tanto nas sociedades germânicas quanto tradição épica medieval, convivem, dessa forma, com a preocupação com a morte, o morrer e mesmo a prisão em situações de batalha, considerada por vezes tão temível quanto a própria morte. Dessa forma evidencia que coragem e bravura não significam necessariamente a ausência – ou supressão – do medo, mas sim o enfrentamento do medo de morrer – as diferentes formas de morte que são abordadas nos textos desse dossiê – e, enfim, a disposição para o sacrifício, se necessário, em nome de um bem maior que a própria vida.

Notas

1. Como o livro organizado por Jörg Rogge: ROGGE, J. (Ed.). Killing and Being Killed: Bodies in Battle, Perspectives on Fighters in the Middle Ages, Bielefeld, Transcript Verlag, 2017.

2. Vide, por exemplo, TAVEIRNE, Maarten. Das Martyrium als imitatio Christi: Die literarische Gestaltung der spätantiken Märtyrerakten und -passionen nach der Passion Christi. In: Zeitschrift für Antikes Christentum, 18 (2014), p. 167–203; VAUCHEZ, André. La Sainteté en Occident aux derniers siècles du Moyen Âge: d’après les procès de canonisation et les documents hagiographiques. Rome: École française de Rome, 1988, p. 179; FEISTNER, Edith. Historische Typologie der deutschen Heiligenlegende des Mittelalters von der Mitte des 12. Jahrhunderts bis zur Reformation. Wiesbaden: Dr. Ludwig Reichert Verlag, 1995, p. 119s.

3. Vide, por exemplo, MORIN, Alejandro. Matar a la adúltera: el homicidio legítimo en la legislación castellana medieval. In: Cahiers de linguistique et de civilisation hispaniques médiévales, Vol. 24 Nr. 1, 2001, p. 353-377. O texto de Mario Jorge e Eduardo Daflon nos remetem à essa questão também na realidade brasileira, uma forma triste de pensar em possíveis desdobramentos do conceito da longa Idade Média.

4. Como no testamento de Johann VI. von Hirtze, de 21 de abril de 1475, Test. H 3 / 695. In: HAStK (Historisches Archiv der Stadt Köln).

5. CHIFFOLEAU, Jacques. Sur l’usage obsessionnel de la messe pour les morts à la fin du Moyen Âge, In: VAUCHEZ, André. (Org.). Faire croire: Modalités de la diffusion et de la réception des messages religieux du XIIe au XVe siècles. Table Ronde organisé par l’ École française de Rome, 1981, Paris, p. 235-256.

6. Um tema já longamente explorado por André Vauchez em La Sainteté en Occident aux derniers siècles du Moyen Âge: d’après les procès de canonisation et les documents hagiographiques. Rome: École française de Rome, 1988.

Cybele Crossetti de Almeida – Professora Adjunta UFRGS. E-mail: [email protected]

Daniele Gallindo Gonçalves Silva – Professora Adjunta UFPel. E-mail: [email protected]


ALMEIDA, Cybele Crossetti de; SILVA, Daniele Gallindo Gonçalves. Editorial. Brathair, São Luís, v.17, n.1, 2017. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

 

Celtas e Germanos – encontros e desencontros / Brathair / 2017

A construção da Europa foi o resultado de um complexo processo de entrechoques e intercâmbios, étnicos, culturais, religiosos e políticos, muitos deles conflituosos, outros de colaboração guerreira e intelectual, e de fusão étnica, outros de empréstimos e adoções. Esse conjunto, que começou a se fazer durante o Império Romano, e se estabilizou por volta do ano mil, quando grande parte dos escandinavos e eslavos aderiu ao cristianismo como religião, ao direito romano como base política e ao latim como língua franca. Nesse momento, formava-se a Cristandade, e criada a Europa, o “adolescente” da civilização ocidental. Dentre todos esses inúmeros embates de e pelo poder, além de permutas culturais, avultam as relações entre os povos germânicos e os celtas. De fato, quando os germanos começaram a se infiltrar no mundo greco-romano, já os celtas estavam em sua maioria romanizados (com exceção de alguns, como os irlandeses e escoceses, e os celtas balcânicos). Entre as muitas confluências e miscigenações podemos lembrar a dos suevos com os galegos, a dos francos com os gauleses, e a dos boios com os germanos, origem dos bávaros. Quando o Grupo de Estudos Celtas e Germânicos Brathair nasceu em 1999 a nossa intenção, ainda pouco explícita, mas em fase de definição, era aprofundar essas relações entre celtas e germanos. O presente número temático da revista obedece a esta intenção histórica de dezoito anos atrás, mas os colaboradores passaram além das pretensões dos editores. Três artigos tratam de questões medievais das Ilhas Britânicas: o de Isabela Albuquerque sobre a Era Viking, o de Maria Nazareth C.A. Lobato sobre as florestas reais, e o de João P. Charrone sobre a missão de Agostinho de Cantuária. Neles descreve-se e interpreta-se o encontro de três povos: anglo-saxões, bretões e escandinavos, e em todos eles descortinamos os procedimentos legais, religiosos e guerreiros pelos quais uns dominaram os outros. O artigo de Edmar C. de Freitas e Tomás A. Pessoa sobre a realeza merovíngia, e o de Ana Paula T. Magalhães sobre a ciência do século XIII permanecem no âmbito medieval, mas enquanto um discute a realeza germânica, o outro trata dos intelectuais franciscanos, dois tipos de poder, político e científico, que, para além de questões étnicas, demonstram a existência de uma cultura medieval de âmbito europeu. O artigo de Margarida G. Ventura sobre o Velho do Restelo, o de Andréia Cristina L. F. da Silva sobre o filme do Conclave, e o de Maria Izabel B.M. Oliveira sobre Bossuet prolongam a cultura medieval para além dos seus limites cronológicos. O filme O Conclave, refere-se a 1458, data da eleição do sucessor de Calixto III (Afonso Borgia), e coloca as questões do poder civil dentro da Igreja hierárquica; o episódio d´Os Lusíadas sobre o Velho do Restelo discute as várias interpretações sobre o sentido das viagens e comércio de Portugal com a Índia depois de 1498; e o de Oliveira mostra como Bossuet (1691) aborda a História Universal: uma Teologia da história, ao modo agostiniano, em que a Providência é o motor das ações coletivas, das monarquias e das nações. Nestes três últimos artigos já estamos plenamente numa Europa definida e construída, em que os povos formadores já se fundiram, e criaram novos problemas de conflitos de poder: a Europa projeta-se sobre o mundo, sua História confundindo-se com a História Universal, e a religião que aglutinou os povos formadores é motivo de discórdia, e necessita de discursos justificativos. Já não se distinguem mais celtas, germanos e eslavos… ou será que eles estão apenas recobertos por um véu ideológico, e vão reaparecer? Tais questões e possíveis respostas, suscitadas pelos artigos ora arrolados, ficam a cargo dos pesquisadores, a fim de que novas reflexões sobre celtas e germanos continuem a demonstrar a perenidade dos estudos acadêmicos da Brathair!

João Eduardo P. B. Lupi – Professor adjunto de Filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: [email protected]

Álvaro A. Bragança Júnior – Professor Associado III da Universidade Federal do Rio de Janeiro do Setor de Alemão e professor permanente do Programa de Pós-Graduação em História Comparada do Instituto de História, UFRJ. E-mail: [email protected]

Os Editores


LUPI, João Eduardo P. B.; BRAGANÇA JÚNIOR, Álvaro A. Editorial. Brathair, São Luís, v.17, n.2, 2017. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

 

Entre el humo y la niebla: guerra y cultura en América Latina – MARTÍNEZ-PINZÓN; URIARTE (A-RAA)

MARTÍNEZ-PINZÓN, Felipe; URIARTE, Javier (Editores). Entre el humo y la niebla: guerra y cultura en América Latina. Pittsburgh: Instituto Internacional de Literatura Iberoamericana, 2016. Resenha de: JARAMILLO, Camilo. Antípoda – Revista de Antropolgía y Arqueología, Bogotá, n.27, jan./abr. 2017.

“En el principio fue la guerra y todo en América Latina tiene la marca de esa experiencia bélica fundacional, el big-bang que habría hecho posible la independencia, naciones, realidades políticas, [y] soberanías” (p. 88). Esta certera oración, escrita por Álvaro Kaempfer en la colección de ensayos que este texto reseña, es la idea estructural del reciente libro editado por Felipe Martínez-Pinzón y Javier Uriarte, Entre el humo y la niebla: guerra y cultura en América Latina. Aunque informado por discusiones políticas e históricas, Entre el humo y la niebla busca reflexionar, sobre todo, y como su título lo dice, acerca del campo de las representaciones culturales y las maneras en las que estas han pensado y teorizado la guerra y, de paso, reforzado o desestabilizado lo que se entiende por ella. Al enfocarse en la literatura, la fotografía u otras formas de prácticas culturales, el libro llena un vacío en la producción académica latinoamericana, a la vez que extiende el diálogo con otras publicaciones de algunos de los autores también incluidos en la colección de ensayos, como los de Julieta Vitullo, Martín Kohan y Sebastián Díaz-Duhalde1. Uno de los hallazgos fundamentales del libro está en trascender la idea de la guerra como acto político e histórico y preguntar, como lo hacen los editores, “de qué hablamos cuando hablamos de guerra” (p. 24). Así, pensada a partir de sus representaciones culturales, la guerra se revela como una maquinaria cultural que moviliza las maneras en las que se entienden y construyen los espacios: la guerra, nos convence este libro, es un acto de espacialización. Estas representaciones permiten entender la guerra como una maquinaria y “epistemología estatal” (p. 11), y pensar las continuidades y similitudes entre los actos de hacer la guerra y constituir el Estado. Pero, sobre todo, y este es uno de los puntos neurálgicos del libro, se revela la guerra como laboratorio de representación y de ficción que lleva a los límites al lenguaje, a la forma y a sus significados: nos presenta la guerra como una “tecnología discursiva” (p. 5). Al hacer todo esto, Entre el humo y la niebla señala un corpus de representaciones culturales sobre la guerra y consolida un inicio para pensar el tema como eje de la cultura del continente.

El punto de partida es, más que la definición, la discusión de la indefinición del concepto de guerra y la delimitación de lo que se entiende por ella. Los editores parten de la idea de esta como “práctica militar y discursiva que da forma a la existencia/inexistencia del Estado-Nación moderno” (p. 12) y proponen “pensar la guerra como manera de entender las dinámicas de poder que constituyen el Estado, y que espacializan la geografía imaginada de las naciones y las regiones que componen América Latina” (p. 26). Este posicionamiento sobre lo que se entiende por guerra se amplía y complica a lo largo de los catorce ensayos mediante una reflexión sobre la cercanía de la guerra con la idea de la revolución (ver, por ejemplo, los ensayos de Juan Pablo Dabove y Wladimir Márquez-Jiménez incluidos en el libro), y se problematiza con reflexiones sobre esa nueva forma de hacer guerra como “condición permanente” (p. 10) entre Estados y sujetos en conflicto continuo, como es el ejemplo que expone el ensayo de João Camillo Penna sobre las favelas de Río de Janeiro. A través del recorrido de los ensayos presentes en la edición queda en evidencia la variedad de formas en las que la guerra se ha manifestado en Latinoamérica y, de ahí, su dificultad para teorizarla. A propósito de esto, Entre el humo y la niebla, aunque no la contesta, prepara el terreno para una pregunta por la transformación radical de la idea de guerra en los Estados neoliberales contemporáneos (y la transformación de la idea de Estado como tal) atravesados, en el caso particular de Colombia y México, por la guerra contra el narcotráfico.

Frente a la relación entre la guerra y el Estado, los editores se preguntan “si hacer estado es hacer la guerra” (p. 23) y señalan el acto bélico como una de las maneras más emblemáticas de visibilidad y praxis de este. Pensando en las maneras en las que se visibiliza y teoriza la guerra, cabe resaltar el ensayo de Álvaro Kaempfer, “El crimen de la guerra, de J. B. Alberdi: ‘Sólo en defensa de la vida se puede quitar la vida'”, que ofrece un análisis de cómo esta, constituida como excepción, termina, sin embargo, volviéndose la “matriz política, económica, social y cultural” del continente (p. 86). El ensayo, a través de un análisis del discurso político de Alberdi, identifica uno de los posibles precedentes para pensar la guerra desde y para Latinoamérica. Extendiendo la reflexión sobre el estado de excepción como categoría constitutiva del poder del Estado, aparece y reaparece a lo largo de los ensayos la teorización de la guerra alrededor de las teorías de biopolítica y excepcionalidad de Giorgio Agamben, resaltadas a partir de estudios sobre la animalidad y sobre criaturas umbrales que señalan los límites entre el ser social y el ser animal (ver, por ejemplo, los ensayos de Gabriel Giorgi y Fermín A. Rodríguez). Las reflexiones de Entre el humo y la niebla invitan a pensar la guerra como mecanismo para constituir, garantizar, manipular y abusar el pacto social entre el Estado y el ciudadano, y revelar así su contradictoria operación desde la normatividad y la prevalencia de sus, sólo en apariencia, momentos de excepción. La literatura se presenta entonces, ante esto, como índice de denuncia y reflexión sobre esta contradicción.

La guerra es también una cuestión de espacio: “Guerrear es […] reconocer, mirar, distinguir, ubicarse en el espacio, en ocasiones para apropiarlo, en otras para destruirlo, a veces para ‘liberarlo’, o para volverlo mapeable, legible” (p. 14). No en vano, la geografía es un conocimiento que resulta del ejercicio de “guerrear”, verbo que “crea el mismo espacio que quiere conquistar” (p. 15). En relación con esto, Martín Kohan analiza en su ensayo que la guerra -el texto sobre la guerra- se convierte, sobre todo, en una experiencia en y sobre el espacio; la guerra se transforma en un asunto inaudito de percepción, distancia, movilidad, visibilidad e invisibilidad, en donde la expresión de pronto encima articula la acción como experiencia y entendimiento del espacio y la (im)posibilidad de ver o no en él. En la lectura que hace Kohan de La guerra al malón (1907) y de Conquista a la Pampa (1935, póstumo) del comandante Manuel Prado, la guerra no es una experiencia bélica sino un factor que determina la representación de la Pampa y la negociación con esta. Por otra parte, en “La potencia bélica del clima: representaciones de la Amazonía en la Guerra con Perú (1932-1934)”, Felipe Martínez-Pinzón piensa la guerra como una práctica que se ejerce contra el espacio mismo. Así, la guerra aparece como mecanismo de integración de la selva al imaginario y a la economía de la nación, y como recuperación de un espacio-tiempo que amenaza con corroerlo todo. Guerrear es así, también, ordenar y rescatar. Del ensayo de Martínez-Pinzón hay que resaltar la inclusión y el análisis de una mirada poco frecuente en la literatura, aquella que se da desde el avión. También como maquinaria de guerra, el avión posibilita otra manera de relacionarse y dominar el espacio. Contrario al de pronto encima que analiza Kohen, el avión es una manera de hacer, de ver y de espaciar la guerra desde la distancia, una distancia que ayuda a obnubilar y desaparecer la ética que se pone en juego en la guerra. (Para más sobre la relación entre guerra y espacio, ver el ensayo de Kari Soriano Salkjelsvik incluido en el libro).

La guerra es también maquinaria de tiempo: aparece, por ejemplo, en la emergencia de las ruinas tras la guerra de Canudos, que analiza Javier Uriarte; en las fotografías que son índice de muerte, en el ensayo de Sebastián J. Díaz-Duhalde, o en el tiempo corroedor de la selva que se contrasta con el tiempo productivo de la nación, y hasta en el de pronto encima que trabaja Kohen. Pero si bien Entre el humo y la niebla deja claro que la guerra es cuestión de espacio, deja abiertas preguntas sobre la guerra como un mecanismo que impone, produce u oculta ciertas temporalidades. Cabría preguntarse, entonces, por cuál es la temporalidad de la guerra y por el tipo de temporalidades que impone. En el discurso de la nación, la guerra hace parte de la puntuación de la Historia, y, junto con sus formas de ejercitar poder y de crear espacios y geografías, impone una narrativa de tiempo en aquello que Benjamin llama “a homogeneous, empty time” (2014, 261). Visto así, la guerra produce y participa de una cierta idea (hegeliana) del tiempo como Historia, de la cual habría que generar una distancia crítica. Por otra parte, el trauma de la guerra se recuerda, no sólo en la conmemoración del museo, como lo analiza M. Consuelo Figueroa G. en su ensayo sobre la celebración de guerras en Chile, sino como memoria traumática que se personaliza, se revive, se recuenta, se negocia, y en su proceso se fragmenta en la temporalidad del yo.

Pero más allá de la reflexión sobre el Estado, el espacio o el tiempo, el epicentro del libro está en lo que, imitando las palabras de los editores, la guerra le hace al lenguaje. Uno de los más sólidos aportes del libro radica en la propuesta de la guerra como mecanismo de reflexión sobre la representación y como laboratorio de producción literaria. Como explican los editores, la guerra, “a la vez que produce lenguaje y es producida por el lenguaje, lo trastoca, lo cambia, transformando a quienes nombra o deja de nombrar” (p. 25). En otras palabras, la guerra nos acerca al límite del lenguaje y de la representación, a “su indecibilidad e inestabilidad” (p. 25). Es por eso que la guerra, como tal, casi no está. Está su antes, su después, su espera o su mientras tanto, pero no la guerra en su bulla y su acción. De ahí, entonces, que la guerra sea aquello que está entre el humo y la niebla, en esas zonas difusas que la guerra quiere aclarar, y entre esos humos que deja la batalla: “el Estado concibe la guerra como una disipación de zonas de niebla que distorsionan su mirada al permanecer impenetradas por ella” (p. 8). Pero a su vez, “el humo […] es también la huella, el trauma, el conjunto de los discursos que acompañan y suceden al conflicto” (p. 9).

A los límites del lenguaje y de lo indecible nos lleva el ensayo de Javier Uriarte sobre Os sertões (1902) de Euclides da Cunha, incluido en Entre el humo y la niebla. En su lectura sobre los acontecimientos de Canudos, en Brasil (1897), la guerra emerge como una lucha con el lenguaje y la imposibilidad de este de decir, de dar cuenta de. Dice el autor:

Creo que el logro más importante de Os sertões no radica en las férreas certezas del narrador, sino en el derrumbe de las mismas. Se trata de la textualización de una incomprensión: es el dejar de reconocerse o el reconocerse como otro, como incapaz de entender del todo, el desnudar la guerra como imposibilidad de la mirada. Al mismo tiempo que hace presente este límite y reconoce la insuficiencia de la mirada del narrador, Os sertões presenta la lucha de este último con su propia capacidad de decir. Es en gran medida un libro sobre el propio lenguaje llevado a sus límites máximos, en lucha consigo mismo. (p. 139)

En la narrativa cultural de Brasil, la guerra de Canudos marca un antes y un después. El texto de da Cunha desestabiliza y redefine la manera en la que la nación se piensa en el siglo XX. Es, se puede decir, el temprano antecedente sine qua non del modernismo brasilero y la redefinición de su identidad poscolonial moderna. Al identificar la guerra como un momento en el que el lenguaje entra en crisis, Uriarte apunta, aunque no lo diga, a la guerra como el momento en el que se forja la reinvención del lenguaje del Brasil moderno. Esto, más que organizar la historiografía literaria de Brasil, alerta sobre el poder de la guerra de desmantelar y reinventar un lenguaje para el Estado, la nación y su identidad. En otras palabras, la guerra es laboratorio de la nación y de su lenguaje. Esto también lo extiende el ensayo de Roberto Vechi incluido en el libro.

A los límites del lenguaje y de la voz también nos lleva el ensayo de Gabriel Giorgi, “La rebelión de los animales: cultura y biopolítica”. En su lectura de la voz animal -la voz y su sentido distinguen y conceden el reconocimiento político del cuerpo-, Giorgi nos lleva a un análisis del lenguaje en la guerra por partida doble. Por un lado, su enfoque vuelve al animal y a su voz para complicar las fronteras de la inscripción política y de la soberanía, y por otro, reflexiona sobre la cualidad del lenguaje en la guerra y los límites de su decibilidad. En otras palabras, nos lleva a pensar en el aullido de guerra y su in/constancia como lenguaje de la batalla y en la batalla. Dice Giorgi que:

[…] en los textos de las rebeliones animales, ese espacio de incertidumbre en torno a lo oral es una zona poblada de ruidos, aullidos, gruñidos, que marca el límite no ya entre el lenguaje y no lenguaje, sino el umbral de la virtualidad del sentido; del sentido como inmanencia, como pura potencialidad. La pregunta ahí no es ¿quién habla? o ¿quién tiene derecho a hablar? sino, más bien, ¿qué es hablar? o ¿qué constituye un enunciado? (p. 210)

La guerra, pues, se presenta como momento de rearticulación de la voz, el lenguaje, y rearticulación de las políticas que determinan su legibilidad y sentido.

Me interesa resaltar el ensayo de Sebastián J. Díaz-Duhalde, “‘Cámara bélica’: escritura e imágenes fotográficas en las crónicas del Coronel Palleja sobre el Paraguay”. Este ensayo introduce la cultura visual como parte fundamental del corpus de representaciones culturales sobre la guerra. Como rastro de la muerte, la fotografía visibiliza la guerra sólo cuando esta ya no está; aparece, como dice el autor del ensayo, “como un resto” (p. 64). Es decir, aunque la hace visible, al registrar eso que ya no está presente, la ubica de nuevo en el humo y en una ambigua categoría temporal. Por otra parte, el ensayo de Díaz-Duhalde extiende la reflexión sobre los límites de la representación al proponer que en los escritos del coronel Pallejas, la fotografía entra a renovar y transformar el discurso narrativo, generando un “nuevo sistema representacional” (p. 74) en el que el lenguaje “echa mano de procedimientos fotográficos para ‘hacer visible’ la guerra” (p. 69); de nuevo, la guerra como laboratorio de una literatura que busca salirse de sus convenciones. En relación con la cultura visual y el campo de los estudios interdisciplinares, habría que notar la ausencia en el libro de estudios sobre la guerra en el cine. Películas como La hamaca paraguaya de Paz Encina (2008), sobre la guerra del Chaco; La sirga de William Vega (2013), sobre el conflicto armado colombiano, o incluso Tropa de élite de José Padilha (2007), sobre las favelas de Río de Janeiro, son algunos ejemplos de producciones fílmicas que en los últimos diez años han pensado la guerra, la violencia y la nación en formas similares a las que los ensayos de Entre el humo y la niebla elaboran críticas del tema. Queda la pregunta abierta: ¿cómo ha aparecido la guerra en el cine latinoamericano?

Los aciertos de Entre el humo y la niebla son muchos. El libro está informado por, y a la vez extiende, debates contemporáneos relacionados con la soberanía del Estado y sus límites, la biopolítica, los estudios animales y, en general, sus reflexiones sobre el rol de la literatura y los estudios literarios para darles continuación o interrupción a los aconteceres políticos del continente. La capacidad de la literatura como herramienta que obliga a generar una distancia crítica frente a la guerra, y de paso, también, frente a los discursos nacionalistas se ve con claridad en el ensayo de Julieta Vitullo sobre la guerra de las Malvinas (de 1982) incluido en Entre el humo y la niebla: “La guerra contenida: Malvinas en la literatura argentina más reciente”. Vitullo afirma, por ejemplo, que “la ficción se impuso como interrupción de los discursos sociales y mediáticos sobre la guerra, constituyéndose como saber específico, con estatuto y reglas propias” (p. 272). El libro, editado por Felipe Martínez-Pinzón y Javier Uriarte, identifica un corpus de producciones corporales y consolida un campo de estudio amplio, sólido y relevante. El libro expone y desarrolla aquello que indica Vitullo: las representaciones culturales se constituyen como un saber específico que nos obliga a generar una distancia crítica respecto al fenómeno de la guerra y sus consecuencias. El libro es, pues, un punto de partida clave para el campo de estudios que inaugura.

Notas

1Me refiero a los libros Islas imaginadas: la guerra de las Malvinas en la literatura y el cine argentinos (2012) de Julieta Vitullo, El país de la guerra (2015) de Martín Kohan y La última guerra: cultura visual de la guerra contra el Paraguay (2015) de Sebastián Díaz-Duhalde

Referencias

Benjamin, Walter. 2014. “Theses on the Philosophy of History”. En Illuminations: Essays and Reflections, 253-267. Nueva York: Schocken Books. [ Links ]

Díaz Duhalde-Sebastián. 2015. La Última Guerra. Cultura Visual de la Guerra contra Paraguay. Buenos Aires y Barcelona: Sans Soleil Ediciones. [ Links ]

Kohan,-Martín. 2014. El país de la guerra. Buenos Aires: Eterna Cadencia. [ Links ]

Martínez Pinzón -Felipe y Javier Uriarte, eds. 2016. Entre el humo y la niebla: guerra y cultura en América Latina. Pittsburgh: Instituto Internacional de Literatura Iberoamericana. [ Links ]

Vitullo-Julieta. 2012. Islas imaginadasLa Guerra de Malvinas en la literatura y el cine argentinos. Buenos Aires: Corregidor [ Links ]

Camilo Jaramillo – Profesor de Spanish and Latin American Literature, Universidad de Wyoming. Entre sus últimas publicaciones están: “Green Hells: Monstrous Vegetations in 20th-Century Representations of Amazonia”. En Plant Horror: Approaches to the Monstrous Vegetal in Fiction and Film, editado por Angela Tenga y Dawn Keetley, 91-109. Palgrave Macmillan, 2017. [email protected]

Acessar publicação original

[IF]

Earth Beings. Ecologies of Practice Across Andean Worlds – De La CADENA (A-RAA)

De La CADENA Marisol Los gobiernos progresistas latinoamericanos
Marisol de la Cadena. www.rigabiennial.com.

De La CADENA M Earth Beings. Ecologies of Practice Across Andean Worlds Los gobiernos progresistas latinoamericanosDe La CADENA, Marisol. Earth Beings. Ecologies of Practice Across Andean Worlds. Durham: Duke University Press, 2015. Resenha de: MORENO, Javiera Araya. Antípoda – Revista de Antropolgía y Arqueología, Bogotá, n.26, set./dez., 2016.

A veces la lectura de un trabajo etnográfico da la impresión de que este se refiere a diversas y múltiples tradiciones teóricas, al asociarlas de manera más o menos deliberada con partes específicas del trabajo de campo. El relato etnográfico parece entonces responder a la literatura de las ciencias sociales, sin que la reflexión pueda en efecto ilustrar, desafiar, refutar o sustentar algunas de las corrientes teóricas a las que apela de forma fragmentada. Pareciera que el autor no compromete por entero su investigación con determinadas corrientes teóricas e impide así que la dimensión empírica del terreno pueda cuestionar o tensionar plenamente los supuestos teóricos que de manera parcial lo estructuran.

El trabajo de Marisol de la Cadena sobre el que trata esta reseña es un ejemplo de todo lo contrario. A través de su lectura no solo aprendemos sobre las constantes luchas de una comunidad indígena en Perú -contra la hacienda como institución productiva que esclavizaba a sus miembros, contra las corporaciones y sus planes de extracción mineral en sus territorios, contra la policía peruana y su arbitraria aplicación de la ley y, en resumen, contra la pobreza en la que se encuentran- sino que también vemos cómo la autora moviliza su trabajo de campo para interpelar dos grandes corrientes teóricas que marcan la antropología contemporánea. Por un lado, aquélla que denuncia la especificidad colonial de la producción de conocimiento sobre un “otro” y, por otro lado, aquélla que postula la existencia de una diferencia ontológica -y no solo epistemológica- con el “otro” que se quiere conocer.

Respecto a la primera discusión teórica, la autora nos invita a comprender la lucha de la comunidad en su irreductibilidad a las claves de lectura occidentales y eurocéntricas. Respecto a la segunda, De la Cadena constata que ahí donde algunos ven una disputa legal por derechos respecto a la propiedad de un terreno o una movilización campesina por una distribución más justa de las riquezas generadas por la explotación agrícola, otros -precisamente sus protagonistas en la comunidad- ven algo distinto, o más bien algo más. Habitan un territorio que no es solo tierra, sino también un conjunto de relaciones entre seres cuya condición de “humanos” solo puede ser atribuida a una parte de ellos. Efectivamente, en la comunidad indígena de Pacchanta, y retomando los términos en quechua, runakuna (humanos) y tirakuna (no humanos o seres de la tierra) establecen relaciones entre sí y entre ambos. Para los miembros de esta comunidad, lo que pasa allí necesariamente incluye a estos seres no humanos. El lugar emerge necesariamente de estos vínculos que exceden la manera en la que usualmente se piensa en una montaña (por ejemplo) como cosa, sea esta como tierra que puede ser explotada o como espacio natural que debe ser conservado.

¿Cómo producir conocimiento sobre un otro que es tan “otro” que no adhirió a la distinción ontológica -y moderna (Latour 1993)- entre sociedad y naturaleza? ¿Cómo hacerlo de tal manera que este conocimiento producido sea susceptible de reconocer historicidad, es decir trascendencia, relevancia y sentido, a experiencias que parecen solo adquirir pertinencia cuando se insertan en modelos de interpretación que son familiares para el observador occidental, como el de la liberación campesina, del chamanismo andino o del multiculturalismo? ¿Cómo integrar los seres no-humanos, sus intereses y capacidad de acción en conflictos medioambientales y en general en la toma de decisiones políticas que afectan a la comunidad a la que pertenecen? Marisol de la Cadena reflexiona respecto a estas preguntas y ofrece una escritura precisa, honesta y que refleja un esfuerzo logrado por explicar cuestiones complejas con palabras simples. Las descripciones son a la vez suficientes y densas y las repeticiones, que a veces llaman la atención por su abundancia, contribuyen a la comprensión del texto.

El libro está compuesto, además de un prefacio y de un epílogo, por siete narraciones (stories) y dos interludios que presentan las vidas de Mariano Turpo y de Nazario Turpo respectivamente, amigos e informantes de De la Cadena. En la primera narración la autora despliega el arsenal teórico con que escribirá su etnografía y un concepto predominante en todo el libro será el de “conexiones parciales” (Strathern 2004 [1991]), según el cual el mundo no está dividido en “partes” agrupadas a su vez en el “todo”, sino que -como en un caleidoscopio- el “todo” incluye a las “partes”, las que a su vez incluyen el “todo”. Esta imagen permitirá a la autora justificar la idea de que similitud y diferencia pueden existir simultáneamente -en Pacchanta, en Cusco y también en Washington D.C., donde uno de los informantes participa en una exposición-, de que los mundos no tienen que excluirse para poder existir de manera diferenciada.

Por ejemplo, el primer interludio nos cuenta cómo Mariano Turpo, en virtud de sus capacidades para negociar tanto con el hacendado como con los seres de la tierra, fue elegido para encabezar la lucha de la comunidad por liberarse de la hacienda Lauramarca1. Se trataba más bien de “caminar la queja” o “hacer que la queja funcione” (queja purichiy), lo que incluía una serie de interacciones con la burocracia urbana peruana -en Cusco y en Lima- para que esta reconociera de forma legal los abusos del hacendado y eventualmente los derechos de la comunidad sobre la tierra. En uno de sus viajes a Cusco, Mariano Turpo pasa a la catedral a explicar a Jesucristo cómo llevará a cabo su misión, encomendada por su comunidad y que incluye entonces la voluntad de Ausangate, la gran montaña a cuyas faldas se encuentra Pacchanta. Esa mezcla, que en realidad no es mezcla ni sincretismo puesto que no anula cada una de las partes, entre elementos de la religión Católica y el rol de la voluntad de un ser de la tierra -atribuido por la comunidad indígena-, daría cuenta de una de las muchas “conexiones parciales” que identifica Marisol de la Cadena.

Con esta conceptualización presente a lo largo de todo el libro, la autora continúa su análisis describiendo en detalle, en la segunda y la tercera narración, cómo los runakuna “caminaron su queja” y llegaron en la década de los ochentas a distribuir las tierras entre ellos y a ejercer plena propiedad sobre ellas. Basada en autores como Trouillot (1995), Guha (2002) y Chakrabarty (2000), De la Cadena construye un marco de análisis que da pie para pensar un “líder indígena” que, al mismo tiempo que efectivamente lidera la movilización, no es tal. De hecho, para los runakuna Mariano Turpo no era un representante de la comunidad, sino que hablaba desde ella y no solo con humanos. El conjunto de documentos que Mariano Turpo había reunido respecto a la queja y que al momento de ser contactado por De la Cadena le sirve para hacer fuego, adquiere el estatus de archivo o más bien de “objeto límite” -una especie de materialización de una conexión parcial- entre el mundo de la burocracia estatal centrada en lo escrito y el mundo indígena principalmente unilingue quechua, en el cual pocas personas saben leer y escribir a pesar de los esfuerzos de la comunidad por tener escuelas frente a la oposición de la hacienda. ¿Cómo conferir evenemencialidad, algo así como capacidad para ser algo más que parte del paisaje y alterar el desarrollo de los hechos en la lucha por el territorio, tanto a los runakuna como a seres de la tierra? De la Cadena responde a esta pregunta en la cuarta narración.

El segundo interludio avanza según la cronología de la situación en Pacchanta en las últimas décadas. Nazario Turpo, hijo de Mariano Turpo y también capaz de comunicar con seres no-humanos, es el protagonista principal de la segunda parte del libro. En ella, aprendemos que la situación de abandono en que se encuentra la comunidad de los Turpo no ha cambiado a pesar del relativo éxito de la lucha por la tierra, de la reforma agraria o del multiculturalismo promulgado por el presidente Toledo (2001-2006). Y cuando De la Cadena habla de abandono lo hace citando a Povinelli (2011), es decir apuntando a un proyecto sistemático por parte del Estado peruano según el cual la vida de los runakuna se conjuga siempre en pasado o en futuro anterior, pero nunca en presente, de tal manera que sus muertes no gozan de evenemencialidad. La muerte de Nazario Turpo en un accidente de carretera en el bus que lo transportaba a Cusco, donde ejercía como chamán para una agencia turística, es quizás -insinúa la autora- el resultado de las malas condiciones de las carreteras de la zona, las que no se limitan solo a los caminos, sino que también se extienden a escuelas y hospitales y contribuyen a la situación de pobreza y de carencias en un altiplano afectado por sequías e inviernos helados.

La quinta narración nos explica cómo Nazario Turpo llegó a obtener el trabajo de chamán en una agencia turística y cómo este puesto es el resultado de la mercantilización de las prácticas indígenas en el Perú; mercantilización más bien de las prácticas y sus significados que se imputan a los runakuna y que no necesariamente tienen. De hecho, De la Cadena comenta que el rol de “chamán” no existe para los runakuna -quienes identifican en cambio a un paqu, algo parecido, pero diferente- y para quienes prácticas como los despachos ofrecidos a seres de la tierra, traducidos por lo general como “ofrendas”, no hacen ni pueden hacer referencia a una espiritualidad por cuanto los seres de la tierra no tienen ni son espíritus, solo son.

La venta del “chamanismo andino” como producto turístico benefició a nivel económico a Nazario Turpo y a su familia y le valió una invitación a Washington D.C. para participar en una exposición organizada por el National Museum of the American Indian, en tanto parte del equipo de curadores de la exhibición y en tanto él mismo como indígena parte de la muestra. La sexta narración se centra en esta colaboración entre Nazario Turpo y el museo y describe múltiples “equivocaciones” en el sentido desarrollado por Viveiros de Castro (2004), es decir como intentos aceptadamente errados de traducción de la realidad de otro, ontológicamente diferente de la propia. Una de estas refiere, por ejemplo, a la imposibilidad por parte de los organizadores de la exposición de comprender el rol que juegan los seres de la tierra en Pacchanta.

En esta sexta y última narración, De la Cadena discute cómo se distribuye algo así como el “poder” en la comunidad y en sus relaciones con el Estado peruano, aunque ni la autora ni sus informantes utilizan esa palabra. Descubrimos que una misma palabra en quechua –munayniyuq, traducida por la antropóloga como “dueño de la voluntad”- aplica tanto para la hacienda, el Estado peruano y Ausangate, la montaña. Así, el capítulo final del libro incluye descripciones de las rondas campesinas organizadas por la comunidad y de la manera en que algunos de sus miembros obtuvieron cargos políticos representativos en el gobierno local, además nos introduce en la propuesta con que Marisol de la Cadena cerrará el libro en su epílogo: la “cosmopolítica” como una manera de enfrentarse epistemológicamente a otro, sobre todo como un enfoque normativo que permitiría concebir políticamente las diferencias entre mundos ontológicamente distintos.

Al basarse en autores como Blaser (2009) y Haraway (2008) y constatando que las movilizaciones por la protección del medio ambiente frente a la explotación corporativa de recursos naturales reivindican la distinción entre naturaleza y sociedad, invisibilizando así a los seres no-humanos como ríos, montañas y lagos en su capacidad de acción y relaciones que establecen con la comunidad, De la Cadena -leyendo a Stengers (2005)- afirma que Mariano y Nazario Turpo, así como su comunidad en Pacchanta, pusieron en práctica una manera de relacionarse con otros en la cual la igualdad ontológica no era un requisito y en que la “parcialidad de las conexiones” era posible. En palabras de la autora (mi traducción): “sostengo que, al discrepar ontológicamente con la partición establecida de lo sensible, los runakuna proponen una cosmopolítica: las relaciones entre mundos divergentes como una práctica política decolonial que no tiene otra garantía que la ausencia de igualdad (sameness) ontológica” (p. 281). Que la cosmopolítica practicada por los runakuna sea tal es brillantemente demostrado por De la Cadena a lo largo de su obra, sin embargo aquí se introduce una crítica a su trabajo y es que el carácter decolonial en él no se revela tan nítidamente.

Una de las principales fortalezas de esta etnografía es precisamente su capacidad para convertirse en un estudio empírico que a la vez moviliza y desafía las literaturas ligadas tanto al ámbito de la ontología política como a los estudios postcoloniales. Sin embargo, mientras que De la Cadena nos presenta una respuesta completa, teórica y aplicada a la pregunta por cómo aprehender las diferencias ontológicas, la noción de “poder” -en sus versiones más o menos elaboradas, siempre inherente a cualquier reflexión desde la decolonialidad- no alcanza a constituir una respuesta satisfactoria a la pregunta por cómo estudiar a quienes están “en la sala de espera de la historia” (Chakrabarty 2000). Al fin y al cabo, y según los relatos reportados por De la Cadena, esta “sala de espera” no es solo un lugar donde lo que los runakuna hacen y creen no es conocido ni re-conocido, sino que también es un lugar donde la comunidad se está muriendo de hambre y de frío, donde no tiene acceso adecuado a escuelas o a hospitales y donde es continuamente abusada por otros.

La “cosmopolítica” que puedan poner en práctica tanto los runakuna como la antropóloga no es suficiente -aunque quizás en ningún caso prescindible- para otorgar dignidad epistemológica e histórica a la comunidad de Mariano y Nazario Turpo. ¿Cómo dar cuenta de la discrepancia ontológica con el proyecto moderno que encarnan los seres de la tierra en Pacchanta y, al mismo tiempo, de la igualdad política a la que sin embargo los mismos runakuna parecen aspirar? ¿Cómo dar cuenta, simultáneamente, de la diferencia ontológica entre mundos y de la participación en un mismo mundo desigual? El libro de Marisol de la Cadena ofrece ciertamente un trabajo de terreno fascinante, una escritura impecable y una reflexión rigurosa para pensar estas preguntas que inquietan a la antropología contemporánea.

Comentario

1 La situación en Pacchanta, cuyos orígenes se remontan a la colonización española, es el resultado de la tensión entre la entrega de títulos hacendales sobre territorios indígenas a colonos, lo que obligaba a las comunidades que vivían y trabajaban las tierras de la hacienda a pagar tributos a sus dueños, y las sometía a múltiples abusos. La hacienda Lauramarca, que controlaba la zona y que ha tenido distintos dueños a lo largo del siglo pasado, estuvo vigente hasta 1970, cuando luego de muchos conflictos que incluyeron diferentes matanzas de indígenas, ésta se convirtió en una cooperativa agraria. En los años 1980, la comunidad indígena expulsa a los administradores estatales de la cooperativa, deshaciéndola y redistribuyendo la tierra entre las familias indígenas.

Referencias

Blaser, Mario. 2009. “Political Ontology.” Cultural Studies23 (5): 873-896.         [ Links]

Chakrabarty, Dipesh. 2000. Provincializing Europe: Postcolonial Thought and Historical Difference.Princeton: Princeton University Press.         [ Links]

Guha, Ranajit. 2002. History at the Limit of World History. Nueva York: Columbia University Press.         [ Links]

Haraway, Donna. 2008. When Species Meet. Minneapolis: University of Minnesota Press.         [ Links]

Latour, Bruno. 1993. We Have Never Been Modern. Cambridge: Harvard University Press.         [ Links]

Povinelli, Elizabeth. 2011. Economies of Abandonment. Social Belonging and Endurance in Late Liberalism. Durham: Duke University Press.         [ Links]

Stengers, Isabelle. 2005. “A Cosmopolitical Proposal.” En Making Things Public: Atmospheres of Democracy, editado por Bruno Latour y Peter Weibel, 994-1003. Cambridge: MIT Press.         [ Links]

Strathern, Marilyn. 2004 [1991]. Partial Connections. Nueva York: Altamira.         [ Links]

Trouillot, Michel-Rolph. 1995. Silencing the Past: Power and the Production of History.Boston: Beacon.         [ Links]

Viveiros de Castro, Eduardo. 2004. “Perspectival Anthropology and the Method of Controlled Equivocation.” Tipití2 (1): 3-22.         [ Links]

Javiera Araya Moreno – Magister y estudiante de doctorado en Sociología, Universidad de Montreal. Entre sus últimas publicaciones están: coautora en “Pluralism and Radicalization: Mind the Gap!”. En Religious Radicalization and Securitization in Canada and Beyond, editado por Paul Bramadat y Lorne Dawson, 92-120, 2014. Toronto: University of Toronto Press. Coautora en “Desigualdad y Educación: la pertinencia de políticas educacionales que promuevan un sistema público”. Docencia. Revista del Colegio de Profesores de Chile 44 (XVI): 24-33, 2011. E-mail: [email protected]Marisol de la Cadena. 2015. Earth Beings. Ecologies of Practice Across Andean Worlds. Durham: Duke University Press

Acessar publicação original

[IF]

 

Unearthing Conflict: Corporate Mining, Activism and Expertise in Peru – LI (A-RAA)

LI, Fabiana. Unearthing Conflict: Corporate Mining, Activism and Expertise in Peru. Durham y Londres: Duke University Press, 2015. Resenha de: CARMONA, Susana. Antípoda – Revista de Antropolgía y Arqueología, Bogotá, n.26, set./dez., 2016.

En Unearthing Conflict: Corporate Mining, Activism and Expertise in Peru (Desenterrando el conflicto: minería corporativa, activismo y experticia en Perú1), Fabiana Li explora la proliferación de conflictos en torno a la minería en el Perú desde una perspectiva que pone énfasis en la agencia de elementos no humanos en las controversias. El texto parte de una contextualización histórica para desarrollarse a través de una rica etnografía de agradable lectura, en la cual se analizan con detalle los conflictos mineros en los cuales los más diversos actores entran en escena.

Al igual que otros países en América Latina, las reformas neoliberales de los noventas en el Perú significaron un énfasis en las actividades extractivas y su vinculación con la idea de “desarrollo” y “progreso”. Al mismo tiempo, la oposición social a la minería se incrementó a pesar de los esfuerzos de gobiernos y corporaciones por manejar los conflictos con planes de manejo, estudios técnicos y un despliegue de conocimiento experto que se analiza en el texto. El libro está escrito a partir de dos casos específicos: primero, el de la ciudad de La Oroya en donde se encuentra desde hace más de noventa años un complejo metalúrgico, caso que se desarrolla en el primer capítulo; segundo, la minera Yanacocha en la región de Cajamarca, caso que ocupa el resto del libro.

Unearthing conflict es el resultado de dos años de trabajo etnográfico de la autora en Perú, principalmente en la ciudad de Cajamarca. Como es usual con este tipo de estudios etnográficos, los lugares de observación son muy variados e incluyen no solo la tradicional permanencia con las comunidades, sino también la asistencia a reuniones entre comunidades, empresas y Estado, la visita de inspección a un canal de riego, los espacios de revisión y difusión de un Estudio de Impacto Ambiental (EIA), entre otros. La autora habla de un vínculo especial con la organización social Grufides, que tuvo un papel importante en los conflictos con la minera Yanacocha. El seguimiento a esta organización le permite a la autora dar cuenta de la criminalización de la protesta por parte del Estado, de la separación entre lo “técnico” y lo “político” y, finalmente, de las críticas -externas, pero también desde adentro- a la transformación de una organización social en un partido político.

El objetivo del libro es analizar los elementos que las tecnologías de minería “moderna” (representadas en la minera Yanacocha) han traído al escenario político peruano y que se diferencian de la “vieja” minería (representada en el libro con el caso de La Oroya). La autora se pregunta por la forma en que elementos no-humanos, como la contaminación (pollution) y el agua, se han convertido en los principales puntos contenciosos en los conflictos entre comunidades locales y corporaciones mineras.

Li retoma el concepto de controversias de Latour (2004), que se define como el momento en que las cosas dejan de ser “hechos” (matters of fact) para convertirse en “asuntos de preocupación” (matters of concern). Esto ocurre con la contaminación, con el agua y con otra serie de entidades que son desenterradas por la minería. Según la autora, estos elementos no-humanos se entienden mejor como elementos que no se agotan en un único punto de vista, sino que son construidos desde múltiples perspectivas. Esta construcción es el efecto de relaciones entre actores y su existencia se debe a prácticas específicas que los producen, como por ejemplo estudios técnicos, foros de debate, alianzas y mesas de concertación, movilizaciones sociales, entre otros.

La autora devela en su etnografía lo ambiguas y contradictorias que resultan ser las relaciones entre las empresas y las comunidades, llenas de alianzas, colaboraciones inesperadas y rupturas. Esto la lleva a ampliar la noción de conflicto y a reformularla como relaciones cambiantes entre lugares, personas y cosas, así busca trascender la noción que los conflictos en torno a la minería son un resultado de la falla del Estado o de la actuación corporativa. En palabras de la autora: “no trato a las redes de activistas y a las redes corporativas como antagonistas ideológicas, sino que enfatizo en las alianzas cambiantes entre varios actores y las maneras en que trabajan al mismo tiempo con y en contra de intereses corporativos” (2015, 6). Para su análisis la autora retoma los Estudios de Ciencia y Tecnología (ECT), la ecología política y los estudios críticos del paisaje; de este último, se incluye una perspectiva del paisaje no solo en sus cualidades materiales sino también como agente. Retoma igualmente la idea de los conflictos por extracción de recursos naturales como conflictos ontológicos sobre la producción de mundos y, de esta forma, logra “examinar el cómo cosas como la polución toman forma y se vuelven tangibles, cuándo estas importan y para quién son políticamente significativas” (Li 2015, 21).

El libro es un interesante ejercicio etnográfico en que se contemplan elementos poco comunes a la hora de pensar conflictos mineros en América Latina. Lo más interesante es la atención que pone la autora a las prácticas corporativas que se enmarcan dentro de la “Responsabilidad Social Corporativa” y que incluyen la participación comunitaria, los estudios de impacto ambiental, la rendición de cuentas, la adhesión a estándares internacionales, entre otras. Estas prácticas surgen como respuesta a los movimientos de oposición a la minería y a un interés global en asuntos ambientales y de derechos humanos, sobre los cuáles la antropología apenas recientemente ha posado su interés. Li describe estas prácticas como parte de una “lógica de equivalencia” que busca, mediante procesos de conmensuración y con un despliegue de conocimiento experto técnico-científico, saldar deudas sociales y ambientales. Las equivalencias tienen el efecto de desparecer el aspecto político de los conflictos y poner en términos técnicos las soluciones. Sin embargo, se trata de acuerdos temporales y negociaciones constantes en que las comunidades no se sienten compensadas, pues son intentos de conmensurar lo inconmensurable. Las prácticas corporativas, el activismo y la lógica de equivalencia son rastreados etnográficamente a lo largo de cinco capítulos y un apartado final de conclusión.

La primera sección del libro se titula “Minería, pasado y presente” y en su primer capítulo “Legados tóxicos, activismo naciente” se concentra en el caso de la ciudad de La Oroya, que le permite a la autora presentar la historia minera del país y la agencia de elementos no-humanos, en este caso “los humos”, en el surgimiento de conflictos. Cuando en 2006 una organización norteamericana nombró a La Oroya como uno de los diez lugares más contaminados del mundo, la contaminación en esta ciudad se convirtió en un “asunto de preocupación” global. Para este momento la compañía incrementó sus programas con el fin de contrarrestar las emisiones toxicas, se llevaron a cabo estudios por parte de ONG activistas y de la misma compañía, se implementaron mesas de concertación y se involucró a la comunidad en el manejo de los problemas ambientales.

Muy interesante en este capítulo es la descripción de la forma en que la compañía transforma su obligación de rendir cuentas por sus acciones (corporate accountability) en “responsabilidades compartidas”. Esto último se logra al concentrar esfuerzos en el monitoreo de la salud de los habitantes, el control del riesgo en los puestos de trabajo, el monitoreo comunitario y la promoción de “hábitos saludables”. Estas acciones hacen parte de nueva dinámica en la cual las empresas buscan posicionarse como representantes de la minería moderna y sostenible. La trasformación de elementos no-humanos en asuntos de preocupación y por lo tanto en objetos de conocimientos, se repite a lo largo de los distintos conflictos analizados en el texto: una montaña, canales de irrigación o lagunas. La diversidad de visiones frente a estos elementos es lo que analiza la autora en el resto del libro, al poner énfasis en las prácticas corporativas de generación de equivalencia y en las prácticas de activistas que apelan a argumentos no técnicos.

En este punto la autora pasa al caso de la minera de oro Yanacocha, en cuyo contexto se enfoca en el resto del libro. El capítulo dos “mega-minería y conflictos emergente” narra la historia de la minería en el Perú y su giro hacia la mega-minería. A pesar de las promesas de progreso y de pertenecer al nuevo paradigma de “Responsabilidad Social Corporativa” que generaron enormes expectativas en las comunidades, los efectos de Yanacocha sobre el agua han disparado una enorme oposición a la empresa y a la minería.

A través del análisis de un estudio de la calidad del agua elaborado por una mesa de concertación entre la industria minera, el Estado y las comunidades la autora muestra cómo se producen colaboraciones entre actores y cómo los resultados son usados e interpretados de formas diversas. En este contexto se comienza a hacer evidente que la “percepción” de las personas no se considera un argumento legítimo y que solamente en el marco de un discurso técnico, desde el Estado y la empresa, se habla de compensación y de las preocupaciones sociales, políticas y éticas por el agua.

Tras haber introducido el agua como elemento central de la disputa, la autora pasa en la segunda parte del libro “Agua y Vida” a analizar la forma en que el agua se convierte en un elemento central de la política, generando protestas y movilización internacional en contra de la minería. En el capítulo tres, “La hidrología de una montaña sagrada”, la autora muestra la controversia por el proyecto de explotación a cielo abierto en el Cerro Quilish. Tras mostrar que el cerro es un objeto múltiple que carga al mismo tiempo identidades como depósito de oro, acuífero y montaña sagrada, la autora concluye que en este tipo de conflictos la multiplicidad con que se miran elementos de la naturaleza permiten dar al cerro relevancia política de forma que se “excede la política tal como la conocemos” (De la Cadena 2010). Sin embargo, los argumentos técnicos relacionados con la importancia del cerro como depósito de agua predominaron en la disputa. Esto lleva a la autora a profundizar, en el siguiente capítulo, sobre la lógica con que opera la compañía minera.

En el capítulo cuatro, “Irrigación y equivalencias impugnadas”, la autora analiza de forma detallada la “lógica de equivalencia”. A partir de la historia de unos canales de irrigación afectados por la minería de oro, se narra cómo la empresa llegó a acuerdos de compensación con los campesinos que consistían en dinero en efectivo, contratos de trabajo y asistencia para el desarrollo. La autora muestra el choque de formas de conocimiento y la imposición de los criterios técnico-científicos en las negociaciones. Expone también cómo la equivalencia discrepa con los arreglos políticos preexistentes y por tanto genera conflictos internos a las comunidades. Además, presenta cómo aparecen nuevas dinámicas que hacen proliferar los conflictos, por ejemplo el incremento inusitado del número de usuarios del canal que buscan compensaciones.

No obstante, hace falta un mayor énfasis etnográfico en el cara a cara de la negociación entre los campesinos y los funcionarios de la empresa, así como incorporar el análisis de uno de los elementos más intrigantes de los modelos de desarrollo que llegan con la Responsabilidad Social Corporativa y que la autora no menciona en el texto: el deseo de las personas de hacer parte de sus proyectos. Sin desconocer que efectivamente la lógica de equivalencia opera en la negociación y que los criterios técnicos predominan frente a otras formas de conocimiento, no se explicita el por qué y el cómo los campesinos llegan a este tipo de acuerdos, los aceptan y desean su continuidad.

La forma en que está escrito el texto y los elementos sobre los que se hace énfasis, dejan la sensación de que se trata de una imposición de la corporación malévola y desestiman la agencia de los campesinos en esta negociación. Sin embargo, la etnografía es rica en mostrar el cambio de las relaciones de la gente con el canal de riego y las desigualdades que genera la presencia de la mina en la comunidad.

Finalmente, en la última parte del libro “activismo y experticia”, la autora se concentra en el análisis de un dispositivo corporativo que ha entrado a dominar la escena política en torno a la minería: el EIA. Según Li, los EIA forman parte de una estructura regulatoria que facilita la extracción de recursos y son una de las banderas de la rendición de cuentas corporativas. La autora se concentra en los efectos del EIA y concluye que los impactos identificados son solo aquellos que pueden ser manejados técnicamente, que los procesos de participación y divulgación circunscriben los espacios de oposición al documento y que los procedimientos y formatos asociados al documento son más importantes que su mismo contenido. Esto último lleva a las personas a buscar nuevas estrategias políticas como “salirse del documento”, mediante la no-participación en las instancias oficiales. Una versión preliminar de dicho capítulo de encuentra publicada en Li (2009).

En la conclusión del libro se retoma otro conflicto en torno a la minera Yanacocha. Se trata del proyecto “Minas Conga”, el cual afectaría cuatro lagunas que emergen como los focos de la disputa. Según la autora, el conflicto por Minas Conga encapsula la política de la extracción que se ha mostrado a lo largo del libro, situación que es aprovechada para resumir las conclusiones principales de cada capítulo. Las reflexiones finales se refieren a la hegemonía del conocimiento experto, en este punto la autora deja entrever cierto desconcierto y en un tono de resignación afirma que no se puede negar la fuerza del Estado y el rol de la violencia corporativa y estatal para suprimir la oposición y limitar las posibilidades de acción política; sin embargo, el libro concluye con una reflexión sobre las posibilidades del activismo. Para Li los actores no humanos que se desentierran con la minería moderna, han permitido a los opositores hacer oír sus demandas y desestabilizar visiones dominantes en que la naturaleza es vista como un conjunto de “recursos” que deben ser administrados. Estos objetos, en casos como los que se presentan en el libro y se observan cotidianamente en muchos contextos mineros de América latina, abren nuevos espacios de resistencia.

El libro es una interesante reconstrucción de las dinámicas en torno a la minería desde una perspectiva que permite ver más allá de una tradicional lucha entre actores hegemónicos y no hegemónicos. La atención a las relaciones entre personas y cosas evidencia cómo elementos no humanos llevan a los actores -tanto comunitarios como corporativos- a movilizarse, ya sea para defender un modo de vida tradicional que se ve amenazado o para hacer viable por medio de lógicas de equivalencia una actividad económica extractiva.

Comentario

1 Traducción propia.

Referencias:

De la Cadena, Marisol. 2010. “Indigenous Cosmopolitics in the Andes: Conceptual Reflections beyond ‘politics.’” Cultural Anthropology25 (2): 334–370.         [ Links]

Latour, Bruno. 2004. Politics of Nature: How to Bring the Sciences into Democracy. Cambridge: Harvard University Press.         [ Links]

Li, Fabiana. 2009. “Documenting Accountability: Environmental Impact Assessment in a Peruvian Mining Project.” PoLAR: Political and Legal Anthropology Review32 (2): 218–236.         [ Links]

Li, Fabiana. 2015. Unearthing Conflict: Corporate Mining, Activism, and Expertise in Peru. Durham y Londres: Duke University Press.         [ Links]

Susana Carmona – Antropóloga, magíster en Estudios Socioespaciales de la Universidad de Antioquia, magíster en Antropología y estudiante del doctorado en Antropología en la Universidad de los Andes. Entre sus últimas publicaciones están: coautora en “Números, Conmensuración y Gobernanza en los Estudios de Impacto Ambiental”. Revista Iberoamericana de Ciencia, Tecnología y Sociedad 10 (30), 2015. “La Percepción de los Impactos Sociales de la Producción de Petróleo: el Caso de Casanare, Colombia”. Southern Papers Series/Working Papers Sur-Sur 21, 2015. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[IF]

 

Mercados Minas: africanos ocidentais na Praça do Mercado do Rio de Janeiro (1830-1890) – FARIAS (RBH)

FARIAS, Juliana Barreto. Mercados Minas: africanos ocidentais na Praça do Mercado do Rio de Janeiro (1830-1890). Rio de Janeiro: Prefeitura do Rio de Janeiro/Arquivo Geral da Cidade, 2015. 295p. Resenha de: CARVALHO, Marcus Joaquim Maciel de. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.36, n.73, set./dez. 2016.

Antes de defender sua tese em 2012, Juliana Barreto Farias já era uma pesquisadora reconhecida, autora de trabalhos sólidos, tanto individualmente como em coautoria com historiadores renomados. A tese então defendida era fruto de uma pesquisa densa e bem sedimentada. Agora, expurgados os ranços que caracterizam as teses – aqueles que tornam a leitura pesada, difícil – e com alguns acréscimos bem situados, foi finalmente publicado esse importante estudo, que promete influenciar a literatura sobre a escravidão urbana no Rio de Janeiro, particularmente sobre a presença de africanas minas no comércio a retalho.

A inspiração confessada da autora é uma fotografia de uma africana vendendo frutas e verduras numa bancada de mercado. É uma daquelas fotos de Marc Ferrez diante das quais os especialistas às vezes se lembram de que, talvez, já as tenham visto em algum lugar. Mas Juliana não se contentou com essa curiosidade, a estética vigorosa da “dama mercadora”, talvez Emília Soares do Patrocínio, a principal personagem do livro, uma africana liberta que deixou 30 contos de patrimônio inventariado e que alforriou outros 11 cativos. Dali em diante, fazendo uma ligação nominativa de fontes, percorrendo um rol considerável de documentos sobre o mercado, inventários, jornais, processos de divórcio e fontes paroquiais, a autora foi descobrindo outras pessoas, processos, histórias de vida, lendas urbanas, rumores e espaços, até que, finalmente, pôde apresentar aos leitores outro retrato, mais amplo, com mais profundidade e contextualização: o retrato do próprio mercado da Candelária, o “mercado do peixe”, na atual Praça XV de Novembro. Por intermédio desse trabalho denso e arguto entramos no cenário de muitas tramas que haviam caído em certo esquecimento da história urbana do Rio de Janeiro escravista. A foto daquela negra mina com uma urupema no colo inspirou a pesquisa, mas ela não é a única protagonista neste livro. O próprio mercado, que ganha vida, é o personagem principal deste importante estudo.

Inspirado no Les Halles de Paris, o mercado tinha absolutamente tudo de brasileiro, expressando os detalhes multiétnicos e as tensões que caracterizavam a vida social no Rio de Janeiro oitocentista. Nele percebe-se a dinâmica própria da escravidão na capital imperial, pois, a rigor, não se podia alugar banca de peixe a cativo, mas eles estavam lá o tempo todo, se não como vendedores independentes, com certeza, como prepostos. Em 1836, houve de fato uma queixa de que a posse de bancas havia sido concedida a escravos. Entre atritos, reclamações – até mesmo contra “pretos cativos atravessadores” – e rearranjos espaciais, a partir de 1844 só gente livre poderia ser locatária, embora seus cativos pudessem pernoitar no ambiente de trabalho. A autora crê, todavia, que os requerimentos iludiam à condição forra de muita gente, afinal de contas, salvo os “africanos livres”, não havia como essas pessoas com marcas de nação serem livres. Os minas eram os mais bem representados no mercado e, entre eles, havia uma distribuição entre os sexos bastante equitativa. As áreas internas, todavia, eram majoritariamente ocupadas por homens.

Apesar de muita confusão, greve até, em longo prazo houve uma razoável estabilidade entre os que se estabeleciam no mercado, pois a média de ocupação no mesmo local era de 15 a 20 anos. Era comum transferir a banca para gente da mesma família ou da mesma procedência, e, embora fosse possível ceder a posse e o uso do espaço, não se podia repassá-lo a terceiros por conta própria, sem interferência das autoridades competentes. Havia locatários ocupando mais de uma banca. José da Costa e Souza, ou José da Lenha, era tão onipresente nos negócios que, segundo um relatório de 1865, ficou também conhecido como “dono do mercado”. A trajetória de vida de alguns personagens, como Domingos José Sayão, um calabar forro, ilustra o tráfico de influência para se conseguir bancas. O fato de já estar lá trabalhando era importante para renovação, mas havia um jogo na Câmara Municipal envolvendo complexas relações patronais. E, nesse jogo burocrático e legal, as minas também eram protagonistas. Casavam-se, divorciavam-se, participavam de irmandades, querelavam e demandavam direitos nos termos da “lei do branco”.

Uma das partes mais ricas do livro é o estudo das posições relativas dos trabalhadores do mercado, desde os donos de banca até os cativos. À parte a condição servil, livre ou liberta de cada um, havia a cor da pele matizando as relações sociais. Entre os negros, os que não eram africanos aparentemente procuravam ressaltar esse dado nas petições. E eram muitos os africanos. A autora cita Holanda Cavalcanti, para quem bastava ir lá para vê-los ostentando suas marcas de nação. Os requerimentos, todavia, disfarçavam a condição dos requerentes forros, que não deviam ser poucos. Havia, entretanto, certa especialização naquela multidão. Os brasileiros dominavam a venda de pescados, os africanos concentravam-se na venda de legumes, verduras, aves e ovos. Os portugueses estavam em tudo, mas dominavam a venda de secos. Embora tenha encontrado até uma briga entre dezenas de ganhadores e 11 trabalhadores brancos do mercado, a autora não encontrou uma rivalidade permanente, inevitável entre portugueses e africanos, o que contraria o senso comum historiográfico. Os atritos eram muitos, mas cruzavam barreiras simplistas. A condição servil, livre ou liberta, a nacionalidade, a procedência e as relações patronais entrecruzavam-se marcando o cotidiano das relações de trabalho e convivência no mercado do peixe.

Empoderada pela riqueza que o comércio lhe proporcionou, Emília fez tudo o que poderia caber a uma africana liberta na capital imperial. Afirmou-se diante de outras mulheres e dos homens que cruzaram seu caminho. No comércio, liderava. Os homens que passaram por sua vida foram apenas coadjuvantes. Submersa numa sociedade que tentava conquistar, previsivelmente tornou-se senhora de escravos, e Juliana Barreto não encontrou evidências de que fosse melhor, mais generosa nas alforrias, do que as outras sinhás do seu tempo. Questões desse tipo – Como era ser escrava de uma africana liberta? Qual o significado do casamento cristão para as africanas cativas ou libertas? E o que significava ser uma “mina”, afinal de contas? – integram um rol de perguntas clássicas da historiografia brasileira para as quais este livro acrescenta novos elementos de discussão.

Embora com objeto bem delimitado, circunscrito no tempo e no espaço, este livro é também oportuno no momento presente, quando precisamos ampliar nossos horizontes de estudo, reabrir perspectivas comparadas. Nestes tempos de tantas e tantas teses a serem lidas, talvez já seja possível reavaliar tendências bem assentadas na historiografia. A escravidão no Rio de Janeiro das africanas retratadas neste importante livro precisa ser cotejada com aquela das africanas das Minas setecentistas, sobre as quais já existe sólida literatura, ou mesmo da Bahia e Pernambuco, revisitadas por estudos recentes. Aos poucos, os detalhes desse universo mais amplo da escravidão no Brasil oitocentista vão sendo desvelados por estudos densos, como este, que irão compor as futuras sínteses da vasta e rica historiografia brasileira sobre a escravidão.

Marcus Joaquim Maciel de Carvalho – Ph.D. em História, University of Illinois System (UILLINOIS). Professor Titular de História, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Recife, PE, Brasil. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[IF]

Em busca do tempo sagrado: Tiago de Varazze e a Lenda dourada | Jacques Le Goff

O livro A la recherche du temps sacré ou, na edição brasileira, Em busca do tempo sagrado: Tiago de Varazze e a Lenda dourada foi uma das últimas obras produzidas pelo historiador Jacques Le Goff a ser traduzida para o português. Lançada originalmente em francês no ano de 2011, a produção foi mais uma contribuição do autor para os estudos medievais. O texto foi traduzido e publicado no Brasil apenas em 2014, pela editora Civilização Brasileira.

Jacques Le Goff é considerado pela comunidade acadêmica como um dos principais historiadores do século XX. Foi diretor da École des Hautes Études en Sciences Sociales – sucedendo Fernand Braudel – e, ao lado de nomes como Georges Duby, Pierre Chaunu, Le Roy Ladurie, entre outros, esteve à frente da chamada terceira geração da Escola dos Annales. No campo bibliográfico, Le Goff desenvolveu uma vasta produção – entre artigos, capítulos, livros, etc. – dentre a qual podemos mencionar, apenas para citar alguns títulos já traduzidos para o português: Os Intelectuais na Idade Média; O nascimento do purgatório; São Francisco de Assis; Homens e mulheres na Idade Média; A Civilização do Ocidente Medieval. Como reconhecimento de sua atuação, recebeu, em 2004, o prêmio Dr. A. H. Heineken de História, atribuído pela Academia Real das Artes e Ciências dos Países Baixos. Leia Mais

Para uma outra Idade Média: tempo, trabalho e cultura no Ocidente | Jacques Le Goff

Jacques Le Goff, um dos historiadores mais influentes do século XX, trouxe com seus mais de 40 livros, novos olhares sobre a Idade Média, não só no meio acadêmico mas entre aqueles interessados em outras perspectivas sobre o Medievo, além de tratar da religiosidade e das tendências econômicas, usou a Antropologia Histórica no Ocidente Medieval, além da Sociologia e Psicanálise, buscou a cultura e a mentalidade do homem do Medievo, visitando o imaginário não somente das grandes personalidades, mas também daqueles que faziam parte do cotidiano desse período.

Vemos, em sua trajetória nessa seara de possibilidades, a análise do Medievo em várias frentes, desde a econômica em sua primeira obra de 1956, Mercadores e Banqueiros na Idade Média, e A Bolsa e a Vida, de 1997, à religiosidade em O Nascimento do Purgatório, de 1981 e São Francisco de Assis, de 2001, passando pelo imaginário na obra O Imaginário Medieval, de 1985, chegando a aspectos como trabalho, cultura e o tempo. Leia Mais

A História deve ser dividida em pedaços? | Jacques Le Goff

Em um dos seus últimos trabalhos, Jacques Le Goff discute a propriedade ou não de se dividir a História em períodos ou, como consta do título, em pedaços. O livro encontrase distribuído em doze itens: Preâmbulo (pp.7-9); Prelúdio (pp.11-14); Antigas Periodizações (pp.15-23); Aparecimento Tardio da Idade Média (pp.25-32); História, ensino, períodos (pp.33-43); Nascimento do Renascimento (pp.45-58); O Renascimento atualmente (pp.59-73); A Idade Média se torna “os tempos obscuros” (pp.75-95); Uma Longa Idade Média (pp.97-129); Periodização e Mundialização (pp.131-134); Agradecimentos (pp.135-136) e Referências Bibliográficas (pp.137-149).

Nesse trabalho, Le Goff postula claramente a favor da ideia de uma Longa Idade Média e/ou, se desejarmos, uma Idade Média Tardia, que seria encerrada com as chamadas “revoluções” Industrial e Francesa no século XVIII. Em contrapartida, contesta a ideia de um Renascimento que teria rompido com o período medieval nos séculos XV e XVI. Leia Mais

Huni kuin hiwepaunibuki: a história dos caxinauás por eles mesmos. La historia de los cashinahuas por ellos mismos – CAMARGO; VILLAR (BMPEG-CH)

CAMARGO, Eliane; VILLAR, Diego. Huni kuin hiwepaunibuki: a história dos caxinauás por eles mesmos. La historia de los cashinahuas por ellos mismos. São Paulo: Edições SESC, 2013. 304p. Resenha de: REITER, Sabine. Acabou o tempo dos mitos? Uma historiografia caxinauá moderna. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas. Belém, vol.11, n.2, mai./ago. 2016.

O livro “Huni kuin hiwepaunibuki: a história dos caxinauás por eles mesmos” é uma coletânea trilíngue (em caxinauá1, português e espanhol) de textos com relatos sobre o passado remoto e mais recente dessa etnia indígena que vive na região fronteiriça entre o Brasil e o Peru. Foi organizado por Eliane Camargo e Diego Villar, uma linguista e um antropólogo, em colaboração com Texerino Capitán e Alberto Toríbio, dois caxinauás de diferentes comunidades do rio Purus, localizadas no lado peruano da fronteira. Com cerca de 2.400 integrantes, o grupo étnico no Peru é menos extenso em número do que seus mais de 7.500 parentes no lado brasileiro, mas – devido ao maior isolamento na primeira metade do século XX – todos ainda falam a língua nativa, comparados aos caxinauás brasileiros, entre os quais há uma parte que fala apenas português2.

Apesar da presença de missionários em suas aldeias, a partir dos anos 1960, os caxinauás peruanos também conseguiram manter viva maior parte da cultura tradicional, enquanto, no Acre, os caxinauás – que conviviam com uma população não indígena nos seringais desde a época da borracha – perderam quase por completo os antigos costumes. Foi nesse grupo peruano que Camargo começou a pesquisar há mais de 25 anos e, principalmente, entre 2006 e 2011, quando levantou e arquivou dados de língua e cultura desse povo no âmbito do programa Documentation of Endangered Languages (DOBES, 2000-2016), com projeto de documentação sediado no Instituto Max-Planck de Antropologia Evolutiva (MPI-EVA), em Leipzig, e na Université X de Paris, em Nanterre (DOBES, 2000-2016).

Neste livro, publicado em 2013, Camargo foi responsável pelas transcrições e traduções ao português dos textos orais, em boa parte provenientes do acervo digital do projeto DOBES. Villar, que é pesquisador adjunto do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas na Argentina e especialista de culturas pano, por sua parte, responsabilizou-se pela versão espanhola dos textos. Além disso, os dois organizadores restringiram-se a elaborar algumas frases introdutórias e comentários aos textos narrativos em notas de rodapé, onde explicam ao leitor o contexto narrativo, construções linguísticas e conceitos culturais. A escolha dos textos assim como a sua edição para formato escrito, no entanto, coube a uma equipe de jovens caxinauás, coordenada por Texerino Capitán, professor de escola bilíngue, e Alberto Toríbio, principal assistente de pesquisa do projeto DOBES. O livro, como informa Bernard Comrie, então diretor do departamento de linguística do MPI-EVA, na apresentação, é um dos produtos do projeto de documentação da iniciativa DOBES, que, através da perspectiva própria de um povo, “nos fornece uma visão diferente do mundo e a compreensão de nós mesmos” (Comrie, 2013, p. 23-25). Até hoje, é uma das poucas publicações que deixa falar – na sua totalidade – os próprios integrantes de um povo indígena amazônico.

O livro consiste em cinco partes principais. Nelas, os caxinauás informam sobre os hábitos dos seus antepassados, lembrados por alguns idosos e presentes na memória coletiva. Eles falam sobre os encontros com outras etnias pano, inclusive com aquelas encontradas pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI) em 2008, celebradas pela mídia internacional como “os últimos selvagens”3, e sobre os primeiros contatos com os ‘nauás’, os outros, não indígenas de origem europeia. Relatam sobre as suas experiências em território alheio e nas grandes cidades, e sobre a história de migração e dispersão do próprio grupo, que se iniciou nos tempos míticos com uma briga entre o criador Txi Wa e seu parente Apu, e continuou com acontecimentos em consequência dos primeiros contatos com brasileiros nos seringais. O anexo que segue as partes principais do livro apresenta uma nota sobre a grafia utilizada e um léxico trilíngue extraído dos textos em caxinauá e de termos significativos.

As fontes das narrativas são diversas: cinco dos 25 textos provêm do livro “Rã-txã hu-ni kuï: grammatica, textos e vocabulário caxinauás. A lingua dos caxinauás do rio Ibuacú, affluente do Murú (Prefeitura de Tarauacá)”, de João Capistrano de Abreu (1914), o historiador brasileiro que – em inícios do século XX – montou uma primeira coletânea de mitos, textos históricos e de outros gêneros, em conjunto com dois jovens caxinauás da região do rio Murú, no Acre. A grande maioria dos textos é composta por depoimentos e memórias polifônicas, gravadas dos anos 1990 para cá, e informações obtidas por meio de entrevistas com pessoas mais idosas – todas do grupo peruano, um segmento da população caxinauá que fugiu de um seringal brasileiro no início do século XX. No Peru, esses caxinauás e seus descendentes viviam afastados da sociedade e só foram ‘redescobertos’ ao final dos anos 1940; contato que foi documentado pelo fotógrafo Harald Schultz, em 1951, constituindo um acervo de aproximadamente 80 fotografias, com imagens de uma pescaria e de uma festa.

Uma variedade de trabalhos desse fotógrafo teuto-brasileiro, mostrando cenas cotidianas daquela época, assim como imagens de objetos coletados por ele – que hoje se encontram no acervo do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP) –, ilustra o livro, junto com fotografias recentes e desenhos feitos por integrantes do grupo especialmente para esta publicação. Entre eles encontramos os kene, grafismos tradicionais reproduzidos na tecelagem, na pintura corporal, em objetos e desenhos de cenas das narrativas, da vida cotidiana e de rituais. O que chama a atenção é que esses desenhos, produzidos em várias épocas, têm uma estilização própria: veem-se pessoas e objetos ‘deitados’ em uma vista de pássaro, para poder mostrar mais do que seria perceptível por meio do simples olhar de um espectador humano.

Todo o material recolhido neste livro foi selecionado pela equipe caxinauá, com o intuito de informar aos seus descendentes (filhos, netos) sobre a própria cultura, sendo veiculado na própria língua, a fim de manter viva a memória e uma identidade própria, como os dois colaboradores caxinauás escrevem no seu prefácio, que termina assim: “por esse motivo quisemos elaborar este livro. Dessa forma podemos todos juntos ler e aprender claramente a tradição” (Capitán; Toribio, 2013, p. 31). Ao mesmo tempo, o livro é um passo importante em direção a uma verdadeira participação dos povos indígenas na sociedade moderna através dos seus próprios discursos. Em uma época em que presenciamos ameaça cada vez mais forte à vida tradicional de povos indígenas em toda a América Latina, é essencial que um público maior tome conhecimento da história desse grupo, a qual reflete, de maneira exemplar, desenvolvimento ocorrido em muitos outros grupos, repetindo-se até hoje. Isso ocorreu desde o primeiro contato desses povos com a sociedade nacional, representada notadamente por bandeirantes/ coronéis, soldados da borracha, viajantes, missionários e pesquisadores, resultando em interferência cultural. Nas palavras dos caxinauás (traduzidas para o português), essa interferência se lê assim: “já nos tornamos nauás com suas roupas e comida. […] já não somos mais caxinauás! […] O governo diz que somos todos peruanos. É assim que falam” (2013, p. 227).

Ao mesmo tempo, a citação deixa bem claro que essa é uma visão de fora, a qual não reflete necessariamente a opinião do falante. A língua pano consegue expressar essas diferentes perspectivas de maneira elegante, através de marcadores de evidencialidade (no caso, -ikiki em akikiki, 2013, p. 226) que indicam, para os membros da comunidade de fala, o compromisso epistemológico com a informação dada. Essa técnica linguística pode até ser interpretada aqui como relevante indício de uma resistência clandestina e de uma mera adaptação superficial.

Uma atitude de ‘acostumação’, longe de ser assimilação por completo, também se manifesta em outro depoimento. Um caxinauá descreve como chegou a trabalhar como mecânico para um missionário americano: “um dia quebrei um parafuso e ele ficou furioso. […], achava que iria me bater. Achei isso porque me tratava assim. […] Depois eu me acostumei com ele. […] com suas palavras fortes” (2013, p. 203). Este trecho mostra mais um aspecto interessante do livro, a abertura para uma perspectiva intercultural: nós, os nauás, ficamos sabendo algo sobre como somos percebidos pelos caxinauás – como pessoas ameaçadoras pelo simples tom da voz! Ao passo que as narrativas exibem, em diferentes partes, uma visão caxinauá, o livro em si já é uma manifestação aberta da luta para a preservação de uma identidade própria.

Comparado com outras manifestações escritas na língua caxinauá, principalmente com a obra do grande historiador brasileiro do começo do século XX, este livro se destaca como marcador de uma mudança na percepção e no tratamento do elemento ‘indígena’ na sociedade. Enquanto o livro de Capistrano possui, sobretudo, relatos míticos, este é uma historiografia, em grande parte, de fatos vividos pelos caxinauás nos últimos 100 anos. Quem escolheu o material de “Rã-txã hu-ni ku-ï” foi o próprio Capistrano, tendo os dois caxinauás como fornecedores de informação e tradutores; aqui, os agentes principais são caxinauás, que selecionaram os textos baseados em critérios de informatividade a um público caxinauá atual e jovem4. Os textos de Capistrano também já eram traduzidos para o português na época, e existia uma explicação de ortografia destinada ao leitor brasileiro erudito. Porém, aquela tradução palavra por palavra deixou o texto original parecer ‘desajeitado’ ao leitor brasileiro monolíngue. Certamente, não fornece uma base para ser elaborada hoje em dia na educação bilíngue indígena, já que a ortografia desenvolvida pelo historiador autodidata em linguística não reflete bem a estrutura morfofonêmica da língua, não sendo legível para os caxinauás de hoje. A mesma crítica da ortografia inadequada pode se fazer a várias publicações recentes nessa língua indígena no Brasil. A maioria dos livros em caxinauá publicada, tanto no Brasil como no Peru, porém, é dirigida ao ensino nas escolas bilíngues, enquanto este livro pode ser de interesse de um público diversificado, mono e bilíngue, jovem e adulto, estudante e professor, leigo e acadêmico, voltado aos caxinauás e a cada pessoa que tenha curiosidade de conhecer outra perspectiva do mundo. Além de valorizar a cultura caxinauá, ele representa uma restituição ao grupo de coleta de relatos históricos, efetuada por pesquisadores, contribuindo igualmente para a difusão da diversidade do patrimônio cultural imaterial da Amazônia indígena.

Notas

1 O caxinauá pertence à família linguística pano.

2 Esses são os números oficiais do Instituto Socioambiental (Ricardo, B.; Ricardo, F., 2011, p. 12), que divergem consideravelmente de números informados em outras fontes, por exemplo, no site Ethnologue (Lewis et al., 2016). Segundo o Ethnologue, atualmente todos os caxinauás adquirem a língua nativa. Como o nível de conhecimento da língua indígena é uma questão política no Brasil, há diferenças entre os números oficiais em relação ao que se pode observar in situ.

3 Veja, por exemplo, Seidler; Lubbadeh (2008).

4 Neste contexto, pode-se questionar se o resultado realmente representa o ‘olhar caxinauá’, já que a equipe consiste de caxinauás escolarizados, parcialmente trabalhando na educação infantil, que, portanto, internalizaram um discurso padrão para texto escrito.

Referências

CAPISTRANO DE ABREU, João. Rã-txa hu-ni-ku-ï: grammatica, textos e vocabulário caxinauás. A lingua dos caxinauás do rio Ibuacú, affluente do Murú (Prefeitura de Tarauacá). Rio de Janeiro: Sociedade Capistrano de Abreu, 1914. [ Links ]

CAPITÁN, Tescerino Kirino; TORIBIO, Alberto Roque. Prefácio. In: CAMARGO, Eliane. VILLAR, Diego (Org.). Huni kuin hiwepaunibuki: a história dos caxinauás por eles mesmos. La historia de los cashinahuas por ellos mismos. São Paulo: Edições SESC, 2013. p. 31. [ Links ]

COMRIE, Bernard. Apresentação. In: CAMARGO, Eliane. VILLAR, Diego (Org.). Huni kuin hiwepaunibuki: a história dos caxinauás por eles mesmos. La historia de los cashinahuas por ellos mismos. São Paulo: Edições SESC, 2013. p. 17-19. [ Links ]

DOCUMENTAÇÃO DE LÍNGUAS AMEAÇADAS (DOBES). Cashinahua. A documentation of Cashinahua language and culture. [S.l.]: Projeto DOBES, 2006-2011. Disponível em: <http://dobes.mpi.nl/projects/cashinahua/?lang=pt>. Acesso em: 8 abr. 2016. [ Links ]

LEWIS, M. Paul; SIMONS, Gary F.; FENNIG, Charles D. (Ed.). Ethnologue: languages of the world. 19. ed. Dallas, Texas: SIL International, 2016. Disponível em: <http://www.ethnologue.com>. Acesso em: 8 abr. 2016. [ Links ]

RICARDO, Beto; RICARDO, Fany (Ed.). Povos indígenas no Brasil: 2006-2010. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2011. [ Links ]

SEIDLER, Christoph; LUBBADEH, Jens. Neuentdeckter Indianerstamm: “Das kann der Anfang vom Ende sein”. Spiegel Online, 30 maio 2008. Disponível em: <http://www.spiegel.de/wissenschaft/natur/neuentdeckter-indianerstamm-das-kann-deranfang-vom-ende-sein-a-556720.html>. Acesso em: 8 abr. 2016. [ Links ]

Sabine Reiter – Universidade Federal do Pará. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[MLPDB]

 

Pienso, luego creo: la teoría Makuna del mundo – CAYÓN (A-RAA)

CAYÓN, Luis Abraham. Pienso, luego creo: la teoría Makuna del mundo. Bogotá: Instituto Colombiano de Antropología e Historia, 2013. Resenha de: BARBOSA, María Alejandra Rosales. Antípoda – Revista de Antropolgía y Arqueología, Bogotá, n. 25, maio/ago., 2016.

(…) o fato de que o Pensamento seja uma forma de criar e gerar a realidade, colocando à humanidade em um lugar fundamental para a manutenção da vida no planeta, nño é uma ideia de pouco porte. Em um sentido, acredito que os Makuna estño propondo que a realidade que vemos é como uma projeção holográfica do Pensamento, o qual explicaria por que as propriedades fractais, as de diferenciação e simultaneidade, as de multiplicidade na unicidade, e as de constituição mutua, da sua teoria do mundo, atravessa, a constituição do espaço, o tempo e os seres.
(Cayón 2010, 392)

Este fascinante livro merecedor do Prêmio Nacional de Antropologia na Colômbia (2012) e publicado em idioma espanhol pela editora do Instituto Colombiano de Antropología e Historia (ICANH) em 2013, é uma versño da Tese de Doutorado em Antropologia Social defendida na Universidade de Brasília (UnB) no ano de 2010. A partir de uma longa e intensa investigação etnográfica entre os índios Makuna ou ide masñ (gente de água), que habitam às margens do rio Comeña, Apaporis e Pirá-Paraná, ao sul da regiño do Vaupés, Luis Cayón estuda o complexo sistema de conhecimento xamânico deste grupo étnico tukano da Amazônia colombiana. Na tese de doutorado -versño original do livro-, o jovem antropólogo identificou e analisou uma ontologia nativa, com conceitos como ketioka (pensamento) e he (yurupari), ambos fundamentais para compreender e estabelecer premissas para uma teoria própria “do mundo Makuna”.

A célebre frase de Descartes “penso, logo existo” serve possivelmente de inspiração para o título da obra desse talentoso pesquisador colombiano. Descartes como sabemos, pensava que “o mundo” e a “realidade” estavam formados por duas entidades: a espiritual -portadora inclusive do pensamento- e a material -ator passivo da existência- Dessa maneira, segundo Descartes, “pensamos porque existimos”, e parafraseando Cayón, também “pensamos porque acreditamos”.

Apesar de ser uma tese de antropologia enquadrada nos estritos termos acadêmicos, o texto e a narrativa possuem uma estrutura e estilo de escrita bem peculiar, com prosas ora mais técnicas, ora mais livres; provavelmente por ser resultante de uma “etnografia compartilhada” e, como diria Roy Wagner (2010), decorrente de uma “antropologia reversa” que institui um tratamento mais “simétrico” ao sujeito e objeto da pesquisa, no sentido dado por Bruno Latour (1994). Essa combinação vem trazendo inúmeras contribuições e resultados positivos no que se refere às reinvindicações dos povos indígenas brasileiros, sendo inclusive uma ferramenta metodológica privilegiada, muitas das vezes apropriada pelos nativos para seu próprio benefício. Em outras palavras, discutir com os nativos os termos da investigação e, “hacerlos partícipes de la co-teorización” (Rappaport 2007). Portanto, segundo o próprio autor do livro, “el trabajo de campo, además de implicar el trabajo solicitado por los indígenas, se convierte en un lugar de pensamiento, reflexión y critica” (Cayón 2013, 56).

O livro Pienso, luego creo. La Teoria Makuna del Mundo apresenta-se com uma introdução e mais sete capítulos e um epílogo, oferecendo uma sequência intrigante, que desvela aos poucos o profundo pensamento Makuna. Na “Introdução”, Cayón contextualiza a sua pesquisa em uma regiño e com grupos amplamente estudados desde o processo de ocupação colonial, que inicia no século XVIII, dando maior ênfase na segunda metade do século XX. Descreve também, com emocionantes detalhes a sua trajetória de campo e a forma como os seus interesses pessoais e teóricos foram se transformando, alcançando o que ele mesmo define como uma verdadeira etnografía compartida.

No primeiro capítulo intitulado “El blanco en el mundo de los índios”, o autor explica o processo histórico do contato interétnico, dilucidando as consequências da política imperial e republicana para os grupos daquela regiño. No segundo capítulo “Unidades Cosmoproductoras” explica quem sño os makuna e como funciona a rede de conexño do sistema regional que fazem parte. Nesse capítulo, encontraremos a análise do parentesco e as unidades sociais dessa etnia, sem cair em excessos técnicos que dificultariam a leitura para um público mais leigo.

O terceiro capítulo, “La fuente de la vida”, começa com um trecho inicial do célebre escritor argentino Jorge Luís Borges, O Aleph (1998). A figura do “Aleph” em Borges e na etnografia realizada por Luis Cayón, constitui-se no ponto que congrega todo o universo, é uma imagem literária, relacionada com a multiplicidade do conhecimento e é justamente dessa forma que o autor nos adentra no pensamento Makuna, por meio das manifestações do Jurupari.

No quarto capítulo, “La maloca cosmo”, a narrativa é mais teórica e epistemológica, ao analisar o conceito nativo de ‘espaço’ como sendo a estrutura do universo. Espaços, territórios e lugares com nome, todos interconectados com ketioka (o pensamento). Já o quinto capítulo intitulado “Los componentes del mundo”, trata o conceito “tempo”, enfatizando o cuidado com os lugares sagrados e cumprimento do ciclo ritual, pois todos os processos de geração de vida sño indissociáveis do tempo e dos espaços.

O sexto capítulo “Personas de verdade”, desenvolve com intensidade e profundidade a noção de “pessoa”, tomando em conta o conceito nativo de doença, a composição interna dos seres humanos e principalmente, como algumas substâncias e objetos podem ser importantes na constituição relacional dos Makuna com o universo.

No último e talvez mais relevante capítulo chamado “Cosmoproducción” –termo criado pelo autor- Cayón explica a maneira como o “pensamento” Makuna entra em agenciamento, dando vitalidade e ânimo aos seres humanos e nño humanos. Entendido como resultado de um processo de fabricação e construção do universo. E finalmente, o livro conclui com uma narrativa etnográfica em forma de epílogo, destacando alguns aspectos relevantes da teoria Makuna do mundo e ilustrando com autorretrato do autor.

Segundo Luis Cayón (2010; 2013), os Makuna ou “Gente de água” contam na atualidade com uma população aproximada de 600 pessoas, habitando as selvas do Vaupés colombiano, a 150 km da fronteira brasileira. Pertencem à família linguística Tukano Oriental, que se localiza fundamentalmente, na regiño central do noroeste amazônico, cercado pelas bacias dos rios Vaupés e Apaporis, assim como no alto rio Negro e seus afluentes no Brasil. Interessante notar que, esse grupo compartilha esse amplo território com outras famílias linguísticas como: arawak, carib e makú-puinave, apresentando inclusive, grandes similitudes na sua organização social e vida ritual no geral.

Para essa “Gente de Água”, a realidade está construída por três estados ou dimensões de existência que sño simultâneos: o estado primordial a partir do qual se originaram todos os seres, a dimensño invisível em que os seres possuem diferentes formas e manifestações e, o estado físico ou material que tem a ver com a dimensño visível que normalmente percebemos (Cayón 2010). Sem dúvida que, essa forma de explicar o mundo e tudo o que há nele, está intimamente relacionado com o complexo sistema xamânico dessas sociedades, transcendendo todas as dimensões da vida cotidiana, sendo crucial o seu estudo.

A noção ketioka ou pensamento, grande destaque na ontologia Makuna, é definida por Cayón (2010; 2013) de forma polissêmica, é o conocimiento-saber-poder-hacer, conceito que apresenta nño apenas diversos sentidos, mas também agências. Ketioka é ao mesmo tempo tudo o que os Makunas fazem, dando sentido a sua existência: pensar, curar, falar bem, dançar e se divertir. Também pode ser entendido como elementos do universo e dos ornamentos ritualísticos. Em um sentido mais amplo, é entendido também como a força que impregna e comunica a todos os poderes xamânicos existentes no universo.

Desse modo, na teoria makuna do mundo, toda forma tangível e física é mais do que aparenta e, a experiência ordinária percebida pelos sentidos possui uma dimensño invisível e intangível, que eles chamam de He. Arhem et al. (2004, 55) explica”: “‘He’, es el mundo de espíritus poderosos y de las deidades ancestrales. En esta otra dimensión, las rocas y los ríos están vivos y las plantas y animales son personas. Conocido por el mito y controlado por el ritual, He contiene los poderes primordiales de la creación que gobierna, en última instancia, el presente”. Nesse sentido, os Makuna nño fazem distinção entre o visível e o invisível, pois ambos sño dimensões interconectadas, como se fossem uma única manifestação da “realidade”.

Hoje, os Makuna na Colômbia, lutam por manter sua forma de viver frente às diversas pressões da “sociedade nacional” colombiana, que constantemente ameaçam a integridade e direitos já adquiridos de seus territórios, seja com grandes empreendimentos extrativistas, ou com figuras político-administrativas e de proteção, estabelecidas pelo próprio Estado e sem consulta prévia. E como diz Cayón (2008): “un poco más de un siglo de contacto directo debilitó el pensamiento y la forma de vida de este grupo, pero no logró exterminarlos. (…) por ejemplo, la mitología y las curaciones chamánicas se han enriquecido por ello. No hay nada más pristino y estático en el pensamiento makuna”. É por isso que, nesse difícil contexto, cada vez mais faz-se necessário o diálogo entre a disciplina antropológica e as epistemologias nativas, na tentativa de proporcionar um melhor entendimento da situação atual e dos desafios futuros desses povos, na realização de como diz Ramos (2010), um verdadeiro diálogo intercultural e sem assimetrias.

Gostaria de encerrar esta resenha, com a seguinte afirmação: a maneira profunda como os ameríndios em geral, percebem, manejam e explicam o mundo, vai mais além do que o pensamento abstrato e concreto normalmente alcança, desafiando até o próprio pensamento antropológico. Podemos dizer que é um tipo de conhecimento sensorial e de relações de várias ordens, uma perspectiva sob a lógica de uma complexa epistemologia de conhecimento própria, que nesse caso, foram bem “traduzidas” na linguagem etnológica e etnográfica por Luis Abraham Cayón[1]. Uma escrita como ele mesmo chama, intimista e transformadora, uma escolha que muitos dos seus leitores saberemos agradecer sempre.

Comentarios

1 A Tese de Doutorado do antropólogo Luis Cayón, teve importante repercussño no mundo acadêmico e fora dele, contribuindo para que a Unesco em 2011 declarasse o xamanismo Makuna e de seus grupos vizinhos, como patrimônio intangível da humanidade.

Referências

Århem, Kaj, Luis Cayón, Gladys Angulo e Maximiliano García. 2004. Etnografía Makuna: tradiciones, relatos y saberes de la Gente de Agua.Bogotá: Acta Universitatis Gothenburgensis e Instituto Colombiano de Antropología e Historia (ICANH).         [ Links]

Borges, Jorge Luis. 1998. Obras Completas 1.Espanha: Editora Globo.         [ Links]

Cayón, Luis. 2002. En las aguas de yurupari. Cosmologia y chamanismo makuna. Bogotá: Ediciones Uniandes.         [ Links]

Cayón, Luis. 2008. “Idema, el caminho de agua. Espacio, chamanismo y persona entre los makuna”. Antípoda, Revista de Antropología y Arqueología 7: 141-173.         [ Links]

Cayón, Luis. 2010. “Penso, logo crio. A teoria Makuna do mundo”. Tese doutoral, Universidade de Brasília, Brasil.         [ Links]

Cayón, Luis. 2013. Pienso, luego creo. La teoría Makuna del mundo.Bogotá: Instituto Colombiano de Antropología e Historia.         [ Links]

Latour, Bruno. 1994. Jamais fomos modernos. Rio de Janeiro: Editora 34.         [ Links]

Ramos, Alcida Rita. “Revisitando a Etnologia à brasileira”. EmHorizontes das Ciências Sociais no BrasilAntropologia, editado por Luis Fernando Dias Duarte, 25-49. Petrópolis: Vozes.         [ Links]

Rappaport, Joanne. 2007. “Más allá de la escritura: la epistemología de la etnografía en colaboración”.Revista Colombiana de Antropología 43:197-229.         [ Links]

Wagner, Roy. 2010. A invenção da cultura. Sño Paulo: Cosac Naify.         [ Links]

María Alejandra Rosales Barbosa – Universidade Federal de Roraima, Brasil. Doutoranda em Antropologia Social/Etnologia Indígena da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Docente no Instituto INSIKIRAN de Formação Superior Indígena. Dentre as últimas publicações destaca-se: “Fotoetnografia: uso da fotografia na pesquisa antopologica”. Em Anais do V Seminário de Integração de Práticas Docentes e II Colóquio Internacional de Práticas Pedagógicas e Integração. Boa Vista: Editora da UFRR, 2013. “Medicina popular em Curitiba (1899-1912): curandeirismo ou feitiçaria?” Textos e Debates 8: 129-151, 2005. [email protected] e [email protected].

Acessar publicação original

[IF]

 

Gallina de Angola. Iniciación e identidad en la cultura afro-brasileña – VOGEL; SILVA MELLO (A-RAA)

VOGEL, Arno; SILVA MELLO, Marco Antônio da; BARROS, José Flávio Pessoa de. Gallina de Angola. Iniciación e identidad en la cultura afro-brasileña. Buenos Aires: Editorial Antropofagia, 2015. Resenha de: CARBONELLI, Marcos Andrés. Antípoda – Revista de Antropolgía y Arqueología, Bogotá, n.25, maio/ago., 2016.

Dentro del campo de estudios afrobrasileños, Gallina de Angola se sitúa como una de las etnografías más complejas y de mayor potencialidad teórica, a partir de su propuesta de articulación de descripciones minuciosas de los ceremoniales del candomblé y debates teóricos de la antropología y sociología contemporáneas. Resulta un aporte esencial a la hora de examinar el lugar de lo religioso en procesos de definición de identidades individuales y colectivas, y en la resolución de los conflictos que dirimen el estatus de la otredad y de la identidad comunitaria.

El prefacio, a cargo de Antonio Olindo, anticipa el núcleo de esta obra, centrado en la importancia del candomblé en la trama cultural brasilera, a partir de un desplazamiento intencional de las fronteras entre lo sagrado y lo profano, lo individual y lo colectivo. De allí que las reflexiones de Olindo recuperen al mercado como síntesis de la proximidad entre la cultura navegante lusitana y las prácticas africanas, ya que ambas enlazan el intercambio de cosas con la comunicación con lo divino.

En el prólogo, los autores presentan la metodología argumentativa que desplegarán en los capítulos siguientes. Cada descripción densa de los ritos que componen la iniciación en el candomblé (con sus ceremonias, participantes, objetos, fórmulas y cantos) es apuntalada por una explicación solventada en los aportes de los antecedentes más destacados de la materia, el andamiaje conceptual de los clásicos (Weber, Durkheim, Lévi-Strauss, Mauss, Turner, entre otros) y las narrativas de mitos propios de la cultura afro, y también de mitos ajenos a ésta. Todos estos materiales se disponen para responder a los enigmas que encierra cada ritual del candomblé, y se encuentran hilvanados por una hipótesis maestra: la Gallina de Angola constituye el símbolo nodal, el puente ineludible que permite sumergirse en los meandros culturales del litoral brasileño.

El primer capítulo, “El mercado”, abre la cronología del proceso de iniciación. El veterano y el iniciado realizan compras piadosas, que serán los insumos imprescindibles de sus ritos de iniciación.En la selección cuidadosa de elementos como animales, frutas y santos se ponen en juego marcas de pertenencia, códigos de nobleza y disputas por el honor. Así, en su búsqueda de vitalidad y de la reproducción del linaje, la esfera ritual sortea los muros del terreiro1 y hace del mercado un campo de acción, donde cada uno de ellos compite por ser el más prestigioso, el más decorado, aquel que consigue mayor cantidad de filhos-de-santo (adeptos al candomblé). Este capítulo también prefigura la Gallina de Angola como símbolo sacrificial, en cuanto ofrenda preferida de casi todas las divinidades del universo candomblé y protagonista ineludible de sus mitos fundantes.

La descripción y el análisis del Borí, primer rito de iniciación del candomblé, ocupan el segundo capítulo. Vogel, Da Silva Mello y Pessoa de Barros lo consideran el primer paso en el viaje cósmico de los iniciados, y tiene lugar en la casa del sacerdote jefe. Allí, el novicio se adentra en el misterio del contacto con los dioses, a partir de una ceremonia, intensa, casi privada, donde acontece el sacrificio de la Gallina de Angola y de un palomo, y la unción del iniciado con la sangre de éstos. La profundidad de estos signos se devela a la luz del mito del Alfarero distraído, que los autores recuperan para señalar la importancia en la cosmología candomblé de la obediencia de los hombres a los dioses. El sacrificio es símbolo de un mandato ancestral, del debido respeto que los hombres deben guardar por los dioses, y la síntesis de los movimientos que estructuran la vida: calma (palomo)-agitación (Gallina de Angola).

Si el Borí es una fiesta íntima, despojada, marcada por el sacrificio y la austeridad, la ceremonia del Orúko es su necesario reverso. Brillo, pompa, lujos y publicidad son los marcadores de una fiesta descrita en el tercer capítulo, donde se da a conocer el nombre que adquieren los iniciados ante los ojos de otros terreiros. En sentido estricto, la fiesta del Orúko (la más pública e importante del candomblé) reporta la presentación en sociedad de los filhos-de-santo. Es también la instancia donde cada casa-de-santo escenifica su poder, su capacidad de generar nuevos hijos y reproducir en el tiempo sus jerarquías. Para ilustrar su centralidad, los autores retoman la noción de rito de pasaje (acuñada por Van Gennep y luego perfeccionada por Turner), no para marcar un simple tránsito entre etapas de la vida, sino para realzar un momento de transformación ontológica: de seres inanimados, perdidos, débiles, los iniciados se transfiguran en sujetos revestidos de la presencia de lo transcendente a partir de la concesión de un nombre.

La teatralización de una secuencia de tres pasos (donde los novicios aparecen primero como seres desprotegidos y torpes para luego emerger como sujetos equipados de adornos, vestimentas finísimas y rostros radiantes) traza una analogía meridional entre los iniciados y la Gallina de Angola. Mitológicamente, ella también fue beneficiada por el beneplácito divino, y así, pasó de ser un animal de andar inseguro y de colores opacos a transformarse en un ave multicolor y dotada de una gracia sin igual.La ceremonia del Orúko, también es el momento en que se visibilizan las jerarquías y las normas de cada terreiro. Si en el Borí se acentúa la obediencia a los dioses, en el Orúko este precepto se refuerza con la debida disciplina de cada iniciado a su casa-de-santo. En este sentido, se entiende que “la Gallina de Angola no es sólo el símbolo-patrón del ritual. También es el patrono del sujeto del rito” (164), en la medida en que su fidelidad y su prestancia a los dioses imprimen una ética que cada nuevo filho de santo debe desplegar en relación con su casa de pertenencia.

El tercer capítulo, “Romería”, se destaca por ser el de mayor voltaje político y el que de manera más profunda se inserta en la cuestión de la identidad afrobrasileña, sus tensiones y estrategias de mantenimiento. Una pregunta estructura esta sección: ¿Por qué los iniciados, luego de los ritos descritos, deben cumplir con el precepto de asistir a una misa? Para responder dicho enigma, los autores revisan la noción de sincretismo, tomando distancia de un doble problema conceptual: dicha noción no resulta un atavismo propio de culturas primitivas ni un artilugio que los sectores dominados orquestan para birlar los controles de la hegemonía cultural. Tampoco se contentan con la imagen que la sociedad brasileña brinda de sí misma, según la cual la convivencia y  el diálogo entre ritos católicos y candomblés reportan un modus vivendi marcado por la armonía y la conciliación.

Sus respuestas se estructuran en torno a la idea del sincretismo como artificio sociológico, como una hechura social donde los diferentes grupos conciertan o imponen acuerdos que invisibilizan (temporariamente) formas de poder. En este sentido, Vogel, Da Silva Mello y Pessoa de Barros establecen que los iniciados en el candomblé van a misa para venerar a sus propios orixás en la figura de los santos católicos, pero también para desafiar la manera católica de imponerse en la esfera pública, y sus intentos de clausurar la participación de otros credos en la identidad brasileña. La postura desafiante de los adeptos al candomblé también encierra la ponderación de la arrogancia como una virtud que deben cultivar y exhibir; entendida ésta no como petulancia y olvido de las normas, sino como orgullo comunitario que resulta el mejor antídoto frente a las coerciones, explícitas e implícitas, que imponen las instituciones dominantes de la sociedad brasileña. A la luz de esta controversia final, los autores ensayan una hipótesis sobre la configuración dialéctica de la identidad afrobrasileña, tensionada permanentemente entre los polos de la (pretendida) pureza y el mestizaje.

Este capítulo, al mismo tiempo que deja al descubierto toda la capacidad hermenéutica de los autores, también desnuda uno de sus principales escollos. En su énfasis por la descripción meticulosa de cada ritual, adoptan una perspectiva sincrónica que ofrece pocas herramientas para pensar las tensiones visitadas y las transformaciones de los rituales mismos, en otros escenarios y, fundamentalmente, en otros tiempos. En concreto, el déficit radica en marginar del análisis las condiciones políticas, culturales y hasta económicas que hacen posibles los diálogos y tensiones entre una forma religiosa hegemónica y otra desafiante. En otras palabras: ¿Qué procesos históricos, que exceden al campo religioso, son los que habilitan este tipo de enfrentamientos velados? ¿Qué circunstancias históricas los gestaron? ¿Qué elementos permitirían un cambio? Estos interrogantes estructurales permanecen sin respuesta en un pasaje clave del texto. Sólo se mencionan brevemente las diferencias existentes entre la cultura lusitana y su orientación mercante con el barroquismo español, pero esta alusión se torna insuficiente para alumbrar las complejidades de estas interacciones y sus posibilidades (o no) de reproducción.

A modo de recapitulación, y para reforzar argumentativamente la conjetura acerca de la centralidad simbólica de la Gallina de Angola, el último capítulo, “Mirabilia Meleagrides, o los creados y la secta”, retoma el análisis mitológico en la cultura candomblé, esta vez para marcar la presencia de la Gallina de Angola en la creación del mundo y su gravitación, no sólo en el momento de la iniciación sino en todo el itinerario biográfico de los hijos del candomblé. La Gallina de Angola comprende así la armadura moral e identitaria de esta adscripción religiosa. Cabe destacar que la edición de Antropofagia cuenta en sus páginas finales con un glosario detallado, el cual constituye una herramienta de lectura indispensable para todos aquellos no familiarizados con la terminología candomblé.

En suma, Gallina de Angola resulta un estudio nodal para la aproximación antropológica a las tensiones propias de la reproducción jerárquica del lazo social y la producción de identidades. Éste es su principal aporte, no sólo para los estudiosos del candomblé y cultos afros, sino también para el vasto campo de análisis cultural enfocado en rituales religiosos y seculares. Esta obra ilumina con minuciosidad el diálogo tenso entre los simbolismos de una forma religiosa minoritaria y la sociedad que la abriga. Invita a revisar contextualmente categorías sacralizadas de la antropología, (tales como sincretismo, rito de pasaje y liminaridad), para establecer su eficacia en un ejercicio permanente de interpretación, donde se privilegian los hallazgos etnográficos por encima dela aplicación irreflexiva de conceptos.

Sin pretender clausurar el campo de análisis, la obra de Vogel, Da Silva Mello y Pessoa de Barros constituye un punto de referencia por su capacidad para sintetizar debates antecedentes y resignificarlos mediantenuevas aproximaciones.

Comentarios

* La versión original en portugués es: Galinha D´Angola Iniciação e identidade na cultura afro-brasileira. 1993. Río de Janeiro: Pallas Editora.

1 Terreiro alude al espacio donde se celebra los cultos. Casa-de-santo es un sinónimo de terreiro.

Marcos Andrés Carbonelli – Universidad de Buenos Aires, CEIL CONICET, Argentina. Doctor en Ciencias Sociales, Universidad de Buenos Aires, Argentina. Investigador Asistente CONICET. Docente en la carrera de Ciencia Política y en la maestría en Investigación Social, Facultad de Ciencias Sociales, Universidad de Buenos Aires. Docente regular en el Instituto de Ciencias Sociales de la Universidad Nacional Arturo Jauretche, Argentina. Entre sus últimas publicaciones están: “Valores para mi País. Evangélicos en la esfera política argentina 2008-2011”. Dados 58 (1): 981-1015, 2015. Coautor de “Igualdad religiosa y reconocimiento estatal: instituciones y líderes evangélicos en los debates sobre la regulación de las actividades religiosas en Argentina (2002-2010)”. Revista Mexicana de Ciencias Políticas y Sociales225: 133-160, 2015. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[IF]

 

A Idade Média e o Dinheiro – ensaio de antropologia histórica | Jacques Le Goff

O último livro do historiador francês Jacques Le Goff foi publicado originalmente em 2010. Traduzido por Marcos de Castro, foi publicado no Brasil em 2014. “A Idade Média e o Dinheiro” não deve ser interpretado como uma obra que contém uma reviravolta na historiografia de Le Goff, mas como uma síntese das ideias que nortearam o autor em sua carreira acadêmica. Desta forma, os elementos que compuseram seus traços característicos se expressam na obra de forma bem clara: o interesse em problemas e questões de longa duração; a proeminência e o impacto das questões subjetivas ou mentais; a ênfase nas instituições e transformações urbanas; a relação entre a mentalidade e a religião; as ordens eclesiásticas; a relação com o dinheiro e o tempo (a partir da usura); uma Idade Média de longa duração e sua possível relação com o capitalismo.

Conforme o subtítulo anuncia, sua preocupação é estabelecer um ‘ensaio de antropologia histórica’. Desta forma, compreende-se que a obra priorize os elementos culturais (ou mentais) do significado do dinheiro para o medievo. Isso não significa, no entanto, que a materialidade seja totalmente descartada na obra. A forma como esta é trabalhada, contudo, ficará mais clara ao longo da exposição da obra. Leia Mais

Después de la masacre: emociones y política en el Cauca indio – JIMENO; CASTILLO; VARELA (A-RAA)

JIMENO, Myriam; CASTILLO, Ángela; VARELA, Daniel. Después de la masacre: emociones y política en el Cauca indio. Bogotá: ICANH y el Centro de Estudios Sociales (CES) de la Universidad Nacional de Colombia, 2015. Resenha de: GONZÁLEZ G, Fernán E. Antípoda – Revista de Antropolgía y Arqueología, Bogotá, n.24, jan./abr., 2016.

En primer lugar, quiero agradecer la oportunidad de conocer y comentar este texto. Pero, en segundo lugar, me gustaría aclarar que mi perspectiva parte de la historia y sociología políticas, pues no soy antropólogo, ni mucho menos experto en problemas indígenas. Por esto, mi interés en este texto obedece a mis preocupaciones previas sobre las bases antropológicas y culturales de la vida política, que he venido compartiendo desde hace varios años con amigas antropólogas como Myriam Jimeno, Gloria Isabel Ocampo y María Victoria Uribe. Ese interés se ha centrado, en especial, en las discusiones sobre temas como la identidad nacional, sus relaciones con las adscripciones políticas del bipartidismo, las guerras civiles y las relaciones con la Iglesia católica. En los últimos años, estas discusiones se han relacionado con la Violencia, tanto la de los años cincuenta como la actual, que me han ido conduciendo a preocuparme, más recientemente, por los problemas de la representación política de una sociedad cada vez más plural y multiforme.

En este sentido, empezaría por subrayar la importancia de este libro, Después de la masacre: emociones y política en el Cauca indio, escrito por Myriam Jimeno y su grupo, como contribución a la comprensión de la manera como se configuran, desconfiguran y reconfiguran las identidades colectivas de comunidades locales en los actuales contextos de Violencia y desplazamiento -en el corto plazo-, pero teniendo siempre en cuenta los contextos culturales y políticos del mediano plazo, como el reconocimiento de la pluralidad cultural, étnica, religiosa y regional consagrada en la Constitución de 1991. Y resaltando que el nuevo texto constitucional es el resultado de un movimiento social, cultural, político y económico, de más larga duración, que va rompiendo gradualmente la concepción homogénea e indiferenciada de la nacionalidad colombiana, basada en la adscripción al bipartidismo, el monopolio del campo religioso en manos de la Iglesia católica y el mestizaje racial consagrados en la Constitución de 1886, el Concordato de 1887 y los pactos de misiones que les siguieron, como producto de una historia que se remonta a los tiempos de la Colonia española.

Estos monopolios -cultural, político, religioso- del bipartidismo y de la Iglesia católica se fueron desdibujando, gradual y paulatinamente, desde los inicios del siglo XX, con la aparición de importantes movilizaciones sociales y políticas al margen de los partidos tradicionales. Entre ellas, se destacó la movilización indígena de Quintín Lame en Cauca y Huila y la agitación social y política del Partido Socialista Revolucionario (PSR) en el mundo obrero y campesino, y también el surgimiento de un incipiente movimiento indigenista, muy ligado al nacimiento de las Ciencias Sociales en Colombia, del cual recuerdo los nombres de Juan Friede, Antonio García y Blanca Ochoa, con el riesgo de omitir nombres, que empezaron a crear conciencia sobre el problema indígena en el medio académico.

Sin embargo, la mayoría de estos desarrollos se vieron interrumpidos, opacados y subsumidos por los problemas de la llamada Violencia de los años cincuenta, y sólo comenzaron a resurgir bajo el Frente Nacional, vinculados especialmente al reformismo agrario de Lleras Restrepo y a la organización y el auge de la Asociación Nacional de Usuarios Campesinos (ANUC). En ese momento se hace evidente la importancia de funcionarios reformistas de corte tecnocrático, algunos de ellos cercanos a grupos de izquierda independientes. En este contexto se mueven algunos de los trabajos anteriores de Myriam Jimeno y otros similares, pero a ellos no se les ha hecho suficiente justicia en las ciencias sociales ni en los estudios sobre los movimientos sociales.

Esta línea de análisis aparece ahora continuada en este libro, Después de la masacre: emociones y política en el Cauca indio, escrito en colaboración entre Ángela Castillo, Daniel Varela y Myriam Jimeno, que proyectan sus anteriores preocupaciones al contexto de la violencia reciente para mostrar cómo una de las masacres de esa violencia reconfigura la identidad de un grupo indio, pero ya en un nuevo contexto nacional y mundial, marcado por la difusión internacional del discurso de los derechos humanos y del derecho internacional humanitario y el respeto por los derechos de las minorías de toda índole, especialmente de las culturales y étnicas. Este discurso, que muestra un aspecto positivo de la globalización creciente, ha ido permeando la conciencia de la mayoría de la población colombiana, no india ni afro, como se manifestó en la Constitución de 1991 y el apoyo electoral de poblaciones urbanas, blancas y mestizas a listas de las minorías étnicas.

En ese sentido, este libro destaca los recursos culturales y subjetivos puestos en juego por una comunidad Kitek Kiwe desplazada de manera violenta de la zona del río Naya, para recomponerse socialmente y crear una nueva comunidad, de sobrevivientes, basándose en el recurso a las políticas culturales y prácticas organizativas de la etnicidad india en Colombia, que recogen cuatro décadas de luchas, en especial en el Cauca, y se entroncan en prácticas que se remontan a los tiempos coloniales. Estas políticas y prácticas son analizadas en detalle en el capítulo segundo del libro, seguidas -en los capítulos tercero, cuarto y quinto- por el estudio de las prácticas organizativas de cabildos y asambleas, que sirven de base para realizar, en el momento actual, nuevas demandas de justicia. Esas demandas se apoyan en las fuerzas simbólicas acumuladas durante la segunda mitad del siglo XX, pero tienen relación con la historia anterior, tanto del siglo XIX como de los tiempos de la dominación española. Estos acumulados permiten construir hoy una narrativa de memoria enmarcada en la adscripción a una ciudadanía étnica, a partir de la puesta en escena de conmemoraciones que se encaminan a crear comunidades emocionales de sentido y pertenencia. Esas comunidades emocionales parten de una nueva categoría: la de víctima, que permite a la nueva comunidad confluir en el movimiento nacional de víctimas, que goza del apoyo internacional. Esto hace posible negociar con las instituciones del Estado, pues la inserción en un movimiento nacional más amplio, con vinculaciones internacionales, permite la incorporación de esta comunidad en la sensibilidad creciente en Colombia sobre estos problemas. Y aprovechar que esta sensibilidad mayor haya sido sancionada legalmente por la ley de víctimas de 2005, que expresa jurídicamente esta creciente toma de conciencia del problema por el conjunto de la sociedad colombiana.

Los vínculos afectivos de estas comunidades emocionales permiten tender puentes entre el sufrimiento subjetivo del dolor, individual o colectivo, y el dolor como sentimiento político compartido públicamente; se supera así el carácter individual o comunitario del sufrimiento para situarlo en el campo de la Política. Esto le proporciona proyección política, lo que permite a las comunidades negociar con la institucionalidad estatal al sintonizar sus problemas con el movimiento nacional e internacional de víctimas. En este sentido, la figura del testigo actúa como bisagra entre lo subjetivo particular y el campo compartidos de la escena pública: no se trata ya del caso particular de una comunidad en las montañas que rodean al Naya -refugio tradicional de ilegales- sino de un hecho que hace manifiesto un problema social inscrito en el contexto general de la violencia colombiana. Y se hace evidente que las víctimas no son entidades naturales sino construcciones histórico-culturales que surgen en el conflictivo proceso de construcción de la Nación colombiana.

Pero, como señalan los autores, esta proyección a la escena pública nacional se venía dando desde décadas atrás, desde la aparición del movimiento cultural del indigenismo latinoamericano y colombiano, que ha venido construyendo un discurso identitario del cual participan académicos e intelectuales, con activistas y políticos -indios y no indios-, y penetrando en la opinión pública del continente y del país, para favorecer la política cultural de las organizaciones indias.

Para esa proyección en la escena pública, el reconocimiento del derecho a la diferencia va más allá de una concepción esencialista y autárquica de la cultura, para asumir un lenguaje intercultural que permite interactuar con el conjunto de la sociedad colombiana para apoyar los reclamos de las comunidades indias frente al Estado. Esos procesos de interacción se enmarcan en el desarrollo de la construcción del Estado, que se concreta en la integración de los territorios, grupos sociales y étnicos, la construcción de identidades simbólicas y su integración en una nación heterogénea, basada en la interacción continua de regiones, subregiones, localidades y sublocalidades con el Estado central. Estos procesos de integración han sido de carácter violento en múltiples ocasiones, y muchas veces utilizados para legitimar el recurso a la violencia como instrumento político. En este sentido, es importante destacar, como hacen los autores del libro, el carácter pionero de los indígenas del Cauca frente a la injerencia de los actores armados en sus territorios.

Esto subrayaría, para los autores, la necesidad de superar el supuesto cultural, aceptado por muchos, de que somos un pueblo natural o esencialmente violento. Esta distancia frente a una supuesta “cultura de la violencia” resalta que esta creencia hace prácticamente imposible el progreso cívico de Colombia. Por eso, para superar el arraigo de esta creencia, la referencia a la apropiación de la categoría víctimas que reclaman sus derechos, tanto por parte de la población colombiana en general como de la indígena en particular, permite convocar una comunidad emocional que concreta la invocación abstracta al derecho internacional y nacional. Y, por otra parte, permite también recomponer al sujeto mediante la expresión compartida de su vivencia y su dolor, que se comunica ahora como crítica social para convertirse en instrumento político que refuerce la débil institucionalidad existente.

Finalmente, este recorrido por el libro de Myriam Jimeno y su equipo destaca la capacidad de la categoría víctimas para vincular los reclamos al respeto de la diferencia de las minorías étnicas con el campo de la política nacional e internacional, expresada en los discursos de los derechos humanos y del respeto a la diversidad étnica, aprovechando la naturaleza flexible y relacional de la adscripción étnica, lo mismo que la construcción cultural del indigenismo, que vincula a indios y no indios en la construcción de una nación heterogénea basada en la interacción continua entre culturas y regiones.

Comentarios

* Bogotá, 4 de mayo de 2015, comentario pronunciado con motivo del lanzamiento, en el marco de la Feria del Libro 2015.

Fernán E. González G. – PhD en Historia, Universidad de California en Berkeley, Estados Unidos. Entre sus últimas publicaciones está: Poder y violencia en Colombia. Bogotá: Odecofi-Cinep-Colciencias, 2014. Correo electrónico: [email protected]

Acessar publicação original

[IF]

 

Democratização ou cerceamento? Um estudo sobre a reforma do ensino médio técnico dos anos 1990 – ARRUDA (TES)

ARRUDA, Maria da Conceição Calmon. Democratização ou cerceamento? Um estudo sobre a reforma do ensino médio técnico dos anos 1990. Rio de Janeiro: Interciência, 2013, 170p. Resenha de: RAMOS, Marise. Revista Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v.13, n.1,  jan./abr. 2015.

O título deste livro anuncia o caminho traçado pela autora para demonstrar que a tese da reforma do ensino médio técnico realizada no Brasil nos anos de 1990 se revelou, na prática, na sua antítese. Tratou-se de uma reforma que teve o autoritarismo como base, apesar de abrigada por um Estado formalmente democrático. Muito ao contrário de ter sido uma estratégia de universalização do ensino médio, a reforma partiu do pressuposto de que aos que vêm dos segmentos populares resta somente uma alternativa: o ingresso no mercado de trabalho o quanto antes, cerceando-lhes, assim, outras perspectivas, como o ensino superior acadêmico e de qualidade, já que a história e a cultura do país tende a legitimar esse direito aos que chamam de ‘elite’.

O livro cumpre o que promete. Apresenta um estudo sobre a referida reforma com bases teóricas e empíricas. Ao mesmo tempo em que o estudo redunda numa produção científica, ele se torna um instrumento político, pois o desvelamento dos fundamentos da reforma é também uma denúncia. Afinal, a autora conclui que tanto a arquitetura da reforma foi pensada de modo a restringir o acesso das camadas médias às escolas técnicas federais, quanto privilegiou o estabelecimento de trajetórias educacionais diferenciadas — leiam-se trajetórias que levam alguns à universidade e muitos outros ao mercado de trabalho — e circunscreveu o ensino técnico a uma formação restrita para o trabalho. Poderíamos considerar que este problema no Brasil teria sido superado com a revogação do decreto n. 2.208/97 pelo de número 5.154/2004 e a introdução de seu conteúdo na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Trata-se, entretanto, de uma superação formal, pois a concepção educacional dualista, por ser produto da cultura escravocrata que caracteriza a formação social brasileira, ainda encontra, nos dias atuais, defensores influentes no debate sobre os rumos da nossa educação. Conhecer o conteúdo deste estudo é, portanto, um meio de aprender com a história para que esta não seja reinventada como tragédia ou como farsa.

Outra razão que justifica conhecer a obra e o viés empírico imprimido ao estudo. A autora faz este esforço ao investigar o perfil social e cultural, bem como interesses e expectativas de estudantes matriculados no terceiro ano do ensino médio de três escolas técnicas localizadas na região metropolitana do Rio de Janeiro. Esses, portanto, já teriam ingressado nas escolas sob a vigência do decreto n. 2208/97. A escolha das escolas, explica a autora, se baseou na representação que a sociedade tem sobre sua qualidade, além de seus estudantes demonstrarem bom desempenho no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Deve-se, ainda, ao fato de serem escolas que selecionam os estudantes mediante um concurso público.

Os resultados e a análise do estudo empírico são apresentados no quarto capítulo, tendo sido orientado por algumas hipóteses. A primeira delas considerou que a reforma não democratizou o acesso das camadas populares ao ensino técnico federal, mas, ao contrário, as distanciou dessas instituições, posto que para cursar os ensinos médio e técnico concomitantemente os estudantes precisavam dispor de dois turnos, o que se contrapõe à necessidade de os jovens das camadas populares trabalharem desde cedo. Ao mesmo tempo, cursar o ensino técnico após o ensino médio significaria prolongar o tempo desses jovens na escola, o que se confronta com a mesma necessidade.

A outra hipótese se contrapôs ao argumento dos defensores da reforma de que as camadas médias da sociedade não se interessam pelo ensino técnico, mas procuram as escolas técnicas como ‘trampolim’ para as universidades. A autora alerta que a existência de escolas técnicas privadas destinadas às camadas médias poderia ser um indicativo do interesse desse estrato social pelo ensino médio técnico. Além disso, ressalta, as políticas neoliberais, longe de terem favorecido essas camadas médias, teriam contribuído para seu empobrecimento, o que torna a formação técnica também uma alternativa que visa à qualificação para o trabalho.

Finalmente, reencontramos no livro a conclusão de que a reforma teria restabelecido a dualidade educacional dissociada de um projeto de democratização do ensino, mas vinculada a uma concepção de educação que vê na formação para o trabalho a trajetória escolar mais adequada aos alunos das camadas populares. Diríamos, porém, que a natureza dessa dualidade se modifica em relação àquela em que o ensino profissional não tinha equivalência ao de formação geral (anterior à lei n. 4.024/61) e à existência dos dois ramos do ensino de 2° Grau — propedêutico e profissionalizante — típica da lei n. 5.692/71 após o parecer do Conselho Federal de Educação n. 76/75.

A leitura dos dados obtidos pela autora e as respectivas análises são um ponto alto da presente obra. Destacamos, por exemplo, no caso das escolas estudadas, que seus estudantes pro-veem, em sua maioria, das camadas médias e não das elites, fazendo cair por terra a ideologia da ‘elitização do ensino técnico’ propalada pelos defensores da reforma. Bem colocada pela autora é, ainda, a crítica à associação das camadas médias com as elites. Segundo ela, trata-se de uma retórica utilizada para justificar o restabelecimento da dualidade e apresentar a reforma como supostamente justa.

Esses estudantes optaram por realizar o curso técnico concomitantemente ao ensino médio e justificam tal escolha pela intenção de prosseguirem os estudos em nível superior e também de trabalharem, considerada esta possibilidade seja simultaneamente à formação superior, seja como alternativa temporária a este. A autora conclui que o ingresso no ensino superior é uma trajetória frequente entre os concluintes das escolas técnicas, imediatamente ou após algum tempo de exercício profissional como técnico de nível médio. Assim, diz ela, ironicamente, que o pecado das escolas técnicas federais teria sido a associação, bem sucedida, entre formação geral e formação para o trabalho, que permite a seus estudantes autonomia na articulação dos conhecimentos recebidos e, consequentemente, autonomia para irem além, caso desejem. Não estaria aqui a tese de Dermeval Saviani (1997) de que essas escolas, por conterem os elementos de uma educação politécnica, contêm também os germens de sua construção?

Neste livro, então, encontramos, pelo estudo empírico, as justificativas para considerarmos que a possível integração entre os ensinos médio e técnico não se confunde com a educação politécnica e omnilateral, mas pode ser uma travessia em direção a ela. Trata-se de uma necessidade conjuntural — social e histórica — para que a educação tecnológica se efetive para os filhos dos trabalhadores (Frigotto, Ciavatta e Ramos, 2005). É preciso ver que uma conquista legal nesse sentido está, antes, no texto da LDB quando, no parágrafo 2° do artigo 36, prevê que o ensino médio, atendida a formação geral do educando, poderá prepará-lo para o exercício de profissões técnicas. Vemos que aqui se apregoa tanto um direito — cursar o ensino técnico com o ensino médio — como uma condição, qual seja, o asseguramento da formação básica. Isto é, a formação técnica não pode substituir nem sacrificar a formação geral e, portanto, em nenhuma hipótese, concorrer com ela. Antes, precisam, necessariamente, convergir para os princípios do direito social e subjetivo.

O caráter dual da educação brasileira, como bem demonstra a autora com quem dialogamos, e a correspondente desvalorização da cultura do trabalho pelas elites, ainda orientadas pela cultura escravocrata presente na formação social brasileira, que Maria da Conceição Calmon Arruda também resgata, torna a escola refra-tária a essa cultura e suas práticas. Assim, a não ser por uma efetiva reforma moral e intelectual da sociedade, preceitos ideológicos não são suficientes para promover o ingresso da cultura do trabalho nas escolas, nem como contexto e, menos ainda, como princípio. Desta forma, uma política consistente de profissionalização no ensino médio, dadas as outras razões e condicionada à concepção de integração entre trabalho, ciência e cultura, pode ser a travessia para a organização da educação brasileira com base no projeto de escola unitária, tendo o trabalho como princípio educativo. A contribuição da análise presente nesta obra é inestimável para a compreensão do problema e para a construção de estratégias que o enfrentem na difícil e contraditória relação entre Estado e sociedade civil que a política pública implica.

O livro é produto da tese de doutorado da autora, concluída no Programa de Pós-Graduação em Educação do Departamento de Educação do Centro de Teologia e Ciências Humanas da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, em 2008, orientada por Leandro Konder, que nos deixou em 12 de novembro de 2014. Seu legado, porém, se imortalizou em suas obras, nas ideias e nas pessoas que ajudou a formar. Apresentar este livro neste momento torna-se, coincidentemente, uma homenagem a este grande filósofo e educador.

Referências

SAVIANI, Dermeval. A nova lei da educação. LDB, limite, trajetória e perspectivas. 8. ed. São Paulo: Autores Associados, 1997. [ Links ]

FRIGOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA, Maria; RAMOS, Marise. Ensino médio integrado: concepção e contradições. São Paulo: Cortez, 2005. [ Links ]

Marise Ramos – Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[MLPDB]

Como se constrói um santo: a canonização de Tomás de Aquino | Igor Salomão Teixeira (R)

TEIXEIRA Igor Salomao Los gobiernos progresistas latinoamericanos
TEIXEIRA I Como se constroi um santo Los gobiernos progresistas latinoamericanosIgor Salomão Teixeira | Foto: AracneTV |

O fenômeno de santidade, marcado pela sua complexidade e pelo ânimo que alimenta a espiritualidade cristã ocidental, traz consigo toda a densidade que o comporta no que tange ao seu processo de desenvolvimento. Sendo o santo o expoente máximo, cuja vivência terrena lhe confere o acesso irrestrito ao plano sagrado, seu caráter intercessor o torna um importante elemento mediador entre a instância divina e o fiel.

Pensando-o como construção, isto é, imergindo mais profundamente em seu caráter sócio-cultural de concepção, ele é o produto de um intento individual ou coletivo. Nessa linha de raciocínio, ele segue um sentido de ser, encontrando seu delineamento a partir de determinados interesses. O santo reúne em si uma confluência de elementos característicos que ocupam, na lógica social na qual tem origem, finalidades específicas.

Levando em conta o acima exposto, trabalhar o processo de construção de um santo não se torna um exercício de simples execução, dado as múltiplas dimensões que envolvem seu desenvolvimento. Nesse sentido, Igor Salomão Teixeira encontra em sua empreitada um espinhoso, mas interessante caminho de buscar entender como se deu o processo de canonização de Tomás de Aquino e seus consequentes interessados.

Publicado no ano de 2014, o livro de Teixeira traz como objeto de pesquisa o desenvolvimento do processo de canonização de Tomás de Aquino, levado a cabo no papado de João XXII, bem como os possíveis interessados na santificação do dominicano. Trabalhando com o conceito de tempo de santidade (intervalo compreendido entre a morte da personalidade e sua efetiva canonização, de modo retroativo), o autor analisa comparativamente tais lapsos entre figuras contemporâneas e/ou próximas a Tomás de Aquino, buscando realçar semelhanças e diferenças entre elas e possíveis motivações ao resultado obtido no processo.

Sete questões norteiam o desenvolvimento da proposta: quem seriam os interessados na canonização de Tomás? Qual a santidade de Tomás de Aquino entre os dominicanos? Os interrogados conheceram Tomás de Aquino? Que relação tiveram com o candidato a santo? Qual a atuação do papa João XXII no processo? Ao final, canonizado, que santo é Tomás de Aquino? Como se deu a operação da construção narrativa que resultou na Ystoria? O que a canonização de Tomás de Aquino explica sobre o período e sobre as pessoas envolvidas? Outras tantas questões, de cunho secundário, são apresentadas, servindo de pontos de apoio para progressões mais detalhadas que auxiliam na costura do todo.

Procurando alicerçar seu posicionamento, buscando base no alinhamento ou refutação do que a bibliografia viabiliza ao tema, Teixeira estabelece diálogos com autores, como, por exemplo: Sylvain Piron, Andrea Robiglio, Roberto Wielockx, Isabel Iribarren, André Vauchez, etc. Em relação ao último, seu conceito de santidade seria contestado por Teixeira a partir da reflexão por ele feita tomando por base a noção de tempo de santidade, identificando com isso o que o processo de Tomás de Aquino carregaria de mais singular.

O livro se desenvolve basicamente em três capítulos, sendo cada um deles responsável por uma parte relevante na composição argumentativa do autor. O primeiro, voltado aos Inquéritos efetuados em 1319 e 1321, destaca, entre outros, uma não aproximação de João XXII com os dominicanos, dado sua negativa em iniciar o processo do também dominicano Raimundo de Peñafort, o que poderia indicar um possível favorecimento à Ordem. Nele também é destacada a predileção por um teólogo a um jurista, assim como era Peñafort. O alcance da santidade de Aquino é apresentado como sendo circunscrito ao local de seu sepultamento, assim como também é realçado o fato de as Ordens religiosas não comporem o corpo massivo nas oitivas, sendo os Pregadores inclusive menos numerosos que os cistercienses.

O segundo capítulo é direcionado para a questão da santidade de Tomás de Aquino em relação à Ordem dos dominicanos. Nele, Teixeira conclui que não havia uma unanimidade no que diz respeito ao posicionamento da Ordem em relação a Tomás de Aquino, sendo as variações produto dos diversos momentos experimentados pelos Pregadores. Nesse sentido, ganha ênfase o fato de no contexto da canonização nem todos estarem de acordo com os posicionamentos de Aquino. Em linhas gerais, por mais que o resultado comparativo efetuado entre as hagiografias de Pedro Mártir, Domingos de Gusmão e Tomás de Aquino indicassem um alinhamento deste ao propósito dominicano, assim como os demais, a carência de milagres e o desenvolvimento de um culto na Sicília dariam indícios de uma canonização que excede os interesses dominicanos.

Já no terceiro capítulo, trilhou-se o caminho de trabalhar o reconhecimento papal da santidade de Aquino a partir de aspectos teológicos. Havia, segundo Teixeira, um interesse, por parte do papado, em promover a canonização do dominicano em virtude da disposição existente entre ambos em relação à questões teológicas pontuais que favoreciam João XXII.

As necessidades alimentadas por um contexto turbulento (século XIV), no qual a autoridade papal se via em meio a constantes reviravoltas, fez com que João XXII, ao assumir um trono vacante (desde a morte de Clemente V, em 1314), iniciasse uma série de reformas, o que teria elevado as finanças papais. As diretrizes centralizadoras implementadas por ele, expropriando bens, aumentando taxas, aumentariam ainda mais o patrimônio eclesiástico. Para Teixeira, a canonização de Tomás de Aquino seria motivada dada a posição do teólogo em relação à pobreza radical da Igreja, sendo ele contrária a ela. Tal linha de pensamento, alinhada aos interesses de João XXII, teria feito com que este, buscando legitimação de suas ações, promovesse o processo de reconhecimento da santidade de Aquino.

Em linhas conclusivas, respondendo às questões principais de seu livro, destaca o autor que três seriam os possíveis interessados na canonização de Tomás: os dominicanos, sua família de nobres da região de Nápoles e o Papa João XXII, sendo o último o que de fato a procedera. Em relação à santidade de Aquino junto aos dominicanos, o autor percebe um posicionamento discreto destes no processo de canonização, com certa divergência dentro do grupo acerca das linhas de pensamento tomistas. No que diz respeito ao processo de canonização, poucos foram, dos que participaram do Inquérito, os que tiveram contato com Tomás de Aquino em vida.

A rapidez da canonização de um teólogo e não de um jurista, entre outras posições, desponta como resposta à atuação do papa João XXII no processo. Ao que se relaciona ao santo que é Aquino, bem como à construção narrativa que originou a Ystoria (sua hagiografia, de Guilherme de Tocco), destaca Teixeira que o santo tinha todos os caracteres dos demais santos da “Igreja Católica” (castidade, virgindade, virtuosidade, etc.), sendo a obra elaborada a partir de uma inserção de seu autor, Guilherme de Tocco, na própria narrativa, destacando os elementos que dariam conta de confirmar a santidade em proposta.

No que tange ao que a canonização de Aquino explica sobre o período e as pessoas envolvidas, o autor destaca as tensões existentes entre o papado e as Ordens religiosas, e mesmo entre estas, nos séculos XIII-XIV. Explica que a criação de uma crença e seu devido reconhecimento leva em conta um emaranhado complexo de elementos de ordem política, social, doutrinária, etc. Tais elementos formariam uma conjuntura que favorece os posicionamentos tomados para o desenvolvimento do processo e para a canonização.

O livro de Igor Salomão Teixeira, ao trabalhar os liames que envolveram a canonização de Tomás de Aquino, levando em conta os interesses envolvidos, traz a necessidade de pensar o próprio processo não unicamente como fonte para o estudo da santidade, mas primeiro como peça jurídica dentro de uma lógica que transcende exclusivamente esta questão. Só assim, os interesses envolvidos no reconhecimento da santidade puderam ficar evidentes, dando noção dos intentos que poderiam mover os agentes em tais processos.

Assim, ao trabalharmos com o fenômeno de santidade, seja através do estudo dos inquéritos desenvolvidos, ou das produções hagiográficos em si, entre outros, levando em conta o sentido dado a partir da construção discursiva, a necessidade de considerar as múltiplas dimensões que envolvem a constituição do santo se fará presente. Nesse sentido, pensar a densidade que os estudos hagiográficos, por exemplo, possam conter, considerando-os também como um elemento que compõe a peça jurídica, elevam em importância o teor narrativo que a obra traz consigo, demandando do pesquisador um fôlego a mais para além da pura santificação.

Jonathas Ribeiro dos Santos Campos de Oliveira – Mestrando PPGHC-UFRJ/Bolsista Capes. E-mail: [email protected]


TEIXEIRA, Igor Salomão. Como se constrói um santo: a canonização de Tomás de Aquino. Curitiba: Prismas, 2014. Resenha de: OLIVEIRA, Jonathas Ribeiro dos Santos Campos de. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.15, n.2, p. 229-233, 2015. Acessar publicação original [DR]

Etnicidad y victimización. Genealogías de la violencia y la indigeneidad en el norte de Colombia – JARAMILLO (A-RAA)

JARAMILLO, Pablo. Etnicidad y victimización. Genealogías de la violencia y la indigeneidad en el norte de Colombia. Bogotá: Ediciones Uniandes, 2014. 292p. Resenha de: APARICIO, Juan Ricardo. Antípoda – Revista de Antropolgía y Arqueología, Bogotá, n.22, maio/ago., 2015.

Como alguna vez lo plantearon Veena Das y Deborah Poole (2004), desde sus orígenes la antropología como disciplina ha sido acechada por el lenguaje del Estado asociado a los tropos del orden social, la dominación, la racionalidad, el monopolio y la legitimidad. Sin duda, la influencia de la Ilustración y otras corrientes posteriores y críticas a este mismo proyecto –como lo fue en su momento el romanticismo alemán (Herder)– ha sobredeterminado algunas de las apropiaciones conceptuales clásicas con las cuales en su momento los primeros antropólogos emprendieron el análisis de las “sociedades primitivas” (Bunzl, 1996). Ya sea para utilizar estos tropos heredados a su vez de los tres grandes hombres blancos –Marx. Durkheim y Weber–, o incluso para interesarse en sociedades que luchan en contra de la aparición de la forma de Estado (Pierre Clastres, e.g.), es evidente que la antropología, de formas muy diferentes y variadas –unas más cercanas a las corrientes durkheimianas enfatizando la función ordenadora de la sociedad y otras más cercanas a Marx y Weber enfatizando su dimensión conflictiva, contradictoria y eminentemente política, entre otras–, tomó prestado de los vocabularios estructuralistas y funcionalistas o su combinación para comprender la emergencia, el mantenimiento y reproducción de los órdenes sociales. Incluso, en sus escuelas de Cultura y Personalidad, mejor visibilizadas en los trabajos de Ruth Benedict, siempre se trató de encontrar los patrones y los estándares en la cultura. Pero Edmund Leach (1964: ix), en su prólogo al clásico estudio sobre las aldeas del Sudeste Asiático, ya indicaría una poderosa crítica sobre esta tradición: el uso sobresimplificado (oversimplified) de una serie de nociones asociadas al equilibrio derivadas del uso de las analogías orgánicas para estudiar las estructuras de los sistemas sociales. En términos concretos, indicaría que los sistemas sociales no son una realidad natural y que, a lo sumo, la presencia del equilibrio siempre será ficcional (1964: ix).

En este orden de ideas, y a lo largo de la larga y muy variada historia de lo que algunos llamarían antropología política, quiero pues enfatizar en la muy rica y compleja tradición del pensamiento antropológico, no pocas veces en diálogo con la filosofía política, que ha enfatizado y estudiado las prácticas que deshacen la misma idea del Estado con “E” mayúscula, así como sus fronteras territoriales y conceptuales (Das y Poole, 2004). El clásico estudio de Philip Abrams (1988) sobre el dilema de estudiar al Estado con “E” mayúscula ya anunciaba la dificultad de pensarlo como un objeto aislable y limitado de las otras dimensiones de la vida social. Haciendo una enorme generalización que corre el riesgo de borrar sus singularidades, se trata de una muy amplia variedad de estudios que han pensado al Estado desde las mismas prácticas que lo construyen, performan, reproducen y mantienen en el tiempo. Es así como Akhil Gupta (1995), por ejemplo, estudiaría el Estado desde los márgenes burocráticos de las aldeas y la misma percepción que tienen sus habitantes para terminar reificándolo como una entidad separada de la sociedad civil. En otro trabajo posterior sobre las burocracias, indicaría también la importancia de las redes locales y clientelistas que terminan construyendo al Estado lejos de la racionalidad burocrática weberiana (Gupta 2012). También, Winifred Tate (2007), en su estudio sobre la emergencia tanto del gobierno de los derechos humanos como de los movimientos sociales organizados en torno al mismo, indicaría cómo son los últimos los encargados también de reificar al Estado como una entidad homogénea y totalizadora a la cual se puede culpar y también demandar. La cara dual que tiene el Estado, como aquella entidad que se teme pero también que se desea (“Estado piñata”), fue descrita por Diane Nelson (1999) en el auge de la Guatemala multicultural de los noventa. En definitiva, para esta tradición de estudios etnográficos del estado (con “e” minúscula) –que no he querido intentar delimitar acá sino tan sólo mostrar algunos breves ejemplos–, el estado es analizado a través de las mismas prácticas que lo terminan construyendo y manteniendo en el tiempo. Para concluir con este breve apartado, quizás el cambio más radical de esta mirada desde una etnografía crítica que intenta desnaturalizar tanto el objeto de estudio del “Estado” como sus actualizaciones en el sentido común, lo aclararía Michel-Rolph Trouillot en su clásico artículo sobre el Estado: en una mirada donde la “materialidad del Estado residirá mucho menos en las instituciones que en la reorganización de los procesos y relaciones de poder con el fin de crear nuevos espacios para el despliegue de poder” (2001: 127).

Es pues desde estas coordenadas teóricas y metodológicas de las etnografías críticas del Estado que quiero leer el libro del antropólogo Pablo Jaramillo Etnicidad y victimización. Genealogías de la violencia y la indigeneidad en el norte de Colombia. El autor adelanta su investigación sobre la emergencia e inserción del sujeto indígena wayúu dentro del discurso de la víctima movilizado por las agencias internacionales y el Estado colombiano. Con fineza etnográfica, nos permite entender cuáles son las nuevas condiciones de posibilidad pero también de movilización estratégica de la noción de la víctima articulada tanto a lo indígena como a su particular feminización. Indagando acertadamente sobre la larga historia de alianzas, encuentros y desencuentros y relaciones entre las comunidades indígenas con el Estado y sus instituciones –por ejemplo, alrededor de la emergencia de las autoridades matrilineales resultado de los matrimonios de mujeres wayúu con intermediarios del Estado–, el autor logra ilustrar que estas identificaciones son más bien un terreno movedizo, contingente y lleno de mediaciones estratégicas. Lejos de la metáfora vertical de la soberanía o de la burocracia aséptica weberiana, el autor indaga sobre las prácticas mismas que permiten el despliegue de soberanías y su reacomodación contingente por parte de las comunidades y, también, de las autoridades del gobierno central.

Esto lo conduce a indagar el presente a través de una etnografía que lo llevaría tanto a foros en las Naciones Unidas como a las aldeas wayúu en La Guajira, para darnos luces sobre las respuestas de estas comunidades a las interpelaciones del Estado humanitario y multicultural y sobre las ansiedades que se generan alrededor de la mercantilizacion de la etnicidad y la gubernamentalizacion de la diferencia. Resalta la emergencia de las llamadas Autoridades Tradicionales como los vehículos mediante los cuales se ejerció una soberanía en la década de los noventa plegada a los intereses de las economías globales y útiles para la interlocución con las agencias del Estado. Con detalle etnográfico, por ejemplo, el autor ilustra estas ansiedades antes, durante y después de varios encuentros entre las comunidades indígenas y funcionarios de ONG y agencias internacionales a los cuales pudo asistir. También ilustra cómo estas mediaciones logran “inventar” comunidades a través de la mediación de un ejercicio burocrático dedicado a llenar formatos y en manos de representantes particulares de las comunidades. Y, por supuesto, dedica una buena parte de los capítulos a indagar sobre amenazas, alianzas, masacres, desplazamientos y desencuentros de los wayúu con los grupos armados que resquebrajaron sus propios procesos organizativos. Estos apartes sobre estos encuentros que tienen lugar tanto en rancherías como en oficinas en Nueva York son realmente fascinantes pues complican lecturas reduccionistas tanto sobre la interpelación como sobre la resistencia.Buscan más bien comprender cómo se experimentan en la cotidianidad estos desafíos.

El libro puede leerse también como una etnografía del Estado preocupado por entender que, lejos de la visión racionalista y pura de la burocracia moderna referida anteriormente o de la metáfora organicista, en realidad ésta es vulnerable a todo tipo de mediaciones, intermediarios y negociaciones. Es bien sugerente su complejización de la extrema racionalización y efectividad que se le quiere acordar a este gobierno de los otros; estoy menos de acuerdo con su crítica a un supuesto Foucault que correspondería a una noción totalitaria, vertical y totalmente eficiente de este arte de gobernar. Sólo revisar las últimas dos frases de Vigilar y castigar (Foucault, 1976: 214) para darse cuenta de las múltiples batallas que amenazan estos actos de gobernar a las poblaciones, incluso en medio de este proyecto panóptico que produce una “humanidad central y centralizante, efecto e instrumento de relaciones de poder complejas” . Incluso, el mismo Foucault dudaría de la misma efectividad y unilinealidad de las racionalidades de la misma gubernamentalidad. Parafraseando al pensador francés, afirma que después de todo el Estado no es más que una realidad compuesta (composed reality), una abstracción mistificada, que, finalmente, no es tan funcional ni tan eficiente como pretende serlo (Foucault, 2000: 220). Importante precaución que debería también producir lecturas más rigurosas sobre este pensador francés muchas veces asociadas a las metáfora de la administración vertical y eficiente de poblaciones.

Quiero terminar con dos comentarios donde veo, más que respuestas concluidas y acabadas en el libro de Jaramillo, proyectos que se abren para una antropología en un futuro. En primer lugar, el último capítulo, el más corto a mi modo de ver pero el más provocador, deja al lector queriendo saber más. Me explico: gran parte del libro se ha movido dentro de la movilización de los “esencialismos estratégicos” que han permitido que algunos sectores, familias, etcétera, entren a jugar dentro del mundo multicultural con todas las contradicciones y “confluencias perversas” del gobierno neoliberal (Dagnino 2004). El autor revisa en sus conclusiones distintos trabajos antropológicos en Colombia que han intentado analizar los procesos de endogénesis y deja la interesante observación de que muchos de éstos se han quedado parados “a medio camino” (p. 230). Indica, conversando con Restrepo (2004) y también distanciándose de él, que estos trabajos de endogénesis han desechado la pregunta sustancial por la experiencia y la identidad para pensarla dentro de las (únicas) coordenadas de los “esencialismos estratégicos” y las posiciones de sujeto. Dice Jaramillo (p. 230; el énfasis es mío): “De hecho, mucho del conocimiento sobra la etnicidad que se ha derivado de este acuerdo consiste en afirmar que estos usos son profundamente políticos y estratégicosPero quedarse ahí es parar a medio camino”. A continuación, el autor intenta posicionar conceptos elaborados y muy enriquecedores como el de la “etnogénesis radical” de James Scott y el de la “política de la vida densa” de Povinelli, para terminar concluyendo: “Sin embargo, el concepto apunta a un elemento clave de la etnicidad, y es que la contingencia existe dentro de un repertorio, aunque amplio, definido de concebir la existencia humana en relación con algo llamado ‘cultura’. En otras palabras, la etnogénesis depende de una ontogénesis” (p. 230). Así, frente a la noción instrumental del despliegue de los “esencialismos estratégicos”, Jaramillo (p. 231) reacciona argumentando que tales afirmaciones niegan que también la etnicidad sea también “una forma de experimentar y ser en el mundo”, sin desnudarla tampoco de su dimensión política.

El texto pasa luego, en verdad en pocas páginas, a repasar en qué consistirían estas “políticas de la vida densa”, tales como las respuestas por parte de algunos líderes indígenas a la llegada del Parque eólico Jepirachi, diseñado y dirigido por las Empresas Públicas de Medellín, que recibiría una cuantiosa suma de dinero del Fondo Prototipo de Carbono del Banco Mundial. Analizando las respuestas de algunos de estos líderes en Foros Internacionales frente al silencio del proyecto y sus diagnósticos sobre la violencia paramilitar, el autor piensa estas respuestas de rechazo al proyecto a partir de “la posibilidad de construir un sentido de colectividad y bien común entre los wayúu  apelando a formas alternativas de articular ‘la indigeneidad’ como parte de las movilizaciones políticas y las demandas de la justicia” (p. 236). En estos reclamos encuentra una relación entre el discurso de la victimización movilizado estratégicamente en estos foros y elementos constitutivos de la vida wayúu, como el viento. Según el autor, la Fuerza de Mujeres Wayúu, protagonista central de su libro, al plantear estos desafíos en estos foros, proponía que “el viento era un elemento fundamental en las nociones de llegar a ser wayúu” (p. 237); en ese mismo sentido, continúa el autor, se proponen “formas de interdependencia como piedra angular para la identificación wayúu” (p. 237). Sin duda alguna, tal dirección ubica al texto cercana a aquellas corrientes recientes de pensamiento antropológico que han pensado el tema de las “ontologías políticas” al reconocer la movilización de los antagonismos en “la misma gestación de las entidades que conforman un determinado mundo u ontología” (Blaser 2008: 82). Insisto, es una lástima que hayan sido pocas las páginas dedicadas a estos argumentos y acontecimientos que hacen mucho más complejo el análisis de estos procesos de endogénesis radical que van más allá de su instrumentalización política. Queda un camino abierto por recorrer por parte de futuros investigadores que intenten comprender estos procesos sin reducirlos a argumentos sustancialistas o estratégicos, como si fueran mutuamente excluyentes.

Por último, y sin entrar en hondas discusiones, quiero terminar indicando mi curiosidad por cómo va a ser leído este libro por parte de sus entrevistados/as y las organizaciones con las cuales Jaramillo debatió sus investigaciones por varios años. Mucha de la información recolectada de los testimonios, justamente habla de las ansiedades que viven estas comunidades y estos líderes frente al encuentro con las agencias estatales. Hay testimonios que podrían ser leídos de manera muy exagerada –como el intento de estas comunidades por “engañar” al Estado y a las ONG, o las alianzas, rupturas y luchas entre distintos sectores wayúu, con testimonios que hace una persona sobre otra persona o bandos contrarios–. El debate, por supuesto, lo quiero ubicar por fuera de la instrumentalizada noción de los códigos de ética que actualmente atraviesan nuestras investigaciones. Mi curiosidad es quizás la de todo etnógrafo sobre el destino de sus observaciones dentro de territorios marcados por tensiones, ansiedades y conflictos humanos.

Comentarios

* Jaramillo, Pablo. 2014. Etnicidad y victimización. Genealogías de la violencia y la indigeneidad en el norte de Colombia. Bogotá, Ediciones Uniandes, 292 páginas.

Referencias

Abrams, Philip. 1988. Notes on the Difficulty of Studying the State. The Journal of Historical Sociology1 (1), pp. 58-89.         [ Links]

Blaser (M). (2008). «La ontología política de un programa de caza sustentable», WAN Journal4.pp. 81-107.         [ Links]

Bunzl, Matti. 1996. Franz Boas and the Humboldtian Tradition: From Volksgeist and Nationalcharakter to an Anthropological Concept of Culture. En Volksgeist as Method and Ethic: Essays on Boasian Ethnography and the German Anthropological Tradition, ed. George Stocking, pp. 17-78. Madison, University of Wisconsin Press.         [ Links]

Dagnino, Evelina. 2004. “Conflência perversa, deslocamentos de sentido, crise discursiva.” In La cultura en las crisis latinoamericanas, editado por Alejandro Grimson. Buenos Aires: CLACSO., pp 195-216.         [ Links]

Das, Veena and Deborah Poole (eds.). 2004. Anthropology and the Margins of the State. Santa Fe, School of American Research Press.         [ Links]

Gupta, Akhil. 2012. Red Tape: Bureaucracy, Structural Violence, and Poverty in India. Durham, Duke University Press.         [ Links]

Gupta, Akhil. 1995. Blurred Boundaries: The Discourse of Corruption, the Culture of Politics and the Imagined State. American Ethnologist22 (2), pp. 375-402.         [ Links]

Leach, Edmund. 1964. Political Systems of Highland Burma. Londres, University of London.         [ Links]

Nelson, Diane. 1999.A Finger in the Wound: Body Politics in Quincentennial Guatemala.Berkeley, University of California Press.         [ Links ]

Restrepo, Eduardo. 2004. Teorías contemporáneas de la etnicidad. Stuart Hall y Michel Foucault.Popayán, Editorial Universidad del Cauca.         [ Links]

Tate, Winifred. 2007. Counting the Dead. The Culture and Politics of Human Rights Activism in Colombia. Berkeley, University of California Press.         [ Links]

Trouillot, Michel-Rolph. 2001. The Anthropology of the State in the Age of Globalization. Close Encounters of the Deceptive Kind. Current Anthropology42 (1), pp. 125-138.         [ Links]

Juan Ricardo Aparicio – PhD. Antropología, Universidad de Carolina del Norte en Chapel Hill, Estados Unidos. E-mail: [email protected]
Universidad de los Andes, Bogotá, Colombia.

Acessar publicação original

[IF]

 

The Rock Basins of Serra do Cume: Azores megalithic rocks and enigmatic inscriptions rearrange the old Atlantic geography / Maria Antonieta Costa

A formação vulcânica do arquipélago dos Açores apresenta uma admirável variedade de litologias (composições rochosas) com propriedades mineralógicas interessantes – assim começa o Abstract introdutório do livro. E continua: no que respeita à formação geológica da ilha Terceira encontram-se presentes quantidades notáveis de sílica, elemento que parece ser fundamental também na composição das construções megalíticas do continente europeu. Seja ou não uma coincidência esse fato dá a impressão de ser ele a razão explicativa segundo a qual os indícios (sinais) encontrados na ilha Terceira, tais como marcas em forma de cortes e de taças, construções megalíticas, “inscrições”, sugerindo que intercâmbios semelhantes entre seres humanos e seu ambiente, que se sabe ocorrerem no continente, podem surgir em lugares mais improváveis, como no meio do Oceano Atlântico. A escolha de tais rochas para construir as ocorrências descritas também implica a existência de um “plano” anterior à sua implantação.

Até aqui o Abstract. O projeto desta investigação faz parte das atividades da Autora na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, onde atua em estágio de pós-doutorado, e onde conta com o apoio da Professora Doutora Alice Duarte, tutora do projeto. Embora a presença de formações rochosas de configuração incomum, e em grande quantidade, desde longa data tenha despertado a atenção de moradores e visitantes da ilha Terceira nunca um estudo sistemático fora empreendido, até que Maria Antonieta Costa, pesquisadora de História da Cultura, resolveu dedicar-se ao tema. Para levar a cabo uma investigação detalhada, cuidadosa, e em larga escala, ela convidou geólogos e arqueólogos, e pesquisadores de áreas afins, e com eles fez o levantamento completo de todo o conjunto. Uma vez que não se encontraram (ainda) vestígios de ocupação humana anteriores à presença portuguesa a atenção voltou-se para definir a sua maior probabilidade através de dois caminhos: comparação com sítios arqueológicos similares em outros locais da Europa (quase todos na Escandinávia), e a análise/interpretação do conjunto em termos de Antropologia do Espaço, ou Antropologia da paisagem cultural. Segundo este ponto de vista certas configurações do ambiente natural (flora, geologia) oferecem à observação um potencial de imaginário cultural que atraem a presença humana, ou, quando menos, a suspeita fundamentada dessa presença.

Uma das questões mais destacadas pela autora é a forte presença de sílica na composição rochosa da Serra do Cume: essa presença não existe em outros locais dos Açores, mas é conhecida em rochas de outros lugares do mundo, onde as propriedades “mágicas” (curativas) da sílica fazem as populações atribuir poderes sobrenaturais às formações rochosas. Há ainda outros aspectos (sinais) destacados no texto e muitos deles fotografados: os riscos e sulcos nas rochas, as formações que lembram animais, ou humanos, as construções de pedras sobrepostas em muros, as taças aparentemente esculpidas na pedra, e o conjunto todo dessas rochas, algumas das quais dificilmente se podem imaginar sem a ação humana, que parece demonstrar uma intencionalidade na sua disposição.

Redigindo a conclusão do livro (agosto de 2014) a Autora afirma que as taças na rocha (rock basins), que foram o pretexto inicial para conduzir a pesquisa, passaram a segundo plano perante a importância que entretanto se revelou no conjunto. Ao preparar uma nova etapa da pesquisa, com o apoio de mais especialistas, e ampliando o campo de ação, Costa já estava também iniciando outras abordagens e consolidações do projeto: o convite a antropólogos europeus para visitarem a Serra do Cume, e a publicação de crônicas em jornais locais – em ambos os casos com a intenção de captar a atenção e o interesse do público, estudiosos, e autoridades, e garantir meios de investigação e credibilidade aos seus resultados.

Sir Barry Cunliffe, professor em Oxford, é um dos antropólogos europeus mais respeitados da atualidade;nos últimos anos ele vem defendendo a hipótese da existência de uma cultura megalítica atlântica muito anterior (nove mil anos a.C.) à suposta “chegada” dos celtas ao extremo ocidente europeu. Pelo contrário, segundo ele – no que é secundado, senão antecipado, por investigadores espanhóis como Ramon Sainero – teria sido nesse extremo ocidente que se teria originado a cultura depois conhecida como celta. Não é pois de admirar que Sir Barry Cunliffe atendesse prontamente o convite, visitasse a Serra do Cume, e no dia 15 de outubro de 2014, ao proferir palestra na Câmara de Vereadores de Angra do Heroísmo (Terceira) se mostrasse muito favorável à continuação das pesquisas. Além disso indicou o antropólogo George Nash para também ele visitar a ilha Terceira, o que o professor britânico aceitou, permanecendo na ilha de 15 a 25 de fevereiro de 2015, e apresentando relatório com suas conclusões.

George Nash percorreu os locais e observou as evidências rochosas mais destacadas: grutas, petroglifos, muros de pedra, rochas zoomórficas, sulcos nas lajes do solo, e concluiu que há possibilidade de serem sinais de ação humana. Constatou, porém, que não há nenhuma prova concreta da presença humanas na ilha anterior aos europeus (portugueses e flamengos); e que o pote de moedas fenícias e cartaginesas encontrado na ilha do Corvo (distante da Terceira) em 1749 só por si não garante que os fenícios tenham visitado as ilhas – as moedas podem ter sido um trote, colocado lá intencionalmente. Por isso ele recomenda que se realize um amplo projeto paleoambiental, procurando, por exemplo, sinais de pólen exótico, ou indícios de corte de floresta; mas aceita a viabilidade de resultados positivos, ao concluir pelo seu engajamento nesse futuro projeto.

As crônicas, onde a autora traduz e detalha diversos aspetos do livro, foram iniciadas no final de novembro de 2014, e no início de abril de 2015 somavam 17 textos publicados, quase todos de cerca de uma página, e sempre com o mesmo título: “Crónicas de uma causa mal-amada” – mal amada porque tem sido rejeitada, ou pelo menos desconsiderada pelo público açoriano. Pelos moradores, que dizem: “Quem gostaria de vir de longe, ver pedras?” (Crónica 9); pelas autoridades, particularmente do Geoparque dos Açores, que se mostram “relutantes” e mesmo “irredutíveis” a propor a candidatura do local investigado para ser classificado de forma diferenciada (Crónica 10); e pelos especialistas, nomeadamente arqueólogos, que têm sido “cegos” (Crónica 11) para as evidências que contrariam a história oficial: a de que o arquipélago era desabitado e não tinha recebido presença humana antes da chegada dos portugueses. Mas, tanto as crônicas como o livro destacam a colaboração que a A. tem recebido de profissionais e especialistas, não só no levantamento completo do sítio (mapas, fotografias, descrições) como na análise e interpretação de alguns aspetos e no seu enquadramento teórico mais amplo. Contudo essas colaborações voluntárias, e os esforços da autora – apresentando-se em congressos, fazendo palestras, e seriados na televisão – não alcançaram ainda um objetivo fundamental do projeto: o de ter aprovada a realização de uma pesquisa arqueológica profunda e vasta, e com ela o reconhecimento da importância do sítio pelas autoridades e público interessados. É notável, porém, que uma obra composta numa ilha no meio do Atlântico, com pouco mais de cinqüenta páginas de texto, e 90 fotografias, tenha despertado a atenção de uma editora alemã e o interesse de dois importantes antropólogos europeus. Há nele certamente mais do que uma ingênua curiosidade, duas qualidades que fazem de Maria Antonieta uma descobridora de mundos novos, ou de novas maneiras de ver o mundo.

João Lupi – Docente do Doutorado Interdisciplinar em Ciências Humanas. Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: [email protected].


COSTA, Maria Antonieta. The Rock Basins of Serra do Cume: Azores megalithic rocks and enigmatic inscriptions rearrange the old Atlantic geography. Saarbrücken: LAP/Lambert Publ., 2014, 73p. Resenha de: Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luis, v.15, n.2, 2015. Acessar publicação original. [IF]

Celtas e Germanos: olhares interdisciplinares / Brathair / 2013

Seguindo a tradição da revista Brathair de unir pesquisadores de várias áreas tratando de temáticas sobre os celtas e germanos, a edição de 2013.1 é consagrada aos olhares interdisciplinares, relacionados a esses povos. Neste sentido, os trabalhos dessa edição, percorrem os caminhos da História, Literatura, Filologia e Filosofia.

Pode-se dizer que a temática central é a relação entre História e Literatura, na medida em que entre os documentos analisados pelos autores temos o tratado médico, Capsula eburnea, obras hagiografias, biografia, textos literários e os escritos filosóficos de Heidegger e sua apropriação pelo nazismo.

Chiara Benati, da Università degli Studi di Genova, Itália, analisa o tratado médico Capsula eburnea (séculos IV / V), cuja versão original grega os medievais atribuíam ao médico Hipócrates, valendo-se do dispositivo retórico típico – um verdadeiro topos nas obras escritas e mesmo nos conteúdos orais disseminados na Idade Média – a que designamos por auctoritas. Trata-se de uma lógica segundo a qual a predicação de autoria a um clássico, padre da igreja, santo, filósofo / teólogo, autor inspirado de um Evangelho ou personagem bíblica, por exemplo, garantia ao conteúdo credibilidade e potencial de ampla difusão entre as camadas letradas e mesmo no lastro da cultura oral.

Nestes termos, o artigo de Benati denota rigor filológico ao traçar o estema das versões alto e centro-medievais alemãs do pequeno tratado médico, evidenciando-se as conexões e as interações culturais entre o Sul da Europa e as regiões alemãs. Desta forma, o texto revela o mérito de exemplificar, para os pesquisadores brasileiros – entre eles os historiadores – como proceder, de modo rigoroso e conceitualmente lastreado, ao trabalho filológico como instrumento de análise, crítica e reconstituição historiográfica e literária.

Analisando as relações entre História, Economia e Historiografia, tendo por base textos de pensadores cristãos como Ildelfonso, Isidoro de Sevilha e Aurélio Prudêncio, Mário Jorge da Motta Bastos (UFF / Translatio Studii) se propõe repensar, analisando e problematizando, um artigo do clássico medievalista francês Georges Duby. Trata-se de breve artigo publicado, em 1958, na prestigiosa Revue des Annales, sob o título de La Féodalité? Une mentalité médiévale, cujo intuito era rediscutir a noção de feudalidade (féodalité). Esta revisão historiográfica deu-se por ocasião da comemoração do clássico Qu’est-ce que la féodalité (1944) do historiador belga François-Louis Ganshof.

Com este objetivo, o autor realiza uma apropriada e necessária definição do campo semântico do feudalismo como complexo mais amplo de relações sociais de produção, dominação, resistência e elaboração de formas de pensar e representar o mundo. Desta noção abrangente e sistêmica, o autor destaca e particulariza, para fazer justiça ao pensamento de Duby, a ideia de feudalidade como traço de mentalidade, conjunto de representações de mundo conscientes ou irracionais, uma forma de sensibilidade coletiva. A originalidade do enfoque proposto no artigo reside no fato de que o autor demonstra, sofisticadamente e com o imprescindível recurso às fontes primárias, como o batismo engendrou, como legitimação ideológica, a fides enquanto instrumento contratual entre Deus e os integrantes do grêmio da Igreja. Os últimos, redimidos do pecado da insubordinação a Deus e libertos do domínio demoníaco, celebram com Deus um pacto em que se tornam mancipium Christi. Esta lógica produz, reproduz e é, por sua vez, reproduzida e ampliada pelos vínculos de feudovassalagem e de dominação senhorial.

Ronaldo Amaral (UFMT) tece relações entre História, Santidade e Religiosidade, em um texto adequadamente didático e, como tal, oportuno para a difusão e exemplificação do trabalho historiográfico com fontes hagiográficas. Partindo da Vita Fructuosi (século VII), o autor pretende problematizar o papel do imaginário e do contexto mental e ideológico na gesta da hagiografia como gênero retórico destinado a propagar um modelo de homem e de história. O trabalho prima pelo ineditismo da fonte e por conseguir ultrapassar a tendência à história interna ou filológica do corpus textual. O recorte, conquanto evidente para os historiadores de ofício, mostra-se inovador quando considerada a Vita Fructuosi, vez que não se cinge a discussões sobre a autoria ou gênese do documento. Evita-se, assim, recair em uma falsa questão historiográfica.

Márcia Manir Miguel Feitosa (UFMA / Mnemosyne) analisa textos literários que possuem um fundo celta. A partir do romance Crônica do Imperador Clarimundo, obra portuguesa de João de Barros, composta no século XVI, relaciona o romance com obras da Matéria da Bretanha, em especial A Demanda do Santo Graal, que teve uma importante circulação no reino luso.

Dentre as analogias entre a Crônica e a Demanda salientadas por Feitosa podemos destacar as qualidades do herói, semelhantes a do rei Artur, e sua espada, que guarda analogias com Excalibur. Além disso, Clarimundo, de acordo com o artigo, também possui analogias com outro herói da Demanda, Lancelot, por se voltar aos valores do cavaleiro cortês (a proteção das damas e a realização de façanhas heroicas).

Já o artigo, de redação inglesa, escrito por Ismael Iván Teomiro García (UNEDEspanha) prima pela erudição filológica e linguística, filiando-se, em sua linha de estudos, a uma concepção de gramática generativa, muito cara à teoria de Algirdas Julius Greimas, semiólogo lituano paradigmático para os estudos da linguagem. O autor evidencia alguns aspectos peculiares da sintaxe do atual irlandês, que evolui do antigo gaelic e adquire estatuto de língua nacional oficial em 1922, com a independência da Irlanda do Sul em relação ao Reino Unido. Neste esforço, faz-se oportuna a tradução de fonemas e sua sintaxe para o inglês, idioma do texto, uma vez que o mesmo foi o instrumento cultural de assimilação e imposição de suserania por parte da Inglaterra às populações gaélicas da Irlanda, hoje figurando como uma das línguas oficiais da República da Irlanda e sua verdadeira língua franca.

Analisando a relação entre História e Política, Dominique Vieira Coelho dos Santos e Anderson Souza (FURB) analisam uma biografia anglo-saxã dedicada ao rei Alfredo, a Vita Ælfredi Regis Angul Saxonum, escrita por Asser. Neste relato, o monge galês procura valorizar as características do rei Alfred como bom guerreiro e letrado. De acordo com o artigo, pode-se fazer uma analogia entre o Renascimento Carolíngio e o Renascimento Anglo-Saxão ocorrido no período de Alfred, que assim como Carlos Magno estimulou no seu governo a circulação de obras clássicas. O artigo é bem construído e discute o uso da narrativa para a valorização do rei e sua ligação com valores positivos como a guerra e a cultura.

Também tratando das relações entre História e Política na relação do uso da Filosofia pelo poder, temos o artigo de Moisés Romanazzi Tôrres (UFSJ), que problematiza, mobilizando um amplo espectro de conceitos e noções fundamentais da ontologia de Martin Heidegger (1889-1976), um aspecto de relevância para a compreensão não apenas do complexo pensamento do autor alemão, como de sua participação política e comprometimento ideológico com o Nazismo.

O ensaio, conquanto breve, é bastante denso e evidencia domínio do autor sobre os temas fundamentais desta ontologia histórica e pós-metafísica, ainda pouco problematizada pelos historiadores. Tratando-se de uma proposta de fundamentação da historicidade da condição humana e sua aderência à dimensão inescapável da temporalidade, a filosofia de Heidegger oferece contribuição inegável para uma Teoria da História.

Como tradução, Gesner las Casas Brito Filho apresenta-nos O sermão do Lobo aos ingleses (c. 1010-1016). A homilia – gênero retórico renovado na Idade Média Central, sobretudo por parte dos dominicanos, franciscanos e beneditinos, com fulcro no sermo rusticus ou sermo humilis herdado da Patrística – é uma das composições mais conhecidas de Wulfstan de York. O mesmo se intitulava Lupus (lobo, em latim) em seus textos, pois Wulfstan, traduzido do inglês antigo, significa pedra-lobo (wulf-stan).

O Sermo Lupi ad Anglos é um dos únicos documentos que descreve as invasões nórdicas à Inglaterra anglo-saxônica. No período de sua escrita, vivia-se nova fase da ofensiva nórdica, que redundaria em um processo de tomada política do reino inglês. Processo que culminará – entre batalhas, acordos, fugas do rei Æthereld para o continente e outros conflitos – com a coroação do rei dinamarquês Cnut, o grande, como rei da Inglaterra em 1016. Por conseguinte, trata-se de uma fonte para a História das práticas de poder e suas tensões, latentes e patentes, no norte da Europa, durante o início da Idade Média Central, tão mais importante e adequada para a presente edição de Brathair quanto ainda rara e inexplorada pela Medievalística brasileira.

Nas resenhas, Álvaro Alfredo Bragança Júnior (UFRJ) analisa o livro de Ruy Oliveira de Andrade, Imagem e Reflexo, que estuda a cultura, religiosidade e política no reino visigodo de Toledo na Alta Idade Média. João Lupi (UFSC) detalha a importância do Kalevala, edição portuguesa de um conjunto de poemas da Finlândia, compilada no século XIX, por Elias Lönnrot, mas cujo fundo mítico tem influência do período medieval, em especial de aspectos da cultura viking. Lupi destaca também os elementos do poema, sua importância para a cultura da Finlândia, seus aspectos míticos, a relação destes com outras culturas e as características da tradução da obra, daí a importância em estudá-la nos dias atuais.

Por fim, cumpre ressaltar que, à pluralidade de temas, fontes primárias e enfoques analíticos aqui presentes, esta edição de Brathair procurou somar um incentivo à reflexão acerca das fecundas possibilidades de interface entre História, Filosofia e Teoria Literária para a exegese não apenas dos documentos coligidos, mas, principalmente, para nos conceder uma visão mais ampla e sistêmica a respeito da cultura letrada medieval, seja latina ou vernácula. As análises que aqui ofertamos aos leitores, colegas ou diletantes que nos honram com sua leitura, procuram evidenciar a interação entre escrita e oralidade na gesta do cotidiano e das práticas de poder, bélicas ou simbólicas, dos homens e mulheres da Idade Média.

Marcus Baccega – Professor Doutor (UFMA). Pós-Doutorado Université Paris I, 2013. E-mail: [email protected]

Adriana Zierer – Professora Doutora (UEMA). Pós-Doutorado École des Hautes Études en Sciences Sociales, 2013-2014. E-mail: [email protected]


ZIERER, Adriana; BACCEGA, Marcus. Editorial. Brathair, São Luís, v.13, n.1, 2013. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

 

O “Grande Norte”: interações, relações e conflitos na Europa Setentrional Medieval / Brathair / 2015

Grande Norte: Interações – Relações – Conflitos na Europa Setentrional Medieval / Brathair / 2015

É inegável o enorme crescimento, tanto quantitativo quanto qualitativo, das pesquisas brasileiras focadas no Medievo nas últimas duas décadas. É mesmo empolgante testemunhar e participar ativamente deste movimento: graduandos, pós-graduandos e titulados de, praticamente, todas as unidades da federação desenvolvem pesquisas sobre a Idade Média, situação que levou à constituição e multiplicação de Grupos, Núcleos e Laboratórios de pesquisa na área o que, por um lado, é muito salutar ao criar estruturas de pesquisa e orientação, facilitando, em teoria, a difusão dos estudos.

Por outro lado, em termos negativos, houve a constituição de um fenômeno de “isolamento” das pesquisas, com a maior parte dos grupos privilegiando explícita ou implicitamente recortes cada vez menores em suas circunscrições espaço-temporais, tratando-os como ilhas distantes de outros contextos vividos pelas mesmas populações em temporalidades diferentes e pouco considerando as relações matizadas por todos os tipos de interações com outras culturas (próximas ou distantes).

Essas abordagens exclusivistas também trazem em si a ameaça da formação de nichos particulares (verdadeiras “reservas de mercado”), em evidente contramão ao movimento de expansão das pesquisas, além dos cerceamentos (muitas vezes extremos e afastados da racionalidade) na escolha do objeto a ser estudado por neófitos na área. Todos sabem que o conhecimento científico só se constrói com projetos estruturados, circulação e debates construtivos, ou seja, em última instância, através da colaboração.

Assim, propomos uma abordagem mais ampla na confecção de nosso dossiê, que denominamos como perspectiva “hiperbórea”, inspirada na Hiperbórea, o além-norte dos gregos. O uso é proposital, uma vez que há uma tradição regional neste sentido: muitos eruditos tentaram encontrar as origens da humanidade e / ou da cultura greco-romana no Norte Europeu, ou ao menos tentaram equiparar o legado nórdico aos vizinhos meridionais e incluir sua importância na História do mundo. Tal tendência, denominada “Escola Hiperbórica”, foi fundamental, por exemplo, para o desenvolvimento do Goticismo na Suécia (Bandle et alii, 2002: 358).

Os problemas destas leituras, porém, já foram amplamente denunciados; Assim, aproveitaremos o termo, mas, diferente dos nossos predecessores, propomos um olhar relacional, ou seja, pautado no estudo de interações, relações e conflitos na Europa Setentrional sem buscar origens, aclamar superioridade de raças, culturas, nações ou nacionalismos. Para nós, este complexo espacial abrigou inúmeras culturas e hibridismos culturais, problemas mais relevantes que discussões particularistas e ultrapassadas.

No bojo da questão, Kilbride condenou termos como “sincretismo” e “hibridismo” porque eles pressupõem um compromisso entre dois estados básicos (neste caso, cristianismo e paganismo) e negam a fluidez entre os dois (2000: 8). Porém, Aleksander Pluskowski e Philippa Patrick revalidaram o termo “hibridismo” sobre outras bases, i.e., para se referir a qualquer situação intermediária entre os dois paradigmas contrastantes, sem ignorar, contudo, as variedades de paradigmas “pagãos” e “cristãos” identificáveis a partir da cultura material (2003: 30-31).

Seria possível aplicar o mesmo instrumental para a Europa Setentrional: apenas nas ilhas Britânicas teríamos a Hiberno-latina, a Hiberno-escandinava, a Anglo-latina, a Anglo-escandinava, a Anglo-normanda, a Anglo-manx, dentre outras igualmente importantes, revelando uma realidade tão fértil quanto as interações que transformaram o Mediterrâneo em um cadinho civilizacional por excelência. Trata-se de uma proposta inclusiva que não refuta as abordagens exclusivistas, mas que conclama à sua integração frente às perspectivas mais amplas, que prometem trazer frutos que poderão impulsionar o futuro de muitos ramos da Medievística brasileira.

Portanto, é com imenso prazer que trazemos a lume o novo número da já tradicional revista Brathair, incluindo algumas novidades em sua programação visual. Sem mais delongas, este número apresenta em seu dossiê os seguintes artigos: de Michael J. Kelly (doutor pela Universidade de Leeds) nos cedeu a publicação em Língua Portuguesa de sua conferência (ministrada da USP dia 05 / 10 / 2015) “Quem lê Pierre Pithou?: O impacto da Renascença francesa na história Visigótica e nas modernas representações do passado medieval inicial”. Lukas Gabriel Grzybowski (doutor pela Universidade de Hamburgo) com “Virtudes e política: Bernardo de Clairvaux e Otto de Freising sobre temperantia e moderatio”, André Szczawlinska Muceniecks (Doutor pela Universidade de São Paulo) com “Ritos de passagem na Ọrvar-Odds Saga – o caso do Homem-Casca” e Isabela Dias de Albuquerque (Doutoranda pelo PPGHC – UFRJ) com “O Massacre do Dia de São Brício (1002) e o reinado de Æthelred II (978-1016): uma introdução a novas possibilidades de análise sobre as relações identitárias na Inglaterra anglo-escandinava”.

A seção de artigos livres conta com os textos de Juan Antonio López Férez (Los celtas en las Vidas de Plutarco, Benito Márquez Castro (Los Hérulos en la Crónica del obispo Hidacio de Aquae Flaviae, mediados de s.V), Dominique Santos & Leonardo Alves Correa (Peregrinatio et Penitentia no livro I da Vita Columbae de Adomnán, séc. VII), Ana Rita Martins (Morgan le Fay: The Inheritance of the Goddess) e Solange Pereira Oliveira (Valores e crenças no mundo pós-morte nos relatos de viagens imaginárias medievais). Finalmente, contamos também com a resenha de José Pereira da Silva, acerca da obra A Fraseologia Medieval Latina, de autoria de Álvaro Alfredo Bragança Júnior.

No texto de Kelly, o autor começou a esboçar a influência de Pierre Pithou sobre o passado medieval visigodo. A ideia do artigo é rever as bases do pensamento moderno sobre a Idade Média, no intuito de entender como o conhecimento desse recorte temporal foi forjado. Esse impacto pode ser sentido não só na historiografia da época, mas também nas leituras contemporâneas e no método empregado pelos historiadores atualmente.

No texto de Muceniecks é possível notar a utilização de uma “saga legendária” e das descrições de regiões míticas como pano de fundo para a constituição de espaços liminares e ritos de passagem no Leste europeu medieval. Albuquerque, no extremo oposto, usou o famoso Massacre do Dia de são Brício (1002) e a organização espacial nas ilhas como parâmetro de observação das relações entre saxões e escandinavos na Inglaterra.

Grzybowski, por sua vez, usou Bernardo de Clairvaux e Otto de Freising como pontos de vista sobre as discussões acerca das virtudes políticas e o exercício político ideal. A análise das epístolas, gênero específico, demonstrou como as condições da época e a experiência monacal ajudaram a moldar as conclusões sobre a política no século XII.

O artigo de Santos & Correa desnudou os conceitos de peregrinação e penitência à luz das concepções usadas durante a Early Christian Ireland. Os autores usaram o primeiro livro da Vita Columbae de Adomnán de Iona (séc. VII) para retomar as condições de peregrinação no contexto irlandês e, nestes termos, recobrar o sistema teológico construído pelo autor da Vida de Columbano.

No texto de Martins, nota-se a preocupação com personagens do mito arturiano e as associações ora benignas, ora malignas, conforme o gênero do personagem. Com o incremento do cristianismo na Matéria da Bretanha, a mágica e as mulheres foram ligadas e formaram um amálgama de teor negativo. Nestes termos, Morgana poderia estar conectada com uma deusa “céltica” ou com a demonização pura e simples de deuses pagãos, tidos como aliados de Satã.

Solange Pereira Oliveira ofereceu ainda um arguto olhar sobre as crenças post morteem nos relatos de viagens imaginárias da Idade Média, que serviam, entre outros fatores, como guias de ensinamentos religiosos e mecanismos evangelizadores dos homens da Igreja; Juan Antonio López Férez, por fim, partiu das Vidas de Plutarco para comentar as diferentes referências aos celtas neste texto, com amplas traduções para a língua espanhola.

Brindamos nossos leitores com essas referências e aguardamos um crescimento ainda maior das produções voltadas para o Setentrião europeu medieval, sobretudo das próximas gerações de pesquisadores.

Referências

BANDLE et alii. The Nordic Languages: An International Handbook of the History of the North Germanic Languages. Vol.1. Berlin: Walter de Gruyter, 2002.

KILBRIDE, William G. Why I feel cheated by the term ‘Christianisation’. Archaeological Review from Cambridge, v. 7, n. 2, pp. 1-17, 2000.

PLUSKOWSKI, Aleksander & PATRICK, Philippa. ‘How do you pray to God?’ Fragmentation and Variety in Early Medieval Christianity In: CARVER, Martin (Ed.). The Cross Goes North: Processes of Conversion in Northern Europe, AD 300-1300. Woodbrigde: Boydell, 2002, pp. 29-57.

Vinicius Cesar Dreger de Araujo – Professor de História na Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES). E-mail: [email protected]

Renan Marques Birro – Professor de História na Universidade Federal do Amapá (UNIFAP). E-mail: [email protected]

Elton O. S. Medeiros – Professor de História na Faculdade Sumaré (SP). E-mail: [email protected]


ARAUJO, Vinicius Cesar Dreger de; BIRRO, Renan Marques; MEDEIROS, Elton O. S. Editorial. Brathair, São Luís, v.15, n.1, 2015. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

 

Germanismo, barbárie, identidade e alteridade no Ocidente medieval / Brathair / 2015

Germanismo – Barbárie – Identidade – Alteridade no Ocidente medieval / Brathair / 2015

Este Dossiê tem como foco estudos relativos à constituição do Ocidente medieval, com frequência tratados pela historiografia em meio aos debates sobre Antiguidade Tardia ou Primeira Idade Média. Tal campo de estudos encontra-se em afirmação no cenário nacional, impulsionado mesmo por uma nova geração de autores que tem debatido e construído novas abordagens sobre esta temática.

Nas últimas décadas, pesquisadores brasileiros ampliaram suas participações em congressos internacionais e intensificaram o debate com pesquisadores europeus e norte-americanos, dos quais resulta um mútuo crescente interesse de ambos os lados do Atlântico. Este número é uma aposta no desenvolvimento e consolidação de alguns destes nomes na historiografia brasileira, apontando um quadro de renovação e introdução de novos paradigmas, consolidando esta atuação nas áreas da História Antiga e Medieval, em particular.

Apesar das profícuas discussões animadas pela antropologia e pelo panorama político pós-colonial, termos como ‘germanismo’ e ‘barbárie’ costumam ser tratados pela historiografia como princípios cristalizados, muitas vezes antagônicos ao ‘romanismo’ e à ‘civilização’ – todos sendo, ao cabo, ‘mediados’ pelo cristianismo, de acordo com a perspectiva historiográfica tradicional.

Diante de um quadro amplo de discussões pertinentes ao período, a proposta deste Dossiê é a releitura deste binômio não mais como central, mas explorando suas interpretações e características diante de propostas teorizadas que discutam em especial elementos de identidade e alteridade na construção do panorama do Ocidente Medieval no período em questão. Iniciamos nosso com os artigos do professor Paulo Duarte e Nathália Xavier, que comparam o papel dos ‘cristianismos’ galaico e britânico na construção dos regna, “bárbaros”, Suevo e de Kent. Dando continuidade à percepção sobre o papel eclesiástico, devemos destacar como os reinos, comumente chamados germânicos, tiveram na consolidação dos monacatos uma de suas mais importantes bases sociais e políticas de consolidação. Assim os artigos de Alex Oliveira e, em seguida, de Juliana Rafaelli, promovem um quadro complexo da percepção do monasticismo naquele momento.

Uma vez discutido o papel do cristianismo na construção destes reinos, seguimos por caminhos historiográficos que nos permitam consolidar o entendimento da formação destes reinos, assim como as identidades afirmadas e as negadas diante deste processo. Com este fim apresentamos primeiro o artigo do professor Bruno Uchôa, que tem o olhar específico sobre as limitações e potencialidades das pesquisa vinculadas à história da medicina, mas o faz diante do quadro social da chamada Primeira Idade Média. Ainda sob a percepção historiográfica a professora Verônica Silveira, sob um debate que dá tons à controvérsia da identidade, e Otávio Pinto, sob o viés da alteridade, se detêm, respectivamente, nos processos de (re)constituição da identificação de godos e hunos em meio à instalação destes grupos.

Seguem os artigos dos professores Eduardo Daflon e Rodrigo Rainha fazem um abordagem específica sobre ao organização do reino visigodo. Enquanto o primeiro discute as formas de organização do campesinato adotadas no reino, Rainha discute sobre o papel da educação no domínio visigótico, realçando o papel do idoso e suas relações de poder.

A identificação dos “bárbaros” durante a Idade Média não se deteve aos momentos da Alta Idade Média, a identificação do outro foi levada ao outros grupos da Europa Ocidental, esta é abordagem que as professores Célia Danielle, abordando o olhar para os muçulmanos e Marta Silveira sobre os judeus.

Ainda nesta edição apresentamos as resenhas de Jonathas Oliveira sobre o livro de Igor Salomão, que dialoga sobre as relações de poder e a criação da identidade medieval vinculada ao santo; ainda temos a resenha de João de Lupi sobre Maria Antonieta Costa, sobre questões vinculadas a arqueologia atlântica, uma das vanguardas do estudo no século XXI.

Rodrigo dos Santos Rainha – Professor Adjunto – UERJ. E-mail: [email protected]

Paulo Duarte Silva – Professor Adjunto UFRJ. E-mail: [email protected]


RAINHA, Rodrigo dos Santos; SILVA, Paulo Duarte. Editorial. Brathair, São Luís, v.15, n.2, 2015. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

 

A Fraseologia Medieval Latina | Álvaro Alfredo Bragança Júnior

Há décadas, o professor e acadêmico Álvaro Alfredo Bragança Júnior vem demonstrando como poucos, uma dedicação constante aos estudos latinos e medievais, tanto nos estudos linguísticos e filológicos, quando nos estudos históricos. Exatamente no momento em que cada vez mais se redescobre o legado cultural celta e germânico para a formação do espaço geográfico e linguístico europeu, em que a revista Brathair se constitui em um dos melhores exemplos no cenário acadêmico brasileiro, o filólogo, professor e pesquisador de Língua e Literaturas de Língua Alemã da Universidade Federal do Rio de Janeiro, além de docente do Programa de Pós-Graduação em História Comparada do Instituto de História da mesma universidade, faz o percurso inverso: volta ao latim para mostrar suas marcas proverbiais no espaço germanófono do medievo!

Este é mais um dos seus brilhantes trabalhos que envolvem os estudos latinos (linguísticos e filológicos), a Lexicologia e a Medievística, absolutamente desprovido dos ranços de eruditismo descabido em trabalhos similares.

Em outra oportunidade, eu mesmo já havia dito que esse livro vai nos mostrar o quanto as palavras refletem a vida de uma sociedade, tanto no presente quanto no passado, visto que as frases feitas (ou a fraseologia) são uma espécie de discurso repetido utilizado pela sociedade para abonar as crenças mais generalizadas de uma época ou de uma comunidade, sem necessidade (e sem possibilidade, quase sempre) de indicar a fonte ou autoria.

Nos estudos históricos, por exemplo, é possível reinterpretar grande número de fatos a partir dos conceitos populares que se difundem nos provérbios mais frequentemente utilizados na época, visto que eles refletem, seguramente, as crenças daquele momento. Tanto que, citando e traduzindo Hans Walther em seus Proverbia sententiaeque latinitatis Medii Aevi, o Prof. Álvaro Alfredo Bragança Júnior nos lembra que, na Idade Média, “o saltério e o provérbio são recomentados antes das fábulas e de outros autores romanos como leituras iniciais para o aprendizado da língua” (Cf. p. 87).

Isto ocorre porque tais frases ou expressões são tão conhecidas nas comunidades em que são utilizadas que a mera repetição ou alusão basta para abonar um argumento, como uma citação de autoridade da mais alta competência na especialidade em questão.

Outra coisa que reforça a autoridade de um provérbio ou frase feita é a referência à antiguidade de sua utilização, que também costuma ser feita através de outras expressões similares, como “no tempo em que se amarrava cachorro com linguiça…”, “no tempo do onça…” etc.

Sendo assim, o estudo da fraseologia latina para conhecer as crenças e costumes da Idade Média é uma ideia genial que o Prof. Álvaro desenvolveu brilhantemente nesse livro, que teve origem em sua tese de doutorado, defendida na Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Além de uma substanciosa Introdução de nove páginas, uma Conclusão de seis páginas, e uma Bibliografia de oito páginas, desenvolveu seu estudo em seis capítulos: 1) A fraseologia e sua conceituação, 2) A Idade Média, 3) O latim medieval, 4) A rima: criação medieval, 5) O corpus paremiológico de Werner e 6) Provérbios latinos medievais rimados: exemplos de temáticas (Provérbios ligados ao mundo animal, Provérbios referentes à religião católica, provérbios remissivos à Antiguidade greco-romana).

Uma das formas mais eficazes de fornecer rudimentos culturais aos discípulos consistia na compilação de exercícios escolares que continham uma fundamentação eminentemente teológica presa aos preceitos da Igreja, sempre rimados, para facilitar a memorização, assim como continuou no Brasil até o final do século XVIII (Cf. SOARES & FERÃO, [2009], p. 82-142), mesmo depois da expulsão dos jesuítas.

Na Idade Média, o latim e a rima presentes nos provérbios nos permitem reconhecer os reflexos sociopolíticos e culturais da mensagem da Igreja como guia espiritual, tornando-se o motivo condutor de parte significativa do cristianismo ocidental, visto que o latim continuou, até início do século XX, como a única língua internacional de cultura e, até hoje, língua oficial da Igreja Católica Romana.

O Prof. Álvaro foi extremamente feliz ao descrever a Idade Média, o latim medieval e, mais especificamente, a rima como criação medieval latina, trazendo-nos sínteses da melhor qualidade para esses três fatos da cultura cristã ocidental.

Para avaliar a influência da Igreja em nossa cultura (e do latim, por extensão), é preciso considerar também que em todo o período colonial brasileiro, o governo era também eclesiástico, no qual o rei era intitulado de Fidelíssimo e recebia o tratamento de Sua Majestade Fidelíssima, assim como na Espanha era o de Sua Majestade Católica. E isto era tão forte na Península Ibérica que o árbitro do Tratado de Tordesilhas, que dividiu a América do Sul e Central entre os espanhóis e os portugueses foi o papa Alexandre VI, ratificado posteriormente pelo papa Júlio II.

Aliás, como recomenda Dag Norberg, “é bom lembrar que é nesta época que a poesia rítmica começou a desenvolver formas novas, que o emprego da rima se sistematizou e que nasceram as criações mais originais da Idade Média latina, os tropos e as sequências”. (NORBERG, 2007, p. 73)

Enfim, quem desejar conhecer uma avaliação segura da fraseologia medieval latina e seus reflexos na cultura ocidental moderna, não pode deixar de ler esta excelente produção de Bragança Júnior, principalmente em relação aos provérbios rimados.

Referências

NORBERG, Dag. Manual prático de latim medieval: I – Breve história do latim medieval. Trad.: José Pereira da Silva. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2007. Disponível em: . Acesso em: 25/05/2014.

SOARES, José Paulo Monteiro; FERRÃO, Cristina (Orgs.). Rendas & fiados do Nordeste Brasileiro 1760-1761: Documentos do Arquivo Histórico Ultramarino – AHU – Rendas e Fiados da Capitania de Pernambuco, Rio Grande e Ceará. Revisão técnica e atualização ortográfica de José Pereira da Silva. [s.l.]: Kapa Editorial, [2009].

José Pereira da Silva – Docente do Departamento de Letras da UERJ. Diretor-Presidente do Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos. E-mail: [email protected]


BRAGANÇA JÚNIOR, Álvaro Alfredo. A Fraseologia Medieval Latina. Vitória: DLL-UFES, 2012. Resenha de: SILVA, José Pereira da. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.15, n.1, p. 186-189, 2015. Acessar publicação original [DR]

En minga por el Cauca: el gobierno de Floro Tunubalá (2001-2003) – GOW; SALGADO (A-RAA)

GOW, David; SALGADO, Diego Jaramill. En minga por el Cauca: el gobierno de Floro Tunubalá (2001-2003).* Bogotá: Editorial Universidad del Rosario y Universidad del Cauca, 2013. 294p. Resenha de: TOCANCIPÁ-FALLA, Jairo. Antípoda – Revista de Antropolgía y Arqueología, Bogotá, n.21, jan./avr., 2015.

Buena parte de la literatura académica que examina la relación entre movimientos sociales y el Estado en América Latina plantea la dinámica de los primeros como el resultado de un proceso político y cultural diverso que reacciona y resiste creativamente a unas formas políticas del segundo (e.g., álvarez, Dagnino y Escobar, 1998). Esta oposición, sin embargo, muchas veces es resuelta por parte de los movimientos sociales como la exigencia de un mayor reconocimiento, acceso (derechos) y transformación de la institucionalidad política estatal que mantiene el poder, tal como acontece en alguna experiencia brasilera (Dagnino, 1998) y en otros países de la región. En términos genéricos, podría afirmarse que el libro En minga por el Cauca, del antropólogo David Gow y el filósofo Diego Jaramillo, se enmarca en esta última tendencia. Básicamente, el trabajo busca documentar el proceso tortuoso pero relativamente exitoso que tuvo un gobierno alternativo como el del taita1 Floro Tunubalá, líder indígena del pueblo misak2, y que representaba a una coalición de movimientos campesinos, obreros e indígenas que antes de las elecciones del año 2000 respaldaron su nombre para la gobernación del departamento del Cauca, en el período 2001-2003.

Aparte de la introducción y las conclusiones, el libro consta de siete capítulos, algunos de los cuales son escritos individualmente por cada autor, y otros, de manera conjunta; los capítulos conjuntos son la introducción, el capítulo 7 y las conclusiones. El resto de los capítulos son alternados: a Diego corresponden los capítulos 1, 2 y 6, y a David, los capítulos 3, 4 y 5. La introducción presenta los elementos generales, algunos antecedentes y la premisa central que orientó el estudio. Allí se contextualizan la situación histórica y social del Departamento en el ámbito nacional, el surgimiento de los movimientos y procesos sociales que desde hace varias décadas vienen horadando las prácticas clientelistas oficialistas de los gobiernos de turno, ya arraigadas, y que también caracterizan a los partidos políticos tradicionales vigentes en el Departamento.

En el primer capítulo, “El Cauca y su conflictividad plural: una lectura del contexto”, Diego Jaramillo nos presenta una trayectoria histórica de los movimientos sociales y étnicos en el ámbito caucano, donde las élites regionales han mantenido su poder, que en las últimas décadas se ha visto desafiado por dichos movimientos. En particular, el capítulo enmarca el surgimiento del Bloque Social Alternativo (BSA), el cual, si bien surge en una coyuntura electoral, en el fondo se trataba de “ubicar la reflexión y el debate en los problemas centrales del departamento y la región surcolombiana” (p. 57); al igual que se buscaba establecer un “programa para el Cauca” que se convirtiera en un “eje dinamizador y articulador de las luchas sociales en el departamento” (p. 57).

Este antecedente sobre los procesos y movimientos sociales que se destacaron en el Cauca sirve de antesala para el segundo capítulo, también elaborado por Diego, sobre “Planes de Desarrollo Alternativos”. Aquí, él examina ideas centrales asociadas al desarrollo como la planificación, el desarrollo y la superación de las condiciones materiales oprobiosas para los pueblos, que muchas veces se traducen en macropolíticas y que luego son contestadas desde un ámbito regional y local. En especial, se abordan la relación existente entre los planes del momento, como el Plan Colombia y el “Imperio” -léase Estados Unidos-; la prevalencia de las condiciones de raigambre indígena y campesina en el Cauca y la subsecuente reacción al Plan Colombia, visto como un plan de guerra. Igualmente, se examinan la formulación del Plan Alterno y el programa de gobierno que sirvió de guía, no sólo para el gobierno de Floro sino también para las organizaciones sociales que compartían valores y principios que sobresalían frente a otros dominantes en la historia regional del Departamento y que asociaban a la clase política clientelista tradicional de los partidos.

Luego de esta discusión, en el capítulo tercero se pasa al análisis de la “Violencia política, inclusión y gobernabilidad”, donde David trata de establecer de qué manera los grupos armados, legales e ilegales, afectan el ámbito departamental en términos de gobernabilidad. Se ilustran las tensiones con el Gobierno central en cuanto a las autorizaciones para establecer negociaciones regionales y locales con los grupos armados ilegales; al tiempo que, basándose en estadísticas presentadas por otros autores que desarrollan estudios regionales3, se muestran el peso que tiene cada actor armado (FARC, ELN y grupos paramilitares) en el escenario departamental, y sus efectos y desafíos para la gobernabilidad del taita Floro. En el capítulo cuarto, “La práctica de gobernar y la cuestión de gobierno”, David aborda uno de los mayores desafíos del gobierno de Floro, y que tuvo que ver con la deuda heredada del gobierno anterior, el de César Negret, quien el 28 de diciembre firmó un acuerdo de refinanciación de la misma acogiéndose a la Ley 550 de 1999, la cual fue promulgada para “obligar a departamentos, municipios y entidades en riesgo o en crisis a cumplir con sus obligaciones financieras; mejorar sus procedimientos administrativos, financieros y contables, y garantizar sus contribuciones a los fondos departamentales de pensiones” (Ministerio de Hacienda y Crédito Público 2012: 3)” (p. 130). El examen es estadístico y muestra cómo, en efecto, frente a esta obligación -que significó un desfinanciamiento para la administración de Floro-, se afectaron no sólo las finanzas para atender asuntos urgentes sino también para llevar a cabo el Plan Alterno. El tema de fondo era revelar las limitaciones que se tuvieron en el logro de las políticas sociales que se propuso dicha administración. Esta ejecución es revisada en el capítulo quinto por David, bajo el título “Principio y práctica: la lucha para mejorar las políticas sociales”. Allí se plantea “lo que estaba en juego”: el reto de implantar una forma diferente de gobernar, con énfasis en categorías como “participación” y “equidad” efectivas, en sectores como Educación y Salud, y que por Ley deben atenderse. La apropiación de recursos a través del Sistema General de Transferencias no es tanto el problema, como sí lo es “la asignación de los recursos”. Existen, sin embargo, algunos principios positivos que caracterizan el proceso político alternativo regional en cuestión. éstos son examinados en el capítulo sexto, escrito por Diego, “La participación: una práctica entre el ejercicio de la ciudadanía y la acción comunitaria local”, donde discute la relación existente entre democracia y el tránsito de la democracia representativa a una participativa, tránsito que vincula directamente a los procesos y movimientos sociales desarrollados en las últimas décadas tanto en el país como en el Suroccidente, en particular, en el Cauca.

El capítulo séptimo nos introduce en cuatro estudios de caso que ilustran cómo el gobierno de Tunubalá los enfrentó y logró resolver. En todos los casos, se trata de mostrar una solvencia política y de gobernabilidad, donde la negociación se convirtió en una herramienta vital que caracterizó a su gobierno. El último capítulo, “Gobernador de todos los caucanos”, de ambos autores, presenta una recapitulación de lo que significó el gobierno de Floro Tunubalá, sus lecciones y aprendizajes, así como los alcances logrados en cuanto a participación, transparencia en la ejecución de los recursos, y el haber dejado el legado de que es posible alcanzar otra política diferente a la del clientelismo y la corrupción.

En síntesis, cabría preguntarse: ¿Cuál es el legado del libro En minga por el Cauca, que documenta el período de gobierno del taita Floro Tunubalá (2001-2003)? En primer lugar, deseo destacar la importancia de un trabajo inédito, en el que la academia -al menos un tipo de academia- se vincula directamente con la política, que pocas veces se muestra en las publicaciones. En efecto, es difícil encontrar un trabajo de esta naturaleza que ilustre cómo se vivió un proceso político regional, con sus alcances y limitaciones, desde “adentro”. Quizás, un énfasis en la intencionalidad política del libro pudo haber sido conjugado en la expresión “algunas lecciones de un proceso político regional”. Decimos lecciones porque, en efecto, éstas pueden deducirse de la experiencia y proyectarse tanto en el ámbito teórico como en el práctico. Así, el ejercicio de revisión de una experiencia política regional que nos presentan Diego y David nos ilustra que la división entre academia -léase teoría- y movimientos sociales -léase práctica- es falseada. Si bien algunas discusiones académicas-teóricas hacen parte de una comunidad cerrada, esto no tiene porque ser así. Las revisiones de experiencias de la vida política -regionales, cotidianas o locales- son escenarios vitales para que los investigadores académicos, no academicistas4, puedan contribuir a las conceptualizaciones de dichos escenarios y, en particular, aportar a las comprensiones de fenómenos que persisten y que evidencian desconocimientos en su dinámica. En este sentido, así como el texto muestra unas virtudes, también marca sus limitaciones. En primer lugar, no estoy seguro de que deba sostenerse la relación genealógica entre la ideología de izquierda y los movimientos sociales (capítulo 1). Creo entender que existe cierto grado de afinidad entre una situación objetiva que aprecia la ideología marxista y otra más subjetiva y vivida históricamente por los movimientos sociales, alas en su composición heterogénea (ver, por ejemplo, una discusión en Dagnino, 1998). Otra dimensión académica teórica-práctica es el uso acrítico de conceptos y expresiones como “Imperio y el Plan Colombia” (capítulo 2). Creo que el aporte de cierta academia a los movimientos sociales no es sólo la transferencia de aspectos ideológicos de lucha y contestación a planteamientos y condiciones ideológicas desiguales del Estado y de los partidos, sino también una propuesta crítica-constructiva consecuente con conceptos que se aplican en un contexto determinado. El uso acrítico de “Imperio” -referido al imperialismo estadounidense-, por ejemplo, no es consecuente cuando más adelante, en el capítulo cuarto, se indica que organismos como USAID, Chemonics y Associates in Rural Development de Estados Unidos financiaron parte del Plan Alterno de Floro.

Finalmente, en lo académico aparecen algunas “ingenuidades” en la interpretación de los datos, que demuestran también que, a veces, como académicos no estamos preparados para tratar el tema complejo del poder y los hechos políticos. Una de ellas refiere al reparo de que “Tunubalá fue dejado solo y tuvo poco o ningún apoyo de los líderes y agentes políticos del Cauca” (p. 259; cursivas nuestras), afirmación que contradice lo planteado a lo largo del texto, en el cual se cuestiona una clase política clientelista y politiquera. Existe la premisa de que en política hay que saber tratar con los opositores, y lo que se dio fue un distanciamiento preventivo, para no ser identificado con lo que se criticaba; de allí esta afirmación. Otra “ingenuidad” refiere al tema fiscal y de la deuda de la Gobernación antes del gobierno de Floro, y que es presentado en el libro como una de las grandes limitaciones, ya que se recibió un Departamento hipotecado (capítulo 4). El punto es: ¿Qué administración en el pasado no ha recibido una Gobernación endeudada? Se podría argumentar que la diferencia es que esta vez el gobierno anterior se acogió a la Ley 550 de 1999, pero que, de cualquier manera, tanto el gobierno de Floro como todos los anteriores gobernadores en la historia del Departamento salieron a flote en la parte administrativa y de manejo de los recursos. Tan fue así que entregaron un Departamento sano, para que la clase clientelista dirigente continuara en el siguiente período administrando el buen esfuerzo que ellos hicieron5. Otra ingenuidad es el manejo de las estadísticas, que no se revisaron en la composición de las categorías y en las correlaciones que se dieron entre ellas. Ello condujo a afirmaciones como la siguiente: “el 11% de los incidentes reportados fue enfrentamiento entre las Autodefensas Unidas de Colombia (AUC) y las FARC, lo que refleja la intención de los paramilitares por eliminar al grupo guerrillero” (p. 98). ¿Por qué debe asumirse que un mayor porcentaje tiene esta orientación, y no a la inversa? o ¿por qué no otras motivaciones? Es claro que en el conflicto, las acciones armadas tienen mucha fundamentación en la afectación y/o eliminación del adversario. En el campo de los movimientos sociales existe una oportunidad perdida para los autores, y refiere básicamente a no haber integrado en la discusión a líderes de aquellos colectivos que hicieron parte del Bloque Social Alternativo (BSA). Una presentación del material recopilado y discutido con estos actores seguramente hubiera contribuido a un examen más crítico, detallado y constructivo de cómo fue percibido el proceso desde afuera, incluso para proponer iniciativas que pudieran ser proyectadas en futuros intentos. Desde este punto de vista, el sentido de colaboración investigativa sigue siendo limitado.

Deseo cerrar esta reseña reiterando la virtud de este trabajo: introducirnos en un proceso político regional que, a pesar de lo transitorio, deja lecciones en distintos niveles y a diferentes comunidades de actores sociales y académicos. Si quisiéramos decirlo en otros términos, el libro nos lleva al corazón de las complejidades de la política regional, muchas veces sospechadas pero no reveladas, y en otras ocasiones reveladas, pero que expresan lo enrevesado de la problemática, entre otras, lo cual constituye una contribución importante. Por otro lado, también nos muestra que en la política de la alternatividad no se puede ser ingenuo al pretender transformar una realidad política en tan poco tiempo, máxime cuando esta realidad se encuentra afianzada en redes clientelistas, en la institucionalidad estatal y en prácticas gubernamentales arraigadas en el bipartidismo. De hecho, no hay referencia a la “movida política” previa a las elecciones conocida como Toconet (Todos contra Negret), y en la cual algunos partidos clientelistas terminaron apoyando la candidatura de Floro con el fin de contrariar al candidato de Negret. La variable temporal es fundamental para comprender y dimensionar los procesos de cambio de una cultura política regional que todavía se resiste a ser transformada, y que cada día se renueva a través de los partidos y la política clientelista. Para concluir: este libro debe ser leído y discutido no sólo por estudiantes de Política, Sociología, y Antropología, entre otras disciplinas, sino también por los mismos líderes y actores de los movimientos sociales, quienes podrán apreciar los aciertos y desfases de los hechos y de las interpretaciones que acompañaron este proceso de gobernabilidad regional; además de examinar las lecciones potenciales que se pueden deducir para futuros proyectos de transformación y gobernabilidad no sólo regionales, departamentales y del Suroccidente colombiano, sino igualmente de otras regiones del país donde el accionar de otros movimientos sociales alternativos también tiene un protagonismo destacado en la política local y regional.

Comentarios

* Gow, David y Diego Jaramillo Salgado. 2013. En minga por el Cauca: el gobierno de Floro Tunubalá (2001-2003). Bogotá: Editorial Universidad del Rosario y Universidad del Cauca, 294 páginas.

1 Taita en el pueblo misak, como en otros pueblos indígenas, refiere a una autoridad tradicional.

2 El pueblo misak, también conocido como guambiano, ocupa una amplia franja de la cordillera Central del departamento del Cauca (municipios de Piendamó -La María y Piscitau-, Silvia -Guambía, Ambaló y Kizgó-, Totoró, Morales -San Antonio y Bonanza-, Cajibío -Kurakchak-), Tambo (Guambiano) y Caldono (Siberia), en el suroccidente de Colombia. Debido a problemas de tierras, en años recientes, los misak¸ han buscado ampliar su territorio dentro del departamento del Cauca y en departamentos vecinos como el Huila (MinCultura, s. f.).

3 Lastimosamente, estas cifras no son revisadas y son presentadas sin sentido crítico. Por ejemplo, a partir de un 100% que se tipifica como “accionar y presencia de los actores armados en el Cauca”, se mezclan y suman categorías duplicadas como “FARC, ELN” y “Grupos Guerrilleros” o “AUC” y “Grupos paramilitares”. Asimismo, categorías como “estrategias militares con fines estratégicos” son asimiladas sin reparar en su conceptualización y su correlación con otras categorías mezcladas y sumadas, tales como retenes y otras formas de control, masacres, secuestros, etcétera.

4 Hay que reconocer que esta distinción requiere un trabajo teórico-práctico más elaborado, y que vincula categorías como “colaboradores”, “activistas”, e “investigadores” (para una aproximación en el caso de pueblos indígenas, en particular los nasa, ver Rappaport, 2008).

5 De esto queda, sin duda, una lección fundamental, como lo insinuó el taita Floro en el lanzamiento del libro en Popayán, el jueves 10 de abril de 2014, y es la enseñanza moral de que las cosas se hicieron, y lo más importante: se hicieron bien.

Referencias

Álvarez, Sonia, Evelina Dagnino y Arturo Escobar (eds). 1998. Cultures of Politics, Politics of Culture: Re-visioning Latin American Social Movements. Boulder, Westview Press.         [ Links]

Dagnino, Evelina. 1998. Culture, Cititizenship, and Democracy: Changing Discourses and Practices of Latin American Left. En Cultures of Politics, Politics of Culture: Re-visioning Latin American Social Movements, Eds. Sonia álvarez, Evelina Dagnino y Arturo Escobar,pp.33-62. Boulder, Westview Press.         [ Links ]

MinCultura. s. f. Consultado el 13 de abril de 2014, en: http://www.mincultura.gov.co/areas/poblaciones/noticias/Documents/Namtrik.pdf[ Links]

Rappaport, Joanne. 2008. Utopías interculturales. Intelectuales públicos, experimentos con la cultura y pluralismo étnico en Colombia. Bogotá, Universidad del Rosario y Universidad del Cauca.         [ Links]

Jairo Tocancipá-Falla – Profesor titular. Departamento de Antropología y miembro del Grupo de Estudios Sociales Comparativos (GESC), Universidad del Cauca, Popayán, Colombia. Correo electrónico:[email protected]

Acessar publicação original

[IF]

 

La consagración de la memoria: Una etnografía acerca de la institucionalización del recuerdo sobre los crímenes del terrorismo de Estado en la Argentina – GUGLIELMUCCI (A-RAA)

GUGLIELMUCCI, Ana. La consagración de la memoria: Una etnografía acerca de la institucionalización del recuerdo sobre los crímenes del terrorismo de Estado en la Argentina.* Buenos Aires: Antropofagia, 2013. 398p. Resenha de: ÁLVAREZ, Santiago. Antípoda – Revista de Antropolgía y Arqueología, Bogotá, n.20, set./dez., 2014.

El documentado trabajo de Ana Guglielmucci, La consagración de la memoria, se centra en el proceso de institucionalización del recuerdo. En este sentido, podría inscribirse en el marco de las recientes investigaciones sobre política de la memoria. A la autora le interesa ver cómo la lucha de los organismos de derechos humanos de la sociedad civil por el recuerdo de las víctimas de la última dictadura militar (1976-83) es transformada en memoria institucional del Estado argentino. Este largo, conflictivo y a veces contradictorio proceso es registrado sistemáticamente por esta investigación.

El caso argentino guarda elementos sociales, culturales y políticos específicos que influyen en el cómo y de que manera la confluencia de diversas memorias sociales termina produciendo una particular interpretación estatal. En este sentido, considero esta investigación insustituible para comprender cabalmente el proceso de la memoria en Argentina. Su exhaustividad permite desarrollar necesarias y enriquecedoras comparaciones con otros casos, en especial el de la Shoah (modelo ineludible de políticas de la memoria) y el caso sudafricano, basado en una reconciliación que provendría del reconocimiento de una verdad. Permite, además, analizar comparativa y críticamente el más incipiente proceso colombiano desde una óptica que marque un camino que no puede ni debe ser imitativo sino, por el contrario, que permita visualizar las diversidades y comprender la toma de decisiones políticas en contextos específicos complejos.

En el trabajo de Ana Guglielmucci importan los lugares, los espacios, los paisajes de la memoria. El recuerdo oficial se plasma en monumentos, centros culturales y parques conmemorativos. En particular, antiguos centros de detención clandestina son transformados en epicentros para la conmemoración y la reflexión. Estos exespacios del horror en muchos casos se convierten en archivos, museos y centros culturales. Estos  paisajes de la memoria serían definidos por Tim Edensor como “la organización de objetos específicos en el espacio, el resultado de proyectos a menudo exitosos que buscan materializar la memoria al ensamblarla a formas iconográficas” (Edensor, 1997: 178). Importan aquí, por lo tanto, las dimensiones espaciales del recordar.

Al mismo tiempo, Guglielmucci describe las construcciones de un recuerdo donde se disputan fechas y datos, se reconstruyen desapariciones, torturas, masacres. En este proceso, se introducen conmemoraciones y se organizan rituales. Los organismos de derechos humanos no son, felizmente, presentados aquí como un bloque monolítico, unificado y armonioso sino como grupos con diferencias, en algunos casos profundas, sobre qué se debe recordar y cómo. Este registro es un aporte original en el caso argentino. Pocos trabajos, generalmente tamizados por cierto pudor, se ocupan de las disputas de la memoria en el campo de las organizaciones de derechos humanos. El sentido que debe darse a un hecho polémico, las actividades que deben realizarse en lugares que fueron otrora espacios del horror, son objeto de discusiones y enfrentamientos.

En el primer capítulo, Ana Guglielmucci caracteriza a quienes son los protagonistas del proceso social de la construcción de la memoria: los activistas. Nos explica su trayectoria grupal, la historia de las principales organizaciones sociales bajo cuya protección trabajan, cómo fueron convirtiéndose en expertos en esta área y cómo fueron reconocidos por otros como tales. En este sentido, hace referencia a la teoría de los campos de Bourdieu como espacios sociales de acción, y al reconocimiento, a aquellos que se mueven dentro del campo de la memoria, de una “competencia” específica.

En el segundo capítulo, la autora analiza cuál es la articulación entre estos activistas y los académicos que trabajan la temática de los derechos humanos.

Hace referencia a la importancia del concepto “memoria” para legitimar prácticas de recuerdo y olvido. En este contexto, definir “memoria” pasa a ser central. Ana Guglielmucci describe tres tipos de dominio o competencia específicos: el académico, el político-militante y el técnico profesional. Analiza, “cómo opera el reconocimiento de la competencia de cada uno de estos actores, asignándola a ciertos dominios de actividad que, en un principio, son tomados como propios y la posibilidad o no de que esta competencia sea reconocida en otros considerados como ajenos” (p. 29).

En el tercer capítulo, la autora intenta comprender cómo, al tiempo que la categoría “memoria” fue incorporada y asumida por el Estado, varios militantes de los derechos humanos fueron incorporados a la estructura burocrática de éste. La excepcionalidad que supone ser no sólo un luchador sino también un “trabajador de la memoria” está llena de tensiones identitarias. En definitiva, su posición es ambigua, liminar: son a la vez militantes y empleados estatales. La autora trabaja también aquí sobre el proceso normativo que acompañó esta institucionalización y estatalización de los derechos humanos en Argentina. Ligadas, nos dice Guglielmucci, “a que ciertos hechos del pasado se inscriban como consecuencia del terrorismo de Estado y no de otras maneras posibles, a través de la selección de ciertas denominaciones, recortes temporales y acontecimientos” (p. 30).

El cuarto capítulo hace referencia a “los roles adoptados por los participantes y la marcación de su estatus y la delimitación de los espacios escogidos como los adecuados para desplegar sus representaciones sociales sobre el pasado, de acuerdo a las polémicas presentes y sus expectativas a futuro” (p. 31). Además, y esto lo hace especialmente interesante, este capítulo analiza la transformación de la Escuela de Mecánica de la Armada (ESMA) -el más emblemático centro de detención ilegal, tortura y exterminio de la dictadura- en un Espacio para la Memoria. En este proceso, diversos actores sociales, políticos, funcionarios, representantes de organizaciones no gubernamentales, gremialistas, periodistas, etcétera, luchan, en última instancia, por imponer representaciones sociales acerca de lo que debe ser recordado, y también, no lo soslayemos, sobre lo que debe ser olvidado. Estas disputas, en las que ciertos actores poseen más legitimidad que otros, se dan en el marco de fuertes enfrentamientos y conflictos.

En el quinto capítulo, Guglielmucci describe cómo se identificaron y seleccionaron los excentros clandestinos de detención para ser convertidos en espacios de memoria. Éste es un proceso social que define qué hacer con ellos y en ellos. La autora compara dos de estos centros: el ya citado de la Escuela de Mecánica de la Armada (ESMA) y el llamado “Garage Olimpo” (relativamente menor). La comparación incluye la conformación de los respectivos órganos políticos de gestión encargados de definir qué hacer con ellos.

El capítulo sexto hace hincapié en las diferencias comparativas en la “marcación simbólica” de los espacios ESMA y Olimpo. Aborda la clasificación y sectorización simbólica del espacio. No olvidemos, además, que estos espacios son a su vez prueba material para la justicia, que mantiene aún una importante cantidad de causas abiertas. La memoria se construye a través de la refuncionalización de los espacios de representación, lo que significa su transformación de espacios del horror en espacios culturales de memoria.

La autora concluye expresando la valoración social de la memoria que este proceso de institucionalización supone, y su materialización en espacios específicos. Nos dice: “la manera en que los diferentes actores tendieron a crear y a instaurar una política de monumentos, de objetos y de espacios para preservar y promover la memoria buscó consolidar concepciones comunes sobre lo que se considera la forma legitimada de recordar en el plano colectivo” (p. 344). Considera central en esta particular política de la memoria, la transformación de centros de detención ilegal, tortura y desaparición convertidos en Espacios para la Memoria. Esta decisión política permite, de un modo significativamente poderoso, y podríamos decir también exitoso, construir una interpretación pública de la violencia estatal de la dictadura militar que busca sustentar la convivencia social con base en los valores democráticos y la doctrina de los derechos humanos.

Ana Guglielmucci reconstruye minuciosa y documentadamente, utilizando fuentes etnográficas (especialmente su presencia en el mismo proceso de toma de decisiones que desnuda las discusiones y las disputas), la realización de numerosas entrevistas y la recopilación de una exhaustiva documentación, el proceso de construcción de esta particular política de la memoria. Su utilidad para aquellos que investiguen en este campo o que estén trabajando en procesos similares, que se encuentren en estado de conformación, es más que evidente.

Comentarios

* Guglielmucci, Ana. 2013. La consagración de la memoria: Una etnografía acerca de la institucionalización del recuerdo sobre los crímenes del terrorismo de Estado en la Argentina, Buenos Aires, Antropofagia, 398 pp. ISBN 9871238991, 9789871238996.

Referencia

Edensor, Tim. 1997. National identity and the politics of memory: Remembering Bruce and Wallace in symbolic space. Environment and Planning. D: Society and Space 15 (2): 175-194.         [ Links]

Santiago Álvarez – Ph.D. Antropología Social. London School of Economics and Political Science. Londres, Inglaterra. Universidad Nacional Arturo Jauretche, Buenos Aires, Argentina. Correo electrónico: [email protected]

Acessar publicação original

[IF]

 

The Idea of Order: The Circular Archetype in Prehistoric Europe | Richard Bradley

Richard Bradley é professor de Arqueologia na Universidade de Reading, especializado em estudos da pré-história europeia, focando em paisagens pré-históricas, organização ritual e social e arte rupestre. Entre seus últimos livros publicados estão The Prehistory of Britain and Ireland (2007) e Image and Audience: Rethinking Prehistoric Art (2009). Sua maior contribuição à área é o livro The Significance of Monuments: On the Shaping of Human Experience in Neolithic and Bronze Age Europe (1998). Neste livro, é lançada a ideia de que a escolha e a predominância de um formato circular para a construção de monumentos na Europa Atlântica durante o Neolítico estaria ligada à cosmovisão comum das populações pré-históricas em contato.

A busca para compreender a escolha do que o autor denomina como “arquétipo circular” [1] é constante em suas publicações, e é ela que pauta todo o livro, afastando-se um pouco da noção de cosmovisão, e observando fatores mais práticos e do cotidiano, como, por exemplo, a influência do ambiente habitado e conhecido na construção de casas e monumentos. Como o próprio autor pontua: este não é um livro sobre um período ou um lugar; é sobre uma ideia (BRADLEY, 2012:3).

As ideias de um padrão circular, assim como seus questionamentos do início do livro, na verdade, costuram toda a obra, por entre seus dez capítulos: por que tantos povos na pré-história europeia construíram monumentos circulares? Por que escolher as casas redondas enquanto outras comunidades as rejeitavam? Por que havia pessoas que habitavam casas retangulares e frequentemente enterravam seus mortos em montículos circulares ou cultuavam seus deuses e ancestrais em templos circulares? (BRADLEY, 2012: 3).

Obviamente, o leitor que procura respostas acabará o livro sobrecarregado, devido à quantidade de detalhes e levemente frustrado: há mais questionamentos do que respostas. É uma recorrência ao longo do livro. As inquietações de Richard Bradley perpassam estudos etnográficos na América e África além de análises comparativas que vão desde o Neolítico à Irlanda Medieval, passando por sítios da Espanha, Portugal, França, Sardenha, Irlanda, Inglaterra e Escandinávia. Lembrando que seu foco de análise é a forma circular e o seu longo período de existência, não negligenciando o tipo de suporte material: seja na construção de casas e monumentos, ou na decoração de objetos (em cerâmica e metal).

Devido à complexidade do assunto em questão e até como uma forma de crítica às duas posições entendidas como antagônicas nos estudos de pré-história, o autor faz um julgamento claro em relação à divisão ainda existente na abordagem dos estudos na área. Os processualistas, que tendem sempre às generalizações e à construção de grandes modelos de análise; e os pós-processualistas, que enfatizam sempre estudos de caso e análises particulares, que acabam por demonstrar que o modelo generalizante se encontra equivocado. Assim, R. Bradley preferiu seguir uma sequência lógica, movendo-se sempre de um questionamento generalizante para os estudos de caso (o particular), não deixando nunca de levantar os pontos de interesse mais amplos e de esquematizar melhor suas exposições ao final dos capítulos da maneira mais didática possível.

O autor, ainda, demonstra sua preocupação com a autocrítica em relação à escolha dos seus métodos de análise, dedicando um espaço nos capítulos para questioná-los antes mesmo que o leitor o faça – como é o caso, por exemplo, do segundo capítulo, no qual ele questiona o uso de dados etnográficos. Este tipo de abordagem só faz com que a obra se torne irritantemente genial, pois mostra o trabalho massivo para a construção do livro, a preocupação com os dados e a erudição do autor, assim como incita o leitor a pensar – uma proliferação de questionamentos ao longo de todo o livro.

Tendo em vista a amplitude espaço-temporal da sua análise, Richard Bradley teve a preocupação de esquematizar, no seu primeiro capítulo, como funciona a organização do seu argumento, partindo da análise de casas circulares e sua distribuição pela Europa, utilizando dados etnográficos e observando artisticamente os estilos curvilíneo e linear, correlacionando-os com escolhas de moradia do mesmo período.

Na segunda parte do livro, é observada a relação entre as moradias (casas e assentamentos) e a construção de monumentos e, na terceira parte, foi analisada a relação e a concomitância das estruturas curvilíneas e retilíneas, não deixando de investigar as circunstâncias em que o modelo circular foi abandonado.

O autor inicia seu livro descrevendo e analisando um sítio na Irlanda, um local conhecido pela possível ocorrência do festival Céltico de Beltane, um lugar antigo para reuniões, associado ao culto Druídico do Fogo e ao trono dos Reis Irlandeses. Hill of Uisneach, um centro sagrado da Irlanda em tempos pagãos, de acordo com o folclore e evidências literárias. Esse sítio está situado em uma colina que domina a paisagem que a cerca, como o centro da mesma. De seu topo, pode-se observar os vários condados irlandeses. Possui mais de 20 monumentos antigos, entre tumbas megalíticas, montículos funerários, aterros e fortificações anelares, com datações que variam entre o Neolítico e a Idade do Bronze no caso das construções, e da Idade do Ferro ao Medievo no caso das (re)utilizações encontradas.

Recentemente, o sítio teve uma tradição inventada [2] : o Fire Festival (Festival do Fogo) que envolve a construção de uma série de prédios de madeira circulares (temporários), com algumas estruturas decoradas com desenhos curvilíneos – uma decisão deliberada dos criadores do evento para refletir a configuração dos monumentos do lugar, que, não por coincidência, é a configuração tradicional em toda Irlanda, desde as tumbas do Neolítico, passando pelos centros reais da Idade do Ferro até os monastérios mais antigos.

Ao adentrar pela análise da construção dos monumentos antigos, o autor expõe um problema: a sequência extensa desses monumentos. Eles possuem uma longa história, e como o autor explicita, não é fácil analisá-los quando muitos pré-historiadores são especialistas em períodos específicos. Torna-se clara sua crítica, talvez um pouco generalista e exagerada, aos pós-processualistas e ao seu alto grau de especialização. Ele entende que o problema deve ser sanado ao se olhar mais largamente, espacialmente e temporalmente – o que, a exemplo deste livro, é fruto de um trabalho árduo que poucos provavelmente têm interesse em fazer.

A partir da análise dos eixos de preferências entre os padrões retilíneos e curvilíneos, fica claro seu posicionamento. Para o autor, a construção da arquitetura curvilínea seria uma escolha; uma alternativa aos modelos lineares “tradicionais”. A noção de escolha deve ser entendida relacionada ao conceito de agência – que engloba outros diversos conceitos e enfoques, tais como ritual, monumentalização, práticas funerárias, apreensão do mundo via sentidos, cadeia operatória, noções de memória, ancestralidade e identidade.

Deve-se considerar no conceito de agência que o corpo é o principal locus físico da experiência e a cultura material é o meio pelo qual se estabelece a comunicação, cria e reproduz o simbólico. É, portanto, um meio para compreender as relações sociais e os mapas cognitivos e, quando aplicado ao coletivo, implica em força para a construção de noções partilhadas do social e do simbólico, por meio da monumentalização e da construção ritual (OWOC, 2005; CUMMINGS, 2003; BAHN & RENFREW, 2005). Deste modo, o autor entende que o contraste entre as formas era significativo, uma vez que elas indicam ideias particulares de ordem, não estando, necessariamente, ligadas somente à questão da funcionalidade, mas com forte carga simbólica.

Assim, as construções seriam a concretização da experiência humana e do pensamento simbólico na cultura material, refletindo os componentes do ambiente construído que cercava as populações. Se faz crucial, entretanto, atentar para o fato que as percepções variam, mesmo entre comunidades que habitam um mesmo espaço: a interpretação de um fenômeno, assim como do ambiente ao seu redor, varia. Seguindo esse raciocínio, a construção dos monumentos seria consequência direta de crenças compartilhadas para a construção e utilização de edificações domésticas: elas teriam influenciado as percepções de mundo das populações pré-históricas [3].

No terceiro capítulo, é analisado o contraste entre as formas curvilíneas e retilíneas na arte. Poderiam, por exemplo, estar ligadas a noções de sagrado e secular, público e privado. A observação vem a partir da reinterpretação da “arte Celta” [4 ]elaborada em metal, da Idade do Ferro. Os objetos desse período que contém temática curvilínea são provenientes de contexto religioso/ritual, mesma característica dos contextos de construção de monumentos circulares no Neolítico e Idade do Bronze.

  1. Bradley afirma sua posição exemplificando uma “continuidade” do padrão curvilíneo com a construção do Catolicismo na Irlanda Medieval e o padrão circular associado à na construção de igrejas e monastérios, assim como da criação da “Irish Cross”. Acredito, entretanto, que seja necessário considerar a possibilidade de ser somente uma continuidade de uma tradição para adaptação local e não, necessariamente, uma escolha deliberada baseada em um simbolismo milenar que tenha sobrevivido sem grandes alterações desde a pré-história.

Um questionamento interessante é feito no capítulo quatro: é necessário levar em consideração a audiência para a qual o monumento foi feito – entendendo que a maioria das pessoas só teria acesso à parte externa dos monumentos e a maioria dos estudos não leva isso em consideração; há uma crítica excessiva à muita atenção prestada ao interior dos monumentos e à pouca ênfase dada ao exterior – formato e direcionamento, que muitas vezes lembram moradias e ocupações domésticas. Neste ponto, se faz necessário abrir uma ressalva, pois a crítica do autor está inserida no contexto de estudos da arqueologia da paisagem e é consequência direta da forma como ele entende e analisa os monumentos. A arqueologia da paisagem é um campo da Arqueologia que estuda a forma como as pessoas do passado moldavam sua paisagem e nela viviam. Assim, ao ter como foco os monumentos e assentamentos que se integram aos traços geográficos e ambientais, é possível buscar entender o âmbito socioeconômico para, consequentemente, chegar-se ao cultural. A paisagem, desse modo, é entendida como uma construção sociocultural. Assim, analisa-se a inter-relação entre os sítios e os espaços físicos que os separam a partir da análise extra-sítio (ver Anshuetz et al 2001; INGOLD, 1993; TILLEY, 1994; BENDER, 1992).

Ao introduzir no capítulo cinco a análise dos monumentos em pedra, trabalhando com noção de intencionalidade e escolha do material [5], leva em consideração a sua durabilidade (ver PEARSON & RAMILSONINA, 1998) e os compara com os monumentos de madeira, deixando explícita a diferenciação do foco de cada tipo de monumento: os de madeira seriam feitos para reuniões entre os vivos, e os de pedra, teriam ligação com os mortos e ancestrais. Além disso, é introduzido o questionamento sobre a datação das marcações feitas em terrenos (trabalhos de terraplanagem e construção de fossos) reconhecidas como henges: alguns deles seriam posteriores aos monumentos (círculos de pedra e madeira) que estão atualmente relacionados (ou assim era entendido).

Dessa forma, a inserção dos henges no contexto dos círculos de pedra, por exemplo, demonstra uma provável mudança no foco ritual desses locais, provavelmente ligados aos ritos de passagem (ver GENNEP, 1909; TURNER, 1969) com inversão de convenções sociais, transformação do estado pessoal e manutenção de forças dentro do círculo. Indo além, alguns desses henges e trabalhos de terraplanagem teriam o intuito de barrar a visão do interior dos monumentos, revelando a necessidade de uma audiência fechada, caracterizando uma hierarquia social, onde muitos construíam, mas poucos tinham acesso direto (seja visual, seja físico) ao centro do ritual [6] – e, por que não, da paisagem ritualizada.

Um dos exemplos usados pelo autor é o caso de Stonehenge, provavelmente o círculo de pedra mais conhecido, localizado na Inglaterra. Sua fama vem do fato de ser uma construção massiva em monólitos, que chama a atenção como centro de um microcosmo do mundo e dominando a paisagem que o cerca. A comoção maior surgiu no século XVIII com os antiquários [7], como John Aubey e William Stukley, que interpretaram o monumento erroneamente e acabaram criando uma tradição na qual ele seria construção feita pela população celta, voltado para atividades rituais: um templo dos druidas, popularmente conhecidos como “sacerdotes celtas” [8].

Os antiquários foram percussores/fomentadores de um movimento conhecido como Celtomania, intrinsecamente ligada ao Celtismo, conhecido como a invenção de uma “tradição” celta a partir dos antiquários do século XVIII, que influenciou fortemente os movimentos nacionalistas na Europa e desencadeou o fenômeno da Celtomania, no século XIX. Ligada ao imaginário popular, ao mítico, ao fantástico, baseou-se no Celtismo e nas lendas medievais. Atualmente, existe uma cultura pop com distorções ainda maiores, com ampliação das imagens criadas e com uma forte idealização mítica. Como consequência, foi criada uma alegoria do que teria sido a sociedade celta, com implicações políticas e identitárias fortes e que até hoje influencia religiosidades neopagãs – que (re)interpretam e (re)utilizam monumentos pré-históricos como sendo representantes de uma crença milenar e ancestral.

Apesar de sua importância indiscutível ao longo de séculos, Richard Bradley oferece muito pouco espaço para analisar Stonehenge. Com monólitos massivos moldados e cuidadosamente conectados, como peças de carpintaria, fazendo a ocorrência incomum para o tipo de círculo de pedras, o autor traz uma nova ideia, de que Stonehenge teria sido concebido como uma cópia de um edifício de madeira doméstico, mas infelizmente deixa o leitor perdido, no meio do questionamento, sem desenvolver mais sua teoria e sem proporcionar maiores detalhes.

Na penúltima parte do livro, que engloba os capítulos sete, oito e nove, o autor trabalha com a análise da existência das construções em formas retilíneas e retangulares em concomitância com as circulares. Seja por justaposição ou interação dessas estruturas, examina o motivo de a construção circular ter sido afetada à medida que a construção retangular fica mais proeminente. Essa análise se dá pelo estudo de caso em diferentes espacialidades no mesmo recorte temporal: Idade do Ferro na Sicília e nas Ilhas Britânicas, além da cultura dos Castros na Península Ibérica; e por meio de estudos etnográficos utilizando exemplos africanos.

No último capítulo, o autor faz um apanhado geral das ideias expostas em seu trabalho, traçando um elo comum entre os casos analisados: a experiência de viver em casas redondas seria uma ideia particular nas comunidades da pré-história europeia e seu formato seria uma escolha importante, uma vez que os monumentos circulares não foram substituídos por monumentos retilíneos e, quando a forma circular foi suprimida das casas, teria provavelmente ocorrido por pressão política; e teria sido direcionada, então, para a construção de templos. Apesar de possuírem um layout mais prático, as casas retangulares não foram completamente adotadas por comunidades sedentárias.

A escolha do autor pelo estudo e ênfase nas moradias e construções domésticas, (as casas), pode não ficar muito clara para o leitor até o final do livro. Ele parte sempre das casas como unidade principal de análise, mesmo para casos comparativos. Isto se deve ao fato que, para ele, é possível enxergar nos monumentos uma tentativa de utilizar o “protótipo” doméstico em escala aumentada. Como já exposto, esse modelo original doméstico influenciaria toda a visão de mundo e as escolhas simbólicas e rituais das populações, fazendo com que fosse massivamente reinterpretado ao longo do tempo, por diversas comunidades.

Após esta afirmação, permanece o questionamento: não seria simplificar em demasia o motivo e o poder de escolha de uma população a partir única e exclusivamente da influência do padrão de construção que a moradia possuía? Como é mostrado no próprio livro, as escolhas dos tipos de moradia são influenciadas também pela relação do homem no ambiente e na paisagem que o cerca. Se levarmos em consideração os estudos de paisagem, é possível percebê-la como dinâmica: o ambiente influencia a ação humana, as casas influenciam os monumentos, os monumentos influenciam as casas … e vice-versa.

Sendo assim, não seria mais lógico considerar a paisagem, na qual as casas e os monumentos estão inseridos, como uma plataforma interativa para a experiência humana, constantemente recriada por meio de construções físicas, metafísicas e simbólicas que alterariam continuamente o relacionamento e a percepção daqueles que nela se engajavam, criando a percepção humana de estar no mundo (TILLEY, 1994; INGOLD, 1993) e, isso sim, influenciar no padrão de construção das casas e monumentos?

Essa exposição só vem demonstrar o uso diferenciado do espaço na Europa, que tem a ver com o ambiente, a paisagem, a economia e o assentamento das populações – o que levou a reiterar uma das poucas conclusões do livro: há um padrão para as construções e uma dualidade – já exposta por Cunliffe (2008) – entre dois eixos da Europa. A arquitetura curvilínea é mais comum nas áreas conectadas pelo mar: oeste do Mediterrâneo e a costa do Atlântico, com poucos exemplos na França. Essas áreas eram extremamente conectadas durante o Neolítico e a Idade do Bronze e depois por contatos transoceânicos na Idade do Ferro e no Período Romano (CUNLIFFE, 2001). Sua caracterização não concretiza um dado que as comunidades ali presentes possuíam, reconheciam e partilhavam de uma origem comum, mas evidencia as trocas de longas distância. Já a arquitetura retilínea é mais comum no eixo da Europa continental, central e norte, enfatizada pelos contatos por terra, exemplificando uma diferença na forma de conceber e lidar com o mundo: na terra, contatos em redes, caminhos e trilhas; enquanto no eixo marítimo a paisagem é mais aberta, com o contato diferenciado entre o indivíduo, o horizonte e o céu – o que, certamente, influenciou na forma de construir, idealizar e habitar das populações.

The Idea of Order: The Circular Archetype in Prehistoric Europe é uma obra extensa, extremamente detalhada e descritiva, exigindo atenção e dedicação total do leitor, de preferência, com uma leitura lenta, atentando sempre para as correlações e os questionamentos que seguem encadeados ao longo dos nove capítulos e que são amarrados no capítulo final do livro. Ao finalizá-lo, o leitor dificilmente irá concluir, devido à enxurrada de questionamentos explicitados ao longo do texto, se existiu (ou não) um padrão circular presente no inconsciente coletivo e partilhado pelas populações préhistóricas através de gerações ou ainda se a ideia particular de ordem que sintetizaria a concepção circular do espaço seria fruto de uma consciência comum às populações préhistóricas da faixa Atlântica. O máximo que se poderá concluir é, como o próprio autor expõe: que não é possível afirmar, mas é válido fazer a pergunta.

Notas

1. Vale à pena salientar que para R. Bradley, a noção de arquétipo ultrapassa o significado basilar ligado a: padrão, modelo ou até paradigma. No curso de suas obras, o autor vai indicando que sua escolha se aproxima mais do conceito Junguiano de arquétipo, que seria um modelo de construção circular presente no (in)consciente coletivo das populações pré-históricas da faixa atlântica.

2. Sobre tradição inventada ver HOBSBAWM & RANGER, 1992.

3. Para o estudo mais aprofundado sobre a vida doméstica e sua influência, ver BRADLEY, 2005.

4. Tradicionalmente conhecido como arte do período La Tène (ver CUNLIFFE, 1997). 5 Relacionamento entre sujeito e objeto ver HODDER, 1995.

6. Entende-se como ritual atos que não fazem parte de atividades cotidianas e, em alguns casos, não domésticas que se comunicam através de mídia distinta para criar uma noção de tempo diferenciada: a fusão do passado no presente, com intuito de manter a ordem social (BELL, 1992).

7. Antiquarismo: movimento do século XVIII/XIX, anterior à arqueologia, composto por estudiosos, curiosos e colecionadores que tinham interesse nas relíquias do passado (Cf Trigger, 2004).

8. Para maiores informações, ver CUNLIFFE, 2010.

Referências

BENDER, B. Theorizing Landscapes, and the Prehistoric Landscapes of Stonehenge. Man, 27, 1992, pp.735-755.

BRADLEY, R. Rock art and the Prehistory of Atlantic Europe. London: Routledge, 1997.

____________. The Significance of Monuments: On the shaping of Human Experience in Neolithic and Bronze Age Europe. London: Routledge, 1998.

____________. Ritual and Domestic Life in Prehistoric Europe. Abingdon: Routledge, 2005.

____________. Prehistoric Britain and Ireland. Cambridge: Cambridge University Press, 2007.

____________. Image and Audience – Rethinking prehistoric Art. Oxford: Oxford University Press, 2009.

CUMMINGS, V. Building from Memory, Remembering the past at Neolithic monuments. In WILLIANS, H. (ed.). Western Europe in Archaeologies of Remembrance: Death and Memory in Past Societies. New York: Plenum Publishes, 2003, pp.24-29.

CUNLIFFE, B. The Ancient Celts. Oxford: Oxford University Press, 1997.

CUNLIFFE, B. (ed.). The Oxford Illustrated Prehistory of Europe. Oxford: Oxford University Press, 2001.

__________. The Celts: A Very Short Introduction. Oxford: Oxford University Press, 2003.

__________. Europe Between the Oceans: themes and variations: 9000 BC to AD 1000. Yale: Yale University Press, 2008.

__________. The Druids: A Very Short Introduction. Oxford: Oxford University Press, 2010.

HOBSBAWM, E.; RANGER, T. (ed.). The Invention of Tradition. Cambridge: Cambridge University Press, 1992.

HODDER, Ian. Theory and Practice in Archaeology (Material Cultures). London: Routledge, 1995.

INGOLD, T. The Temporality of the Landscape. World Archaeology, 25 (2), 1993, pp. 152-174.

LEERSSEN, Joep. Celticism. In: BROWN, T. (ed.) Celticism. Editions Rodopi: Amsterdam, 1996, pp. 3-19.

OWOC, Mary-Ann. From the Ground Up: Agency, Practice, and Community in the Southwestern British Bronze Age. Journal of Archeological Method and Theory, 12 (4), 2005, pp. 257-281.

PEARSON, P.; RAMILSONINA. Stonehenge for the ancestors. The Stones pass on the message. Antiquity, 72, 1998, pp.308–26.

TILLEY, C. A Phenomenology of Landscape – places, paths and monuments. Oxford: Oxford University Press, 2006.

RENFREW, A. C.; BAHN, P. Archaeology: The Key Concepts. London: Routledge, 2005.

TRIGGER, B. História do Pensamento Arqueológico, São Paulo: Odysseus, 2004.

Ana Carolina Moliterno Lopes de Oliveira – Mestranda em História Social na Universidade Federal Fluminense (UFF) NEREIDA/UFF. E-mail: [email protected]


BRADLEY, RICHARD. The Idea of Order: The Circular Archetype in Prehistoric Europe. Oxford. Oxford University Press, 2012. Versão e-book. Resenha de: OLIVEIRA, Ana Carolina Moliterno Lopes de. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.14, n.2, p. 129-138, 2014. Acessar publicação original [DR]

O comercio tardoantigo no Noroeste Peninsular: unha análise da Gallaecia Sueva e Visigoda a través do rexistro arqueolóxico | Adolfo Fernández Fernández

La Antigüedad Tardía es, a nivel general, una de las épocas menos estudiadas, sobre todo en lo que atañe a Hispania y especialmente a la zona del Noroeste. La obra que aquí reseñamos, titulada O comercio tardoantigo no Noroeste Peninsular: unha análise da Gallaecia Sueva e Visigoda a través do rexistro arqueolóxico [1] , viene a suplir, en cierta medida, un vacío que existía en uno de los campos menos estudiados y a los que menor atención se le había prestado, el comercio, focalizando su atención en una zona (la Gallaecia) y una época (siglos IV-VII) marcados por la irrupción en la Península Ibérica de diversos grupos bárbaros, destacando sobre todos ellos el grupo Suevo, que suplantó al Imperio Romano como dominador del Noroeste de Hispania desde comienzos del siglo V. Es por tanto una obra fundamental que permite contextualizar los pocos datos y la poca información que sobre la irrupción de este pueblo bárbaro tenemos y sobre las consecuencias intrínsecas que su instalación sobre el territorio hispano noroccidental supuso.

La obra, de Adolfo Fernández Fernández, surge como resultado de su tesis de doctorado, titulada El Comercio Tardoantiguo (ss. IV-VII) en el Noroeste peninsular a través del Registro Arqueológico de la Ría de Vigo, leída en el año 2011 en la Universidad de Vigo. Arqueólogo-ceramólogo especialista en economía y comercio de época romana, el propio autor indica en las páginas iniciales de su libro, escrito en gallego, de poco menos de 300, que este estudio surge de la ausencia de artículos y estudios científicos referidos al comercio en el Noroeste hispano desde la publicación de la obra de Naveiro López, El comercio antiguo en el NW peninsular, publicada en 1991. Debido al boom económico y urbanístico que vivió España (y en cierta medida también Portugal) las excavaciones arqueológicas, y por tanto nuevos materiales susceptibles de ser estudiados, han salido a la luz, y es por ello que el autor puso sus ojos en ofrecer a la comunidad científica este estudio tan interesante.

El libro se divide en cuatro apartados diferentes de desigual tamaño, más allá de una pequeña introducción donde nos deja entrever brevemente en el origen de sus investigaciones y su libro.

El primero de estos apartados se titula Os xacementos arqueolóxicos de Vigo: a base principal do estudo [2], en el cual Adolfo Fernández nos hace un recorrido por los diferentes yacimientos arqueológicos de los que provienen la mayor parte de los materiales que van a ser estudiados en el grueso de su obra. Todos ellos se encuentran en el núcleo urbano de Vigo (Pontevedra, España), excepto uno que está fuera, y aparecen englobados por el autor en tres categorías diferentes, basándose para ello en los diferentes grados de estudio de su material arqueológico: yacimientos con estratigrafía (Villa de Toralla, Unidad de Actuación Rosalía de Castro I, Marqués de Valladares y la Unidad de Actuación Rosalía de Castro II), yacimientos sin datos estratigráficos (Hospital nº 5, parcela 14, parcela 23, colector da rúa Colón y Areal 6-8) y yacimientos con materiales tardíos parcialmente estudiados (Parcela 13, túnel del Areal y Rosalía nº 5).

El segundo de estos apartados se titula Unha breve aproximación ás relación comerciais do Noroeste con anterioridade á Antigüidade Tardía. (Séc. V/VI a.C. – Séc. III d.C.) [3]. Al igual que el anterior, estamos ante un capítulo que podemos denominar introductorio, en tanto en cuanto su función no es otra que la de contextualizar los dos siguientes apartados, que conforman el grueso de la obra. Dado que, como bien indica el título, esta obra tiene como marco cronológico la Antigüedad Tardía, el autor consideró necesario este capítulo para establecer un marco de partida, de referencia, para poder entrever las rupturas o las continuidades de los sistemas mercantiles y comerciales en el Noroeste con la época anterior, de ser el caso.

Tras estos dos apartados, entramos de lleno en su estudio, con un tercer apartado de poco más de 120 páginas, el de mayor tamaño del libro con diferencia, titulado As relacións do noroeste e as rutas de comercio durante a Antigüidade Tardía. (Sécs. IV – VII.) [4] . Dado su volumen y su importancia, el autor lo ha dividido en cinco capítulos, abordando en cada uno de ellos las características del sistema comercial del Noroeste hispano a lo largo de diferentes periodos de tiempo, caracterizados cada uno de ellos por peculiaridades propias. Estas fases del sistema comercial del Noroeste abarcan desde el siglo IV hasta el VII, analizados siguiendo un orden cronológico.

Una de las claves más interesantes de este libro radica en el estudio de los sistemas comerciales en la época de llegada de los pueblos bárbaros a Hispania, y especialmente en la época del asentamiento de los Suevos en la zona estudiada, el Noroeste. Por tanto, las conclusiones que de este trabajo se extraigan serán indispensables para conocer mejor las relaciones de este nuevo poder bárbaro con los poderes locales galaicorromanos, y para desmentir o afirmar la tan manida cuestión de si este grupo bárbaro arrasó violenta y cruentamente estos lugares.

En las últimas décadas se ha venido aseverando por parte de historiadores y arqueólogos, a través de una actitud más crítica hacia las fuentes y de mayores estudios arqueológicos sobre esta época, la actitud más o menos pacífica, o por lo menos no destructiva, de los grupos bárbaros en su llegada y asentamiento en el Noroeste. Este estudio por tanto se convertirá en un argumento más para reafirmar este “pacifismo” de los grupos bárbaros, o al contrario, para mostrar cierto rupturismo consecuencia de su llegada.

Del mismo modo, este estudio cronológico, con sus rupturas o sus continuidades, nos ofrece importante información sobre épocas para las cuales no tenemos apenas información en en la Gallaecia, como por ejemplo el último tercio del siglo V, donde a partir del fin de la Crónica de Hidacio de Chaves no tenemos información alguna. Así pues, a través de este estudio podemos acercarnos mínimamente a esta época para comprobar si, en un sentido general, se producen continuidades con la época anterior o si por el contrario existe alguna ruptura importante que nos esté dando cuenta de algún suceso que motivó ese cambio, pero que no conocemos por ninguna fuente escrita.

Por otra parte, es también interesante el análisis del siglo VI, donde a través del estudio del autor se confirman cambios producidos por el nuevo panorama político del momento, como es el avance militar bizantino en Italia y el sur de Hispania, que provocan que los materiales provenientes del Mediterráneo oriental sean superiores a los productos tradicionales venidos del Norte de África. Asimismo, se constata una ruptura en esta época del comercio entre el Noroeste y las Islas Británicas, un hecho que a priori se desconocía y que el autor concluye producto de la peste de esta época.

Finalmente, como último capítulo de este apartado, el autor, en unas siete páginas finaliza el apartado haciendo referencia a la segunda mitad del siglo VII, en una especie de epílogo del mismo donde nos dice que, a pesar de no haber contextos arqueológicos para esta época en Vigo o en el Noroeste, se puede apreciar a nivel general en Occidente un repliegue sobre sí mismo debido al avance de los árabes por el Mediterráneo Oriental y Norteafricano, que puede suponer una verdadera ruptura en el sistema comercial heredado de época romana.

Llegamos así al último apartado del libro, titulado As mercadorías e os protagonistas do comercio [5] , en donde el autor pretende mostrar la información no desde una óptica cronológica como en el capítulo anterior, sino desde un punto de vista que podemos denominar como temático, estudiando así por ejemplo las mercancías por un lado, los protagonistas del comercio por otro, etc.

En general, este apartado es dividido por el autor en tres capítulos. El primero dedicado las mercancías exportadas e importadas en Vigo en particular y en el Noroeste en general, donde el autor contextualiza todos los materiales hallados en las excavaciones, afirmando que estos no serían el objeto principal del comercio, sino al contrario. La cerámica, el maíz, etc., serían mercancías de valor secundario que acompañarían a otras mercancías de lujo, más lucrativas, que serían el verdadero motor del comercio a larga distancia, mercancías que obviamente no se suelen encontrar en la mayoría de yacimientos arqueológicos, como serían joyas, textiles, perfumes, o incluso metales. En este sentido, el autor concluye que el verdadero motor que llevaría a los comerciantes a llegar hasta el Noroeste sería el alumbre. Por su parte, del Noroeste se llevarían probablemente metales como estaño o incluso plomo, y también probablemente madera.

El segundo capítulo de este cuarto y último apartado hace referencia a los protagonistas de los intercambios, es decir, aquellas personas que eran los promotores del comercio en el Noroeste. Adolfo Fernández hace un buen análisis incidiendo no sólo en los encargados del comercio de larga distancia, que estaría dominado por mercaderes extranjeros (griegos, judíos, sirios) sino también hace referencia a la importancia de los comerciantes locales de los emporios de distribución del Noroeste, dominados por galaicorromanos o suevos, encargándose estos de la captación de los productos orientados a la exportación y también de la redistribución de los productos mediterráneos hacia el resto del mundo atlántico.

Finalmente, termina este apartado, y también su obra, con un tercer capítulo titulado O porto de Vigo durante a Antigüidade Tardía: Un emporio atlántico [6], donde en unas nueve páginas concluye reafirmando la importancia del puerto de Vigo durante esta época, con un momento de especial esplendor durante el siglo VI y primera mitad del VII. Este puerto sería el último puerto en el que se detendrían los comerciantes de larga distancia, y funcionaría como lugar de redistribución de las mercancías para todo el Noroeste Peninsular.

La obra culmina con una extensa bibliografía sobre la temática del libro, que abarca poco menos de cuarenta hojas, lo que se puede considerar un gran acierto para quien esté interesado en indagar más aún sobre esta temática.

En definitiva, estamos delante de una obra de gran importancia que viene a llenar un hueco existente, una laguna en el conocimiento sobre la Antigüedad Tardía del Noroeste Peninsular y que no solo es importante desde el punto de vista de que se amplía el conocimiento de los sistemas comerciales en la Época Antigua, sino que es un argumento más para contextualizar un lugar y una época marcada, sin lugar a dudas, por cambios políticos en la zona de gran calado, como fue sobre todo la llegada del grupo bárbaro suevo a la Gallaecia.

O comercio tardoantigo no Noroeste Peninsular viene, en definitiva, a ser un argumento a favor de los nuevos planteamientos que sugieren que la llegada y el asentamiento de los Suevos en el Noroeste no fue en absoluto un momento de caos y destrucción por su parte sino que, al contrario, supusieron la continuidad de los sistemas económicos y comerciales heredados de la Antigüedad, con las obvias variaciones y fluctuaciones propias de un mundo en constante cambio, pero que no tienen que ver con una acción directa y premeditada por parte de los grupos bárbaros.

Notas

1. Dado que la obra está escrita en gallego, traduciremos al castellano, en notas a pié de página, los títulos, apartados y capítulos que en la obra vienen en este idioma, para que el lector los entienda sin dificultad. El título de la obra, en castellano, El comercio tardoantiguo en el Noroeste Peninsular: un análisis de la Gallaecia Sueva y Visigoda a través del registro arqueológico.

2. En castellano, Los yacimientos arqueológicos de Vigo: la base principal del estudio.

3. En castellano, Una breve aproximación a las relaciones comerciales del Noroeste con anterioridad a la Antigüedad Tardía. (Séc. V/VI a.C. – Séc. III d.C.).

4. En castellano, Las relaciones del Noroeste y las rutas de comercio durante la Antigüedad Tardía. (Sécs. IV – VII.).

5. En castellano, Las mercancías y los protagonistas del comercio.

6. En castellano, El puerto de Vigo durante la Antigüedad Tardía: Un emporio atlántico.

Benito Márquez Castro – Doctorando del Programa de Doctorado Historia, Territorio y Recursos Patrimoniales de la Universidad de Vigo Diputación de Pontevedra. E-mail: [email protected]


FERNÁNDEZ FERNÁNDEZ, Adolfo. O comercio tardoantigo no Noroeste Peninsular: unha análise da Gallaecia Sueva e Visigoda a través do rexistro arqueolóxico. Noia: Toxosoutos, 2013. Resenha de: CASTRO, Benito Márquez. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.14, n.2, p. 129-138, 2014. Acessar publicação original [DR]

Meio ambiente e Antropologia – WALDMAN (RMPEG-CH)

WALDMAN, Maurício. Meio ambiente e Antropologia. São Paulo: Editora SENAC, 2012. (Série Meio Ambiente, n. 6). 233 p. Resenha de: LELIS, Michelle Gomes; FERREIRA NETO, José Ambrósio. Um olhar antropológico sobre a questão ambiental. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v.9, n.2, mai./ago. 2014.

O homem contemporâneo está em conflito permanente com o outro de si mesmo, visto como uma espécie de intruso alojado no seu interior, um ‘invasor de corpo’ preocupado em devorá-lo por dentro e, quem sabe, assumir de vez sua corporalidade (Waldman, 2012, p. 185).

Maurício Waldman, brasileiro, docente na Universidade de São Paulo (USP), onde leciona as disciplinas Administração dos recursos ambientais, Sociedade e meio ambiente, Ética profissional, Geografia da África negra e Introdução aos estudos africanos, é sociólogo, geógrafo e antropólogo pela USP. Possui Doutorado em Geografia Humana (2006) e Mestrado em Antropologia Social (1997), ambos pela USP. Com uma importante reflexão na área de antropologia social, escreveu “Meio ambiente e antropologia”, entre outros livros. Neste texto, seu objetivo central foi discutir as relações que conjugam a antropologia com a questão ambiental. Paralelamente a essa preocupação, outra intenção foi alinhavar as possíveis contribuições do enfoque antropológico, no sentido de aprofundar a compreensão da temática relacionada ao meio ambiente.

Na introdução, esclarece que somente a partir das três últimas décadas do século passado é que a defesa da natureza passou a inspirar crescentes manifestações, envolvendo os mais diversos segmentos sociais ao redor do mundo. Tal mobilização, explicitamente posicionando-se em favor de uma relação equilibrada com o meio ambiente, configurou-se por intermédio de um rol de reivindicações impensáveis, mesmo em passado histórico não muito distante. É nesse contexto que o autor justifica a importância da análise do meio ambiente, um tema contemporâneo e urgente de mudanças.

Como foco da sua reflexão, ele ressalta que a antropologia tem se voltado, cada vez mais abertamente, para o estudo dos processos sociais e culturais na sua acepção mais ampla, independentemente da localização no espaço ou no tempo. Na antropologia, a cultura distingue um modo de vida típico de um grupo de pessoas, fundamentado em comportamentos apreendidos e transmitidos de geração a geração, por meio da língua e do convívio social.

O primeiro capítulo do livro explana sobre a relação entre “Antropologia, questão ambiental e cultura”, trazendo algumas considerações relacionadas com as potencialidades da antropologia enquanto ciência da cultura. Waldman detalha o debate a respeito das possíveis contribuições da antropologia e sua particularidade diante das demais disciplinas. Para o autor, tanto a biologia quanto a geografia desconsideram a abordagem social e cultural, não as utilizando para analisar a questão ambiental.

O autor evidencia a proeminência dos estudos clássicos desenvolvidos no âmbito da antropologia relativamente às potencialidades da disciplina para o entendimento da questão ambiental. Ele aponta que uma grande produção teórica efetivou-se em termos do paradigma da oposição entre cultura e natureza, atentando para a postura do antropólogo.

No segundo capítulo, denominado “Cultura, mundo tradicional e meio ambiente”, a análise centra-se no homem tradicional e nas implicações do seu relacionamento com o meio natural. O autor deixa claro que, qualquer que seja o tipo de relacionamento estabelecido pela sociedade tradicional com o meio natural, este, no geral, mantém seus grandes ciclos em funcionamento. Ao contrário da sociedade contemporânea, o mundo da tradição pautou-se por uma convivência com a esfera do natural, e não pela sua exclusão.

No terceiro capítulo, “Temporalidade, modernidade e natureza”, visando sublinhar o que há de descontínuo nas duas grandes esferas da cultura humana que define como objeto da discussão – quais sejam, o mundo da tradição e o da modernidade -, o autor analisa as mudanças que o mundo contemporâneo instaurou na forma de compreensão do meio natural, assim como no relacionamento mantido com este. Isso sem perder de vista o mundo tradicional, cujo estranhamento conduz a se colocar em questão o que aparenta ser autenticamente novo.

Ele destaca que o tempo linear e progressivo, emanação de forças sociais que subentendiam os humanos e a natureza como elementos à disposição do progresso, excluiu todas as acepções sensíveis porventura existentes. Por isso mesmo, o homem contemporâneo está em conflito permanente com o outro de si mesmo, visto como uma espécie de intruso alojado no seu interior, um “invasor de corpo”, preocupado em devorá-lo por dentro e, quem sabe, assumir de vez sua corporalidade. Separado física e psiquicamente dos seus semelhantes, fica comprometido para o homem moderno qualquer vínculo duradouro e sincero do indivíduo com o coletivo e com o espaço público.

Até o quarto capítulo, “Antropologia, humanidade e questão ambiental”, o autor percorre um caminho que conduz o leitor desde os tempos mais remotos até as cintilantes metrópoles da modernidade. Nesse momento, Maurício Waldman traça alternativas, propõe enfoques e costura proposições referentes ao tema primordial. Conclui, nesta parte, que a diversidade cultural não pode estar dissociada da diversidade biológica, sendo redobrado o interesse pela perpetuação dos estilos de vida que se mantiveram regrados pela tradição.

A partir da análise construída por Waldman, ressalta-se que o conceito de cultura, além de materializar-se como um instrumental de indispensável importância para a análise das sociedades tradicionais, mantém, de igual modo, seu vigor operatório e sua eficácia na avaliação do dinamismo cultural contemporâneo. A cultura perpassa por todo um rol de comportamentos relacionados com o meio ambiente e, na ausência dessa perspectiva, necessariamente qualquer avaliação estaria prejudicada na sua fundamentação, nas suas propostas e nas suas conclusões.

Na “Conclusão”, o autor ressalta que o esforço de sua análise foi muito mais direcionado para construir uma perspectiva de avaliação, ao invés de pensar sobre formas de gestão, atividades gerais ou aplicadas da disciplina. Por outro lado, argumenta que essa opção em nada seria impeditiva da indicação de problemáticas com as quais a antropologia pode, com toda distinção possível, prontificar-se a destinar sua contribuição no que se refere à questão ambiental.

Para tanto, ao longo do texto, Waldman dialoga com diversos autores, entre eles François Laplantine (1988), “Aprender antropologia”, Edward Evans-Pritchard (1978), “Os Nuer: uma descrição do modo de subsistência e das instituições de um povo nilota”, e Walter Neves (1996), “Antropologia ecológica: um olhar materialista sobre as sociedades humanas”, para argumentar e refletir sobre a relação da antropologia com o meio ambiente. Ele apresenta uma abordagem educativa interdisciplinar por meio de duas áreas, meio ambiente e antropologia, transformando-as em uma antropologia ambiental, empenhada em revelar o caráter transformador do homem em sociedade diante do ambiente natural, instigado particularmente pela dimensão da cultura, da sociedade e das suas dinâmicas.

A antropologia, tendo por objetivo estudar a mais vasta gama possível da diversidade humana nos modos de vida, nas formas de organização social, nos comportamentos e nas crenças, foi levada a privilegiar a observação das sociedades que permanecem (ou que permaneceram) fora do quadro unificador, representado pela civilização técnica e científica corporificada no Ocidente moderno. Dessa forma, estudos antropológicos privilegiam permanentemente a periferia do sistema dominante.

Segundo o autor, é justamente nos marcos da modernidade que os problemas ecológicos se especificaram na sua plenitude. Dessa forma, esclarecer e discutir as perspectivas da antropologia, enquanto disciplina, para com este mesmo mundo moderno abre caminhos para evidenciar o alcance das possíveis contribuições, assim como da eficácia operacional das abordagens que agitam o interior do seu campo teórico.

A capacitação da antropologia em identificar opções diversas das que regram o mundo moderno pode, de igual modo, prontificar-se para consolidar propostas alternativas aos desafios criados ao longo do processo de expansão da civilização ocidental, entre esses evidentemente os de ordem ambiental.

Waldman discute os conceitos de cultura e de natureza, além de reforçar a importância da diferença entre etnografia e etnologia. Afirma que a antropologia cultural teve sua consolidação enormemente apoiada no paradigma da oposição entre cultura e natureza.

Outro argumento do autor é que o leque de consequências da modernidade possui rebatimentos inquestionáveis no relacionamento com o meio natural. Basicamente em razão de que, com a modernidade, o fruir do tempo se materializa a partir de uma sobreposição globalmente desarmoniosa para com o tempo da natureza, o dos homens e com todos os demais tempos sociais, entendidos como obstáculos à implantação dos ritmos e das sequências da temporalidade moderna.

O autor destaca que o conceito de meio ambiente diz respeito aos elementos habilitados a influenciarem o dinamismo social, a repercussão das intervenções culturais e o conjunto das condições que permitem o estabelecimento e a reprodução da vida humana. Assim, ele propõe a construção de uma antropologia ambiental, preocupada em identificar os vínculos indissociáveis que a crise do meio ambiente sustenta com o padrão civilizatório, que é origem da sua manifestação. Tanto no passado do homem quanto nos dias de hoje, a questão ambiental relaciona-se sumamente com um sistema de poder econômico, social, político e ideológico, não podendo ser aquilatada na sua devida extensão na ausência desses referenciais.

Este ensaio, ao mesmo tempo desafiador e aberto aos questionamentos, apresenta a importância de abordar diálogos entre duas áreas abrangentes, como meio ambiente e antropologia, reforçando a possibilidade e a necessidade do trabalho interdisciplinar, com o intuito de minimizar os problemas ambientais causados pelo homem. O autor manifesta nas entrelinhas sua esperança e expectativas de que a humanidade consiga construir um oikos comum a todas as pessoas, um mundo socialmente justo e ecologicamente responsável, no qual o homem não mais permaneça artificialmente dividido e encontre-se na sua totalidade.

Referências

EVANS-PRITCHARD, Edward E. Os Nuer: uma descrição do modo de subsistência e das instituições de um povo nilota. São Paulo: Perspectiva, 1978. (Coleção Estudos, n. 53).         [ Links ]

LAPLANTINE, François. Aprender antropologia. São Paulo: Brasiliense, 1988.         [ Links ]

NEVES, Walter. Antropologia ecológica: um olhar materialista sobre as sociedades humanas. São Paulo: Cortez, 1996. (Coleção Questões da Nossa Época, v. 59).         [ Links ]

Michelle Gomes Lelis – Universidade Federal de Viçosa. E-mail: [email protected]

José Ambrósio Ferreira Neto – Universidade Federal de Viçosa. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[MLPDB]

 

Arqueologia Guarani na laguna dos Patos e serra do Sudeste – MILHEIRA (BMPEG-CH)

MILHEIRA, Rafael. Arqueologia Guarani na laguna dos Patos e serra do Sudeste. Pelotas: Editora da Universidade Federal de Pelotas, 2014. 306 Resenha de: RIBEIRO, Bruno Leonardo Ricardo. Arqueologia Guarani na ponta sul do Brasil. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas. Belém, vol.9, n.2, mai./ago. 2014.

Este livro é uma versão revisada da dissertação de mestrado de Rafael Guedes Milheira, composto por sete capítulos e prefácio de Paulo DeBlasis. A importância da obra é ressaltada já no prefácio, por ser a primeira a, de fato, sistematizar a ocupação Guarani no extremo sul do Brasil, mais precisamente na área entre a laguna dos Patos, a leste, e a região serrana, a oeste. Lançando mão de uma metodologia de enfoque regional, Milheira conseguiu realizar uma pesquisa arqueológica que possibilita o diálogo com a Antropologia e a História, além da “construção de uma História indígena propriamente dita” (p. 20), o que torna seu livro indispensável para aqueles que procuram estudar as ocupações Guarani no sul do Brasil, sejam eles especialistas da área ou estudantes.

Na introdução, Milheira informa que sua principal motivação para a pesquisa partiu da constatação da quase completa ausência de registros históricos que fizessem referência à participação da cultura indígena na formação identitária regional, relegando às populações indígenas um papel secundário e marginal no processo de construção social local. Ainda, e à contramão dos registros históricos, os achados arqueológicos atestam a presença significativa de variadas populações indígenas na região, envolvidas em um complexo sistema de relações e redes sociais que remetem a mais de 2.500 anos, sistematicamente eliminadas física e culturalmente desde a chegada dos primeiros colonizadores europeus. Mesmo que não levados ao completo extermínio, hoje ainda reside na região apenas uma parcela ínfima do que antes foi uma nação indígena sem precedentes.

Os dois primeiros capítulos são fundamentais para a compreensão da obra e da proposta do autor, e neles é apresentado um panorama geral da arqueologia Guarani, desde as primeiras pesquisas realizadas não apenas na área de estudo, mas também aquelas relacionadas às ocupações caracterizadas como pertencentes a este grupo em várias regiões do Brasil. É dada ênfase aos estudos realizados por Alfred Métraux na primeira metade do século XX e sua contribuição à formação do pensamento arqueológico brasileiro sobre os Guaranis, como as proposições que fez sobre a busca guarani pela ‘terra sem males’ e sobre a zona de fronteira entre os Tupinambás, ao norte, e os Guaranis, ao sul, no interior do estado de São Paulo – proposta posteriormente refinada por Scatamacchia (1990). O autor tece ainda algumas críticas sobre o papel pretensamente apolítico desempenhado pelo Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas (PRONAPA) e seus impactos em estudos posteriores.

Em seguida, partindo de uma proposta que intercala informações em nível micro e macrocontextual, Milheira apresenta temas que vão desde a definição das estruturas arqueológicas pertinentes à interpretação dos dados empíricos por ele levantados – como estruturas funerárias e de combustão – até noções de territorialidade, organização social e expansão, definindo o processo de expansão territorial Guarani como ‘enxameamento’, conceito apresentado por Brochado (1984) e amplamente aceito na comunidade acadêmica. Essa definição parte da premissa de que o processo de expansão territorial Guarani foi contínuo, e a ocupação espacial se deu de forma radial, iniciada com uma grande pressão demográfica, que tornou obrigatória uma divisão celular da aldeia e a procura e obtenção por novas áreas de captação de recursos para ocupação e assentamentos permanentes (sobre este assunto, sugiro também o texto de Noelli, 1993).

Esse conceito é fundamental para o entendimento das áreas e dos tipos de atividades relacionados a cada sítio estudado, além de auxiliar na interpretação desses sítios como acampamentos temporários e/ou aldeias. Nessa parte do livro, torna-se claro o exaustivo levantamento bibliográfico realizado pelo autor no que tange à arqueologia Guarani.

Talvez uma única ressalva a ser levantada esteja relacionada ao caráter restritivo da discussão. Apesar de fazer um breve relato sobre o complexo panorama multicultural verificado na região quando da chegada do europeu, então compartilhada por grupos majoritariamente Guarani, mas também por povos Cerriteiros, Jê e Sambaquieiros, a pesquisa de Milheira quase não trespassa a temática Guarani ou extrapola o limite sul do Brasil, nem estabelece um diálogo significativo com pesquisadores ou estudos realizados acima do rio Paranapanema e referentes aos povos Tupi. Acredito que um maior diálogo com tal temática seria muito proveitoso, não apenas para a obra em si, mas também para pesquisadores futuros que utilizarão este livro como referência. Uma vez que Guaranis e Tupis são grupos similares, a ponto de representarem ramificações de um mesmo tronco linguístico ou, para alguns pesquisadores, uma mesma ‘tradição’ arqueológica, o estabelecimento de contraposições ou a verificação de similaridades, em qualquer nível ou de qualquer caráter, seria mais uma contribuição significativa para a construção do conhecimento arqueológico sobre estas populações de outrora.

No terceiro capítulo, partindo principalmente dos estudos realizados pelo Projeto RADAMBRASIL, o autor faz uma caracterização espacial e geomorfológica da área alvo da pesquisa. Salientando que ela abrange tanto a planície costeira quanto o escudo sul-rio-grandense, descreve sucintamente as paisagens serranas e litorâneas, logo iniciando a apresentação das metodologias adotadas em campo, onde articulou métodos de levantamento probabilístico e oportunístico com a proposta dos estágios múltiplos – reconhecimento geral da área de estudo, levantamento arqueológico, prospecção e escavação. Finalmente, mas não menos importante, Milheira explica sua opção por uma abordagem voltada à arqueologia regional. Sendo seu objetivo compreender o sistema de ocupação Guarani em uma área até então pouco pesquisada, tal enfoque lhe permitiria reconstruir o contexto de implantação dessas ocupações, em seu sentido mais amplo e em seu caráter de longa duração.

Os capítulos quatro e cinco são os mais densos do livro. No quarto, é apresentada a arqueografia de cada um dos sítios identificados ao longo da pesquisa, agrupados de acordo com a fisiografia local – cinco sítios identificados na região litorânea da lagoa dos Patos e dez sítios identificados na região serrana. A apresentação das intervenções realizadas e dos vestígios arqueológicos identificados em cada um destes sítios é extremamente detalhada e minuciosa. Cabe salientar que, sempre que possível, Milheira realiza inferências e proposições acerca da funcionalidade dos contextos arqueológicos verificados em cada um dos sítios, correlacionando suas impressões sobre as escavações com os resultados das análises posteriores.

No capítulo cinco, são apresentados os resultados das análises dos vestígios arqueológicos propriamente ditos. Partindo de uma proposta tecno-tipológica, a metodologia elaborada para a análise dos vestígios cerâmicos é construída principalmente sobre um ‘tripé’ composto por La Salvia e Brochado (1989), Shepard (1985 [1956]) e Orton et al. (1993). A ficha descritiva e os procedimentos de análise também são detalhadamente apresentados, além de várias páginas serem dedicadas à discussão crítica sobre as potencialidades e as possibilidades de erros relacionados às mais do que comuns projeções de forma, quando elaboradas a partir de fragmentos cerâmicos de tamanhos diminutos. A primazia verificada nesta seção da obra é sem igual, assim como a confiabilidade dos resultados obtidos.

Por outro lado, pouca ênfase foi dedicada aos vestígios líticos, possivelmente em função de sua menor recorrência entre os sítios arqueológicos. A metodologia adotada se pauta pela proposta de cadeia operacional sugerida por Schiffer (1972, 1987), e a análise é de caráter tecno-tipológica, embasada principalmente no esquema elaborado por Dias e Hoeltz (1997). Não pude deixar de pensar que os trabalhos de análise dedicados aos materiais líticos foram, em certo grau, muito sucintos, principalmente se comparados aos realizados com os vestígios cerâmicos, e que, talvez, se uma maior profundidade tivesse sido atribuída a eles, como a adoção de uma metodologia embasada em parâmetros tecno-funcionais, apontamentos mais significativos teriam sido alcançados.

Tais estudos tiveram como objetivo não apenas a caracterização destas indústrias líticas e cerâmicas, mas também o levantamento de apontamentos que possibilitassem pensar o domínio e o uso territorial dos Guaranis na região, sobretudo após a constatação do autor de que as matérias-primas identificadas nos sítios litorâneos não estão presentes in loco, e remeteriam a cinco jazidas diferentes, que distam entre 30 e 200 km da Lagoa dos Patos, nas terras altas da serra do sudeste. Vestígios arqueofaunísticos também foram identificados, em baixas quantidades e em estado de conservação insatisfatório, em dois dos sítios escavados na área litorânea. Perante esta baixa relevância, a análise esteve voltada à procura por informações relacionáveis à dieta e às espécies consumidas nos sítios da região, além da procura de possíveis elementos cabíveis de inferências que correlacionassem espécie, apreensão e habitat, e da distribuição espacial dos vestígios com áreas de atividades específicas.

Concluindo a obra, os capítulos seis e sete são dedicados à hipótese elaborada para a ocupação territorial da área-alvo pelos Guaranis e à apresentação do modelo interpretativo adotado pelo autor. Embasado majoritariamente na perspectiva sistêmica de Binford (1980, 1991 [1983]) e no modelo de ocupação proposto por Noelli (1993), Milheira pressupõe a existência de um contexto macroespacial, onde todos os sítios estudados, sejam eles entendidos como aldeias ou acampamentos temporários, estão interligados por uma imbricada rede de relações sociais, ideológicas, ambientais e econômicas. Tal contexto seria o do ‘Teko’a do Arroio Pelotas’, abrangeria aproximados 35 km de raio e se dividiria em litoral e serra, não apenas pelo tipo de ambiente ocupado, mas também pelas modalidades e características de cada assentamento verificado – além do domínio territorial projetado.

Segundo o autor, estes dois ambientes de ocupação estariam intrinsecamente interligados, sendo a porção litorânea uma extensão da porção serrana. As ocupações da região serrana apresentam distribuição espacial mais aglomerada, maiores dimensões e remetem a períodos mais antigos. Estão situadas em áreas de melhor acesso a recursos naturais e mais propensas à agricultura. As ocupações da porção litorânea, por sua vez, seriam mais recentes e periféricas às ocupações serranas, de distribuição mais esparsa e voltadas à obtenção de recursos marítimos. Seriam oriundas da necessidade por novos territórios, em função de pressões demográficas e do processo de expansão por enxameamento, e apresentariam certo grau de dependência em relação às aldeias serranas centrais (em relação à obtenção de matérias-primas líticas, por exemplo).

Não posso deixar de exaltar os esforços realizados por Milheira em relação ao levantamento das fontes de matéria-prima e à correlação perspicaz entre as distâncias, o estabelecimento de redes de troca e o ciclo de vida dos instrumentos líticos. Isso é algo de extrema importância para a interpretação e distinção relacionadas à funcionalidade de determinados acampamentos litorâneos e à organização do ‘Teko’a do Arroio Pelotas’ em nível Guará, uma vez que, segundo sua hipótese, apenas uma das cinco jazidas de matérias-primas estaria dentro dos limites deste ‘Teko’a’, o que demandaria, obrigatoriamente, outras formas de obtenção das matérias-primas, além do simples aprovisionamento.

Por fim, elogios devem ser feitos ao autor pela utilização de verbetes êmicos Guarani, retirados de leituras etno-históricas e utilizados ao longo de toda a obra, mas principalmente ao nomear as funções exercidas pelos instrumentos líticos, quando inova ao apresentar a outros pesquisadores interessados em estudos similares as possibilidades de um diálogo etnográfico, como há muito vem sendo realizado entre aqueles que estudam cerâmica arqueológica.

Referências

BINFORD, L. R. Em busca do passado: a decodificação do registro arqueológico. Portugal: Europa-América, 1991 [1983]         [ Links ].

BINFORD, L. R. Willow smoke and dog’s tails: hunter-gatherer settlement systems and archaeological site formation. American Antiquity, Washington, v. 45, p. 4-20, 1980.         [ Links ]

BROCHADO, J. P. An ecological model of the spread of potter and agriculture into Eastern South America. 1984. Tese (Doutorado em Antropologia) – University of Illinois, Urbana, 1984.         [ Links ]

DIAS, A. S.; HOELTZ, S. E. Proposta metodológica para o estudo de indústrias líticas do Sul do Brasil. Revista do CEPA, Santa Cruz do Sul, v. 25, n. 21, p. 21-62, 1997.         [ Links ]

LA SALVIA, F.; BROCHADO, J. P. Cerâmica Guarani. Porto Alegre: Posenato e Cultura, 1989.         [ Links ]

NOELLI, F. S. Sem Tekohá não há Tekó: em busca de um modelo etnoarqueológico da subsistência e da aldeia Guarani aplicada a uma área de domínio no delta do Jacuí/RS. 1993. Dissertação (Mestrado em História) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1993.         [ Links ]

ORTON, C.; TYERS, P.; VINCE, A. Pottery in archaeology. London: Cambridge University Press, 1993.         [ Links ]

SCATAMACCHIA, M. C. M. A tradição policrômica no leste da América do Sul evidenciada pela ocupação Guarani e Tupinambá: fontes arqueológicas e etno-históricas. 1990. Tese (Doutorado em Arqueologia) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 1990.         [ Links ]

SCHIFFER, M. B. Formation process of the archaeological record. Albuquerque: University of New Mexico Press, 1987.         [ Links ]

SCHIFFER, M. B. Archaeological context and systemic context. American Antiquity, Washington, v. 37, n. 2, p. 156-165, 1972.         [ Links ]

SHEPARD, A. O. Ceramics for the archaeologist. Washington: Carnegie Institution of Washington, 1985 [1956]         [ Links ].

RIBEIRO, Bruno Leonardo Ricardo. Resenha: Arqueologia Guarani na ponta sul do Brasil. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, v. 9, n. 2, p. 573-576, maio-ago. 2014

Bruno Leonardo Ricardo Ribeiro – Universidade Federal de Pelotas E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[MLPDB]

 

Antropología y Estudios Culturales. Disputas y confluencias desde la periferia – RESTREPO (A-RAA)

RESTREPO, Eduardo. Antropología y Estudios Culturales. Disputas y confluencias desde la periferia.* Buenos Aires: Siglo XXI Editores, 2012. 240p. Resenha de: CRUZ, Noemí Sancho. Antípoda – Revista de Antropolgía y Arqueología, Bogotá, n.19, maio/ago., 2014.

Tanto la Antropología como los Estudios Culturales comparten similitudes en cuanto a sus zonas de estudio y algunas de sus perspectivas metodológicas; sin embargo, también poseen diferencias significativas. Es por esta razón que Eduardo Restrepo se plantea el desafío de escribir un ensayo donde se reflexione en torno a las disputas y confluencias en ambas disciplinas, para luego perfilar los desplazamientos teóricos realizados desde la disciplina antropológica. Este panorama se realiza a través de una mirada regional, comparando la perspectiva de los estudios angloamericanos con los estudios latinoamericanos, lo que posibilita una lectura desde las relaciones de poder que se generan en la producción del conocimiento. El aporte de Restrepo recae en la precisión con la que desarrolla las diferentes perspectivas ideológicas y académicas de estos estudios, así como en los cuestionamientos a la cadena de producción del conocimiento, planteando una perspectiva alterna en torno a la producción del conocimiento como fin en sí mismo.

El texto se compone de dos partes, una referida al estudio antropológico, desde la heterogeneidad de sus prácticas y relaciones de poder, y la otra, correspondiente a los estudios culturales, realizando diferencias clave para la delimitación de esta área de investigación. La primera parte, “Hacia una antropología crítica de la antropología”, se compone de cuatro capítulos que parten de una descripción del campo, evidenciando singularidades, diferencias, relaciones de poder, la escritura en el ámbito de la antropología y las redes que se han constituido en el ámbito mundial. El primer capítulo, “Diferencia, hegemonía y disciplinamiento en antropología”, se pregunta principalmente por las relaciones territoriales y de poder que se dan entre los diferentes centros antropológicos. Se cuestionan categorías como la de “antropologías centrales versus periféricas” al decir de Cardoso de Olivera, que implican una pretensión de universalidad o particularidad; lo que implicaría de todas maneras una lectura esencialista sobre las prácticas antropológicas. Uno de los elementos más interesantes de este capítulo es cómo Restrepo aborda las prácticas del ámbito antropológico desde estas relaciones de poder, donde Latinoamérica pareciera ser sólo una subsidiaria de teorías norteamericanas o extranjeras, pero aclarando los mecanismos en que éstas se desarrollan, por ejemplo, en las diferencias de financiamiento institucional.

El segundo capítulo, titulado “Singularidades y asimetrías en el campo antropológico transnacional”, se perfila desde la perspectiva de una antropología latinoamericana, donde la asimetría se genera primordialmente con el mundo anglosajón. El autor vislumbra las relaciones institucionales desde los modelos antropológicos, suponiendo que las diferentes antropologías responden a un modelo primero, y aquellas que no responden a ese modelo serían antropologías subalternizadas. En este sentido, existiría una barrera lingüística y tecnológica en las diferentes prácticas antropológicas, donde pareciera que la importancia se centra en la carrera personal de los investigadores, más que en el sentido político e histórico de la disciplina.

Se aborda el tema de la producción académica en el capítulo tres, “Naturalización de privilegios: sobre la escritura y la formación antropológica”, donde se hace hincapié en la producción con fines curriculares más que teóricos. Se plantea el problema de la autoría, en cuanto invisibiliza las mediaciones entre el individuo y el texto, donde muchos académicos se niegan a difundir su trabajo por temor al plagio o al robo de ideas. Restrepo propone una “elitización del establecimiento antropológico” basada en el principio de “publica o perece”. Este fenómeno no es particular de la antropología, ya que en las ciencias en general se produce una valoración cuantitativa en los índices de publicación, más allá del impacto que los estudios puedan tener en su contexto inmediato. Este capítulo resalta la inconsistencia teórica que se produce en la actividad investigativa, por cuanto se critican las dinámicas surgidas a través de la matriz colonial del poder y, sin embargo, se practica colonialismo intelectual. Finalmente, el autor pone el hincapié sobre la formación antropológica en Colombia, donde poco a poco la disciplina va adaptándose al modelo del Norte, donde la formación de posgrado ha ido en detrimento de la de pregrado, eliminando competencias necesarias en ese nivel de formación.

La primera parte finaliza con el capítulo cuarto, “Red de antropologías del Mundo”, donde se describe la formación de la red RAM-WAM el segundo semestre de 2001, red que ha ido desarrollándose a través de la escritura de artículos, la docencia y la conformación de programas doctorales en Latinoamérica. El reconocimiento que hace Restrepo de la red recae en tres principales “desplazamientos teóricos”: la diferenciación entre una antropología única y un descentramiento de la disciplina hacia la pluralidad en “las antropologías”; el abandono de una lectura esencialista de la antropología como un ideal normativo único; y las relaciones de poder entre las tradiciones antropológicas que definen las posibilidades teóricas desde la perspectiva de “hegemónicas y subalternizadas”. El objetivo de estos desplazamientos apunta a salir de las prácticas hegemónicas del conocimiento, transitando contenidos a través del copyleft y el creative commons (generando un conocimiento abierto, con libertad de uso y copiado del contenido); ampliando el espectro de los objetos y perspectivas de estudio. Se propone un camino paralelo en la producción del conocimiento que difiere de la dinámica de la indexación y la revisión entre pares.

La segunda parte, “En torno a la especificidad de los estudios culturales”, se encarga de clarificar cuáles son las principales particularidades que caracterizar el campo de los estudios culturales. El capítulo cinco, “Apuntes sobre estudios culturales”, caracteriza los rasgos principales que definirían estos estudios, donde el contextualismo radical contexto de producción, la transdisciplinariedad y la voluntad política, según lo planteado por Stuart Hall en “Estudios culturales y sus legados teóricos”, serían los más relevantes. Es importante también la distinción realizada entre estudios culturales y estudios sobre la cultura, donde estos últimos serían englobantes de los primeros y de otros como la antropología, sociología y crítica cultural.

El capítulo seis, “¿De qué estudios culturales estamos hablando?”, puntualiza el proyecto de los estudios culturales en América Latina, diferenciándolos de los Latin american cultural studies, dejando en claro que la categorización externa ejerce una fuerte violencia epistémica. En este sentido, se subraya el ejercicio de una transdiciplinariedad que problematiza los reduccionismos disciplinarios y que constata un proyecto intelectual y político dentro de los estudios culturales, lejos de asociarlos a lo banal o a una moda intelectual.

Al caracterizar los estudios culturales latinoamericanos, el capítulo siete, “En torno a los estudios culturales en América Latina”, trata sobre el desarrollo del campo a través de los referentes que posee fuera de los modelos anglosajones, es decir, la tradición ensayística del siglo XIX y el ensayo crítico del XX. Existe una tradición propia sobre los estudios de la cultura; sin embargo, se puntualiza que la categoría de estudios culturales es externa; en este sentido, lo que se delimita es la focalización de estos estudios planteando una diferencia entre aquellos que son sobre América Latina y los que se realizan desde América Latina. Por último, destaca las diferencias de los estudios culturales con los estudios (inter)culturales en clave decolonial, dejando ver que estos últimos suscriben necesariamente una política de denuncia al eurocentrismo y la colonialidad.

Finalmente, en el epílogo, “Antropología y estudios culturales: tensiones y confluencias”, se constata el desarrollo de la disciplina antropológica en el campo de los estudios culturales y la institucionalización de estos estudios en Colombia. La antropología se comprende más como una perspectiva, que por la definición del lugar o comunidad donde se realiza; por tanto, permite vislumbrar nuevos caminos de desarrollo. En este sentido, la realización de los estudios culturales propone una posibilidad de cambiar el contexto particular a través del conocimiento generado, realizando una desestabilización de los discursos del poder. Para terminar, el autor puntualiza que muchas de las tensiones intelectuales se mueven más por intereses económicos y simbólicos que por una real delimitación disciplinaria.

A la luz del texto, podemos comprender que gran parte de la crítica hacia los estudios culturales nace de las mismas disputas confluencias que existen entre las disciplinas; y que han instalado ciertas ideas preconcebidas sobre las corrientes metodológicas, dando por sentado que muchas de ellas serían una copia de manifestaciones académicas europeas. Restrepo propone entender el desarrollo de estos estudios a la luz de la producción intelectual en América Latina, destacando el trabajo de Néstor García Canclini, Nelly Richard, Beatriz Sarlo, Walter Mignolo, entre muchos otros. Esta propuesta nos da a entender la producción del conocimiento desde Latinoamérica, en un giro decolonial donde la producción no sólo quiere salir de las normas impuestas, sino que busca proponer nuevas formas de desarrollo.

Por un lado, queda la sensación de que las tensiones aparecen por la confrontación de voluntades de la institución académica, más allá de las técnicas de producción de conocimiento; en otras palabras, una especie de territorialidad en el área de la investigación; y por otro lado, como si cada perspectiva académica buscara ser la única en cuanto a la forma de construir el conocimiento. Al respecto, el autor menciona precisamente la problemática de la especificidad del conocimiento versus la generalidad en que pueden caer ciertos estudios. El texto es un aporte porque descubre las prácticas académicas desde las discusiones teóricas, pero pasando por el funcionamiento institucional de la investigación, dejando en claro que muchas de estas tensiones aparentemente teóricas son realmente conflictos de poder, que revelan muchas veces una violencia epistémica que aún se genera en las relaciones centro-periferia de las academias del Norte versus las del Sur.

Comentarios

* Restrepo, Eduardo. 2012. Antropología y estudios culturales: disputas y confluencias desde la periferia. Buenos Aires, Siglo XXI Editores, 240 pp. ISBN 978-987-629-226-9.

Noemí Sancho Cruz – Candidata a Doctor, Doctorado en Literatura, Pontificia Universidad Católica de Chile, Becaria CONICYT. Magister en Literatura Universidad Austral de Chile, Chile. Correo electrónico: [email protected]

Acessar publicação original

[IF]

 

“Todavía no se hallaron hablar en idioma”. Procesos de socialización lingüística de los niños en el barrio toba de Derqui (Argentina) – HECH (BMPEG-CH)

HECHT, Ana Carolina. “Todavía no se hallaron hablar en idioma”. Procesos de socialización lingüística de los niños en el barrio toba de Derqui (Argentina). Munich: LINCOM Europa Academic Publisher, 2010. (LINCOM Studies in Sociolinguistics, 9). 282 p. Resenha de: OSSOLA, María Macarena. Crianças e línguas indígenas: contribuições para o debate sobre o deslocamento linguístico em comunidades indígenas urbanas. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v.9 n.1, jan./abr. 2014.

“‘Todavía no se hallaron hablar en idioma’. Procesos de socialización lingüística de los niños en el barrio toba de Derqui (Argentina)” é uma versão revisada da tese doutoral da autora, defendida na Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Buenos Aires (2009), e adaptada para a divulgação no formato de livro. O principal propósito da tese consiste em dar conta dos modos em que se usam e representam a língua indígena toba e o espanhol nas interações cotidianas de uma população Toba, composta por famílias migrantes que moram em um bairro situado em Derqui, província de Buenos Aires.

Os Toba, cujo etnônimo é Qompi, integram o grupo étnico e linguístico chamado Guaycurú (Messineo, 2003). A população Toba na Argentina é estimada em 69.452 pessoas, segundo dados da “Encuesta Complementaria de Pueblos Indígenas” (ECPI), realizada durante 2004 e 2005. Os Toba moravam em bandas bilaterais nômades compostas por famílias extensas que se dedicavam à caça e à coleta na região do Gran Chaco (Miller, 1979). A partir do século XIX, suas condições de vida foram cada vez mais adversas, iniciando-se o processo de desterritorialização e migração para as grandes cidades da Argentina, onde atualmente muitos deles moram e reivindicam seus direitos coletivos (Wright, 1999; Tamagno, 2001).

Em primeiro lugar, é preciso destacar que se trata de um livro que sintetiza o prolongado trabalho de campo feito pela autora na região, período no qual se dedicou não só à pesquisa, mas também coordenou oficinas de língua toba e fez enquetes, entre outras atividades. Por isso, o trabalho tem a riqueza de ser, ao mesmo tempo, o produto de um processo formativo, uma amostra de trabalho etnográfico reflexivo e a síntese da triangulação possível entre pesquisa e transferência.

A obra se organiza em quatro eixos, composto cada um por dois ou três capítulos, respectivamente. O primeiro eixo, intitulado “¿(Dis)continuidades lingüísticas y culturales? Entre la perspectiva sociolingüística y la antropológica”, repassa as explicações formuladas desde a sociolinguística e a antropologia linguística a respeito dos processos de deslocamento das línguas. Ela parte da formulação da pergunta: o que leva um grupo de falantes a mudar o uso de uma língua (toba) por outra (espanhol)? Então, faz uma detalhada descrição das teorias que intentaram fornecer as respostas a essa questão. Assim, a autora define três aspectos de relevância para a obra toda. Por uma parte, explicita sua intenção etnográfica: a etnografia é uma estratégia que não só lhe permite se centrar na cotidianidade da substituição linguística, mas também se colocar corretamente no debate a respeito da dualidade entre a análise macrossocial e a análise microssocial. Simultaneamente, destaca a complexidade do estudo dos processos de socialização, colocando as crianças como sujeitos ativos na transmissão de conhecimentos entre gerações. Finalmente, situa a linguagem em uma esfera social, política e cultural estendida.

“Entre el Chaco y Buenos Aires. Aproximación etnográfica y sociolingüística al barrio toba de Derqui” é o titulo do segundo eixo. Além de descrever as características físicas do bairro e as características fonológicas e morfológicas da língua toba (cujo etnônimo é qom l’aqtaqa, o idioma dos qom), esse capítulo oferece a oportunidade de conhecer como território(s), língua(s) e sentimentos de comunidade se encontram relacionados intimamente. A história do bairro toba de Derqui inicia-se no ano 1995 (quando sua edificação começou) e sua extensão física materializa-se nas trinta e duas casas que o compõem. Desse modo, a etnografia da autora aponta para a análise processual e nos remonta à história dos tobas habitantes do Gran Chaco e aos modos como essa história não só se recria nas interações cotidianas em Derqui, mas também como ela permeia os atuais processos de socialização e transmissão de conhecimentos entre gerações. A ênfase na desfolclorização e na desessencialização que a autora coloca ao traçar processos sociais vivenciados pelos moradores do bairro encontra-se presente também no momento de analisar as línguas. Assim, entrecruzando fragmentos de entrevistas com os vizinhos de Derqui, a autora refaz os espaços, os tons e os modos de uso de cada uma das línguas em contextos particulares.

O terceiro eixo, “Socialización en y a través del toba y el español durante la niñez”, é composto por três capítulos. Os dois primeiros ocupam-se do estudo das especificidades com que é percebida a infância como etapa do ciclo vital, de acordo com a perspectiva toba, ao tempo em que aprofunda sobre os tipos de atos comunicativos que privilegiam o uso de uma ou de outra língua segundo o contexto, a posição social e a idade das pessoas que intervêm na comunicação. Assinala-se, por exemplo, que, embora o deslocamento do toba para o espanhol seja constante, existem âmbitos nos quais a comunicação é realizada exclusivamente em toba (por exemplo, entre idosos emigrados da província do Chaco), ou com emissões em toba e respostas no espanhol (como no caso dos mandados ou ordens cotidianas que os pais indicam para seus filhos). A autora descreve também os espaços onde as interações se produzem exclusivamente em espanhol, como as que as crianças mantêm entre si, com crianças dos outros bairros e com adultos e crianças no âmbito escolar.

Dada à centralidade que tem esse último espaço formativo na configuração da identidade, no capítulo sete analisam-se os sentidos dados à experiência escolar por parte das crianças, complementando-os com as perspectivas das famílias, dos docentes e dos administradores. O título do capítulo, “Encrucijadas en la escuela”, faz uma síntese dos complexos processos experimentados pelas crianças em uma instituição educacional de nível primário, onde são interpeladas pelos docentes a partir de seu pertencimento étnico e pelas supostas dificuldades que também trouxe seu bilinguismo, entre outras representações. Simultaneamente, a autora nos mostra o quanto as famílias valorizam a escola como o espaço adequado para aprender o espanhol (particularmente a escrita), confiando em que o correto uso dessa língua permitirá a seus filhos terem acesso a melhores posições no mercado de trabalho e a projetos de vida mais amplos.

No último eixo, “Distancias lingüísticas, distancias generacionales. Reflexiones acerca del papel del habla en la vida social”, se faz uma proposta para a leitura dos dados apresentados, a partir da união, em duas ideologias linguísticas, das representações que os adultos têm a respeito da fraqueza do uso do toba nas crianças. Assim, uma “ideologia do receio” condensa aqueles sentidos que observam a troca do toba pelo espanhol como um processo irreversível, ao tempo em que desde uma “ideologia do anseio” se coloca nas crianças a esperança de uma revitalização futura da língua toba.

Com a claridade e consistência que caracterizam o livro, Hecht nos oferece uma conclusão na qual são apresentados os resultados da pesquisa. Eles nos fazem um convite para refletir sobre as ideias nativas com relação às necessidades comunicativas das crianças em um cenário complexo, atravessado pelos repertórios linguísticos em toba e em espanhol. Nessa seção, fica explícita a contribuição do livro nas suas duas direções principais: de um lado, (a) o avanço na documentação dos processos de socialização linguística a partir das construções de sentido feitas pelas próprias crianças e, do outro lado, (b) a utilização de uma perspectiva etnográfica que permite configurar uma leitura renovada e criativa nas discussões sobre o deslocamento linguístico e a perda das línguas indígenas.

Com relação ao primeiro ponto (a), a autora nos apresenta uma proposta original para realizar o trabalho etnográfico com e entre meninos e meninas. A estratégia de lançar mão, primeiramente, das perspectivas nativas, ao invés de recorrer às categorias sociológicas no que diz respeito às classificações etárias, nos introduz em uma leitura onde tanto a ‘infância’ como seus atributos são compreendidos como construções feitas desde a própria práxis etnográfica. Assim, o livro traz uma valiosa contribuição ao conhecimento dos usos das línguas a partir do olhar das crianças de Derqui, demonstrando que eles ocupam uma posição dinâmica nos processos de transmissão cultural, organizando ativamente a informação que lhes é comunicada, e articulando uma concepção própria da sua identidade.

Em paralelo, a obra avança no campo da etnolinguística contemporânea ao oferecer uma perspectiva renovada dentro do debate a respeito da perda das línguas indígenas (b). Desse modo, ao estudar os processos de socialização das crianças tobas de Derqui, a autora sublinha que, frente às visões duais que proclamam a irreversível perda da(s) língua(s) indígena(s), de um lado, e a esperança da revitalização e do ‘retorno às origens’, do outro, existem múltiplos espaços locais onde as pessoas e os grupos participam ativamente da criação, do uso e da ressignificação dos elementos linguísticos. Os mesmos provêm de diferentes contextos e são válidos enquanto tornarem possível a comunicação cotidiana e a elaboração de projetos de vida e de identidade comum.

“Todavía no se hallaron hablar en idioma” é um livro que nos coloca frente às complexidades dos processos linguístico-culturais vivenciados pelas comunidades indígenas argentinas contemporâneas. A partir da análise do bairro toba de Derqui e das línguas que ali são utilizadas, a etnografia de Hecht nos mostra o contexto de redefinições (linguísticas, identitárias, geográficas, educativas) no qual essas populações se encontram atravessando e disputando. Com base em um rigoroso registro do campo etnográfico, a autora afirma que as análises sociais referidas ao deslocamento linguístico devem ser lidas no marco das disputas e tensões interculturais de maior escala, levando em conta que as práticas linguísticas – enquanto práticas sociais – se encontram estreitamente relacionadas com outras (políticas, socioculturais e econômicas), que constantemente as condicionam, possibilitam e interpelam.

Referências

MESSINEO, Cristina. Lengua toba (guaycurú). Aspectos gramaticales y discursivos. Munich: LINCOM Europa Academic Publisher, 2003. (LINCOM Studies in Native American Linguistics, 48).         [ Links ]

MILLER, Elmer. Los Tobas argentinos: armonía y disonancia en una sociedad. México: Editorial Siglo XXI, 1979.         [ Links ]

TAMAGNO, Liliana. ‘Nam Qom Hueta’a na Doqshi Lma’. Los tobas en la casa del hombre blanco. Identidad, memoria y utopía. La Plata: Ediciones Al Margen, 2001.         [ Links ]

WRIGHT, Pablo. Histories of Buenos Aires. In: MILLER, Elmer (Ed.). Peoples of the Chaco. Westport: Bergin & Garvey, 1999. p. 135-156.

María Macarena Ossola – Universidad Nacional de Salta – CONICET. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[MLPDB]

 

Abordagens estratégicas em sambaquis – GASPAR; SOUZA (BMPEG-CH)

GASPAR, Maria Dulce; SOUZA, Sheila Mendonça de (Orgs.). Abordagens estratégicas em sambaquis. Erechim: Habilis Editora, 2013. 311 p. Resenha de MILHEIRA, Rafael Guedes. Metodologia de pesquisa em sambaquis: uma leitura sobre abordagens estratégicas. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v.9 no.1, jan./abr. 2014.

Quando me deparei na livraria com esta obra, intitulada “Abordagens estratégicas em sambaquis”, eu já sabia que o conteúdo traria grandes contribuições metodológicas para a área de Arqueologia no Brasil. É o tipo de trabalho que eu costumo chamar de “Arqueologia na veia”, pois trata de temas específicos da Arqueologia (no caso, técnicas de campo), de maneira ortodoxa e interdisciplinar, contribuindo na direção de como e por que fazer trabalhos de campo, otimizando recursos e maximizando resultados. Ao iniciar as primeiras páginas, foi ficando evidente que o livro, embora tenha um foco centrado na temática dos sítios sambaquieiros da costa litorânea brasileira, dialoga e propõe técnicas de campo que podem ser facilmente utilizadas em todos os sítios arqueológicos pré-históricos (e não seria exagero incluir os sítios históricos) do Brasil. Aliás, essa foi também a impressão de André Prous na apresentação do livro, ao comentar que “o presente livro será, sem dúvida, de grande utilidade para os estudantes e pesquisadores – não apenas para aqueles que estudam os sambaquis, mas também para todos os praticantes de Arqueologia”.

Na introdução, as organizadoras recorrem a um breve histórico das pesquisas em sambaquis no Brasil desde o século XIX, os avanços e desafios dos últimos anos, sobretudo com o acúmulo de conhecimento resultante de grandes projetos temáticos financiados, predominantemente, por agências nacionais e públicas de pesquisa, amplamente divulgados no cenário nacional e internacional. Esses projetos foram a base das experiências dos autores dos treze capítulos do livro, e é claro que as discussões amadurecidas só chegaram ao alto nível de qualidade por conta da formação de equipes interdisciplinares, experientes e altamente comprometidas com o estudo dos sambaquis da costa brasileira. O livro, além do formato impresso, é acompanhado (opcionalmente) por um CD-ROM, que é o “Guia ilustrado das abordagens estratégicas em sambaquis”. Esse guia é um banco de imagens devidamente legendadas, que exemplificam as orientações metodológicas apresentadas nos textos, tornando a leitura da obra mais didática e acessível.

Seria demasiadamente enfadonho sintetizar aqui o conteúdo e as discussões de cada um dos capítulos do livro. Porém, arrisco-me a classificar os temas dos textos em três tópicos latu sensu: prospecção e registro de imagens em campo; estudos e coleta para sedimentologia e geoarqueologia; análises e coleta de material bioarqueológico (zooarqueologia, arqueobotânica e antropologia física). Embora haja uma divisão de temáticas abordadas no livro, há algumas questões que permeiam todos os textos e que merecem ser destacadas, por exemplo: como coletar amostras em campo, para que coletá-las e como registrá-las e acondicioná-las devidamente para análises futuras em laboratório. São questões relevantes e que atormentam (pelo menos, deveriam atormentar) qualquer coordenador de campo, na medida em que nos fazem pensar sobre a fragilidade e sutileza do registro arqueológico, a facilidade em confundir, misturar e perder amostras e, portanto, dados arqueológicos. E, por fim, refletir sobre o tamanho adequado das amostras versus o tamanho, geralmente limitado, das nossas reservas técnicas espalhadas pelo Brasil.

Eis uma das principais contribuições do livro: os autores conseguem, com maestria, demonstrar que é possível realizar intervenções pontuais nos sítios arqueológicos, minimizando os impactos físicos aos pacotes deposicionais e maximizando os resultados interpretativos. Essa conta positiva é possível com a padronização adequada e experimentada de coletas amostrais, que permitem obter vestígios microscópicos oriundos desses sítios arqueológicos monumentais, materiais que, embora sejam micro em tamanho, ao serem identificados, permitem avançar em discussões de larga escala, que vão da economia e dieta alimentar até práticas de manejo da paisagem e conformação territorial; vide o caso dos parasitos, o estudo da fauna ictiológica e o estudo dos carvões que compõem as fogueiras rituais e de aquecimento residencial.

A padronização das amostras em volume, formato e registro são temas importantes e que foram amplamente discutidos no livro por quase todos os autores. Da mesma forma, os autores foram bastante contundentes ao incentivar o uso de protocolos de coleta altamente padronizados, que permitam a comparação das amostras no processo laboratorial. Porém, há um aspecto que me preocupou na leitura e que poderia ter sido mais bem conduzido, talvez, até mesmo, por um capítulo à parte: o perigo da ‘superpadronização’. Os autores demonstraram uma grande preocupação em tecer uma escrita que, não obstante tenha um caráter bastante técnico, consiga atingir os recém-iniciados em Arqueologia. É até curioso um texto acadêmico que ensina como segurar a pá, para que lado e em que sentido se deve realizar uma limpeza e retificação de perfil, e de que forma se deve preencher um diário de campo.

Com certeza, os autores estiveram preocupados em manter uma linguagem bastante clara e acessível, visto que, no cenário nacional universitário, novos cursos de graduação em Arqueologia vêm sendo criados sistematicamente, o que gera novos leitores. Eu, como professor de práticas de campo e laboratório, fico extremamente agradecido, pois vale lembrar que, nas graduações brasileiras, utilizar um texto em língua estrangeira é quase um atentado, portanto textos que ‘traduzam’, por assim dizer, técnicas e métodos difundidos internacionalmente são muito bem-vindos. Entretanto, retomando minha preocupação com a ‘superpadronização’, fiquei pensando que um jovem leitor poderá facilmente entender que as escavações arqueológicas devem atingir um alto nível de padronização, em que todas as informações devem ser protocoladas em fichas de conteúdo fechado e limitadas em seus campos de respostas, uma espécie de ‘ficha de ticar’, em que caberia ao arqueólogo coletar amostras em volumes pré-determinados, preencher os protocolos e armazená-las adequadamente para incorrer corretamente às análises laboratoriais. Certamente, não foi essa a mensagem que moveu o interesse dos autores ao compor a obra, contudo vale a pena lembrar os leitores de que fazer ciência requer um alto grau de sensibilidade e subjetividade e que, não seria incorreto dizer, em Arqueologia, pelo caráter empírico, confiar no feeling não é ceder à falta de objetividade.

Trago essa discussão exatamente pela minha experiência como professor de graduação e pós-graduação em Arqueologia, e por estar imerso num cenário em que essa disciplina é cada vez mais demandada pelos empreendimentos de engenharia no Brasil, por conta das práticas de licenciamento ambiental. No contexto das atividades de licenciamento, vem se tornando senso comum que a qualidade das pesquisas arqueológicas está relacionada ao volume de dados que gera e, sobretudo, à confiabilidade técnica que conformou os dados. Nesse sentido, a padronização das informações registradas em campo vem sendo tomada como essencial, refletindo qualidade e confiabilidade na pesquisa. Logo, o estabelecimento de um protocolo de coleta, em todas as etapas do quotidiano da pesquisa, permite aos arqueólogos gerarem dados ‘a toque de caixa’, com baixo índice de subjetividade científica e que nega ou dificulta o exercício da reflexão. Nesse sentido, é importante ressaltar que o livro em tela contribui para a divulgação de técnicas padronizadas, que devem ser adotadas nas diferentes pesquisas após reflexões aprofundadas, algo que, muitas vezes, a Arqueologia de contrato não atende.

Há, ainda, outro aspecto a destacar. A coleta e o estudo cuidadoso das coleções artefatuais e das amostras biológicas em campo elucidam uma discussão emergente no Brasil. Cada vez mais, arqueólogos têm se debruçado sobre uma tendência recente em desvalorizar, de certa forma, atividades interventivas nos sítios arqueológicos, baseando-se no discurso do preservacionismo e da limitação das reservas técnicas. Da mesma forma, desconsideram a importância de análises sobre coleções fragmentárias, argumentando que somente as coleções artefatuais mais significativas deveriam ser abordadas, pelo seu cunho elucidativo, simbólico e educativo. Porém, com a leitura da obra, fica também evidente que foi somente com novas intervenções arqueológicas em sítios já bastante estudados, e com base em análises de coleções até então desconsideradas pelo seu aspecto microescalar ou secundário, que novos modelos teóricos sobre as sociedades sambaquieiras puderam ser constituídos, ou seja, esses modelos são fruto de trabalhos de campo exaustivos, experimentação, discussões amadurecidas e publicação de dados. Invariavelmente, essas novas intervenções arqueológicas avolumaram as reservas técnicas, o que leva a discussão para além da Arqueologia tradicionalmente realizada no Brasil, invadindo temas como gestão do patrimônio arqueológico, reservas técnicas, ciência da conservação e museologia.

Na busca da popularização de uma abordagem estratégica bem pensada, que dialogue com pesquisas nacionais e internacionais, a obra contribui amplamente para o desenho de projetos de pesquisa e, com certeza, se tornará uma boa referência. Considerando o pool de pesquisadores que contribuíram para a tessitura do livro, e pelo seu conhecimento de técnicas importantes que ultrapassam as práticas de campo, fico na expectativa da publicação de um segundo volume, composto por abordagens metodológicas em laboratório, envolvendo as mesmas temáticas já abordadas na obra.

Rafael Guedes Milheira – Universidade Federal de Pelotas. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[MLPDB]

 

 

Encontro de Antropologia: homenagem a Eduardo Galvão – MAGALHÃES et al (BMPEG-CH)

MAGALHÃES, Sônia Barbosa; SILVEIRA, Isolda Maciel da; SANTOS, Antônio Maria de Souza (Orgs.). Encontro de Antropologia: homenagem a Eduardo Galvão. Manaus: Editora da UFAM; Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 2011. 560 p. Resenha de: SCHRÖDER, Peter. Homenagem tardia. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas. Belém, vol.9, n.1, jan./abr. 2014.

Estranheza. Esta foi uma das primeiras reações ao folhear esta coletânea com seu motivo de capa atraente. A razão? Não o tema do livro, mas o tempo que levou para ser lançado. Trata-se de um conjunto de exposições e comunicações apresentadas por ocasião do Seminário Eduardo Galvão, realizado no Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), de 2 a 5 de setembro de 1997.

O objetivo do evento era, como fica evidente com a leitura das contribuições, tanto uma homenagem quanto uma avaliação crítica de vida e obra de Eduardo Galvão (* 25/01/1921, Rio de Janeiro – † 24/08/1976, Rio de Janeiro) no contexto da antropologia brasileira, ou seja, um tema que pode ser justificado com facilidade. Mas resta a questão por que levou 14 anos (ou talvez 16, quando se leva em conta algumas divulgações de lançamento em meados de 2013?) para se publicar as contribuições ao evento. Geralmente, o interesse por anais de eventos, por exemplo, dissipa-se depois de poucos anos, a não ser que fossem publicados alguns papers excepcionais, apreciados por especialistas. Na coletânea resenhada, no entanto, não é possível encontrar a resposta pela questão do hiato temporal entre evento e publicação.

Organizar um evento para avaliar as contribuições e os impactos de um pesquisador importante em sua área e depois publicar as conferências e comunicações não são tarefas cotidianas nas ciências humanas, mas nenhuma coisa incomum. Entre os diversos aspectos que podem ser citados com relação a tais homenagens críticas figura a distância entre o falecimento do homenageado e o ano do evento. Será que um intervalo de vinte anos permite uma avaliação historicamente equilibrada e sóbria sobre o homenageado? Ou será que as impressões subjetivas ainda exercem influências muito fortes nas avaliações? Parece ser mais fácil garantir tal distanciamento em casos de pesquisadores temporalmente mais afastados, como Nimuendajú ou Radcliffe-Brown.

No caso da coletânea resenhada, porém, pode ser apresentada uma justificativa importante: o fato de Galvão quase ter desaparecido, desmerecidamente, das leituras canônicas em antropologia brasileira, tanto nas graduações quanto nas pós-graduações. Desse modo, o livro podia ser um estímulo para ‘redescobrir’ um autor importante na história da antropologia brasileira. No entanto, sempre existe o perigo, no caso de eventos com publicações como a coletânea, de produzir uma obra cujas contribuições majoritariamente têm pouco a ver com o homenageado, como já aconteceu no caso de um colóquio, realizado em Jena, Alemanha, em 2005, por ocasião do sexagésimo aniversário da morte de Nimuendajú (Born, 2007).

O título do livro é uma alusão explícita a “Encontro de sociedades”, coletânea com textos de Galvão postumamente publicada em 1979. Infelizmente, não se encontra, como se podia esperar, uma síntese biográfica do homenageado e nem uma lista de suas publicações (como em Galvão, 1996). A “resenha biográfica” no final do livro, de basicamente uma página (p. 551-552), não faz jus a Galvão.

Em toda a coletânea, há apenas quatro artigos, de 32, no total, que de fato se concentram em aspectos da vida e obra de Galvão. O primeiro, de Orlando Sampaio Silva, é uma sistematização descritiva dos enfoques regionais e temáticos na obra de Galvão, relacionando as áreas onde este realizou suas pesquisas de campo com as publicações resultantes. O autor chama a atenção para as delimitações temáticas e situacionais de Galvão nos estudos de aculturação realizados nas décadas de 1950 e 1960, a distinção sistemática entre mudança cultural e aculturação, os exercícios classificatórios (áreas culturais) e as referências teóricas (principalmente, a antropologia americana da época), porém, a síntese da obra ficou inacabada nesse texto. Neste sentido, o segundo artigo, de Pedro Agostinho, oferece uma abordagem interpretativa mais abrangente, embora trate ‘apenas’ do “tempo de Brasília” de Galvão (1963-1965). O artigo de Roque Laraia, por sua vez, destaca a importância histórica da obra de Galvão no contexto da antropologia brasileira. Além disso, é uma bela reflexão sobre sense e nonsense de publicar diários de campo. Chama a atenção que este assunto também é discutido na introdução escrita pelos organizadores da coletânea. No caso dos diários de campo de Galvão (1996), a questão principal é se eles revelam novidades sobre o autor ou sobre suas pesquisas publicadas, e o fato de esta dúvida existir é revelador em si.

O quarto artigo, de Heraldo Maués, focaliza os ‘pais fundadores’ da antropologia institucionalizada no Pará: Galvão, no MPEG, e Napoleão Figueiredo, na Universidade Federal do Pará. De forma imprevista, a estupidez da máquina ditatorial, que afastou Galvão de Brasília, favoreceu o fortalecimento da antropologia em Belém. Como Maués bem observa, com isso foi rompido certo padrão de relacionamentos profissionais de antropólogos com a região, já que por muito tempo a Amazônia foi considerada exclusivamente como ambiente para coletar informações a serem analisadas em contextos institucionais fora da região.

Há mais quatro artigos na primeira parte do livro, sobre as contribuições de Galvão à antropologia brasileira, porém estes textos, de Yonne Leite, Samuel Sá, Isidoro Alves e Mark Harris, focalizam menos o pesquisador Galvão do que os quatro anteriores. A segunda parte do livro, por sua vez, está composta por fragmentos de mitos coletados por Galvão e por quatro álbuns fotográficos muito interessantes (do alto Xingu, do alto rio Negro, dos Kaiowá e dos Tenetehara), inclusive mostrando diversos colaboradores e interlocutores de Galvão.

A terceira parte, com 24 artigos, representa mais de dois terços do livro, mas os textos muitas vezes não têm nada a ver com Galvão ou estão relacionados com sua obra apenas indiretamente, por afinidade temática ou regional. Às vezes, Galvão é citado ‘de alguma maneira’, sem que isto tenha consequências para as análises apresentadas; e em várias contribuições nem se encontra referência bibliográfica alguma a ele. Até um leitor muito ingênuo pode se perguntar: onde estão as conexões com o tema do evento?

Uma parte das contribuições parece representar projetos de pesquisa em andamento, porém certamente já concluídos em 2011 (por exemplo, o artigo de Denize Genuína da Silva Adrião sobre concepções de natureza e cultura no médio rio Negro). Certos temas ou conjuntos temáticos, por sua vez, predominam: por exemplo, estudos sobre populações pesqueiras e suas práticas econômicas, com dez artigos, o que evidentemente tem a ver com os interesses de Galvão. Também há diversos textos sobre meio ambiente e sobre saúde.

Na introdução à coletânea, os organizadores explicitam sua visão da obra de Galvão: por um lado, caracterizada por perspicácia analítica, por outro lado, ultrapassada em termos epistêmicos. Certos aspectos de sua atuação acadêmica são destacados: sua capacidade de formar novos pesquisadores, seus estímulos inovadores, seus interesses bem articulados numa antropologia prática e suas contribuições à institucionalização da antropologia na Amazônia. Também é abordada a questão de qual foi a linhagem acadêmica constituída por Galvão.

Os organizadores também explicam que ainda há muito material documental nos arquivos do MPEG, que poderia servir de base empírica para pesquisas futuras sobre vida e obra de Galvão. Em todos os casos, o livro resenhado é muito interessante, tem diagramação bastante agradável e permite uma primeira abordagem ao homenageado, mas não fornece uma base de consulta sistemática. E certamente esta nem era a intenção da publicação, a qual, de alguma forma, representa um estado da arte: aquele da pesquisa antropológica na Amazônia em meados dos anos 1990.

Referências

BORN, Joachim (Org.). Curt Unckel Nimuendajú – ein Jenenser als Pionier im brasilianischen Nord(ost)en. Wien: Praesens, 2007. (Beihefte zu “Quo vadis, Romania?”, 29).         [ Links ]

GALVÃO, Eduardo. Diários de campo de Eduardo Galvão: Tenetehara, Kaioá e índios do Xingu. Organização, edição e introdução de Marco Antonio Gonçalves. Rio de Janeiro: Editora UFRJ/Museu do Índio/FUNAI, 1996.         [ Links ]

Peter Schröder – Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[MLPDB]

 

Entre o Sagrado e o Profano: Imaginário e Religiosidade no Mundo Celta e Germânico / Brathair / 2014

É comum, entre os pensadores contemporâneos, atribuir à Pós-Modernidade um predicado concebido pelo sociólogo Zygmunt Bauman: trata-se, na verdade, de uma “modernidade líquida”. Não é difícil, com efeito, perceber um movimento tenso, intermitente, mas contumaz, de desconstrução de convenções simbólicas, crenças, ideologias e utopias, que Bauman bem caracteriza como liquefação de sentidos. Neste quadro hodierno, não se pode ignorar que as religiões – não apenas as doutrinas corporificadas em sistemas teológicos e igrejas – religiosidades e formas de espiritualidade despontam como lugar da possibilidade do reencontro, mais ainda, da tessitura, de sentidos e pertenças novos.

Um nome de vulto nas Ciências Humanas, Max Weber (Economia e Sociedade, 1920), concebia justamente o advento desta configuração, aparentemente tão antimoderna, no Ocidente, após a crise da razão técnica que aprisionou o espírito e engendrou a Modernidade clássica. As religiões, as fés e a busca por amparo no Absoluto, por certo alvo de demandas vulgares e subsumidas pela lógica do Capital, reaparecem com força inaudita, desafiando nossa capacidade de compreensão e interpretação histórica.

Revisitar a Idade Média pelo viés das narrativas mitológicas cristãs, proposta do presente dossiê, pode representar um esforço na tentativa de responder à indagação fundamental sobre o papel da religião na construção do próprio Ocidente enquanto paradigma civilizatório. Para tanto, um primeiro e recorrente equívoco deve ser elidido. Não há, propriamente, uma “religião medieval”. Existe, sim, um complexo sistema simbólico-prático que se desenha como um imaginário cristológico, responsável, ao nível mitopoético, por muito daquilo que assinala o Cristianismo ocidental como traço de mentalidade.

Como ensina um dos autores que contribuíram para esta coletânea, sem dúvida o maior nome da quarta geração do movimento dos Annales, Jean-Claude Schmitt (Ensaios de Antropologia Medieval, edição francesa de 1994), o vocábulo latino medieval religio era bastante restritivo em seu sentido. Designava os votos de ordenação de um oblato ao adentrar uma ordem monástica. Herdamos da primeira Apologética latina, na pessoa de Lactâncio (c. 240-320), conselheiro palaciano do primeiro imperador romano cristão, Constantino (312-337), a concepção de que religio advinha do verbo latino re-ligo (infinitivo religare), “voltar a ligar”, “atar novamente” (a Deus, ao sagrado). Todavia, como problematiza o medievalista Hilário Franco Júnior em Os três dedos de Adão – Ensaios de Mitologia Medieval (2010), é mais provável que religio corresponda ao substantivo decorrente de re-lego (infinitivo re-legere), atribuindo-se sua origem, por derivação imprópria, ao rhetor estoico tardio romano Cícero (106-43 a.C.).

Mais que uma simples apropriação ou ressignificação enviesada por parte de Lactâncio, nas obras De officio Dei (c. 303) e Diuinae Institutiones (c. 311), o que se processou foi uma verdadeira disputa de verdades, uma controvérsia político-ideológica entre dois sentidos que pretendiam fazer-se hegemônicos no campo da Arte Retórica. A concepção de Cícero, expressa em De natura deorum (45 a.C.), foi condenada, pelo novo cânone retórico cristão, ao esquecimento quase total.

Consoante Cícero, há um conteúdo político implicado no verbo re-lego, que se reporta ao ato de “colher” novamente, recuperar, revivescer os ensinamentos da tradição, da “entrega” (traditio) dos mores (usos e costumes) – nas Ciências Humanas de hoje se diria ethos – por parte dos patresfamilias, os fundadores do Populus Romanus.

No entanto, inexistir um sistema religioso não significa negar, em hipótese alguma, que os medievais se remetiam, desde as especulações teológico-filosóficas da cultura erudita cristã de expressão latina aos gestos mais concretos e práticas culturais da cultura popular, ao tempo do mito, ao momento cosmogônico fundador da História da Salvação Cristã. Como será possível perceber nos artigos que se dedicam ao tema desta edição de Brathair, o Cristianismo medieval não se resume a algo como um “campo religioso”. Estamos diante do próprio elemento de articulação fundamental do imaginário medieval na longa duração, uma vez que, não obstantes as mutações, tensões, inconsistências e contradições que certamente marcaram sua história, tal imaginário se caracterizou, durante toda a Idade Média, por uma epifania transdescendente e pela sacramentalidade do sagrado cristão.

Os historiadores, antropólogos, sociólogos e teólogos tem-se sensibilizado para a questão do imaginário das formações sociais, sejam pretéritas ou atuais, a que consagram seus estudos. Basta recordar como Cornelius Castoriadis redefine o ser humano como animal simbólico, sendo por excelência, capaz da imaginação, da efabulação, da concepção e tessitura de realidades imaginadas, que atribuem sentido ao mundo que o circunda (A instituição imaginária da sociedade, 1975). Aqui também as reflexões sobre a Idade Média transmitem uma importante lição, já que “imaginar” (imaginare) é a forma, o “método”, por excelência, pelo qual os homens e mulheres do período medieval observam, interpretam e compreendem um mundo material permeado pelo sagrado do sacramento em cada detalhe, em cada instância da existência.

Convém observar os comentários de São Tomás de Aquino acerca da imago como vetor do logos humano, de sua leitura do mundo. Na Questão 35 da Parte I da Suma de Teologia, retomando as reflexões de Santo Agostinho sobre a memória como um imenso palácio habitado por imagens (Livro X de Confissões), o célebre teólogo dominicano afirma que o intelecto humano traduz o mundo por meio de imagens. Mais que apenas representar – no sentido de re-presentar, tornar novamente presente algo agora ausente – os entes do mundo (res sensibiles) a partir de imagens, os seres humanos concebem, entendem, atingem a intelecção verdadeira e rigorosa das coisas por intermédio das imagines. Por conseguinte, imago é o construto mental e sígnico pelo qual o próprio logos do mundo (reflexo do logos de Deus) pode ser apreendido pelo logos do homem (intellectus).

Para tanto, o imaginário precisa ser entendido como sistema coerente de mensagens veiculadas pelas imagens, que são significados sociais suscitados pelas coisas. Hilário Franco Júnior nos adverte, em O fogo de Prometeu e o escudo de Perseu: reflexões sobre imaginário e mentalidade (artigo que compõe o livro Os três dedos de Adão: Ensaios de Mitologia Medieval, 2010), de que, isoladas, as imagens tendem a enfatizar mais o significante que o significado. Apenas adquirem sentido e passam a comunicar, de modo consciente ou não, determinada cosmovisão, quando conexas em um sistema semiológico instituidor de um discurso, exprimindo-se sob forma plástica, sonora ou verbal.

O imaginário medieval é essencialmente analógico. A analogia consiste em uma instância simultaneamente racional e emocional, que estabelece entre dois ou mais elementos, eventos ou ações, correspondências fundadas em denominadores comuns. Assim, a mesma exibe uma espontaneidade de pensamento, que percebe similitudes e contempla o universo como uma imensa rede de conexões. Para Hilário Franco Júnior, o efeito etnológico fundamental do pensar analógico seria uma descontinuidade entre natureza e cultura, vez que se projetam características humanas sobre os seres irracionais ou o sentimento de que objetos não são seres inanimados.

Ademais, como assinala a historiadora francesa Evelyne Patlagean, em capítulo da obra coletiva A Nova História (1978), coordenada por Jacques Le Goff e Jacques Revel, o imaginário pode ser definido, heuristicamente, como conjunto das representações que ultrapassam os limites das constatações empíricas e dos encadeamentos dedutivos e indutivos autorizados pela experiência. Cada cultura, cada formação social, ou mesmo cada segmento interno a uma sociedade complexa, acalenta um imaginário próprio. Nesta perspectiva, o limite entre o real e o imaginário revela-se volátil, enquanto o território percorrido por tal fronteira permanece idêntico, já que abrange todas as esferas da experiência humana.

Neste lastro, nossa edição atual de Brathair traz um belo e inédito trabalho de Jean-Claude Schmitt (EHESS-Paris), Quando a lua alimentava o tempo com leite: O tempo do cosmos e das imagens em Hildegarde de Bingen (1098-1179). Em versão traduzida, o texto discute justamente a “temporalidade das imagens”, que só pode ser referida no plural, dos tempos sociais e das representações do tempo, que variam de acordo com as épocas, com os interesses, com os níveis de cultura e com as ocasiões de falar e de “viver” o tempo. Sem sua pluralização ao nível analítico, as imagens não saberiam exprimir o tempo e nem operá-lo em suas próprias séries. É este problema que discute o grande historiador alsaciano, a partir de quatro miniaturas de página inteira, assunto de dois tratados diferentes, mas complementares, da abadessa beneditina renana Hildegarde de Bingen (1098-1179).

Prosseguindo na tendência de discutir questões teóricas mais amplas, bem como alinhavar hipóteses de compreensão sistêmica do período medieval, apresentamos outro texto de um autor estrangeiro. Trata-se de Religion, Álfar and Dvergar, de Santiago Barreiro (IMHICIHU-CONICET – Argentina), que problematiza a função mitológica destas duas entidades coletivas do imaginário escandinavo anterior à cristianização desta fronteira setentrional da Europa medieval (séculos X-XIII). Com tal abordagem, Barreiro também reflete, metodologicamente, sobre a confiabilidade de distintos gêneros documentais para a artesania intelectual do medievalista.

Ainda nesta seara, Pagan and Christian Dichotomy in Early Irish Literature, do colega português Carlos Carneiro (Centre for English, Translation and AngloPortuguese Studies, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – Universidade Nova de Lisboa) apresenta uma instigante reflexão acerca da trajetória e dos descaminhos da tradição oral celta na Hibérnia durante o intenso processo de cristianização da Ilha. O autor discorre sobre a sobrevivência de uma “literatura oral” originária e o grau de controle e conversão de seu repertório à nova mitologia, trazida principalmente por missionários beneditinos do Continente.

Nosso dossiê se completa com duas primorosas resenhas. A primeira, ofertada por Dominique Santos (FURB-Blumenau), integrante de nosso esforço de dialogar com a historiografia internacional. O original irlandês, Ireland in the Medieval World Ad 400- 1000 Landscape, kingship and religion, de Edel Bhraethnach, coroa, com êxito, a parte temática desta edição de Brathair, juntamente com a resenha apresentada pelo consagrado Professor João Lupi (UFSC-Florianópolis), que comenta o instigante livro de Aline Dias da Silveira, intitulado O Pacto das Fadas na Idade Média Ibérica. Além dos autores que responderam, de maneira tão qualificada como os leitores perceberão observar, a nossa proposta temática, apresentamos aqui a contribuição de três historiadores que versam acerca de campos temáticos que, de alguma forma, dialogam com a temática da espiritualidade medieval.

Para estreitar mais ainda nossos vínculos com colegas ibéricos, com os quais partilhamos nosso passado e nossas heranças medievais, temos o prazer de propor aos leitores o artigo Rehenes y cautivos como garantía de adhesión de los poderes locales hispanos a la autoridad sueva en la Crónica de Hidacio, de Benito Márquez Castro (Universidade de Vigo). O belo trabalho enfoca as tensões da formação da Hispânia visigótica no século V, a partir da análise das estratégias militares praticadas pela realeza germânica para negociar a adesão dos poderes locais subsistentes do período romano, com destaque para o sequestro de personalidades hispano-romanas como o patrício Cântabro, do município de Conimbriga (atual Coimbra). A fonte estudada, o Chronicon do aristocrata hispano-romano Hidácio, é de suma relevância para o período em termos de uma História Política da região.

Já o docente do Amazonas, especialista na Matéria da Bretanha, Sínval Carlos Mello Gonçalves (UFAM), em incursão no universo das narrativas romanescas centromedievais, resgata o processo multissecular de clericalização dos enredos cavalheirescos. Em Das armas ao amor: aventura e transformação pessoal no Erec e Enide de Chrétien de Troyes, Sínval Gonçalves problematiza o percurso de seu protagonista como um processo de transformação e aperfeiçoamento pessoal. A narrativa precisa também ser vista como uma expressão do ideal cortês de união das virtudes da cavalaria e do sentimento amoroso, sendo este necessariamente conduzido para a realização conjugal.

Por fim, quem nos brinda com uma refinada análise dos escritos cavalheiresco no contexto de formação dos idiomas vernáculos europeus ao longo da Idade Média Central (séculos XI-XIII), é o latinista e erudito em Retórica Medieval Benoît Grévin (LAMOP – Université de Paris 1, Panthéon Sorbonne). O historiador francês também enfoca, com maior ênfase, o Roman de Troie, de meados do século XII, para exemplificar a significância do intercâmbio entre a França e a Península Itálica no auge de constituição do Feudalismo. Com efeito, o desenvolvimento de uma ampla literatura dita “francoitaliana”, que adaptava os grandes ciclos épicos e romanescos da lingua d’oïl no norte da Península, prova que, ao lado de um consumo não negligenciável de obras deste gênero, existiu um fenômeno inverso no sul do território itálico, na mesma época. Também se verificou, como atesta a ‘latinização’ do Roman de Troie por Guido delle Colonne, um movimento precoce de transposição e de integração de temas romanescos à cultura latina. Como salienta o próprio Grévin, “para compreender seus mecanismos, é importante recolocar esta tendência no contexto da ideologia literária então dominante nestes lugares: a da retórica médio-latina da ars dictaminis”.

Desejamos ao leitor uma proveitosa aventura intelectual e um excelente ano de 2015!

Adriana Zierer – UEMA. École des Hautes Études en Sciences Sociales, 2013-2014. Editora-Chefe da Revista Brathair. E-mail: [email protected]

Marcus Baccega – UFMA. Pós-Doutorado Université Paris I, 2013. Editor Assistente da Revista Brathair. E-mail: [email protected]


ZIERER, Adriana; BACCEGA, Marcus. Editorial. Brathair, São Luís, v.14, n.1, 2014. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

 

História, Arqueologia e Literatura entre Celtas e Germanos / Brathair / 2014

História – Arqueologia – Literatura entre Celtas e Germanos / Brathair / 2014

Este volume se dedica aos estudos do diálogo entre História, Arqueologia e Literatura. De acordo com Schiffer (2010), a Arqueologia estuda o comportamento humano no tempo e no espaço através da cultura material, ou da relação das pessoas com a cultura material (SCHIFFER apud BARRETO, 2013, p. 272). Segundo Vítor Oliveira Jorge (1990, p. 24) a Arqueologia é uma forma própria de estudar o mundo material, as relações do homem com a realidade física que o rodeia e da qual ele mesmo faz parte. Diversas são as abordagens que hoje analisam os artefatos como vestígios do comportamento social e humano. Em particular, os estudos de Arqueologia da Paisagem (nas suas mais diversas vertentes) têm procurado aprofundar a análise desses vestígios, entendendo as modificações feitas pelo homem na paisagem. Os trabalhos desenvolvidos neste campo procuram dar conta dos assentamentos, das estruturas e artefatos, tendo em mente a relação entre cultura e ambiente. Analisam, assim, de forma holística a relação entre o homem, o que ele necessita, os artefatos e estruturas por ele produzidos e o espaço onde viveu (ROBRAHN-GONZÁLEZ, 1999-2000, p. 18).

Nesta edição duas resenhas discutem a relação entre História e Arqueologia. A primeira, de Ana Carolina Moliterno Lopes de Oliveira (PPGH-UFF) discute o livro de Richard Bradley, professor de Arqueologia da Universidade de Reading, sobre o arquétipo circular nos antigos monumentos europeus desde o neolítico em estudo comparativo com as sociedades europeias atlânticas. O livro é dividido em 10 capítulos. O trabalho se insere na Arqueologia da Paisagem, integrando o estudo de monumentos e assentamentos aos espaços, partindo a análise do aspecto socioeconômico para o cultural.

A segunda resenha, de Benito Márquez Castro, da Universidade de Vigo apresenta o livro escrito em galego em 2013 por Adolfo Fernández Fernández, fruto de sua tese de doutorado, sobre o comércio no noroeste peninsular – Galícia Sueva e Visigoda, com base em registros arqueológicos. Fernández Fernández analisa as relações comerciais entre galo-romanos e povos germânicos nessa região, mostrando a riqueza dessas relações, não apenas violentas, mas também pacíficas, através do comércio. A análise vai do século IV ao século VII, constituindo uma importante contribuição aos estudos sobre essa região europeia.

Quanto aos artigos do dossiê, discutem a relação entre História e fontes literárias. Proeminentes historiadores tem destacado a importância dos estudos dessas obras para a compreensão do imaginário de uma determinada época. De acordo com Patlagean (1993, p. 201), o imaginário abrange todo o campo da experiência humana e nos auxilia a decifrar elementos simbólicos de outros momentos históricos. Para Pesavento o imaginário pode ser entendido como um “sistema de imagens e ideias de representação coletiva que os homens, em todas as épocas construíram, dando um sentido para si e para o mundo” (PESAVENTO, 2004, p. 43). Esse imaginário é construído e deve ser lido historicamente.

As fontes literárias e todos os registros históricos produzidos pelos humanos não são neutros, motivo pelo qual devemos ter um olhar questionador sobre qual o motivo da produção de um documento numa determinada época, por quem foi encomendado, a quem ele era destinado e com qual finalidade.

No caso do período Antigo e Medieval também temos a riqueza de perceber que as relações entre produção, circulação e recepção de muitos documentos estão associadas à inter-relação entre as culturas erudita e popular e também à oralidade, uma vez que muitos registros circulavam oralmente e demonstravam absorver elementos de uma cultura não letrada.

Neste sentido, a Profª. Marie Anne Polo, da École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS) e do Groupe d’Anthropologie Historique de l’Occident Médiéval (GAHOM) analisa os exempla, narrativas curtas com o objetivo da evangelização da população e o papel dos pregadores, como Jacques de Vitry, Cesário de Heisterbach e Bernardino de Siena que, através da oralidade, buscavam estratégias para atingir o seu público. Desta forma, absorviam narrativas da cultura popular, misturando o vernáculo com o latim e fazendo uso do apelo teatral para passar a mensagem cristã ao público. Vale destacar que como forma de convencimento da sua mensagem era muito importante a performance dos pregadores e a empatia que conseguiam causar nos seus ouvintes. O GAHOM possui em sua homepage vários exempla disponíveis para auxiliar e ampliar os estudos deste tipo de narrativa.

O Prof. Ruy Oliveira Andrade Filho e o Doutorando Germano Favaro Esteves (UNESP-Assis) investigam os sentidos da Vita Desiderii, obra do século VII, escrita pelo monarca Sisebuto, através da análise crítica do discurso. O documento constitui-se na única hagiografia escrita por um rei visigodo e os autores buscam identificar os motivos disso, identificando através do estudo da obra, as relações de poder que são construídas entre rei e seus súditos. Destaque para os elementos negativos dos reis burgúndios que aparecem no relato de Sisebuto.

Ainda enfocando a Hispânia Visigótica, precisamente na transição entre os séculos VI e VII, sob o prisma de uma História do imaginário político, o artigo da Profª Pâmela Torres Michelette (UFPI / UNESP) trata da gesta do conceito de realeza cristã nos escritos de um clérigo destacado da Patrística Primeira Idade Média, Isidoro de Sevilha (560-636). Com efeito, como os leitores poderão perceber ao longo da exposição, este pensador clerical foi um verdadeiro ideólogo orgânico da legitimação cristológica e agregadora entre hispano-romanos católicos e visigodos arianos, quando da conversão do Regnum ao Catolicismo, no III Concílio de Toledo (589), sob o reinado de Recaredo (587- 601).

João Paulo Charrone, docente da UFPI, analisa a figura de um erudito, Venâncio Fortunato, proveniente de Ravena, na Itália, que viveu no século VI, fez estudos voltados para a área do Direito e de Letras e dedicou-se a produzir poesia latina, fazendo referência aos autores clássicos em suas obras. Em virtude de seus poemas, alcançou grande reputação na Gália Merovíngia. Ele estaria entre os dois mundos, segundo o autor, em virtude de ser um representante da época clássica tardia e de uma nova era que se iniciava, a Idade Média. De acordo com esse estudo, é importante um maior aprofundamento de suas obras para o entendimento da cultura erudita nesse momento de passagem entre Antiguidade e Idade Média.

Nossa atual edição conta ainda com um provocante estudo poético-identitário acerca do hino nacional alemão (Deutschlandlied), efetuado por uma pesquisadora alemã, Profª. Andrea Grafetstätter, que desenvolve hoje seus trabalhos na França, na Université du littoral côte d’opale. Longe de se constituir em um manifesto nacionalista ou insistente na originalidade da letra do ilustrado filólogo e poeta romântico alemão August Heinrich Hoffmann von Fallersleben (1798-1874), a autora investiga as origens dos versos nas disputas retóricas entre trovadores franceses e alemães dos séculos XII e XIII. Eis mais um brilhante exercício presente-passado-presente, que confronta e desnaturaliza – como deve ser, efetivamente, o intuito da História – as construções nacionalistas do Romantismo oitocentista e seus corolários no século XX.

A contribuição dos emergentes estudos da Germanística medieval brasileira vem complementar o ensaio anterior, no presente volume, sob a pena de um de seus mais destacados pesquisadores, o Prof. Álvaro Bragança Júnior (UFRJ). A partir de um exercício não menos instigante passado-passado, o artigo apresenta os (des)caminhos ideológicos e os circuitos de apropriação e ressignificação político-ideológica do ideal de cavaleiro (o Ritter) das narrativas alemãs centro e tardo-medievais pelo discurso e, sobretudo, pela indústria de propaganda e doutrinação do III Reich, sob o totalitarismo nacional-socialista.

Já o texto da promisora doutoranda Maria de Nazareth Corrêa Accioli Lobato (UFRJ), valendo-se da análise comparativa entre a História da Cultura e a Teoria Literária, problematiza os aspectos ideológico e político das relações feudo-vassálicas presentes em uma narrativa inglesa do século XII, intitulada Esope. Conjunto de apólogos cujos enredos mimetizam as relações sociais estruturantes do contrato feudal, Esope ainda importa para a análise medievalística, como se evidencia ao longo deste alentado estudo, por denotar outro processo social. Trata-se aqui de um expediente retórico tipológico nos escritos medievais: a atribuição da composição do texto à auctoritas de um autor ou rhetor clásico, neste caso Esopo, como forma de atrair fortuna crítica e capilaridade social ao escrito.

No mesmo escopo e nas mesmas Ilhas Britânicas, mas a oeste da antiga Albion, finalizamos este Volume da Revista Brathair com um precioso ensaio filológico da Profª. Luciana Cordo Russo (IMHICIHU-CONICET / UBA), recordando-nos de que também é tarefa dos historiadores capturar as permanências e mudanças nos campos semântico e morfológico dos idiomas. São aqui tratadas, em cotejo com as narrativas celtas arturianas contidas nos Mabinogion, as venturas da adaptação galesa – mais que mera “tradução” – da Chanson de Roland (a Canção de Rolando), comumente associada à data aproximada de 1084. Além do interesse despertado pela análise filológica, este artigo aborda o exemplo inaugural do primeiro gênero retórico-poético propriamente medieval, a canção de gesta, sucessora das grandes epopeias do Mundo Clássico e lugar da memória estilizada dos feitos de cavalaria do Ciclo Carolíngio, que tanto influenciou a prtodução escrita popular no Brasil, com destaque para a região nordeste.

Convidamos nossos leitores a apreciar este conjunto de textos instrutivos, cativantes e que unem, com singular habilidade, um amplo recorte temático e preleções de método literário e historiográfico.

Boa leitura!

Referências

BARRETO, Bruno de Souza. Historiografia e Interfaces: um diálogo entre História, Antropologia e Arqueologia, Revista de Teoria da História (UFG). Ano 5, nº 9, jul 2013, p. 247-279.

JORGE, Vítor Oliveira. Arqueologia e História: algumas reflexões prévias. Homenagem ao Prof. Dr. Jorge Borges de Macedo, 1990. Disponível em: http: / / ler.letras.up.pt / uploads / ficheiros / 2210.pdf . Acesso em 20 / 05 / 2015.

PATLAGEAN, Evelyne. História do Imaginário. In: LE GOFF (Dir.). A História Nova. São Paulo: Martins Fontes, 1993, p. 291-318.

PESAVENTO, Sandra. História e História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

ROBRAHN-GONZÁLEZ, Erika Marion. Arqueologia em Perspectiva: 150 anos de prática e reflexão no estudo de nosso passado, Revista USP, São Paulo, n. 44, dez-fev 1999-2000, p. 10-31.

Adriana Zierer – UEMA. École des Hautes Études en Sciences Sociales, 2013-2014. E-mail: [email protected]

Marcus Baccega – UFMA. Pós-Doutorado Université Paris I, 2013. E-mail: [email protected]


ZIERER, Adriana; BACCEGA, Marcus. Editorial. Brathair, São Luís, v.14, n.2, 2014. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

 

Ireland in the Medieval World Ad 400- 1000 Landscape, kingship and religion | Edel Bhreathnach

As formas utilizadas para narrar o passado irlandês precisam ser lidas com cuidado e reflexão, pois possuem diversas nuances que as distinguem da maneira brasileira de escrever a história. Referências à Irlanda como um “país celta”, por exemplo, embora algo atrativo do ponto de vista do imaginário, geralmente acompanham posicionamentos políticos, princípios epistemológicos e juízos estéticos que podem trazer mais complicações que elucidações. Além disso, “celta” é uma nomenclatura inapropriada para narrar inúmeras questões da história irlandesa (SANTOS & FARRELL, 2011; SANTOS, 2013). O mesmo acontece com formas como “Medieval World”, que também precisam ser historicizadas. Na maior parte dos livros sobre história da Irlanda, as narrativas dão um salto perceptível da “Pré-História” à “Idade Média”, fenômeno que pode ser explicado, pelo menos de duas maneiras: na própria experiência histórica, pelo fato de o surgimento da escrita na Irlanda estar relacionado com a chegada do cristianismo à Ilha, o que faz com que a história irlandesa produzida a partir de documentos escritos tenha seu início associado com igrejas, monastérios, conversão, cuidado pastoral, missionários, santos etc; e por uma tentativa de contextualizar a história irlandesa em relação à Europa continental, que, no século V, não estava mais vivendo uma “História Antiga”, mas sim sua “Antiguidade Tardia” ou “Alta Idade Média” (dependendo da abordagem historiográfica).

É recomendável que o leitor esteja atento a estas questões quando da leitura da obra aqui apresentada, pois em Ireland in the Medieval World Ad 400 – 1000 – Landscape, kingship and religion é possível encontrar referências a fenômenos que ultrapassam os limites de um “Medieval World”, mas, na maioria dos casos, eles estão associados com acontecimentos históricos que envolvem outras sociedades; no que diz respeito à Irlanda, a visão predominante é a de que a História na Irlanda começa com a chegada do cristianismo. Isto é perceptível na parte da obra dedicada ao tema dos Ogans, por exemplo, na qual lê-se que estas inscrições em pedra datam dos séculos V e VI da história irlandesa e que correspondem, portanto, “ao início do período histórico” (páginas 42-44). Esta questão encontra ressonância também na análise sobre a realeza sacra de Tara, que é abordada em um arco cronológico que se estende “da Pré-História ao período Medieval” (página 56). A passagem de tempo demarcada é: “Neolítico, Idade do Bronze, Idade do Ferro, e Primeira Idade Média”. O mesmo raciocínio também aparece quando a autora faz suas comparações entre momentos distintos da sociedade irlandesa. Ela escreve que “as sociedades pré-históricas e medievais não possuem uma distinção incisiva entre os aspectos políticos e os religiosos ou sacros da vida como as sociedades modernas tendem a fazer” (página 59).

É este o salto que interessa destacar aqui, algo que não é frequente na historiografia produzida no Brasil. É difícil encontrar nos livros de história produzidos neste lado do Atlântico uma comparação “pré-histórica” com uma “medieval”, sem qualquer referência à Antiguidade. Assim, apesar das reflexões historiográficas apresentadas na Introdução da obra da autora irlandesa, que atingem nível de excelência, seu “Medieval World” deve ser examinado de forma pormenorizada pelo leitor brasileiro, sobretudo no que diz respeito a uma crítica das formas e das periodizações historiográficas. É a partir de questões assim que o leitor poderá compreender o porquê no site da editora, Fourt Courts Press, na parte dedicada à venda da obra, o título aparece em vermelho destacado “Ireland in The Medieval World, AD 400-1000…” e logo abaixo lê-se que o livro pretende analisar o povo, a paisagem e o lugar da Irlanda no mundo “da Antiguidade Tardia ao Reino de Brian Bórama”.

Edel Bhreathnach graduou-se em Celtic Studies em 1979 e defendeu sua tese de doutorado em 1991, sob a supervisão do professor Francis John Byrne, estudando o que ela chama de Early Irish History. Desde 2013, ela é chefe executiva do Discovery Programme, uma instituição pública irlandesa que, instituída em 1991 como uma iniciativa particular do então Taoiseach Charles J. Haugley, é responsável por investigações arqueológicas. Bhreathnach investiga há algum tempo questões relacionadas com morte e práticas funerárias na Irlanda; a realeza na Pré-História e na Primeira Idade Média; historiografia da escrita da história na Irlanda; a história intelectual da Irlanda Medieval e do início do período moderno; e a história da coleção franciscana irlandesa de manuscritos e livros raros. A autora teve como professores alguns dos principais nomes dos estudos irlandeses na área de história, arqueologia, e literatura, tais como Charles Doherty, Marie Therese Flanagan e Thomas Charles-Edwards, além de seu orientador, já mencionado. Bhreathnach ainda dialogou de forma constante com Elizabeth O’Brien e Muireann Ní Bhrolcháin, além de, para a realização da obra, ter contado com assistência dos monges beneditinos de Glenstal Abbey, Co. Limerick, principalmente para o acesso à biblioteca dirigida pelos mesmos. Importante mencionar estas questões, pois a obra aqui apresentada é resultado da experiência destes vários anos de estudos e discussões, pesquisas, e da publicação de inúmeros artigos sobre o tema, sempre a partir de uma perspectiva pluridisciplinar, característica da formação de Bhreathnach. Por isso, ela consegue, de forma intensa, cumprir o objetivo de abordar vários aspectos da cultura e sociedade irlandesa neste “Medieval World”, ou como na caracterização da Fourt Courts Press “da Antiguidade Tardia ao reino de Brian Bórama”, a partir da análise sistemática e detalhada de manuscritos, monumentos arqueológicos, evidências toponímicas, geográficas, onomásticas; e dialogando com problemáticas antropológicas, folclorísticas, de mitologia comparada etc.

Ireland in the Medieval World Ad 400 – 1000 – Landscape, kingship and religion é dividida em três capítulos. Após uma introdução sobre a tradição da escrita da história na Irlanda Medieval, na qual Bhreathnach aborda as formas irlandesas de reflexão sobre o passado, reunidas a partir de história, mito e tradição no termo gaélico seanchas e na figura de seus historiadores, os seanchaide (página 1-8), no primeiro capítulo, intitulado “The landscapes of early medieval Ireland”, a autora destina 31 páginas à reflexão e sistematização de informações sobre o meio-ambiente natural da Irlanda, com suas paisagens rurais, semi-rurais e urbanas e para compreender a função do comércio desde os polos comerciais tardo-antigos até as cidades costeiras vikings. O segundo capítulo, por sua vez, é dedicado ao estudo dos reinos, seus reis e seu povo (página 40-123). Nesta parte, bem mais extensa que a primeira, o leitor encontrará uma profunda análise dos conceitos de realeza; a função das leis, com suas distâncias e aproximações da realidade irlandesa do período, bem como as obrigações que estas atribuíam aos reis, conferindo-lhes e/ou restrigindo-lhes o poder; a casa real e a extensão da família real, com sua estrutura de parentesco; e a vida e a morte dos reis, tal como os simbolismos e a ritualística envoltos nestes cerimoniais, uma deixa para a última parte da obra. No terceiro e último capítulo (página 130-236), então, há um estudo detalhado da religião e dos rituais, desde antes do cristianismo até a chegada da nova religião, com a introdução do monasticismo na Irlanda, sua estruturação e, paralelamente, as transformações da sociedade irlandesa a partir destas novas práticas religiosas, sociais e culturais. A autora conclui sua obra escrevendo sobre a importância de se estudar a Irlanda no mundo medieval. A historiografia sobre este período da história irlandesa remonta a Eoin MacNeill, que escreveu no início do século XX e é considerado por muitos o “pai” da historiografia irlandesa moderna. Recorrendo e apoiando-se nesta tradição, a explicação que a autora apresenta para justificar os estudos medievais na Irlanda é que, compreendendo a paisagem, a cultura e a sociedade irlandesa destes períodos mais remotos, como é o caso da Idade Média, o passado do país poderá ser melhor apreciado (240-243).

Apesar da concentração nestes três tópicos específicos (a paisagem, a realeza e a religião), de forma alguma a obra de Edel Bhreathnach se restringe a estes aspectos ou os analisa de forma isolada, pois nela há também inúmeras referências a outras particularidades muito importantes da sociedade irlandesa do período, estudadas de maneira sistemática e relacional com o eixo principal da obra. Como exemplo, podem ser mencionados os costumes do cotidiano; a temática do exílio e a presença e função dos estrangeiros na cultura irlandesa; os diversos usos irlandeses da cultura clássica romana e das tradições bíblicas pelos autores irlandeses; e a presença de mulheres e crianças na história irlandesa. O leitor pode estar certo de que trata-se de uma obra a ser lida de forma rigorosa por todos aqueles interessados em conhecer alguns dos acontecimentos fundamentais da história da Irlanda do período abordado.

Referência

SANTOS, D. Forma e narrativa- uma reflexao sobre a problemática das periodizaçoes para a escrita de uma história dos celtas. Nearco (Rio de Janeiro), v. VI, 2013, p. 203-228

FARRELL, E; SANTOS, D. Early Christian Ireland- Uma reflexão sobre o problema da periodização na escrita da História da Irlanda. In: BAPTISTA, L. V; SANT’ANNA, Henrique Modanez de; SANTOS, D. V. C (Orgs.). História antiga: estudos, revisões e diálogos. Rio de Janeiro: Publit, 2011, v., p. 185-213.

Dominique Santos – FURB – Universidade de Blumenau www.furb.br/labeam. E-mail: [email protected]


BHREATHNACH, Edel. Ireland in the Medieval World Ad 400- 1000 Landscape, kingship and religion. Dublin: Four Courts Press, 2014. Resenha de: SANTOS, Dominique. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.14, n.1, p. 140-145, 2014. Acessar publicação original [DR]

O Pacto das Fadas na Idade Média Ibérica | Aline Dias da Silveira

“O objetivo desta obra – diz a Autora, p.18 – é identificar a estrutura simbólica das narrativas feéricas, comparando-a com a estrutura ritualística e simbólica dos pactos vassálico e matrimonial”. Nesta frase concisa encontramos o núcleo fundamental do trabalho: como é que as narrativas medievais sobre fadas (e feiticeiras) revelam a estrutura do feudalismo – ou, mais exatamente: do casamento na sociedade feudal, mostrado através dos seus ritos e imagens. O estudo de Aline Silveira é um trabalho de análise e interpretação do Livro de Linhagens, escrito na década de 1340, por Dom Pedro, Conde de Barcelos (c.1285-1354). Filho bastardo do rei Dom Diniz (1279-1325), e de Glória Anes, (natural de Torres Vedras), D. Pedro viveu num reino que pela primeira vez estava livre de guerras com os sarracenos, e governado por um monarca educado, culto, e bom administrador: a D. Diniz se devem, entre outras obras que permanecem até hoje, a plantação do pinhal de Leiria (que forneceu madeira para caravelas e naus), a fundação da Universidade de Lisboa/Coimbra, e a criação das Festas do Divino Espírito Santo, além de ter sido compositor de peças de poesia e música na Corte.

Educado nesse meio por sua madrasta, a Rainha Santa Isabel, irmã do reio de Aragão, D. Pedro desenvolveu importante atividade literária, reunindo e compondo poesias trovadorescas, e também se lhe atribui, além do Livro de Linhagens, uma Crônica de Espanha (1344) – Espanha não designava então o país ainda inexistente, mas a Hispania, lembrança dos períodos romano e visigótico, quando a Península Ibérica estava unificada. D. Pedro, que se desentendeu com o pai e algum tempo viveu em Castela, interessava-se especialmente por questões de legitimidade feudal e genealógica, razão pela qual se colocou ao lado da Rainha Santa, como intermediário nas disputas entre seu meio-irmão Afonso (primogênito e herdeiro do reino) e o rei seu pai. Temos assim o esboço do porquê de alguns traços da personalidade daquele que, no Livro de Linhagens, faz remontar os laços de fidelidade e ascendência feudal aos arquétipos e às fontes da mitologia, e da religiosidade popular. O que Aline Silveira faz no seu livro é trazer à tona e desvendar essas ligações de certo modo ocultas pelas metáforas e lendas, particularmente as que mostram o poder feminino, que o patriarcalismo feudal e guerreiro parece minimizar, mas que a literatura apresenta disfarçadas de fadas e feiticeiras, tipificadas na Dama Pé de Cabra. Esta mulher, filha de um ser meio humano (de quem herdara os pés ungulados), vivia na Biscaia (Euzkadi, País Basco, ou Vasco) e casou com Diego Lopes de Haro, da mais importante família basca. Com ele teve filhos, e iniciou uma dinastia, que deste modo legitimou sua origem não só numa lenda, mas numa sucessão de ligações míticas que fazem remontar a família Haro a antepassados préhistóricos e, na interpretação da Autora, a concepções fundamentais da visão histórica e mítica do mundo.

Ampliando seu comentário pela comparação com outras narrativas lendárias medievais – a Melusina de João de Arras, e o romance de Froiam da Galiza com Marinha – a interpretação busca raízes na cultura celta, e procura ainda contatos com outras mitologias, particularmente a grega. No Livro de Linhagens há outra idéia norteadora, complementar à anterior – que O Pacto das Fadas explica e comenta: o reforço dos laços feudais de vassalagem pelo parentesco e o casamento; neste caso as “fadas“ são as esposas, aquelas que fazem a ligação entre duas casas nobres, ou reais. A esse propósito a Autora discute a opinião de historiadores portugueses que consideram o feudalismo em Portugal diferente do “modelo francês”.

Ora, na realidade, se observarmos bem a Europa medieval, o feudalismo francês (restrito ao norte da França), só foi modelo porque era mais central, mais influente na época, e porque os historiadores franceses do século XIX foram mais competentes para analisá-lo e propô-lo como modelo; mas de fato cada reino, e cada época, teve suas peculiaridades. Mesmo que, ao tempo de D. Diniz, o feudalismo em Portugal já fosse distinto da estrutura política do reino quando D. Afonso Henrique (1109-1185) liderou a independência, é preciso também ter em conta que o feudalismo, com seus laços de vassalagem e relações de poder, não é só uma estrutura social, política, econômica e guerreira, mas, como a Autora muito bem salienta, é uma maneira de pensar. E é esse pensar que Aline procura descobrir no Conde D. Pedro de Barcelos, o qual entendia que a sociedade se mantinha coesa não só pelas relações de poder, mas também pelas de amor e amizade. Talvez D. Pedro apelasse para esta questão porque estava presenciando mudanças perceptíveis, embora ainda não definitivas: pelos casamentos reais Portugal estava recebendo influências diretas de Castela (de onde era sua avó Beatriz), de Aragão (então a maior potência marítima do Mediterrâneo ocidental) e da França: seu avô. D. Afonso III (1210-1279), fora casado (1238) com Dona Matilde condessa de Bolonha, até assumir o trono de Portugal após a deposição ( 1247) de seu irmão Sancho II, que se desentendera com o clero e a nobreza; no reinado de Afonso III Portugal completou a sua formação territorial, pela conquista definitiva do Algarve (1249), e, ao contrário de seu irmão, o rei conseguiu conter em parte o poder da nobreza nas Cortes de Leiria, e pelas inquirições contra os abusos da nobreza e do clero; se lembrarmos que o pai de D. Pedro, além das realizações que anotamos acima, afrontou o poder da Igreja em diversas ocasiões, mas principalmente ao criar a Ordem de Aviz, na qual recebeu os monges templários condenados e expulsos pelo Papa e pelo rei de França, veremos os indícios de uma concentração do poder real, que se tornará forte na dinastia fundada (1385) por D. João I, Mestre de Aviz.

Finalmente Aline Silveira relaciona a fada (a Dama) com o nobre (o Conde), e o arquétipo mítico com o imaginário social, através de um pano de fundo constituído pelo mito das origens. É o mito, resultado narrativo das idéias presentes no imaginário fundamental e permanente da humanidade, mas realizado em cada cultura regional, que dá sentido à relação entre a fada e o nobre, e portanto à solidez da estrutura social da nobreza. Neste ponto a historiadora amplia e aprofunda o que já estava fazendo desde o início, ao reconhecer a insuficiência da História, como ciência humana narrativa e factual, para se explicar a si mesma, e portanto recorre a outras ciências, como Antropologia, Ciências da Religião, Crítica literária e Psicologia, para descobrir o que há de mais íntimo na humanidade, que faz da história humana regional e local um reflexo da existência humana como um todo. Esta combinação de ideias diversas a Autora realiza com detalhe, perfeição e competência. E nesse pano de fundo ela mostra que o imaginário vassálico era comum não só a toda a Europa, mas se estendia além Europa – ou de lá provinha. Resta perguntar aos jovens historiadores: essas representações sociais, esses arquétipos tipificados e concretizados na Ibéria, que prolongações tiveram na América Latina?

João Lupi – Professor Voluntário do Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Departamento de Filosofia – UFSC. E-mail: [email protected]


SILVEIRA, Aline Dias da. O Pacto das Fadas na Idade Média Ibérica. Apresentação de José Rivair Macedo. São Paulo: Annablume, 2013. Resenha de: LUPI, João. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.14, n.1, p. 146-149, 2014. Acessar publicação original [DR]

Da Ilha dos Bem-Aventurados à busca do Santo Graal: uma outra viagem pela Idade Média | Adriana Zierer

Os estudos históricos sob a perspectiva do imaginário vêm se revelando uma tendência cada vez mais presente nas investigações sobre o medievo, incentivada, sem sombra de dúvida, pelos trabalhos de Jacques Le Goff acerca do imaginário medieval, que ele aborda em obras como O imaginário medieval, O nascimento do Purgatório e, mais recentemente, Heróis e maravilhas da Idade Média. No seu entender, entre as fontes passíveis de serem utilizadas pelos historiadores, são as obras literárias e artísticas que despontam como documentos privilegiados para o estudo do imaginário.[1]

Tal influência se encontra em Da Ilha dos Bem-Aventurados à busca do Santo Graal: uma outra viagem pela Idade Média, livro da Prof. Dra. Adriana Zierer, docente da UEMA e professora colaboradora do Mestrado em História Social da UFMA. O subtítulo, ao fazer alusão à obra coletiva anterior, publicada em 2010 sob sua coordenação, é indício de sua constante jornada pelos caminhos do maravilhoso e das representações simbólicas e imaginárias da Idade Média, uma vez que as fontes literárias e artísticas constituem o ponto de partida da autora. O livro reúne 21 trabalhos publicados em periódicos e livros diversos entre 2000 e 2011, que estão distribuídos nas seis grandes temáticas sobre as quais Adriana Zierer se debruçou ao longo desse período, a saber: Ilhas Míticas e Paraíso Terreal; Viagens Imaginárias ao Além; Diabo na Idade Média; O Rei Artur, o Graal e o Uso Político; Simbolismo do Rei Medieval; e Santidade, Guerra e Paganismo na Antiguidade e Idade Média. Do total de artigos, dois foram escritos em coautoria com o Prof. Dr. Ricardo da Costa, da UFES, e um foi realizado em conjunto com Solange Pereira Oliveira, mestranda da UFMA.

E o que era a Ilha dos Bem-Aventurados que dá nome ao livro? Segundo a mitologia de povos de fundo céltico, era o local da abundância e da imortalidade (p. 25), sendo que alguns sinônimos também desfilam ao longo do livro. Ilha Afortunada, noção que já existia entre os gregos, explicada depois por Isidoro de Sevilha e na Baixa Idade Média, se fundiu com a noção da Ilha Céltica de Avalon, a Ilha das Maçãs (Insula Pomorum) (p. 26). Ou Ilhas Abençoadas (p. 38); ou, ainda, Outro Mundo – terra dos seres feéricos e da abundância infinita (p. 38). Quanto ao Paraíso Terreal, a concepção cristã o situava em algum lugar do Oriente, mas em local inacessível aos seres humanos (p. 31).

A preocupação com a morte era uma constante, e os modelos de salvação estão exemplificados através das narrativas sobre São Brandão (Navigatio Sancti Brendani Abbatis) e Santo Amaro (Vida de Sancto Amaro), ambas permeadas pela influência dos imrama, relatos irlandeses de navegação pelo mar (p. 43). Igualmente preocupada com a salvação da alma estava a viagem imaginária Visio Tundali (Visão de Túndalo), obra produzida no século XII em latim e traduzida para o português no século XV. Ao explicar os tormentos do Além através do diálogo entre o nobre cavaleiro Túndalo e o anjo, o caráter didático da obra fica evidenciado, levando Adriana Zierer à conclusão de que a salvação “[…] era a preocupação fundamental dos medievos mais pelo pavor do castigo que pelo anseio do Céu. Quanto a atingi-la, representava uma árdua batalha para a alma humana, que se debatia entre o desejo dos prazeres e o terror do abismo infernal”. (p. 103). Esse Além cristão, inicialmente dividido em Paraíso e Inferno (p. 32), foi ampliado no século XII quando da criação de um lugar intermediário, o Purgatório (p. 33). A salvação da alma realizava-se, portanto, através de deslocamentos espaciais, e estes incluíam as peregrinações em busca de relíquias (p. 31). Mas a incerteza quanto ao destino final – Paraíso ou Inferno – de cada indivíduo também podia se fazer representar pela Roda da Fortuna, metáfora medieval da instabilidade e da fugacidade do tempo, e objeto do artigo escrito em conjunto com Ricardo da Costa a partir de um estudo comparado entre a Consolatio Philosophiae de Boécio (séc. VI) e a Ars de Ramon Lull (séc. XIII), e que conclui com a afirmação de que “[…] todas as glórias do mundo terrestre serão um dia julgadas pelo Juiz Supremo, e os que estavam no alto da Roda, poderão cair no Inferno, ao passo que as almas dos bons viverão na eterna bemaventurança, ao lado de Deus” (p. 329).

Mas o personagem que ocupa uma parte bastante significativa nos trabalhos de Adriana Zierer é aquele que, no entender de Jacques Le Goff, foi, entre os séculos VI e XVI, um personagem novo e específico da história: o rei medieval.[2] De fato, este personagem é objeto de nove artigos, dos quais oito giram em torno do que a autora identifica como a “lenda do rei perfeito” (p. 156): o rei Artur. Seu uso político estaria vinculado aos reis anglo-normandos, em especial Henrique I (1100-1135) e, principalmente, seu neto, Henrique II (1154-1189), conhecido como Plantageneta. Muito embora a figura de Artur possa ser encontrada já no século VIII, na Historia Brittonum, de Nennius, foi no século XII, a partir da Historia regum Britanniae, de Geoffrey de Monmouth, que Artur recebeu um papel de destaque na literatura ocidental (p. 157). Adriana Zierer sustenta que tal obra, realizada por encomenda de Henrique I, passou a ser usada para fins políticos, uma vez que objetivava estabelecer uma associação entre os reis anglonormandos e a antiga linhagem bretã através de Artur, seu mais nobre representante (p. 158). Quanto à cristianização do mito arturiano, esta tem no Graal seu elemento mais expressivo. Introduzido por Chrétien de Troyes no romance Perceval, o Graal, inicialmente uma escudela, foi cristianizado ainda no final do século XII por Robert de Boron, que o transformou no cálice usado por Jesus na Última Ceia, e onde José de Arimatéia recolheu o sangue de Cristo na cruz (p. 161). Apenas Galaaz, o cavaleiro perfeito, porque puro, consegue encontrar o Graal, que para Zierer era “[…] ao mesmo tempo um alimento corporal e espiritual, uma visão indescritível banhada de luz, que ascendeu ao céu, juntamente com Galaaz, após a visão dos seus mistérios” (p. 162).

A santidade, crença tão marcante no medievo, também recebeu a atenção de Adriana Zierer, que juntamente com Ricardo da Costa, se dedicou ao estudo da Vida de Macrina, em artigo que analisa o conceito de santidade e de ascetismo feminino, bem como a importância da virgindade para o Cristianismo do século IV. Mas a Antiguidade também fornece elementos para outros estudos de Adriana Zierer sobre o período medieval, como no artigo sobre a imagem do herói no poema Waltharius, produzido entre os séculos IX e X, e no qual Zierer identifica atributos de heróis clássicos – como Ulisses e Enéias – nos principais personagens masculinos, Valtário da Aquitânia e Hagen, guerreiro franco. Ou, ainda, através das analogias entre a simbologia da cabeça cortada entre os celtas e o mito grego da Medusa, no artigo que encerra a publicação.

A par dos documentos literários, vários artigos incluem imagens, cuja inserção não se restringe a um caráter meramente ilustrativo, uma vez que são utilizadas como fontes de cunho artístico para a análise das temáticas abordadas, como por exemplo, no artigo sobre os significados medievais da maçã, cujo ponto de partida consiste em documentos iconográficos, no caso duas obras de Lucas Cranach, o Velho, ambas do século XVI: Adão e Eva e A Virgem e o Menino (p. 20 e 22). Entre as imagens selecionadas, predominam as produzidas no século XV, tais como Os Sete Pecados Capitais, de Hieronymus Bosch (p. 92); O Juízo Final, de Fra Angelico (p. 96 e 99); Túndalo e o Anjo com os fiéis no casamento (p. 121); e O Santo Graal na corte do rei Artur (p. 223), só para mencionar algumas, confirmando a permanência de imaginários medievais sobre o Além e sobre o ciclo arturiano no alvorecer da cultura renascentista.

As análises de Adriana Zierer contém, ainda, um viés comparativo, sintetizado pela autora em forma de quadros bastante elucidativos, como O Além em Obras dos Séculos II e III (p. 80), no qual compara os Apocalipses de Baruch, Esdras, Pedro, Paulo e o IV Livro de Esdras; ou no quadro sobre Artur como Guerreiro e Rei Cristão (p. 168), onde compara a trajetória dos atributos do referido rei nos séculos VIII, XII e XIII na Historia Brittonum, na Historia regum Brathair Britanniae e em La Queste del Saint Graal, respectivamente; ou o papel de Artur nas fontes ibéricas medievais, através de comparações entre o Libro de las Generaciones e o Nobiliário do Conde Dom Pedro (p. 245, 246, 247, 253 e 259).

Da Ilha dos Bem Aventurados à Busca do Santo Graal alcança, portanto, o intuito de sua autora, para quem o livro “[…] contribui com a constante necessidade de formação e aperfeiçoamento dos pesquisadores dos estudos medievais e que contribuirá com o surgimento de novas pesquisas na área” (p. 18).

Notas

1. LE GOFF, Jacques. L’imaginaire médiéval. Paris: Gallimard, 1985, p. III.

2. LE GOFF, Jacques. Rei. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean-Claude (coord.). Dicionário temático do Ocidente medieval. Bauru, SP: Edusc, 2006, v. II, p. 395.

Maria de Nazareth Corrêa Accioli Lobato – Doutoranda em História Comparada – UFRJ [email protected]


ZIERER, Adriana. Da Ilha dos Bem-Aventurados à busca do Santo Graal: uma outra viagem pela Idade Média. São Luís: Editora UEMA, 2013. Resenha de: LOBATO, Maria de Nazareth Corrêa Accioli. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.13, n.2, p. 129-132, 2013. Acessar publicação original [DR]

The Texts and Contexts of Oxford, Bodleian Library, MS Laud Misc. 108. The Shaping of English Vernacular Narrative | Kimberly K. Bell

Em 1635, William Laud, arcebispo de Canterbury e chanceler da Universidade de Oxford, doou à Bodleian Library, biblioteca da universidade, uma série de manuscritos com obras diversas compiladas em diferentes línguas (latim, grego e alguns vernáculos). Dentre eles estava uma coletânea de obras compiladas sob um mesmo códice que tinham uma característica em comum, todas estavam em inglês médio, o vernáculo falado no território insular entre meados do século XII ao XV, período em que linguistas demarcam a transição para o inglês moderno, aquele mais próximo do inglês corrente hoje. Tal códice foi catalogado como Laud Miscellaneous Manuscript, ou, apenas, Laud Misc. MS, e o termo ‘miscellaneous’ (miscelânea) é tema do primeiro ponto crítico levantado por Kimberly K. Bell e Julie Nelson Couch ainda na introdução. Segundo as autoras, a nomenclatura gerou, e ainda gera, interpretações equivocadas por parte de críticos e leitores, que tendem a ler o termo como referência à falta de primor artístico ou de organização do compilador das obras. Todavia, nesse códice, encontram-se algumas das primeiras compilações de obras em inglês médio já catalogadas e o fato do mesmo não incluir textos em outras línguas mostra exatamente a falta de ‘miscelânea’ e uma rígida estruturação e organização, segundo as autoras. Sua característica monolinguística o coloca em destaque no contexto histórico ao qual pertence, uma vez que manuscritos de tal período raramente reuniam obras numa única língua, mas a reconhecida ‘estranheza’ de tal característica linguística deve-se ao fato do inglês médio, naquele contexto, ainda ser percebido e mantido quase que exclusivamente como língua oral, ao contrário do anglo-normando que era lecionado e pautado na escrita.

Em Laud encontram-se a mais antiga versão do The South English Legendary, uma referenciada coletânea de hagiografias de santos insulares e continentais, e duas das primeiras versões dos romances King Horn e Havelok the Dane, os mais antigos romances em inglês médio, além de outras obras religiosas e laicas. A presença das referidas obras primevas daquele vernáculo por si só já agrega enorme valor ao manuscrito, todavia, conforme discute Anne B. Thompson, escrever em inglês médio no século XIII – data de confecção das obras – é considerado uma inovação, dada a relevância do anglo-normando como vernáculo de prestígio, especialmente na corte de Henrique III (1216-1272).[1] Assim segue a introdução de The Texts and Contexts of Oxford, Bodleian Library, MS Laud Misc. 108. The Shaping of English Vernacular Narrative, localizando no tempo e no espaço a produção do manuscrito Laud, partindo do seu processo de catalogação e doação à biblioteca da Universidade de Oxford, passando pelo seu processo de confecção, manutenção e circulação no período medieval.

A obra organizada por Bell e Couch, tema da presente resenha, dedica-se exclusivamente ao estudo do presente manuscrito, reunindo artigos que abordam diferentes metodologias, elencando uma série de ensaios interdisciplinares e intertextuais. O volume divide-se em duas partes, a saber, Part I: The Manuscript and its Provenance, que conta com cinco artigos, e Part II: The Manuscript and its Texts, abrangendo oito artigos, além de doze páginas com imagens de fólios dos diferentes textos do Laud. No anexo segue o sumário com a ordem dos artigos, seus títulos e respectivos autores a fim de que a estrutura da obra se torne mais clara e palpável durante a leitura da presente resenha.

Tal estrutura reflete bastante a intenção analítica das organizadoras; não se tratam apenas de discussões lançadas sobre as especificidades instrumentais e os jargões dos estudos textuais e de manuscritos (Manuscript Studies). Ao contrário, o objetivo da coletânea é trazer à tona uma série de novas perspectivas investigativas que apontam para a complexidade, pluralidade e, não por acaso, unidade do códice como um ‘conjunto’ e não um montante de manuscritos esparsos aleatoriamente reunidos – este último fator sendo, todavia, pertinente a vários dos manuscritos medievais que resistiram até o século XX. Algumas acepções cristalizadas sobre Laud são questionadas não apenas na introdução, mas também em outros ensaios, é o caso da ideia de miscelânea, que transforma-se em contraponto questionado pelo argumento central das autoras de que o códice é, na verdade, um ‘whole book’ [livro como um todo] (p. 7) e também funciona como ponto de partida para os artigos de A.S.G. Edwards, Murray J. Evans e Christina Fitzgerald.

O material reunido na primeira parte do livro centra-se mais no trabalho textual de rastreamento de elementos linguísticos, sintáticos, retóricos (a ‘evocação da performance do menestrel na produção hagiográfica’ presente em Laud, conforme Andrew Taylor; a presença de uma possível ‘autoria masculina’, segundo Christina M. Fitzgerald ) e materiais (datação, constituição física – dimensões, método de agrupamento dos fólios e sua proveniência – e os possíveis ‘rastros’ de sua circulação através de glosas e outras demarcações textuais, temas discutidos por Thomas R. Liszka, Murray J. Evans e A.S.G. Edwards, respectivamente). Já a segunda parte, que concentra a maioria dos textos, introduz o leitor a um universo de perspectivas interdisciplinares e extremamente criativas, porém cautelosas quanto à demarcação de suas metodologias e embasamentos teóricos, sem que tais preocupações tornem os textos autoreferenciais ou quebrados em blocos de “teoria/metodologia” seguido de “análise textual”. O apuramento argumentativo e a flexibilidade com a qual os autores transitam por diferentes referenciais disciplinares fazem da segunda parte, talvez, mais atraente ao pesquisador interessado em trabalhos que versem sobre as especificidades de Laud (ou de um manuscrito medieval, de maneira genérica), sem abusar da proximidade paleográfica para ratificar suas problemáticas, utilizando-a, no entanto, como referência tangencial num movimento analítico que transita entre o dentro e o fora dos textos estudados – isto é, textos e contextos. Ressalto como exemplo de tal iniciativa a análise primorosa de Robert Mills que, em seu ensaio, coloca em diálogo, de forma problemática e provocadora, estudos sobre o corpo, etnia, geografia (numa leitura quase etnogeográfica), linguagem e espiritualidade. O que, à princípio, soa quase como uma colcha de retalhos temática, se transforma, em seu texto, numa cadência coerente e convincente de elementos fundamentais à constituição hagiográfica do The South English Legendary.

Hagiografia e literatura laica, aliás, são constantemente postas lado a lado nos textos de diferentes autores, num intuito discursivo que acompanha, de perto, a própria organização de Laud, na qual dois romances seculares – King Horn e Havelok – aparecem em meio a inúmeras vidas de santos. Muito já se discutiu no âmbito da academia anglo-saxã sobre as proximidades e os afastamentos entre vidas de santos e romances, Neil Cartlidge dedicou especial atenção ao tema. Todavia, o que se discute na obra aqui resenhada não são as proximidades que nós, acadêmicos pós-modernos (ou modernos ou do século XXI), projetamos sobre os dois gêneros textuais, mas, sim, as evidências próprias de cada tipo de texto que os coloca em posição horizontal, tal como nos são apresentados pelo compilador (ou compiladores) de Laud. Uma inversão de olhares que pode parecer irrelevante ou quase tautológica, mas que resulta em significativas mudanças de perspectiva analítica e de sensibilidade sobre hagiografia e romance, gêneros tão próximos, porém tão distantes.

Todos os autores que colaboraram para a confecção do volume são doutores (alguns eméritos) na cadeira de English – disciplina comum nos cursos de English Studies em universidades do Reino Unido e dos Estados Unidos. A natureza interdisciplinar do referido curso está intimamente vinculada à formação e atuação dos profissionais a ele ligados (e à sua própria localização como cadeira acadêmica), cujos trabalhos transitam entre os campos da História Cultural (e da Leitura) e da análise textual-literária, passando por elementos da disciplina paleográfica. Tal interdisciplinaridade, por vezes super-utilizada, como é o caso dos trabalhos de Robert Mills, Julie Nelson Couch, Susanna Fein e Andrew Lynch, não funciona apenas como força motriz na confecção de The Texts and Contexts of Oxford, Bodleian Library, MS Laud Misc. 108. The Shaping of English Vernacular Narrative, mas, sobretudo, a transforma num conjunto textual de referência para pesquisadores de diferentes disciplinas e contextos acadêmicos (especialmente aos interessados em textos em inglês médio do século XIII e de períodos posteriores), pluralizando não somente os olhares sobre o manuscrito de Laud, mas também refratando o que de mais múltiplo tal manuscrito nos oferece: sua própria ‘essência’ constitutiva e textual.

Anexo

Part I

The manuscript and its Provenance

  1. Oxford, Bodleian Library, MS Laud Misc. 108: Contents, Construction and Circulation, A.S.G. Edwards
  2. Talk in the Camps: On the Dating of The South English Legendary, Havelok the Dane and King Horn in Oxford, Bodleian Library, MS Laud Misc. 108, Thomas R. Liszka

III. “Very Like a Whale?”: Physical Features and the “Whole Book” in Oxford, Bodleian Library, MS Laud Misc. 108, Murray J. Evans

  1. “Her Y Spelle”: The Evocation of Minstrel Performance in a Hagiographical Context, Andrew Taylor
  2. Miscellaneous Masculinities and a Possible Fifteenth-Century Owner of Oxford, Bodleian Library, MS Laud Misc. 108, Christina M. Fitzgerald

Part II

The Manuscript and Its Texts

  1. A Text for Its Time: The Sanctorale of The Early South English Legendary, Diane Speed

VII. The Audience and Function of the Apocryphal Infancy of Jesus Christ in Oxford, Bodleian Library, MS Laud Misc. 108, Daniel T. Kline

VIII. The Eschatological Cluster – Sayings of St. Bernard, Vision of St. Paul, and Dispute Between the Body and the Soul – in Oxford, Bodleian Library, MS Laud Misc. 108, J. Justin Brent

  1. Genre, Bodies and Power in Oxford, Bodleian Library, MS Laud Misc. 108: King Horn, Havelok and The South English Legendary, Andrew Lynch
  2. The Early South English Legendary and Difference: Race, Place, Language and Belief, Robert Mills
  3. The Magic of Englishness in St. Kenelm and Havelok the Dane, Julie Nelson Couch

XII. “holie mannes liues”: England and its Saints in Oxford, Bodleian Library, MS Laud Misc. 108’s King Horn and South English Legendary, Kimberly K. Bell

XIII. Somer Soneday: Kingship, Sainthood and Fortune in Oxford, Bodleian Library, MS Laud Misc. 108, Susanna Fein

Nota

1. Cf. Thompson, Anne B., Robert K. Upchurch e E. Gordon Whatley. Lives in Middle English Collections (Kalamazoo: Medieval Institute Publications, 2004), p. 22

Gabriela Cavalheiro – Doutoranda em Medieval Studies, King’s College London. E-mail: [email protected]


BELL, Kimberly K.; COUCH, Julie Nelson. The Texts and Contexts of Oxford, Bodleian Library, MS Laud Misc. 108. The Shaping of English Vernacular Narrative. Leiden, Boston: Brill, 2011. Resenha de: CAVALHEIRO, Gabriela. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.13, n.2, p. 133-137, 2013. Acessar publicação original [DR]

Tessituras | UFPEL | 2013

Tessituras Antropologia e arqueologia 2 Los gobiernos progresistas latinoamericanos

Tessituras – Revista de Arqueologia e Antropologia (2013-), é uma iniciativa do Programa de Pós-Graduação em Antropologia e vêm agregar como mais uma das iniciativas de um grupo de professores e professoras da UFPel que, desde 2008, com a abertura do curso de Bacharelado em Antropologia, investe no desenvolvimento e consolidação de estudos nas áreas de Antropologia e Arqueologia no extremo sul do Brasil.  Desde a criação do Bacharelado, assim como com o início do curso de Pós-Graduação em Antropologia em 2012, a UFPel tem contribuído com a produção de pesquisas e com o desenvolvimento de cursos e seminários que vêm ampliando tanto o acesso a dados da região sobre temas próprios à Antropologia e à Arqueologia como proporcionado uma reprodução qualificada dos referencias teóricos que sustentam a produção destas disciplinas.

A publicação da revista Tessituras é mais um passo para a qualificação desse trabalho acadêmico, uma vez que ela pretende possibilitar o diálogo da produção em Antropologia e Arqueologia da região com a produção de nível nacional e internacional. Entendemos que a publicação da revista nos integra cada vez mais a um circuito acadêmico mais ampliado, fortalecendo um movimento que já é feito através da produção de seminários, publicação de livros e artigos e a participação de nossos docentes e discentes em eventos científicos de todos os âmbitos. Enfim, o que pretendemos é que a Tessituras promova uma marca própria da Antropologia e Arqueologia feita no extremo sul do Brasil e, ao mesmo tempo, abra um canal de diálogo importante e duradouro com a produção de outros espaços de produção acadêmica.

Esta revista oferece acesso livre imediato ao seu conteúdo, seguindo o princípio de que disponibilizar gratuitamente o conhecimento científico ao público proporciona maior democratização mundial do conhecimento.

Periodicidade semestral

ISSN 2318-9576 (Online)

Acessar resenhas

Acessar dossiês

Acessar sumários

Acessar arquivos

Origens, Construções, Conversões: dos Castros da Ibéria à Floresta de Broceliande / Brathair / 2013

Nesta edição o Brathair faz a sua estreia como membro do CIEC – Centro Internacional de Estudios Celtas, que congrega instituições da Espanha, Portugal e Brasil. Este organismo procura fortalecer os estudos celtas nos países ibéricos, através de projetos conjuntos, de eventos e de uma rede de informações sobre as atividades desenvolvidas pelos seus membros.

A temática central do dossiê é Origens, Construções e Conversões: dos Castros da Ibéria à Floresta de Broceliande, tratando as origens celtas na Península Ibérica, a construção da identidade da região através de um processo de conversão ao cristianismo entre os suevos, visigodos e outros povos e a circulação de relatos relacionados à Matéria da Bretanha.

Representando o CIEC em Portugal, através do Museu Arqueológico de San Fiz e da Universidade do Porto, temos o artigo do Prof. Dr. Armando Coelho, tratando precisamente do passado céltico, depois celtibero, da Península Ibérica e, com ênfase mais detalhada, do atual território português. O leitor terá a oportunidade de ver esclarecida a contumaz confusão, presente mesmo na Historiografia, que vincula, sem fundamentos históricos e arqueológicos, os castros das regiões central e boreal da Ibéria e os vestígios proto-históricos da civilização megalítica ao sul da Península. Neste sentido, o artigo apresenta importante contribuição, mapeando a paisagem natural e cultural da região nos albores da revolução neolítica que lá sofreram, durante o primeiro milênio antes da Era Comum, diversas correntes indoeuropeias, e sua interação com a população autóctone. O texto traça um itinerário didaticamente ótimo para a compreensão das transmissões e apropriações culturais indoeuropeias que se pode detectar nas paisagens castrejas, ligadas às tribos célticas da região.

Juan Antonio López Férez (UNED) analisa, em continuidade não proposital, mas notável e instigante com relação ao artigo de Armando Coelho, as recorrências de termos, passagens e descrições – que hoje poderíamos caracterizar como «etnografias » – relativas às populações célticas que, em algum momento, interagem ou interpenetram-se com as civilizações mediterrânicas do Mundo Clássico. Enfocando citações e descrições de populações como os alobroges, brigos e brigues, presentes em escritos de mitógrafos gregos do período romano (século I antes da Era Comum), o texto pretende – e consegue, efetivamente – fornecer subsídios para a compreensão terminológica recorrente entre tais mitógrafos, não apenas de um ponto de visto histórico, mas também para propósitos filológicos. Desta forma, López Férez oferta aos leitores, nesta edição de Brathair, um convite erudito e sedutor a um conhecimento mais profundo das hetero-representações elaboradas na língua erudita do Mundo Clássico – o grego – que as civilizações escravistas do Mediterrâneo tecem e consagram como memória canônica a respeito das populações célticas para além do Limes imperial.

Arlete Motta (UFRJ) mostra o papel dos germanos no De Bello Gallico, quando o papel heroico de povos é ressaltado no intuito de valorizar as próprias características dos romanos. Trata-se aqui de uma refinada análise, sob o enfoque metodológico da Teoria Literária, da forma como o general romano Júlio César (100-44 a.C.) vislumbrou, compreendeu e representou as populações germânicas, com as quais travou contatos bélicos (Livro VI do De Bello Gallico, c. 50 a.C.). Encetando sua exegese a partir da noção de foco narrativo e de como se apresenta, na gramática textual, a persona narrativa do conquistador Júlio César, enquanto heroi, Arlete Motta traz um interessante ensaio sobre a produção reversa da memória de conquistas, grandiloquência e virtudes dos romanos – o conquistador, o vencedor – a partir de uma operação mitográfica muito sutil. Não se trata, para César, de desvaler o adversário germânico como automática e imediatamente inferior, incivilizado ou “bárbaro” (o não-falante de latim), mas, ao inverso, de realçar seus predicados guerreiros, físicos e morais, para demonstrar, retoricamente, a superioridade romana, que consegue sobrepor-se inclusive a povos tão bravos e valorosos como os germanos. Como pano de fundo, a pressuposto, reafirmado a todo instante, do proselitismo civilizatório do Populus Romanus.

O tema da conversão ao cristianismo é abordado em dois artigos. Sérgio Feldman (UFES) analisa o papel do clero na cristianização dos judeus no reino visigótico, através do posicionamento do bispo Isidoro de Sevilha. Segundo o autor a proximidade do hispalense com o rei Sisebuto auxiliou o processo de conversão forçada daqueles. No entanto, para Feldman o bispo apresenta no seu pensamento uma posição contraditória, apesar de ser favorável à conversão.

Já Leila Rodrigues da Silva (PEM-UFRJ) e Nathalia Agostinho Xavier apresentam o pensamento de Martinho de Braga, buscando discutir os interesses eclesiásticos contidos no sermão De Correctione Rusticorum, cujo objetivo seria ao criticar as práticas pagãs (como o politeísmo, as adivinhações, entre outras) voltar-se para a instrução dos camponeses, fazendo com que desistissem de seus “erros” e adotassem o cristianismo. Porém, as articulistas concluem que ao elaborar o sermão, Martinho buscava na verdade realizar estratégias que garantissem não somente a cristianização dos suevos, mas também a passividade dos fieis para sua submissão aos clérigos no contexto da Galiza do século VI.

Dentre os temas ligados à Floresta de Broceliande, Ramón Sainero, grande especialista espanhol dos estudos celtas, docente da UNED e membro do CIEC apresenta o papel do triângulo amoroso em obras arturianas. O autor inicialmente discute a preservação de relatos míticos celtas no medievo através da ação dos monges irlandeses, os quais colocaram as narrativas por escrito, tanto em gaélico quanto em latim. O tema central do texto é o triângulo amoroso em relatos da Matéria da Bretanha utilizando várias fontes, envolvendo Artur-Guinevere e um terceiro personagem, como Mordred, nos primeiros relatos arturianos (ex: na Historia Regum Britanniae) e depois a figura de Lancelot do Lago que se enamora da rainha Guinevere. Outro famoso triângulo analisado tem por centro as relações entre Tristão, Isolda e o rei Marcus, inspiradas numa narrativa de origem celta mais antiga, sobre os amores de Deirdre e Naoise. Sainero trata de outros triângulos amorosos, como o que envolve Gawain, o Cavaleiro Verde e a esposa deste último. O artigo é interesante na temática e por apontar diversas fontes utilizadas, desde as da Matéria da Bretanha, produzidas nos séculos XII-XIV até narrativas celtas mais antigas, inspiradas no ciclo do Ulster, no Mabionogion, entre outros relatos, que por sua vez, poderiam ter pontos de contato, segundo o autor, com narrativas indo-europeias da Anatólia e do Mar Negro.

Rita de Cássia Mendes Pereira (UESB) e Kamilla Matias, também trabalhando com a temática da Floresta de Broceliande, analisam o papel de Merlin nas narrativas míticas arturianas, oferecendo-nos, com notável erudição, uma oportunidade de dissecar a formação e as transformações pelas quais transita um dos mitemas arturianos, a um só tempo, mais arcanos e funcionalmente mais relevantes, em termos da sintaxe e evolução episódica das narrativas arturianas, o Mago Merlin. Este erudito artigo apresenta não apenas a hibridação de narremas anteriores responsáveis pela construção mítica de Merlin, tais como o Merlin Caledônio e o Merlin Ambrosius, ambos da lavra do cronista inglês Geoffrey of Monmouth, mas suscita uma discussão teórica adicional. Ao caracterizarem o aludido compilador como principal cronista da monarquia britânica, as autoras nos convidam a repensar a questão das memórias oficiais, das narrativas identitárias e das mitologias de origem que as casas reinantes e nobiliárquicas da Idade Média nunca deixaram de engendrar. Neste lastro, está presente uma reflexão sobre a faculdade mitopoética de Merlin e das historiografias canônicas a serviço das monarquias feudais.

Ainda sobre o espaço das Ilhas Britânicas, Ricardo Boone Wotckoski (Claretiano – Centro Universitário de Batatais) apresenta a tradução da Visão de Thurkill, narrativa do início do século XIII que trata de uma viagem ao Além-túmulo realizada em Essex, no bispado de Londres, cujo protagonista é um camponês. Thurkill é conduzido por São Juliano por dois dias para conhecer os lugares do Purgatório, Inferno e Paraíso e depois retorna ao seu corpo. O relato faz parte de uma ampla produção de viagens imaginárias produzidas nos séculos XII-XIII, de autoria anônima e compostas por eclesiásticos, inicialmente em latim e depois traduzidas para o vernáculo, tendo por base o relato de um leigo, com o objetivo da conversão dos fieis. Um elemento interessante que mostra a ligação entre este mundo e o Além é que Turkill é punido durante a viagem imaginária com fumaça, devido ao fato de não ter pago corretamente o dízimo e neste momento o seu corpo tosse no mundo terreno.

A narrativa proporciona a compreensão de elementos do imaginário medieval sobre a vida depois da morte, e tem uma importância fundamental por ter como seu personagem central um membro do campesinato na Inglaterra. Isso mostra que todos poderiam ter pecados a purgar depois da morte, tanto os ricos, como os pobres, motivo pelo qual quando volta do Além, Thurkill se torna um excelente cristão.

Na parte referente às resenhas, Gabriela Cavalheiro apresenta, ao mesmo tempo uma leitura atenta, um comentário crítico e, de certa maneira, um pequeno ensaio próprio em que demonstra o processo centro-medieval de superação da diglossia medieval. Resenhando a obra recente das teóricas inglesas da Literatura Kimberly Bell e Julie Couch, a bela leitura de Cavalheiro permite entrever os processos de transformação social que se deram durante os séculos XI a XIII (Idade Média Central). Dentre eles, a constituição, por legado episcopal de William Laud à Bodleian Library da Universidade de Oxford, de um manuscrito complexo, composto por narrativas diversas, salientando-se a mais antiga versão do The South English Legendary, uma referenciada coletânea de hagiografias de santos insulares e continentais, e duas das primeiras versões dos romances King Horn e Havelok the Dane, os mais antigos romances em inglês médio, além de outras obras religiosas e laicas. Ainda mais relevante, ocorre a pontuação de uma tensão latente entre dois vernáculos, o Middle English, vetor das expressões orais na Inglaterra entre os séculos XII e XV, e o Anglo-Normando, vernáculo cortesão ao tempo do reinado de Henrique III (1216-1272). De forma patente, portanto, vê-se a disputa entre vernáculos para aceder à condição de língua escrita – língua apta para a tessitura de memórias canônicas da sociedade inglesa centromedieval. De modo mais latente, pode-se entrever o declínio do latim, mesmo entre preeminentes membros do clero como Laud, e a consoante ascensão de outros atores sociais e linguísticos disputando hegemonia sobre os registros da memória escrita.

Nazareth Accioli Lobato preparou para os leitores desta edição de Brathair uma apresentação crítica do livro Da Ilha dos Bem-Aventurados à Busca pelo Santo Graal. Como adequadamente resenhou Lobato, este trabalho consiste em uma coletânea plural e denotativa de um percurso intelectual, uma carreira dedicada ao maravilhoso medieval. A resenha introduz aos leitores alguns tópicos do trabalho de Adriana Zierer, tais como a Ilha Paradisíaca e sua vinculação ao mitema celta de Avalon, a Ilha das Maçãs, a concepção espiral do tempo do mundo, bem como sua inserção tensa na História da Salvação cristã, por exemplo, no Conto de Amaro. O texto de Lobato cumpre à excelência sua função de convidar e instigar nossos colegas medievalistas e todos os amantes da Idade Média à leitura da obra. Ao final, o leitor terá aprendido muito, sem dúvida, além de sentir mais denso seu fascínio pelos tempos medievais.

É nesta perspectiva que apresentamos a nossos leitores, sejam os contumazes amantes do Medievo, sejam os diletantes motivados pelo encanto das narrativas maravilhosas, ou ainda colegas historiadores que desejem analisar os conflitos e processos sociais subjacentes à gesta do Ocidente, uma ampla gama de escritos, cuidadosamente selecionados para cada um desses leitores.

Adriana Zierer – UEMA. École des Hautes Études en Sciences Sociales, 2013-2014. E-mail: [email protected]

Marcus Baccega – UFMA. Pós-Doutorado Université Paris I, 2013. E-mail: [email protected]


ZIERER, Adriana; BACCEGA, Marcus. Editorial. Brathair, São Luís, v.13, n.2, 2013. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

 

Imagem e reflexo – religiosidade e monarquia no reino visigodo de Toledo (Séculos VI-VIII) | Ruy de Oliveira Andra de Filho

A Península Ibérica sempre ocupou dentro do mundo romano um espaço importante no tocante não apenas a sua localização, mas também como um dos mais ricos celeiros do Imperium. Com o fim político do Império Romano do Ocidente, a região, que, no passado, abrigou povos de etnias várias como lusitanos, iberos, celtas e celtiberos, vivenciaria até o século VIII a ocupação de seu território por dois povos de origem germânica, os quais para lá estenderam seus domínios após sua migração, a saber, suevos e visigodos. Estes últimos assentaram-se preferentemente na Hispânia romana, em um contexto sócio-histórico e religioso bastante peculiares. Exatamente sobre estas singularidades do mundo germânico em um território antes celta e romano debruça-se Ruy de Oliveira Andrade Filho.

Cada vez mais estudos historiográficos sobre a Alta Idade Média (ou Primeira Idade Média) [como queiram] realizados por pesquisadores brasileiros concentram-se sobre a movência, assentamento e contribuições de toda a ordem legados, apropriados, fundidos e refundidos pelo estrato populacional germânico no ocidente europeu. Vinícius Dreger, Mário Jorge Bastos, Leila Rodrigues da Silva, Renan Friguetto, apenas para citar alguns nomes, compõem esse espectro de investigadores. Caso nos ocupemos em especial com a Espanha medieval, o nome do professor da Universidade do Estado de São Paulo, citado no primeiro parágrafo, deve assomar como um dos principais e Imagem e reflexo – religiosidade e monarquia no reino visigodo de Toledo (Séculos VIVIII) preenche uma lacuna cronológica e historiográfica nesses estudos.

O medievista sintetiza em cinco capítulos e 253 páginas os acontecimentos sobre a relação Monarquia-Igreja presentes no desenvolvimento do reino visigodo de Toledo ao longo de três séculos e para alcançar este objetivo, divide seu trabalho em cinco capítulos teórico-práticos, nos quais expõe não apenas seu instrumental de trabalho e análise das fontes investigadas, como também seu vasto arcabouço teórico que subjaz as suas práticas de pesquisa.

No primeiro capítulo, “Uma Hispânia convertida?”, evidencia-se um levantamento crítico com opiniões de diversos renomados estudiosos acerca da extensão, penetração e aceitação do cristianismo na região, preferentemente entre os séculos IV e VIII. Ao lado da superstitio e das gentes que professavam o judaísmo e defendiam as heresias, assiste-se também a presença dos innumeri christiani (p. 40). O historiador aponta, com sólida erudição, as questões que perpassavam os citadinos de então, bem como a massa de camponeses, com suas visões e práticas muitas vezes diferenciadas da própria experiência cristã, em que escolhas (heresias) não ligadas à ortodoxia, como o caso do priscilianismo, também encontraram espaço de circulação dentro do território majoritariamente hispânico. Esse estado de coisas, assevera Ruy, serviu também como circunstâncias, nas quais as estruturas de Sippe visigodas foram lentamente sofrendo modificações em favor de uma monarquia consolidada. Para isso, a influência da Igreja e sua habilidade em amalgamar na imagem de unus Dei populus, unumque regnum, expressa no Terceiro Concílio de Toledo, foram fundamentais. O paulatino mas inexorável avanço do cristianismo sobre as práticas pagãs dos rustici fora aberto.

“Cultura e Religião no Reino de Toledo” é o título do segundo capítulo, no qual o binômio “cultura/religião” é abordado no reino de Toledo, porém até chegar no medievo, o autor elabora um percurso histórico dessa relação, iniciando sua viagem na Tardoantiguidade, mais precisamente, no século III, com a sacralização do poder imperial, reafirmado e remoldado a partir da implantação do cristianismo como religião oficial do império um século depois. Contudo, ainda sentia-se na Hispânia uma forte presença de traços pagãos dentre os senadores e os camponeses, o que, a posteriori, com o fortalecimento da monarquia dos visigodos e em especial após a conversão do rei Recaredo, ainda tenderia a se manifestar. Um fator que contribui sobremaneira para a difusão da religião “oficial” foi, sem dúvida, uma rede de “escolas episcopais, paroquiais e monásticas, cuja finalidade principal era … a formação de clérigos” (p. 80). Igreja e Monarquia apoiam-se mutuamente em Toledo, porém no tocante à saúde, física e d´alma, sente-se uma simbiose de práticas e costumes populares com a utilização de elementos cristãos, configurando uma união perene entre corpo/alma e lhe dando juízo de fé pública. Interessante notar que o historiador ressalta dois aspectos importantes nesse processo: o primeiro prende-se à conversão dos monarcas e de seu séquito mais próximo; já o segundo, a cristianização, ainda necessitava de uma implementação maior, pois o maravilhoso, o insólito, o estranho que fugiam à compreensão dos eclesiásticos ainda rodeavam e povoavam estratos significativos da população visigótica da Hispânia e de Toledo.

Nada mais justo, portanto, que o próximo capítulo “Religiosidade ou Religiosidades?” também apresentasse uma indagação como tema central. A questão do encontro entre modos de vivenciar o sagrado expresso pela dicotomia paganismo X cristianismo no território hispânico é debatida e o historiador aponta desde o início para o fato de que obras como os Capitula Martini ou o De correctione rusticorum, de Martinho de Braga, “não parecem estar dotadas de uma intenção apenas preventiva ou lutando contra lembranças residuais ou obscuras, ´meras impurezas´” (p. 103). Tais textos demonstrariam a coexistência de duas formas de religiosidade, uma oficial e outra ´popular`.

Para Ruy Andrade, o termo `religiosidade popular` situa-se na esfera de um embate que oporia o cristianismo, uma religião da cultura escrita, a um conjunto de crenças e práticas, que sobressaiu exatamente a partir da expansão dominadora do credo cristão, pois o estudioso defende para o período “a religiosidade como elemento catalisador dos descontentamentos, e não seu agente elaborador.” (p. 109) Portanto, vislumbrar-se-ia uma antinomia campo X cidade, em que o meio rural manteria tradições e expressões de religiosidade dissonantes daquelas das cidades, ligadas ao círculo real e de certa forma aliadas ao poder eclesiástico. Esta “cisão de fé”, se é que assim podemos denominar tal fenômeno no reino visigodo de Toledo, colocava em lados opostos a magia pagã e o milagre cristã, embora, afirma o historiador, questionando-se ao fim do capítulo, se é realmente possível falarmos de ´religiosidade popular´, na medida em que este termo parece englobar mais que simplesmente uma escolha ou prática não referendada pela Mater Ecclesia, revelando-se como um outro viés da religião do Cristo.

No próximo capítulo, “A Utopia Monárquica Visigoda”, discute-se a partir da conversão ao cristianismo dos visigodos do reino de Toledo ocorrida no ano 589 o projeto de referendo da organização monárquica do reino em consonância com a esfera religiosa, já que “A unidade política assentava-se, pois, na unidade religiosa.” (p. 132) A coesão política do reino atrelava-se agora ao apoio eclesiástico, que ensejava e ansiava por uma “utopia monárquica”, em que bispos e nobres visigóticos possuiriam papel de destaque nos assuntos régios em Toledo.

Para a realização em terra de um ideal cristocêntrico até o fim do reino visigótico de Toledo em 711, a Igreja lança mão da metáfora do corpus Christi para direcionar os papéis sociais de todos, reis e súditos, no céu e na terra com a intermediação dos clérigos, representantes do Criador entre os homens. Para o historiador, uma aliança é estabelecida, tanto em nível civil quanto em teológico, entre realeza e igreja, a ponto de, cita o pesquisador brasileiro, se chegar em certos momentos “à promulgação pelos reis da lex in confirmatione concilii” (p.142). A lei e a Lei fundem-se, e a consagração em Toledo do rei Wamba, em 672, é marco na história ocidental.

A sacralização da monarquia, as etapas, as funcionalidades e as características deste momento histórico descritas no capítulo IV somam-se agora no capítulo V, Religiosidade e Monarquia no Reino de Toledo os resultados visíveis e depreensíveis de tal processo. Partindo de Paulo e Isidoro de Sevilha ter-se-ia a divisão do homem em sua integralidade em três instâncias: “espírito/pneuma, que corresponderia à parte que estava reservada para a imortalidade; alma/psykhe, que animaria o corpo; e corpo/soma, [este último par apenas para Paulo] a parte degradável que desapareceria.” (p. 166) O historiador analisa com argúcia a inserção do homem – visigodo – dentro do plano cosmológico cristão, em que a teia cultural do cristianismo e suas expressões de religiosidade servem de base e de argamassa para ordenar o mundo, já que, como bem explica Ruy Andrade, “´Cosmo´, significando ordem, estrutura, mundo, universo, também é uma palavra entendida como ´caos´…” (p. 171), o que logicamente pressuporia a existência prévia de uma falta de coesão. As uerba Dei mostram, num mundo ordenado, as belezas da Criação e caberia ao homem ser o espelho deste ordenamento e deste encanto. A natureza deve se sujeitar ao melhor specimen forjado por Deus, a cidade é eleita o seu melhor abrigo, embora sobre a terra ainda pairasse o a possibilidade da sedição do Mal.

Tal perigo, que lembraria ao ser humano a presença do demônio, pode ser polarizado pelos binômios catolicismo/arianismo devido à associação ao Mal de reis visigodos que professavam a doutrina de Ário. Todavia, o rei cristão verdadeiro traria a salvação e a saúde ao seu povo, sendo ambos os termos derivados etimologicamente de salus. Enfim, o Homem e o Reino do plano divino ver-se-iam então personificados e revividos na figura do monarca e seu reino terrestre. Nesse momento entende-se o porquê do título Imagem e Reflexo, como bem sumariza o historiador: “É uma condição básica: a moldura do espelho não lhe distorce a imagem, confere-lhe uma forma.” (p. 192)

Em suma, lançando questões, propondo interpretações aos moldes de uma História Argumentativa, amparado em sólida bibliografia e em uma linguagem acessível a estudiosos e leigos, Ruy de Oliveira Andrade filho leva-nos ao reino visigodo de Toledo, em uma viagem que se encerra no “eterno retorno” do mundo germânico medieval à plasmação da Europa que em grande parte ora conhecemos e que cada vez mais é objeto de investigação de historiadores brasileiros.

Álvaro Alfredo Bragança Júnior – Departamento de línguas Anglo-Germânicas. E-mail: [email protected]


FILHO, Ruy de Oliveira Andrade. Imagem e reflexo – religiosidade e monarquia no reino visigodo de Toledo (Séculos VI-VIII). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012. Resenha de: BRAGANÇA JÚNIOR, Álvaro Alfredo. Germanos na Espanha medieval – entre Reis e Deus (es). Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.13, n.1, p. 114-119, 2013. Acessar publicação original [DR]

Kalevala. O poema épico finlandês | Elias Lönnrot

A obra e o autor

O Kalevala é a representação poética mais destacada da cultura tradicional dos povos fin – os finlandeses. Tal como outros poemas clássicos “nacionais”, ou étnicos ele é o resultado da composição, em uma obra só, de relatos poéticos variados e dispersos. Mas, ao contrário da maioria desses poemas, cuja composição remonta a épocas arcaicas, a redação do Kalevala é recente, e seu autor é bem conhecido: o médico e etnólogo Elias Lönnrot (1802-1884). Formado em medicina pela Universidade de Turku trabalhou como secretário de saúde em Kainuu, e aproveitou sua profissão, que o levava a percorrer o meio rural, para coletar poesias regionais tradicionais. Com elas compilou diversas obras, entre as quais Kantele (1831) – o título é uma referência ao instrumento de cordas tradicional – a primeira versão do Kalevala (Antigo: 1835), Kanteletar (1840) e Kalevala (o Novo: de 1849, sendo esta a versão aqui traduzida). Lönnroth selecionou narrativas míticas e lendárias, simplificou os relatos, procurou dar-lhes unidade de conjunto, se necessário inventando um ou outro trecho ou traço poético a fim de organizar o poema final; este processo foi semelhante ao que quase na mesma data (1848) Richard Wagner usaria para dar início à composição do Anel do Nibelungo a partir das mitologias nórdicas. A estrutura do poema em sua versão atual é composta de cinquenta cantos, ou capítulos, de dimensões variáveis, num total de 22.795 versos. O conjunto não forma uma narrativa única, mas uma sucessão de relatos cuja unidade é realizada não só pelo estilo e referências contextuais, mas por um grupo de personagens que vão se sucedendo e entrosando ao longo do poema. A ação, ou ações, passa-se em diversos territórios, que em tempos préhistóricos eram ocupados por povos distintos, mas no poema abrangem praticamente todo o território (e apenas ele) atualmente constituído pelo país Finlândia, e unificado também pelo idioma finlandês contemporâneo, o que fez do Kalevala um símbolo e um “tônico” espiritual na luta dos finlandeses (final do século XIX e início do XX) pela sua independência contra as nações vizinhas e particularmente contra a Rússia (1917).

Estrutura do poema

As narrativas passam-se num contexto de “antes do tempo”, quando os seres humanos conviviam com os animais, e neste sentido elas são mitológicas; todos os seres possuíam poderes superiores aos comuns da humanidade e natureza atual. Mas o Kalevala não é uma narrativa mítica no sentido de Jung e Eliade – em que o fato acontecido no “mundo dos deuses” é o protótipo e arquétipo do que acontece no mundo dos humanos – a não ser, como dissemos, como possível arquétipo da cultura e modo de pensar dos finlandeses. Considerando o Kalevala sob o aspecto das narrativas temáticas temos três grupos principais, constituídos pelas narrativas referentes a cada um dos heróis dominantes – Väinämöinen e Lemminkäinen – e o “coadjuvante” que é Ilmarinen, interrompidas, porém, por dois episódios: o referente à noiva de Ilmarinen, com as recomendações à mulher que vai casar (XX – XXV) e o referente a Kulervo, escravo de Ilmarinen (XXXI – XXXVI) que se compõe de uma sucessão de vinganças e tragédias. Outro tema é um objeto especial, que percorre e unifica todo o poema: o Sampo – algo que é indefinido, talvez indefinível, do qual depende, ao menos em parte, a ordem do mundo e a felicidade das pessoas, algo que se pode perder, ou quebrar, mas que pode ser reconstituído, mas que não se sabe, ou não se diz, o que é. Mas o tema da busca do misterioso Sampo começa no canto VII (310) e só termina com a sua destruição nos últimos cantos (XLVIII a L).

Os personagens

Os heróis do Kalevala, tal como os deuses e heróis da mitologia grega e nórdica, não são modelos das virtudes tradicionais, clássicas ou cristãs, mas são modelos de astúcia, como Ulisses, e de uso de poderes mágicos. São heróis “nacionais”, mas não são modelos morais nem arquétipos míticos. São fantasias da vida popular rural, talvez representem aspirações, talvez indiquem traços da mentalidade, ou do subconsciente coletivo. Todos os heróis têm que realizar tarefas difíceis para conseguir a mão das donzelas pretendidas: capturar um alce, derrubar um urso, construir um barco… Os dois personagens mais constantes e significativos – Väinämöinen e Lemminkäinen- são um velho feiticeiro (o primeiro), e um jovem estouvado (o outro). Väinämöinen aparece já no canto I, quando Ukko, o Criador, dá origem ao mundo, e, depois do surgimento do Sol, da Lua e das estrelas, a mãe-d’água Ilmatar dá à luz o herói. As circunstâncias deste nascimento, e o fato de estar colocado no início do poema mostram que Lönnroth destacou Väinämöinen como personagem principal de toda a narrativa; essa importância vem ainda dos poderes do herói semideus, que completa a criação do mundo como um demiurgo prometéico. Ao longo dos 50 cantos ele é citado e atuante em pelo menos trinta; além de demiurgo ele combate adversários, conquista mulheres, realiza prodígios, canta músicas encantadoras, e cura doenças. Lemminkäinen é o resultado da sobreposição de diversos personagens das poesias populares, e por isso aparece ao longo do poema com diversos nomes; mas sempre como o jovem estouvado; é citado na criação do mundo, mas só começa a ser atuante nos cantos XI – XV; vai ao casamento de Ilmarinen sem ser convidado; mata o amo de Pohja, e foge: perseguido, esconde-se numa ilha, conquista todas as mulheres, foge de novo, volta para casa, e vai fazer a guerra contra Pohja (XXVI – XXX); sua atividade “preferida” é conquistar donzelas, que persegue ao longo do poema, acabando por ter uma merecida fama de “garanhão” (Canto XXIX 243-246). Por isso e por ser arrogante e dado a brigas e bravatas, sofre perseguições, é morto, mas ressuscitado por sua mãe. Ilmarinen, o terceiro herói, é o ferreiro com poderes extraordinários, consegue forjar até um novo Sol; ele aparece em diversas passagens, mas só começa a ter papel destacado quando disputa com Väinämöinen, a mesma donzela de Pohja (ou Pohjola), e realiza proezas como lavrar um campo de víboras e capturar um urso (XIX). Finalmente Ilmarinen descobre que em Pohjola se vive bem porque têm o Sampo, e o conta a Väinämöinen (XXXVIII); é então que os três heróis principais se encontram (XXXIX) para juntos irem à procura do Sampo; enfrentam perigos de peixes gigantes, mas, morto o peixe (XL), Väinämöinen fabrica com as espinhas um kantele e com ele toca uma música que encanta o mundo inteiro (XLI) e adormece o povo de Pohja, a quem os heróis roubam o Sampo (XLII). Perseguidos pela dama de Pohjola, o Sampo se quebra e cai ao mar. Com sua música, poderes e unções Väinämöinen traz felicidade ao mundo, e Kalevala vence Pohjola. Numa sucessão de breves episódios finais (quase como adendos) Väinämöinen vence o urso (um ritual arcaico siberiano) e com Ilmarinen vai à procura do Sol, da Lua e do fogo, roubados pela dama de Pohja, conseguindo recuperálos. No final um velho batiza um menino como rei da Carélia; Väinämöinen retira-se deixando para o povo o seu kantele, seus cânticos, e a esperança de reaver o Sampo. Dos personagens haveria que destacar muitos outros elementos masculinos, mas há que referir sobretudo a presença de mulheres, algumas delas com ação importante, sobretudo a dama de Pohjola; dizer que a figura da mulher aparece sempre num papel secundário e submisso ao homem seria bastante óbvio, mas isso nem sempre é assim, e haveria que analisar o poema de maneira mais atenta para perceber que as ideias referentes à mulher não são sempre machistas. Entre os personagens não humanos há os animais, que na maioria dos casos são agentes passivos, e os sobrenaturais, como fadas, e semideuses, que não têm ação preponderante; apenas o criador, Ukko, é chamado algumas vezes para intervir, sabendo-se que tem poder decisivo, que pode modificar a sequencia dos acontecimentos.

Poema étnico

O lugar de origem das narrativas poéticas que compõem o Kalevala, onde Lönnroth os recolheu, é a Carélia, região que se divide entre o Sudeste da atual Finlândia, e a correspondente região fronteiriça da Rússia. Mas ao longo dos diversos cantos faz-se referência não só às outras regiões do atual país, inclusive até à Lapônia, no extremo norte, como a povos vizinhos, particularmente alemães, russos e estonianos. Na pré e proto-história o território da atual Finlândia era habitado por diversos povos, que foram sendo unificados, embora ainda subsistam evidências da diversidade: o país que conhecemos como Terra dos Fin, ou Finlândia, designa-se a si mesmo como Suomi, nome de outro povo. Mas desde antes da Idade Média as influências nórdicas, ou vikings, na maioria suecas e dinamarquesas, estão bem atestadas, por exemplo, pela fundação, no século XII, de Talin (capital da Estônia) com o nome de Tanikka (canto XXV 613) abreviatura provável de Tanimerki (Dinamarca, nota 219). Foi nesse período da Baixa Idade Média que se reforçou e consolidou a influência do cristianismo nos povos da Carélia e seus vizinhos do Báltico. Os especialistas consideram que de fato a mitologia e em geral a cultura da Escandinávia germânica, e a doutrina cristã, deixaram traços no Kalevala, mas só uma análise comparativa atenta pode destacar aquilo que para o leitor comum é sutil e passa despercebido.

A tradução

A linguagem original dos textos que compõem o Kalevala seria certamente o finlandês arcaico, ou mesmo outro idioma dos muitos povos que habitavam a região do Báltico; mas Lönnroth os recolheu em finlandês do século XIX, e deu-lhe ainda algumas características peculiares para reforçar o estilo poético-lendário, como a inclusão de muitas expressões onomatopaicas. A primeira tradução para o inglês é a de John Martin Crawford em 1888: ela acompanha rigorosamente o ritmo original do poema, que já está traduzido em mais de sessenta idiomas. No caso da tradução para português a principal dificuldade a resolver é o fato de o idioma finlandês ser uma língua do grupo uralo-altaico (correspondendo a alguns povos da Sibéria e do Altai, na Ásia Central), aparentada com o húngaro (magiar) e o estoniano, mas muito distinto, em estrutura gramatical, e vocabulário, dos idiomas indo-europeus; os vocábulos finlandeses possuem até dezesseis declinações, e as frases podem ser construídas sem verbo; além disso, a terminologia refere-se constantemente, e de modo particularmente expressivo na sua singularidade musical, a um contexto ambiental (natureza) diferente do português. As tradutoras procuraram resolver esses problemas mantendo o formato poético, a estrutura rítmica, e sempre que possível a rima dos versos; além disso realizaram um trabalho se não exaustivo pelo menos muito completo de apresentação de informações e complementos por meio de notas. O convite a um desenhista – Rogério Ribeiro – bom conhecedor da cultura finlandesa, permitiu, através de ilustrações, ampliar o aspecto figurativo da linguagem, infelizmente, porém, o ilustrador faleceu antes de concluir sua obra, que, em alguns casos, ficou apenas nos esboços.

Os povos eslavos, e, em parte, os bálticos, são aparentados com os celtas e germanos, e suas culturas e, particularmente, as literaturas, têm muito em comum; mas os europeus fino-úgrios, como uralo-altaicos que são, têm afinidades mais afastadas. Porém a história e a vizinhança criaram tantas interferências e intercâmbios que não podemos considerar o Kalevala uma literatura distante: ele nos é próximo, e, se nas semelhanças, podemos com ele recuar a traços comuns meso e neolíticos, nas diferenças podemos destacar os componentes do mosaico cultural que compõe a humanidade.

João Lupi – Departamento de Filosofia – UFSC. E-mail: [email protected]

LÖNNROT, Elias. Kalevala. O poema épico finlandês. Introdução de Seppo Knuuttila. Tradução de Merja de Mattos-Parreira e Ana Isabel Soares. Desenhos de Rogério Ribeiro. Alfragide (Lisboa): Dom Quixote, 2013. Resenha de: LUPI, João. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.13, n.1, p. 120-124, 2013. Acessar publicação original [DR]

Replanteando el desarrollo: Modernidad indígena e imaginación moral – GOW (A-RAA)

GOW, David D. Replanteando el desarrollo: Modernidad indígena e imaginación moral. Bogotá: editorial Universidad del Rosario, 2010. Resenha de: TOCANCIPÁ-FALLA, Jairo. Antípoda – Revista de Antropolgía y Arqueología, Bogotá, n.16, jan./jun., 2013.

Hasta hace un poco más de dos décadasla idea de desarrollo seguía siendo un principio de cambio generalmente aceptado en ámbitos tanto académicos como no académicos. Sin embargo, en las últimas décadas las revisiones críticas que adelantaron variados estudiosos sobre el tema (Escobar, 1984, 1988, 1992a, 1992b, 1995, 1997; Ferguson, 1994; Ferguson et al., 1990; Frederique y Marglin, 1990; Sachs, 1992) marcaron un nuevo hito que resquebrajó los cimientos de este discurso y práctica dominante, proponiendo nuevas formas alternas a dicho ideario. El espíritu del momento es representado en la expresión de Sachs: “La idea del desarrollo permanece hoy como una ruina en el paisaje intelectual. Su sombra opaca nuestra visión” (Sachs, 1992: 1, mi traducción). Pero el pesimismo de la época ha trascendido en años recientes a una visión más esperanza-dora y transformadora respecto a la idea obsoleta y dominante inicial.

El trabajo del profesor Gow parece corresponder a esta última tendencia, aunque sin abandonar en buena medida el espíritu crítico que se dio en aquel momento inicial de escepticismo. Ciertamente, el autor ahonda en lo que Escobar denominó “la crisis del modelo del desarrollo’, pero desde una perspectiva específica centrada en la “evaluación crítica de las prácticas locales del desarrollo” en los nasa, una de las poblaciones indígenas más destacadas en el departamento del Cauca y el país, no sólo por su número sino por lo significativo de su lucha histórica que vienen librando contra el Estado colombiano y frente a otros actores como los terratenientes, la guerrilla y los paramilitares.

Más específicamente, su análisis se enfoca en procesos de reasentamiento que involucran a tres comunidades que se vieron afectadas por un sismo-avalancha que devastó parte del nororiente del Cauca en 1994 y que implicó su reubicación en diferentes pisos térmicos, unos afines con sus lugares de procedencia y otros no tan afines. Cada uno de ellos siguió un patrón de reubicación que siguió la orientación que mantenían en Tierra-dentro, lugar de origen, en el nororiente del Cauca, y que se proyectó en otros lugares en el Cauca y en el departamento vecino del Huila: el caso de Tóez Tierradentro se reubicó más hacia el norte del departamento del Cauca, en un nuevo lugar que llamaron Tóez Caloto (municipio de Caloto); el que le seguía a Tóez, un poco más hacia el sur, en Tierradentro (caso de San José), se reubicó hacia el centro del departamento con el nombre de Cxayu’ce (municipio de Cajibío), y finalmente, el que se encontraba más al sur de Tóez Tierradentro (caso de Vitoncó, cuna del líder mítico Juan Tama), se reubicó hacia el suroriente del Cauca, más precisamente, en el occidente del departamento vecino de Huila, con el nombre de Juan Tama.

El proceso de reasentamiento se documenta y discute a la luz de los procesos educativos y de adaptación que se dieron en las tres comunidades; el desempeño de la Corporación Nasa Kiwe (CNK), agencia del Estado que contribuyó al proceso de reasentamiento de las poblaciones afectadas; el papel de líderes carismáticos nasas como Álvaro Ulcué y la lucha continuada que libraron líderes como Manuel Quintín Lame, los quintines -grupo armado indígena de comienzos de los ochenta del siglo pasado y que retomó las banderas de Lame desde una perspectiva de la defensa armada de su territorio-, y el consecuente proceso de reinserción y participación en la Asamblea Nacional Constituyente; la creación de “La María” (municipio de Piendamó, centro del departamento del Cauca) como espacio social y político que sirve de “foro para la difusión de las ideas en todo el departamento” (p. 256), y el plan alterno del primer gobernador indígena (guambiano) en la historia de Colombia, Floro Tunubalá.

Dado que el proceso de reasentamiento implicó una serie de oportunidades sociales y económicas para los nasa, Gow se ocupa de informar sobre cómo las tres comunidades asumen y recrean dichas oportunidades a la luz de su historia, sus intereses y expectativas. Para ello, la idea del desarrollo y su técnica -la planificación- aparecen como herramientas que son moldeadas por ellos mismos para dar cauce así a su horizonte de cambio, pero también de reafirmación de sus derechos, de su propia condición de indígenas, pero además, en palabras del autor, de “ciudadanos culturalmente diferenciados”. La idea de un “replanteamiento del desarrollo” -como una forma de “contradesarrollo”- que revela ciertas modernidades indígenas e imaginación moral -paradójicamente, derivada de la Ilustración pero asumida en los propios términos de los nasa- se estructura en el libro en seis capítulos, sin contar la introducción y las conclusiones.

En la introducción, Gow presenta el argumento de fondo centrándose en cómo se ha discutido el desarrollo y cómo, para algunos autores -y contrario a lo planteado por Escobar y Ferguson-, la idea sigue viva “lo queramos o no”. Al respecto, examina el vínculo entre desarrollo y modernidad en plural, su alternatividad, su moralidad y la importancia de estudiar su discurso, aspectos que se relacionan con el nivel de compromiso que debe asumir el investigador con sus interlocutores. Enseguida presenta alguna información básica introductoria sobre el Cauca indígena y los casos de reasentamiento que examinará a lo largo del texto. Ello configura la discusión dialéctica que existe entre desarrollo, cultura y tradición, y el problema del cambio de fondo que muchas comunidades rurales enfrentan en el mundo contemporáneo. Basado en el trabajo de Escobar (1995), discute la relación entre desarrollo, tres formas discursivas y resistencia. La primera forma es el “imaginario democrático”, el cual se centra en categorías como “justicia económica y social, derechos humanos y la igualdad de clase, género y etnia” (p. 32); la segunda alude al “discurso de la diferencia”, que, como su denominación lo sugiere, se enfoca en valores como la particularidad cultural, la autodeterminación y la autonomía; y finalmente, se encuentra el discurso del “antidesarrollo”, que plantea esquemas alternativos al convencionalmente establecido. Si bien los casos tratados por el autor se relacionan con la interrelación de las tres formas discursivas, él aclara que el último, en su criterio, está mal denominado, pues “las alternativas propuestas no pretenden transformaciones radicales irreales” (p. 32). Llama la atención en la introducción que el autor no discuta la literatura que plantea la relación existente entre movimientos sociales -entre ellos, el indígena-, modernidad y desarrollo. La discusión es pertinente, por cuanto “La María”, el Consejo Regional Indígena del Cauca (CRIC) y las organizaciones indígenas zonales como la Asociación de Cabildos Indígenas del Norte del Cauca (ACIN), entre otras organizaciones -incluidas otras no indígenas-, configuran en gran medida un movimiento social que va ganando un amplio reconocimiento tanto político como social, y donde sus reclamos y demandas se corresponden con aquello referido a modernidades y alternatividades al desarrollo convencional.

El capítulo 1, “Más que unas notas de campo comprometidas: colaboración, diálogo y diferencia”, documenta el proceso y la experiencia metodológica que el profesor Gow sostuvo con las autoridades indígenas1 y varios investigadores indígenas en la zona, no sin antes advertir los peligros y riesgos presentados durante el “trabajo de campo” en un área conflictiva del Cauca. El examen del trabajo de campo lo realiza en el marco de las discusiones que se han venido dando en la antropología estadounidense sobre la práctica etnográfica, para luego llegar al caso colombiano en la década de los setenta, con el trabajo de Vasco y el grupo de “La Rosca” y la metodología Investigación Acción Participante (IAP) liderada por el sociólogo Orlando Fals Borda. Infortunadamente, no menciona la discusión de la Antropología del Debate que se dio para la misma década, y que también ilustra sobre la discusión antropológica que se presentó sobre el método etnográfico, el problema de investigadores foráneos y la diversidad de la experiencia etnográfica articulada con otras formas participativas todavía por explorar y reportar (cfr. Arocha y Friedemann, 1984; Tocancipá-Falla, 2010). Al final, refiere a su experiencia en otro proyecto donde interactuó con otros investigadores nasa y donde emergieron discusiones vitales no sólo sobre el desarrollo sino también sobre otras dimensiones significativas de “La María” como un espacio de formación; la importancia de los derechos humanos, y en particular, el reconocimiento de las mujeres en la parte social y política.

El capítulo 2, “Desastre y diáspora: discursos de desarrollo y oportunidad”, entra en materia con respecto a la discusión de los trabajos antropológicos e históricos que examinan tragedias o desastres causados por la naturaleza, sus interpretaciones desde la dimensión social y cultural de los grupos humanos, el contexto etnográfico de los nasa donde ocurrió la avalancha en 1994, la historia de la Corporación Nasa Kiwe (CNK), que actuó como institución del Estado colombiano que se encargó de todo el proceso de rehabilitación y reasentamiento de las poblaciones afectadas, y el tipo de relaciones e interpretaciones que las comunidades del caso establecieron con la CNK, y las oportunidades y valoraciones que los grupos reasentados establecieron en el período posavalancha. La trayectoria de este capítulo parte de la discusión que se da entre los académicos, al analizar los fenómenos donde grupos sociales marginales se ven afectados, y las interpretaciones dadas por los médicos tradicionales nasa frente al fenómeno, y que se basan en el abandono de los valores sociales y culturales nasa, lo cual se evidencia en el pta’nz, considerado como “todo aquello que genera desarmonía y desequilibrio” (p. 84). En la sección de contexto etnográfico, como su designación lo indica, se presentan datos básicos de la zona, la historia de lucha de los nasa, los estereotipos que se han generado sobre ellos, y el contexto geográfico de los tres resguardos que hacen parte del estudio. Lamentablemente, el mapa y sus convenciones no ilustran claramente la ubicación de los resguardos, ni los nuevos sitios de reasentamiento, y el lector queda con la tarea de encontrar relaciones entre puntos de origen y nuevos espacios de reubicación. La sección siguiente versa sobre la creación y el papel de la CNK, la cual no fue aceptada por las comunidades indígenas que trata en el texto. En medio de la ambigüedad que presenta esta institución entre el éxito y el fracaso, Gow subraya que en sus primeros años la corporación contribuyó a “mejorar la situación” (p. 93). La última sección de este capítulo muestra en detalle cómo cada resguardo, después de la avalancha, mantuvo en sus nuevos lugares de reasentamiento una relación de extensión con los lugares de origen. Asimismo, trataron de aprovechar las oportunidades que se les presentaron para mejorar sus condiciones de vida, algo que contrastó con el estereotipo generalizado por la CNK de mantener la ecuación indígenas = tradición, conservación. A pesar de esta percepción, Gow sostiene que el discurso de la CNK no fue monolítico y que, amén de esta veneración por lo tradicional, también se aceptaron elementos y componentes del cambio social, cultural y económico vistos a través del llamado desarrollo alternativo y una nueva modernidad, influencias que fueron previstas a través de la presencia de diferentes actores que estaban ligados con este tipo de discurso.

El capítulo 3, “Planificación del desarrollo: ¿esclavos de la modernidad o agentes de cambio?”, constituye uno de los núcleos temáticos más significativos del libro, pues allí se revela el contexto legal y constitucional que posibilitó la idea de los planes de vida en los tres casos tratados. Las palabras claves analizadas son planes, planificación y participación. El Plan de Vida es entendido por el autor como una “estrategia a largo plazo para el desarrollo integral del resguardo, [allí se] aborda todos los aspectos de la cultura y la sociedad indígena y expone una visión de futuro al contestar implícitamente tres preguntas: ¿Quiénes somos?, ¿de dónde venimos? Y ¿hacia dónde vamos?” (p. 115).

Cada uno de estos casos es examinado en su proceso de concepción y formulación; algunos de ellos fueron apoyados por el autor en términos financieros (caso de San José y Cxayu’ce) y de acompañamiento o asesoría como “planificador” en la elaboración del Plan de Vida (caso de San José y Tóez Caloto). Un hecho importante es la colaboración que tuvieron los nasa en la elaboración de dichos planes, especialmente de profesionales y no profesionales (internos y externos) como profesores, promotores, técnicos, etc., y que le imprimieron hasta cierto grado su visión del cambio: “la iniciativa original vino del interior de las comunidades: del liderazgo político en Cxayu’ce y Tóez Caloto y de los profesores en Juan Tama” (p. 144). Pero más allá de quien tomó la iniciativa, existe un conjunto de condiciones y oportunidades que los nasa valoraron, y a través del cual activaron y fortalecieron su identidad, en unos casos (Juan Tama, por ejemplo), y en otros buscaron una franca articulación con procesos de cambio social, económico y político que su posición de reasentados les posibilitó. Una de las debilidades del trabajo en esta parte es la poca discusión que el autor establece en relación con la crítica al concepto de “planificación” (Escobar, 1992c), y que, en el caso de la “planificación indígena”, como la plantea Gow, sugiere aspectos interesantes pero ambiguos en relación con la idea de desarrollo local y la resistencia indígena.

El capítulo 4, “Conocimiento local, sueños diferentes: planeando para la próxima generación”, propone el problema de la educación y su papel en relación con el pasado, presente y futuro de los resguardos reasentados. Antes de entrar en cada caso, presenta una discusión sobre el papel de los actores (agency), el conocimiento local y su relación con la categoría del “contradesarrollo”, una categoría tomada de Arce y Long (2000) que contribuye a comprender el establecimiento de “múltiples modernidades”. En la sección siguiente se analiza el Programa de Educación Bilingüe (PEB) y su carácter afirmativo, en el caso de la escuela de Juan Tama, que, a pesar de los altibajos que ha tenido, ha logrado sostener el principio de interculturalidad, identidad y autonomía. Todos los profesores son nasa hablantes y el modelo aplicado es participativo (padres, maestros, niños, y la sociedad mayor), flexible y abierto, algo que no se corresponde con la planificación educativa convencional. En el caso del Centro Etnoeducacional de Tóez Caloto, el interés por la educación se dio en el proceso de reasentamiento, y no antes, como había acontecido con Juan Tama. Dicho interés se fundamentó en la idea de integrar el enfoque indigenista y las condiciones de cambio que se avizoraban, por su cercanía a centros urbanos como Cali. El interés por crear el colegio y edificar valores como “ser indígena, multicultural y colombiano” valida esta interpretación. El caso de Cxayu’ce, por su ubicación vecina a población campesina, ha logrado capitalizar muy bien la interculturalidad, tanto en términos educativos como en el aprovechamiento de las oportunidades del momento. Al comparar los tres casos y su relación entre educación y la economía, el profesor Gow favorece más las experiencias de Cxayu’ce y Juan Tama, ya que mientras la primera ha sido realista y ha retenido sus valores tradicionales, la segunda ejemplifica bien la idea de educación nasa y resistencia frente al desarrollo convencional, aunque con cierto matiz de modernidad basado en “promesas de pluralismo” y de ciudadanía. En el caso de Tóez Caloto el panorama es menos esperanzador en cuanto a materializar las oportunidades económicas, a pesar de que la indigenidad fue reafirmada para lograr cierto reconocimiento del Estado. Existe en este ejercicio comparativo una predisposición a valorar las experiencias que retienen “satisfactoriamente” los valores indígenas, mientras que aquellas experiencias que se acercan más a un individualismo o al manejo de un indigenismo instrumental para el reconocimiento, como en Tóez Caloto, sólo “puede resultar a largo plazo en otra comunidad más de pequeños agricultores dependientes para su sobrevivencia del empleo fuera de sus parcelas” (p. 184).

El capítulo 5, “Los nasa del norte y las tensiones de la modernidad”, introduce la experiencia del resguardo de Toribío, como un bastión de la resistencia nasa frente al conflicto armado y de su esfuerzo por sacar adelante la idea de un plan de desarrollo en sus propios términos, y que fue conocido como el Proyecto Nasa, y el Proyecto Global, en el caso del resguardo vecino de Jambaló. Esta experiencia fue edificada en su mayor parte por el padre Álvaro Ulcué Chocué, sacerdote nasa y párroco de Toribío que a través de un taller realizado en 1980 logró visualizar la idea de la planeación indígena. Este ejercicio es comparado con otro realizado en 1999, y el cual se muestra menos radical y político que el primero. Es de anotar que el padre Ulcué fue asesinado el 10 de noviembre de 1984, y su nombre entró a formar parte de los mártires que cayeron por la defensa de los derechos de los nasa. La descripción del primer taller que dio origen al Proyecto Nasa se destacó por un énfasis en la capacidad de transformación que tienen los indígenas para resolver sus problemas y cambiar sus condiciones de vida. Se plantearon tres componentes, a saber: i) la concientización a través de la educación y la capacitación; ii) la participación y la organización comunitaria, y iii) el desarrollo de proyectos productivos y de comercialización de tipo comunal. El taller de 1999 planteó una perspectiva más integral, en el sentido que el manejo comunitario del dominio de la economía debía pasar por una articulación comprensiva con el dominio de la cultura y la política, y que, como tales, valores como la economía solidaria podían articularse con la economía de mercado, condición que todavía sigue siendo un reto y que marca tensiones todavía por resolver. El caso de Toribío constituye de esta manera una primera reflexión y acción de cómo enfrentar la modernidad en sus propios términos, y de por sí representa una “alternativa, la modernidad indígena” (p. 217).

El sexto y último capítulo, “Más allá del desarrollo: la lucha continuada por la paz, justicia e inclusión”, plantea una perspectiva más amplia en términos temporales y espaciales, en cuanto a la continuidad del pensamiento histórico de líderes como Manuel Quintín Lame y Álvaro Ulcué, hacia los quintines y las nuevas generaciones de jóvenes nasa que vienen valorando el pensamiento de estos líderes, y la creación de un escenario político como lo es “La María”. El Plan alterno de Floro Tunubalá (2001-2003) también mereció atención, ya que fue articulado con la idea de communitas ideológica, término acuñado por los Turner, y articula la experiencia colectiva con “el anteproyecto utópico para la reforma de la sociedad” (Turner y Turner, 1978: 252). Según Gow, esta trayectoria configura la idea de un “espacio contrapúblico” que ya no se ciñe al movimiento indígena como tal, sino que se expande a un público más amplio, lo que perfila una imaginación moral que reclama los derechos, de primera y segunda generación, de los actores en sí.

El texto finaliza con algunas conclusiones que reivindican lo tratado en el texto, en cuanto al contraste de las experiencias de planificación en los tres reasentamientos, enfatizadas en el campo educativo, una mirada crítica comparada con los dos planes que se elaboraron con casi dos décadas de diferencia, para el caso de Toribío, y la relativa autonomía que los reasentamientos van logrando en sus nuevos espacios. Al final, argumenta que la imaginación moral que se empezó a gestar con Manuel Quintín Lame, la creación del CRIC, y recientemente con “La María”, desborda el discurso étnico para incorporar una dimensión de ciudadanía que busca ante el Estado colombiano la incorporación o inclusión dentro del sistema nacional, pero no en los términos de éste, sino en los de los propios nasa.

Para resumir: el libro del profesor Gow constituye la continuación de la saga de trabajos de académicos que cuestionaron radicalmente el desarrollo en su fase inicial pero que luego conciben que la idea del desarrollo y técnicas como la planificación pueden ser posibles desde el punto de vista indígena, en particular los nasa, quienes a través de su lucha histórica en las últimas décadas han sabido catalizar dichos conceptos hacia la generación de procesos políticos y culturales más inclusivos frente al Estado.

Esto pudo ser apreciado en tres casos de comunidades que fueron reasentadas en diferentes lugares del Cauca y del Huila, y que justamente muestran aspectos comunes pero tratamientos y resultados distintos en cuanto a procesos de adaptación y de asimilación de ideas como communitas, que recoge el sentido de la colectividad y del cambio. El libro tiene esta virtud, ilustrar, desde una perspectiva comparativa y crítica, y en un continuum, cómo se van estructurando procesos participativos y de lucha indígena con resultados variados, lo cual ejemplifica la complejidad del tema. Pero la crítica del autor a veces se presenta limitada, pues sólo se enfoca sobre los procesos, y no tanto sobre su papel como planificador y colaborador; y su insistencia en ideas como planificación indígena -¿acaso no hay otras categorías diferentes? ¿Existe el término planificación en nasa yuwe? ¿Qué términos se le aproximan, más allá de la categoría de communitas de Turner?- deja dudas, en especial si no es más que una insistencia del autor, y no una preocupación de los nasa mismos. Finalmente, si bien el autor simpatiza con metodologías participativas como la IAP, y pareciera en el comienzo que éste será el tratamiento en todo el trabajo, al final no se logra percibir en qué consiste esta valoración. A lo largo del texto se escuchan sólo su voz -salvo los comentarios de algunos investigadores en el capítulo inicial- y su interpretación de los eventos. De hecho, su idea de una inclusión ciudadana constituye una idea que empieza apenas a discutirse en los nasa, a raíz de los acontecimientos recientes en Toribío sobre la presencia del Ejército y los grupos armados. Asimismo, no existen indicios de que el texto haya sido trabajado con los nasa en cuanto a análisis y discusión, lo que de modo seguro hubiera aportado sustantivamente en la reafirmación o invalidación de muchas de sus aseveraciones. No obstante, el libro es un insumo importante para que los nasa examinen su contenido y las implicaciones de su análisis. Desde esta perspectiva, este trabajo constituye un importante aporte, no tanto como un punto de llegada, sino como un punto de partida para posteriores reflexiones y análisis, sobre todo a la luz de los recientes eventos y acontecimientos que se vienen dando en el departamento del Cauca. Los nasa tienen la palabra.

Comentarios

* Primera edición en castellano. Bogotá: Universidad del Rosario, 306 páginas. ISBN: 978-958-738-133-7

1 La autoridad indígena a la que se alude en el texto es el “chamán”, una expresión que no se compadece mucho con la idea del médico tradicional en los nasa, y que es conocido como el tjê’jwala. Chamán es una expresión que derivó de la experiencia de los tunguses, grupo étnico de Siberia, para designar al “especialista religioso”, y que, si bien en su razón de ser se presenta como un “intermediario entre el hombre y los espíritus” -papel similar al que se le plantea al tjê’jwala-, mantiene diferencias en cuanto a iniciación, el uso de plantas alucinógenas, y rituales que son inherentes a su actuación en el medio (Bonte y Izard, 1996: 152-153). Para otros autores, existe una relación más cercana entre el vocablo chamán, tomada de su acepción inicial en Siberia, y la de los grupos de la selva amazónica y el Pacífico en América del Sur (e.g., jaibaná, en los embera) (Cebrián, 2005). En cualquier circunstancia, y a pesar de los principios unificadores que se plantean para el chamán y el médico tradicional, creo que era necesario una nota aclaratoria de por qué se optó por un vocablo más generalizador, frente a uno más específico.

Referencias

Arce, Alberto y Norman Long. 2000. Reconfiguring Modernity and Development from an Anthropological Perspective. En Anthropology, Development and Modernities: Exploring Discourses, Counter-tendencies and Violence, eds. Alberto Arce y Norman Long, pp. 1-31. Nueva York, Routledge.         [ Links]

Arocha, Jaime y Nina Friedemann (eds.). 1984. Un siglo de investigación social. Antropología en Colombia. Bogotá, Editorial Etno.         [ Links]

Bonte, Pierre y Michael Izard. 1996. Etnología y Antropología. Madrid, Akal.         [ Links]

Cebrián, Manuel. 2005. La clara visión. Chamanismo y ayahuasca. S. l., Libros en Red.         [ Links]

Escobar, Arturo. 1997. Antropología y desarrollo. http://www.unesco.org/issj/rics154/escobarspa.htmlUnesco.154. Anthropology – Issues and Perspectives II, febrero de 2001.         [ Links ]

Escobar, Arturo. 1995. Imagining a Post-development Era. En Power of Development, ed. Jonathan Crush, pp. 211-227. Nueva York, Routledge.         [ Links]

Escobar, Arturo. 1992a. Culture, Economics and Politics in Latin American Social Movements. Theory and Research. En The Making of Social Movements in Latin America, eds. Sonia Alvarez y Arturo Escobar. pp. 62-85. Oxford, Westview Press.         [ Links]

Escobar, Arturo. 1992b. Culture, Practice and Politics. Anthropology and the Study of Social Movements. Critique of Anthropology 12, pp. 395-432.         [ Links]

Escobar, Arturo. 1992c. Planning. En The Development Dictionary. A Guide to Knowledge as Power. ed. W. Sachs, pp. 132-145. Londres, Zed Books.         [ Links]

Escobar, Arturo. 1988. Power and Visibility: Development and the Invention and the Management of the Third World. Cultural Anthropology 3 (4), pp. 428-443.         [ Links]

Escobar, Arturo. 1984. Discourse and Power in Development: Michel Foucault and the Relevance of his Work to the Third World. Alternatives X, pp. 377-400.         [ Links]

Ferguson, James. 1994. The Anti-politics Machin: “Development”, Depolitization, and Bureaucratic Power in Lesotho. Minneapolis, University of Minnesota Press.         [ Links]

Ferguson, Rusell, Martha Gever, Trinh T. Minh-ha y Cornel West. (eds.).1990. Out There: Marginalization and Contemporary Cultures. Nueva York y Cambridge, Mass, The New Museum of Contemporary Art, Massachusetts Institute of Technology.         [ Links]

Frédérique, Apffel Marglin y Stephen Marglin (eds.). 1990. Dominating Knowledge: Development, Culture and Resistance. oxford, Clarendon Press.         [ Links]

Sachs, Wolfgang (ed.). 1992. The Development Dictionary. A Guide to Knowledge as Power. Londres, Zed Books.         [ Links]

Tocancipá-Falla, J. 2010. El mundo de la vida, crisis y etnografía: aproximaciones antropológicas a la fenomenología de Husserl. En Anuario Colombiano de Fenomenología IV, ed. Juan Carlos García, pp. 199-217. Popayán, Universidad del Cauca.         [ Links]

Turner, Victor y Edith Turner. 1978. Image and Pilgrimage in Christian Culture. Nueva York, Columbia University Press.         [ Links]

Jairo Tocancipá-Falla – Ph.D. en Antropología Universidad de Cambridge Inglaterra. Profesor Titular del Departamento de Antropología y miembro del Grupo Estudios Sociales Comparativos, Unicauca. Universidad del Cauca, Popayán, Colombia. Bogotá, Editorial Universidad del Rosario, 2010. E-mail: jtocanápa@unícauca.edu.co

Acessar publicação original

[IF]

 

The Druids: A Very Short Introduction | Barry Cunliffe

Quem teriam sido os druidas? A pergunta aparentemente simples tem provocado debates e polêmicas na historiografia contemporânea. Pode-se dizer que esses personagens cercados pelas brumas de antigos mistérios no imaginário popular continuam a despertar, em pleno século XXI, o fascínio e admiração de muitas pessoas.

O livro escrito por Barry Cunliffe, The Druids: A Very Short Introduction busca apresentar ao público e discutir algumas das principais questões envolvendo os múltiplos universos do “druidismo”, a partir de uma perspectiva conciliadora entre Arqueologia, História e Literatura. A obra faz parte de uma coleção da editora da Universidade de Oxford que busca disponibilizar para o público (acadêmico ou não) manuais introdutórios de temas clássicos e atuais escritos por especialistas através de abordagens inovadoras. Os livros que pertencem à série intitulada A Very Short Introduction se caracterizam por um preço acessível, um formato prático e leve (estilo pocket) e, sobretudo, uma linguagem de fácil entendimento. The Druids é o segundo livro publicado pelo autor nesta série, precedido por The Celts (2003). Cunliffe é professor Emérito da Universidade de Oxford onde ocupava a cadeira de titular de Arqueologia Europeia, além de manter vínculos variados com diversas instituições britânicas de pesquisa e de preservação do patrimônio histórico como o British Museum e o English Heritage, dentre outros. De suas obras mais recentes destacam-se: Facing the Ocean (2001), The Extraordinary Voyage of Pytheas the Greek (2001); The Celts: A very short introduction (2003), Europe Between the Oceans (2008) e Celtic from the West: Alternative Perspectives from Archaeology, Genetics, Language and Literature (2010), esta última editada junto com J. T. Koch.

Em The Druids, o autor traça um panorama histórico em relação à figura dos druidas, em um misto de construção e desconstrução. Explora desde os primeiros relatos históricos, que datam do séc. IV a.C. em língua grega, passando pelos textos latinos, os mitos e fragmentos de uma tradição oral antiga cristianizados na literatura vernácula galesa e irlandesa do séc. VIII-XI d.C., até as produções intelectuais mais recentes do séc. XVII e dos românticos dos séculos XVIII e XIX. Aliada a isso, encontra-se uma arqueologia das práticas religiosas a partir da cultura material encontrada na Gália e nas Ilhas Britânicas ao longo de aproximadamente cinco séculos antes da ocupação romana. Desta forma, é apresentada ao leitor uma análise das evidências arqueológicas ressaltando a vida intelectual e os sistemas de crenças dessas populações europeias ao longo da Idade do Ferro – tradicionalmente chamadas de celtas –, a partir de ritos mortuários, sacrifícios, calendários, santuários e estatuetas votivas dentre outros. O que se busca é propor uma reflexão conjunta, aliando os “druidas históricos” descritos nos textos gregos e latinos às evidências materiais de atividades rituais encontradas ao longo da Europa antiga, com textos medievais irlandeses e galeses que representam e evidenciam resquícios de algumas práticas culturais antigas compartilhadas.

Da Proto-História à Antiguidade clássica passando pelo Medievo, Cunliffe apresenta a seguir parte significativa dos movimentos intelectuais de redescoberta do passado a partir do séc. XVII. São destacados os trabalhos de autores tais como John Aubrey, George Buchanan, Aylett Sammes, Paul-Yves Pezron e alguns outros. Assim, o leitor passa a ser gradualmente apresentado ao contexto histórico das principais discussões intelectuais em regiões como a França (e, sobretudo, a Bretanha: região do noroeste francês), a Inglaterra, a Irlanda e a Escócia. O objetivo é mostrar ao leitor a partir de documentos da época (textuais e visuais) como parte considerável do imaginário atual associado aos druidas foi gradualmente construída de uma releitura dos textos clássicos.

A ideia de druidas detentores de mistérios mágicos, construtores de Stonehenge e praticantes de sacrifícios humanos em larga escala como no famoso “Wicker Man” [1], todos esses elementos são explorados por Cunliffe. O autor analisa esses estereótipos a partir de seus locais e contextos de produção, em um jogo de desconstrução de anacronismos que são, de certa forma, duplamente históricos: primeiro, por se proporem a representar sociedades históricas antigas, modelos de representação estes ainda presentes em larga escala no imaginário atual (cf. BIRKHAN, 2009); segundo, porque (por mais anacrônicos que sejam) esses olhares são, eles próprios, dotados de historicidade (cf. LEERSSEN, 1996).

Cunliffe explora a relação entre as artes, a literatura, o Romantismo e os nacionalismos na virada do XVIII, XIX e início do XX, mostrando partes importantes dos usos (políticos) do passado. Chega a apresentar e discutir também o surgimento de novas seitas, grupos neopagãos e ordens neodruídicas, como a United Ancient Order of Female Druids, fundada em 1876 como reflexo das novas dinâmicas de gêneros existentes no interior da sociedade Vitoriana e a Ancient Order of Druids, na qual Winston Churchill foi introduzido em 1908. Boa parte desses grupos existe ainda nos dias atuais, além de muitos outros mais recentes que surgiram nas últimas décadas e se espalharam pelo mundo inteiro – inclusive, no Brasil.

Ao longo desse livro e, sobretudo, em sua conclusão, Cunliffe deixa claro, no entanto, que “os Druidas foram um fenômeno do passado e que esses indivíduos que, desde o século XVII, vêm se denominando de tal forma não são capazes de reivindicar nenhum grau de continuidade com a antiga prática druídica” (CUNLIFFE, 2010: 131). Em outras palavras, as ordens neodruídicas do século XVIII ou dos dias atuais nada têm a ver com os druidas mencionados pelas fontes textuais da Antiguidade ou com os indivíduos que nos deixaram alguns vestígios materiais de atividades rituais realizadas ao longo da Idade do Ferro europeia. Não se tratam, portanto, de perpetuadores de uma tradição ininterrupta ancestral, mas, sim, de releituras sobre esse passado. Talvez este seja um dos maiores méritos da obra: permitir ao público entender, ainda que de forma indireta e não tão explícita, que o termo “druida” é um conceito histórico e plural, cuja acepção varia de acordo com a época. Postura semelhante, aliás, foi defendida pelo mesmo autor a respeito do conceito “celta” (cf. CUNLIFFE, 2003). De certa forma, The Druids: A Very Short Introduction se assemelha ao livro de Detienne (2008): ainda que possua uma estrutura, organização, linguagem, metodologia e propostas completamente distintas ambos permitem entender como partes de um passado antigo se tornam historicamente partes do nosso passado; como identidades são construídas a partir de [re]leituras da Antiguidade e estão enraizadas em nossas percepções e projeções culturais.

Do livro escrito por Cunliffe surge um retrato mais complexo em relação à figura dos antigos druidas e que vai além da representação historiográfica tradicional associada à figura exclusiva de sacerdotes religiosos. Se por um lado a documentação disponível nos dias atuais pode ser considerada lacunar e desafiadora sob vários aspectos, por outro o autor é capaz de relacionar o druidismo antigo com um conjunto maior de transformações sociais, religiosas, políticas e econômicas na região Atlântica da Europa, atestadas desde a metade do segundo milênio antes da era comum (CUNLIFFE, 2010: 134-5). Os druidas aparecem como indivíduos detentores de saberes, que vão desde o domínio da arte do cultivo, dos ciclos naturais e dos calendários lunares, até serem compositores de canções e poemas, intérpretes, adivinhos, professores, filósofos e intermediadores entre os homens e os deuses. Tratava-se muito mais, portanto, de uma elite intelectual que poderia acumular em si diferentes funções que, na Antiguidade, estavam interligadas (CUNLIFFE, 2010: 136).

Outras publicações acadêmicas também direcionadas à discussão da temática dos druidas entre os celtas antigos vêm sendo publicadas ao longo das últimas décadas. Dentre elas se destacam as de Guyonvarc’h e Le Roux (1986), Lonigan (1997), Ellis (2003), Ross (2004), Brunaux (2006), Hutton (2007) e Green (1997; 2010). Tratam-se de diferentes abordagens, com diferentes enfoques. A obra de Cunliffe, por sua vez, se apresenta em meio a esse debate maior como uma contribuição de enriquecimento, redigida de uma forma simples e acessível. Apesar de ser relativamente curta (não mais de 145 páginas), The Druids: A Very Short Introduction representa um livro original na medida em que aborda a figura dos druidas de uma maneira complexa e problematizada, ousando articular diferentes suportes de informação a partir de dados e questões atuais. Particularmente interessante é o modo como o autor é capaz de fazer dialogar evidências históricas que datam da metade do segundo ao primeiro milênios a.C. em uma zona Atlântica de contatos pré-históricos, a fim de mostrar a existência de contatos (religiosos, econômicos, sociais, culturais), trocas e circulações (de pessoas e de ideias) entre diferentes populações – uma característica marcante e recorrente em diversos outros trabalhos do autor.

Discutir o papel histórico dos druidas requer certa sensibilidade e cuidados, não apenas do ponto de vista histórico ou arqueológico, mas também social–contemporâneo. De certa forma, os “druidas” ainda vivem, mesmo sem possuírem quaisquer vínculos com as populações da Idade do Ferro, senão os desejados e sonhados. Parece certo pensar que se toda a tradição e identidade são, de alguma forma, inventadas (HOBSBAWM, RANGER, 2002; MEGAW & MEGAW, 1996: 180), The Druids: A Very Short Introduction, com seu formato modesto, é uma pequena, mas bela contribuição, como Megaw (2005: 66) se referiu ao livro publicado em 2003 pelo mesmo autor, ao entendimento de como os Druidas foram sendo inventados ao longo da História: desde a Antiguidade aos dias atuais.

Nota

1. “O homem de vime” é descrito por César (DBG,VI, 16) como sendo supostamente uma estrutura gigante feita de palha no formato de um homem, onde pessoas seriam aprisionadas e queimadas vivas, como parte de um ritual de sacrifício organizado pelos antigos druidas gauleses. Nenhuma outra referência semelhante é encontrada em nenhum texto antigo. A temática foi amplamente revisitada na modernidade. Na contemporaneidade, o ícone do “Homem de vime” se faz presente em produções cinematográficas de terror com os filmes “The Wicker Man” (1973 e 2006); em um single de 1999-2000 da banda britânica Iron Maiden e em festivais neopagãos.

Referências

Documentação antiga

CAESAR. C. J. The Gallic War. Trad: H. J. Edwards. Cambridge: Harvard University Press/Loeb Classical Library, 2004.

Instrumentais ou específicas

BIRKHAN, H. Por que nos encantamos tanto com os celtas e a ‘elfização’ do mundo?. In: TACLA, A. B.; TÔRRES, M. R. (et alii). Livro de Atas do III Simpósio Nacional e II Internacional de Estudos Celtas e Germânicos. São João Del Rei: UFSJ, 2009, p.15-36.

BRUNAUX, J.L. Les druides: des philosophes chez les Barbares. Seuil: Editions du Seuil, 2006.

CUNLIFFE, B. Europe Between the Oceans: themes and variations: 9000 BC to AD 1000. Yale: Yale University Press, 2008.

____________. Facing the Ocean: The Atlantic and Its Peoples 8000 BC-AD 1500. Oxford: OUP, 2001.

____________. The Celts: A very short introduction. Oxford: OUP, 2003.

____________. The Extraordinary Voyage of Pytheas the Greek. Oxford: OUP, 2001.

CUNLIFFE, B.; KOCH, J. (eds). Celtic from the West: Alternative Perspectives from Archaeology, Genetics, Language and Literature. Oxford: Oxbow Books, 2010.

DETIENNE, M. Os Gregos e Nós: Uma antropologia comparada da Grécia Antiga. São Paulo: Edições Loyola, 2008.

ELLIS, P. B. A Brief History of the Druids. New York: Carroll & Graf, 2003.

GREEN, M. J. Caesar’s Druids. Yale: Yale University Press, 2010.

_________. Exploring the World of the Druids. London: Thames & Hudson, 1997.

GUYONVARC’H, C.; LE ROUX, F. Les Druides. Rennes: Ouest-France,1986.

HOBSBAWM, E; RANGER, T. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.

HUTTON, R. The Druids. London: Hambledon Continuum, 2007.

LEERSSEN, Joep. Celticism. In: BROWN, T. Celticism. Amsterdan-Atlanta: Rodopi, 1996, p. 3-20.

LONIGAN, P. R. The Druids: Priests of the Ancient Celts. Westport: Greenwood Press, 1997.

MEGAW, J. V. S. The European Iron Age with – and without – Celts: a bibliographical essay. European Journal of Archaeology, 2005, Vol. 8 (1): 65-78.

MEGAW, J. V. S.; MEGAW, M. R. Ancient Celts and modern ethnicity. Antiquity, 70, 1996: 175-181.

ROSS, A. Druids: Preachers of Immortality. Gloucestershire: Tempus, 2004.

Pedro Vieira da Silva Peixoto – Universidade Federal Fluminense. Mestrando do PPGH-UFF. Bolsista do CNPq. Professor-tutor UNIRIO-CEDERJ. E-mail: [email protected]


CUNLIFFE, Barry. The Druids: A Very Short Introduction. Oxford: Oxford University Press, 2010. (vol. 232 de Very Short Introductions series). Resenha de: PEIXOTO, Pedro Vieira da Silva. Os Druidas: um passado presente. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.12, n.2, p. 118-122, 2012. Acessar publicação original [DR]

Memoria Americana | UBA | 2012

Memoria Americana Los gobiernos progresistas latinoamericanos

Memoria Americana. Cuadernos de Etnohistoria (Buenos Aires, 2012-) es una publicación que edita la Sección Etnohistoria del Instituto de Ciencias Antropológicas de la Universidad de Buenos Aires. Se trata de una Revista  Científica de aparición semestral on-line cuyos fascículos son publicados los meses de mayo (primer semestre) y noviembre (segundo semestre).

Publica artículos originales de investigación de autores nacionales y extranjeros en el campo de la etnohistoria, la antropología histórica y la historia colonial de América Latina, con el objetivo de difundir ampliamente los avances en la producción de conocimiento de esas áreas disciplinares. Sus contenidos están dirigidos a especialistas, estudiantes de grado y posgrado e investigadores de otras disciplinas afines. […]

El propósito de esta publicación es difundir trabajos de investigación de especialistas -formados y en formación, nacionales y extranjeros- que aporten avances sobre las distintas problemáticas que son objeto de atención de nuestra disciplina: las sociedades indígenas en etapas previas y posteriores a la conquista, los cambios, transformaciones y continuidades en sus formas de organización social, política y económica; los procesos de conformación de las sociedades coloniales en hispanoamérica; los conflictos, rebeliones y disputas que enfrentaron a distintos actores sociales en diferentes coyunturas políticas y económicas; las instituciones sociales, políticas, económicas y religiosas del mundo colonial y del período independiente, etc.

Estos problemas son abordados tanto a través de planteos teóricos y metodológicos como de estudios de caso que responden a diferentes regiones, áreas o jurisdicciones tales como el Tucumán colonial, el litoral, Chaco, Pampa-patagonia, el Surandino y comprenden períodos en estudio desde fines del siglo XV hasta el siglo XIX. Otros temas importantes que atraviesan la producción presentada son el mestizaje, la dinámica de la frontera, la formación de grupos de poder, la familia y el matrimonio tanto en el sector indígena como hispano-criollo. Los trabajos incluidos en los números ya publicados combinan una perspectiva doble de análisis, teórica y metodológica, proveniente de la historia y la antropología.

Periodicidade semestral.

Acess livre.

ISSN 1851-3751

Acessar resenhas

Acessar dossiês

Acessar sumários

Acessar arquivos

Espaço e tempo e suas representações entre celtas e germanos / Brathair / 2012

O presente dossiê abre um novo ciclo na existência da Revista Brathair, que culmina na indexação do periódico junto à Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), bem como no estabelecimento de novas parecerias.

Contando com a colaboração de pesquisadores nacionais e internacionais, o presente dossiê apresenta Tempo e Espaço como categorias principais de análise, conforme assevera Markus Schroer em entrevista para este dossiê: “O tempo e da mesma forma o espaço não são fatos sempre encontrados na realidade, mas sim categorias, com cujo auxílio se pode ordenar o ambiente natural e social” (p. 199). Desta forma, os artigos aqui apresentados versarão sobre as representações dessas categorias entre celtas e germanos.

Iniciando esse dossiê, apresentamos o artigo do doutor em História Social Vinicius Cesar Dreger de Araujo, que discute as representações do espaço geográfico no mapa mundi de Ebensdorf. Já abordando o eixo temático tempo, do doutor em História Social Marcus Baccega foca a discussão acerca das concepção de tempo terrestre e sua relação com a atemporalidade da versão alemã da Demanda do Santo Graal (Die Suche nach dem Gral). Abordando as duas categorias de análise propostas por este dossiê, temos a contribuição da doutoranda romena Liliana Emilia Dumitriu, a qual se baseia no conceito vangennepiano de rito de passagem, mais especificamente o de liminalidade, para analisar e comparar as obras de Wolfram von Eschenbach (Parzival) e Richard Wagner (Parsifal).

A Privatdozentin1 Andrea Grafetstätter apresenta ao público brasileiro a obra Kudrun através da perspectiva da topografia do tempo e espaço. A doutoranda em História Comparada, Maria de Nazareth Corrêa Accioli Lobato, por sua vez, discorre sobre a sacralização do espaço na obra de Beda. Baseando sua análise na obra Lanzelet, de Ulrich von Zatzikhoven, Kai Lorenz, doutor em Germanística, apresenta a discussão acerca do espaço na literatura arturiana.

O artigo da doutoranda Marion Poilvez lida com a relação espaço, exílio e liminalidade, discutindo tais conceitos através da interpretação de diversas sagas islandesas. Encerrando a sessão de artigos, Paulo Duarte Silva, doutorando em História Comparada, centra sua pesquisa na análise do conceito de tempo / temporalidade durante a Primeira Idade Média, mas especificamente o calendário litúrgico.

À sessão de artigos, seguem-se a resenha Contribuições para a elucidação da etnogênese saxônia de Vinicius Cesar Dreger de Araujo e a tradução d’A Batalha de Maldon realizada pelo doutor em História Social Elton O. S. Medeiros.

Para finalizar o nosso dossiê, apresentamos uma entrevista sobre os ‘Estudos de Espaço’ (Spatial studies) e a ‘Virada Espacial’ (Spatial turn) com o especialista alemão em Sociologia do Espaço, Prof. Dr.2 Markus Schroer da Universidade de Marburg.

Os organizadores deste dossiê agradecem a colaboração dos articulistas, sem a qual a presente edição seria inviável. Desejamos a todos os pesquisadores e demais interessados uma excelente leitura e conclamamos a todos que possuem contribuições na área de estudos celtas e germânicos e visem o estabelecimento de diálogos acadêmicos frutíferos a enviarem suas propostas para as próximas edições.

Notas

1 Privatdozent designa um título acadêmico alemão conferido a doutores que completaram sua livredocência, mas que ainda não possuem uma cátedra própria dentro do sistema universitário.

2 Prof. Dr. É um título acadêmico conferido a doutores que apresentaram suas habilitações e possuem uma cátedra. O correspondente no Brasil seria o cargo de Professor Titular.

Álvaro Alfredo Bragança Júnior – Professor Doutor (UFRJ)

Daniele Gallindo Gonçalves Silva – Professora Doutora


BRAGANÇA JÚNIOR, Álvaro Alfredo; SILVA, Daniele Gallindo Gonçalves. Editorial. Brathair, São Luís, v.12, n.1, 2012. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

 

Bretanha-Britânia-Angelcynn Celto Germânica entre Literatura e História / Brathair / 2012

Os habitantes das Ilhas Britânicas, tema do dossiê Bretanha / Britânia / Angelcynn Celto Germânica entre Literatura e História englobam duas culturas principais, uma de origem céltica e outra de origem germânica.

Os anglo-saxões penetraram nas Ilhas Britânicas por volta do século V e logo depois dominaram boa parte do território que já era ocupado anteriormente por populações célticas, na atual Inglaterra, formando, a princípio, a Heptarquia Anglo-Saxônica, com sete reinos independentes. Ali estabeleceram um novo idioma, que deu origem ao atual inglês, falado e compreendido em boa parte do mundo contemporâneo, e uma rica cultura, da qual um dos exemplos mais marcantes no plano literário é o poema Beowulf, do século X. Esse povo também esteve em contato com os vikings que chegaram ali por volta do século IX e foram repelidos com sucesso por Alfred, o Grande (871-899), além de estar em contato com as populações celtas da região.

As relações entre a cultura celta e a anglo-saxã nos são mostradas no artigo de A. Joseph McMullen (Harvard University), através dos primeiros manuscritos de Echternach, que apresentam um aspecto trilíngue em latim, antigo irlandês e anglo-saxão, mostrando a influência das relações entre Irlanda e Inglaterra anglo-saxã no século VIII.

Vinicus Dreger (Centro Educacional Anhaguera) salienta aspectos da História do Poder ao analisar as alianças matrimoniais estabelecidas pelo rei Æthelstan que ampliaram os domínios anglo-saxões até a Germânia Otônida entre os anos 920 e 940.

Elton Medeiros destaca a importância dos temas anglo-germânicos na atualidade através de um histórico desses estudos na Inglaterra e Escandinávia e aponta as possibilidades de pesquisa através da análise de fontes, dentre as quais, além do já conhecido poema Beowulf, a coletânea The Anglo-Saxon Poetic Records, um importante depósito de tradições, que tem muito a ser explorado.

Ryan Lavelle, da Universidade de Winchester, apresenta em sua entrevista, concedida a Elton Medeiros, a relevância dos estudos anglo-saxões na atualidade e aponta alguns caminhos para a realização de novas pesquisas. Salienta como obra essencial e introdutória ao assunto, a de Campbell, The Anglo-Saxons, de 1982. O autor também sugere como leituras documentais importantes Beda, na sua Historia Ecclesistica Gentis Anglorum e coleções de documentos anglo-saxões, que estão disponíveis on line, como a Crônica Anglo-saxã. A entrevista também esclarece visões maniqueístas sobre o contato entre anglo-saxões e vikings, auxiliando-nos a uma visão mais abrangente sobre o contato entre esses dois povos, bem como a importância do rei anglo-saxão Alfred, sobre quem o autor é especialista.

Por fim, temos um exemplo de documento anglo-saxão que dialoga com o Antigo Testamento, a tradução do poema Judite, provavelmente compilado no século X, que tem por base o relato bíblico contido no livro de Judith. Tem por base o manuscrito Cotton Vitelius A. XV, sendo um texto em verso, que se encontra no manuscrito junto com o poema Beowulf. A narrativa descreve como a personagem de Judite decapita o líder Holorfenes que sitiava a cidade de Betúlia. Ela o seduz e corta a sua cabeça enquanto ele dormia embriagado, ação que impede a ação do exército assírio. Medeiros salienta a importância de a personagem central ser, nesta narrativa, uma mulher, ao contrário do que ocorre em outros relatos anglo-saxões, quando estas aparecem como exemplos de nobreza e bons costumes, embora sejam figuras secundárias.

Sobre os germanos na Península Ibérica e as disputas religiosas, Jaqueline Calazans e Leila Rodrigues da Silva (PEM / UFRJ) analisam os cânones do Concílio de Zaragoza, no século IV e observam as influências do priscilianismo, que propagava ideias de austeridade e pobreza, calcadas no ascetismo, vigílias, jejuns e desapego aos bens materiais. O pensamento de Prisciliano gerou disputas eclesiásticas acerca do controle de práticas cristãs e posterior reforço da autoridade dos bispos e afirmação dos clérigos sobre a população laica.

Os povos de origem celta habitaram as Ilhas Britânicas desde antes da chegada dos anglo-saxões e também nos deixaram um rico legado de tradições. A contribuição das culturas celtas para a gesta da Matéria da Bretanha, em suas diversas versões regionais, expressas em distintos vernáculos, é inegável e já reconhecida e consagrada por todos os estudiosos arturianos. As formações sociais célticas engendraram mitemas arturianos nas Grandes Ilhas, sobretudo nas regiões do atual País de Gales e na Hibérnia (Irlanda), destacando-se os Mabinogion, contos para infância sob a forma de um manual de instruções rituais para a declamação dos bardos. Apesar de os Mabinogion terem sido compilados em kymrisch apenas na transição entre os séculos XIV e XV, seu lastro encontra-se em tradições celtas ancestrais, veiculadas pela oralidade. No que concerne ao continente, já na Idade Média Central (séculos XI a XIII), constituíram-se os Ciclos de Versificação, com Chrétien de Troyes (segunda metade do século XII), e os dois célebres Ciclos de Prosificação da Matéria da Bretanha, o Ciclo do Lancelot-Graal (Ciclo da Vulgata) e o Ciclo do Pseudo-Boron (Ciclo da PostVulgata), na primeira metade do século XIII. Os dois últimos, com destaque para o segundo, influenciaram a compilação de versões das aventuras arturianas em outros vernáculos, como o português, o castelhano, o alemão, o holandês e mesmo o checo.

A respeito das tradições e sagas ancestrais, Wolfgang Meid (Universidade de Innsbruck, Tirol) brinda-nos com um detalhado e erudito estudo, instigante e profundo, acerca das sagas irlandesas, sua tipologia e seus ciclos mais importantes. Destacam-se, em seu texto, o Ciclo de Ulster, o chamado Ciclo Mitológico, o Ciclo dos Reis e o Ciclo de Finn. A análise de Meid denota refinamento intelectual ao explicitar que esta maneira de elencar e classificar as narrativas da Hibérnia é, na verdade, uma hetero-representação, uma construção intelectual da Historiografia e da Teoria Literária contemporâneas. A esta classificação, Meid integra, discutindo suas confluências e dissintonias, o modo como as próprias sociedades celtas compreendiam e representavam as similitudes e diferenças entre suas narrativas. Por conseguinte, seu artigo apresenta a tipologia céltica dos contos, apontando para designações como Batalhas, Histórias de Amor, Cercos, Destruições, Mortes Heroicas, Cortejos Amorosos, Aventuras, Viagens pelo Mar, Roubos de Gado e, por fim, Fugas.

Também nesta senda caminha a bela resenha de Pedro Vieira da Silva Peixoto ao recente livro do consagrado estudioso Barry Cunliffe, The Druids: a very short introduction (2010). Dialogando com as proposições do autor, Peixoto traz a lume noções introdutórias e rudimentos sobre as práticas mágicas e rituais destes sacerdotes celtas, responsáveis, como shamans que eram, pela mediação entre o sagrado e o profano. A resenha vale-se de autores relevantes para os estudos celtas, como o austríaco Helmut Birkhan, autor do monumental Kelten (1997). Convém salientar que o Santo Graal, enquanto mitema fundamental para a construção da gramática do mito arturiano, derivou das copas mágicas célticas, bem como das copas análogas dos rituais alanos (com destaque para a Nartamongae), e da cornucópia celta da fartura, também ela um cálice. Portanto, entender o papel simbólico e social exercido pelos druidas é crucial para a melhor compreensão das aventuras arturianas e da simbologia híbrida do Santo Vaso.

Quanto aos ciclos de versificação e prosificação da Matéria Arturiana na Idade Média Central, a presente edição de Brathair apresenta dois artigos que analisam o papel da memória dos idosos e das tentações diabólicas no enredo da versão portuguesa de A Demanda do Santo Graal, cujo texto original dataria de 1248, atribuído ao cortesão Joam Vivas, conviva do rei Afonso III (1248-1279). Neste contexto, o artigo de Alessandra Conde (UFPA) resgata e inventaria os excertos da narrativa gralesca em que se consagram as recordações de dois anciãos, cujas identidades expressam uma importante clivagem social e religioso-ideológica.

Trata-se, por um lado, das reminiscências de um velho pescador, evidente figuração alegórica do Apóstolo Pedro, “Pescador de Homens”, bem como de seu sucessor mitológico, o Rei Pescador das narrativas do Santo Graal. O pescador exara palavras santas, ortodoxas, ensinamentos morais consentâneos ao ethos cristão, razão pela qual sua fala se constitui em vetor retórico de expressão da normativa clerical para as sociedades medievais. Este lugar canônico de sua fala vê-se ratificado pelo fato de que o pescador é eternamente alimentado pelo Santo Graal. Por outro lado, o velho judeu é retratado como eterno pecador, herdeiro do anátema de assassino de Cristo, de aparência repugnante, o que o torno lugar retórico em que se constroi o outro do poder clerical, o marginal a ser proscrito da unitas cristã.

Ainda no esteio de investigação de A Demanda do Santo Graal como formação discursiva, o artigo de Ana Márcia Alves Siqueira (UFC) estuda as artimanhas do Diabo para tentar e danar os homens, com ênfase nos pecados carnais, enquanto exempla, dentro da rede narrativa da aventura-peregrinação para encontrar o Cálice Crístico. Pela voz do Diabo e pela correlata preceptiva da Igreja sobre como combatê-lo e resistir à sua sedução, o texto projeta ainda mais luz sobre o ideal eclesial de disciplinarização da Cristandade Latina em seu sentido mais amplo.

Outro tema importante desta edição de Brathair é o processo de reapropriação e reorientação política e ideológica da memória recente a respeito de nosso passado céltico longínquo. Não apenas nos interessa esta discussão enquanto ocidentais, mas como estudiosos de Ciências Humanas, pois sua discussão implica problematizar a memória e a própria história como artefatos simbólicos dispostos ao manuseio político e identitário permanentemente ressignificado. Desta fora, o artigo de Juan Miguel Zarandona trabalha a reapropriação de uma pretensa identidade ancestral celta para a construção discursiva de uma narrativa de legitimação da singularidade e da especificidade da nação galega perante a investida centralizadora da cultura e do idioma de Castela sobre as particularidades culturais das etnias que formam a Espanha. No fundo, trata-se de uma instigante reflexão sobre a dialética entre passado e presente, ou passado-presente, para construção das narrativas identitárias, subsídios ideológicos para se tecer a auto-representação de uma comunidade e trazer à cena suas pretensões políticas.

Os estudos desta edição mostram a importância dos anglo-saxões e das heranças célticas nos tempos atuais, tanto através de tradições, como pela afirmação de identidades. As pesquisas aqui apresentadas auxiliam os leitores interessados no aprofundamento das culturas desenvolvidas mais especificamente nas Ilhas Britânicas, tema desse dossiê, e garantem à revista Brathair um papel ativo e de destaque na difusão dos estudos celtas e germânicos.

Adriana Zierer – Professora Doutora (UEMA). E-mail: [email protected]

Marcus Baccega – Doutor em História pela USP. Pós-Doutorando na Sorbonne, França. E-mail: [email protected]


ZIERER, Adriana; BACCEGA, Marcus. Editorial. Brathair, São Luís, v.12, n.2, 2012. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

 

Continental Saxons from the Migration Period to the Tenth Century: An Ethnographic Perspective | Dennis Green e Frank Siegmund

O volume The Continental Saxons from the Migration Period to the Tenth Century foi editado por Dennis H. Green e Frank Siegmund, dois especialistas em questões ligadas à História dos povos germânicos no período medieval. A área específica de Dennis Green encontra-se nas relações entre Linguagem, Literatura e História no período medieval, especialmente entre os povos germânicos, como exemplificado nas seguintes obras: Medieval Listening and Reading: The Primary Reception of German Literature 800-1300 – Cambridge, 1994; Language and History in the Early Germanic World – Cambridge, 2000; The Beginnings of Medieval Romance: Fact and Fiction, 1150-1220 – Cambridge, 2002 e Woman and Marriage in German Medieval Romance – Cambridge, 2009 entre outras. Por sua vez, Frank Siegmund é um arqueólogo especializado nos povos germânicos durante o período Merovíngio, podendo-se conhecer mais de sua prolífica produção nos seguintes websites: http://www.frank-siegmund.de e http://independent.academia.edu/ Frank Siegmund (acessado em 10/07/2012).

Este volume sobre os Saxões Continentais continua a série anual de discussões no Center for Interdisciplinary Research on Social Stress em San Marino, realizadas por iniciativa de seu diretor, Dr. Giorgio Ausenda. Elas têm como objeto de estudo o impacto dos “bárbaros” germânicos no Império Romano e nos reinos sucessores. Desde o início, a metodologia adotada para estas discussões foi a interdisciplinaridade: História, Arqueologia, Filologia e Etnografia. O primeiro encontro (cujas discussões foram publicadas sob o título After Empire: Towards an Ethnology of Europe’s Barbarians, editado por Giorgio Ausenda) foi devotado a vários aspectos gerais do problema, enquanto que os encontros subsequentes foram concentrados em tópicos específicos. Assim, os volumes posteriores foram: The Anglo-Saxons from the Migration Period to the Eighth Century: An Ethnographic Perspective (editado por John Hines), Franks and Alamanni in the Merovingian Period: An Ethnographic Perspective (editado por Ian Wood), The Visigoths from the Migration Period to the Seventh Century: An Ethnographic Perspective (editado por Peter Heather), The Scandinavians from the Vendel Period to the Tenth Century: An Ethnographic Perspective (editado por Judith Jesch). Após a publicação do volume dedicado aos Saxônios, foram publicados The Ostrogoths from the Migration Period to the Sixth Century: An Ethnographic Perspective (editado por Sam Barnish e Federico Marazzi) e The Langobards from the Migration Period to the Eighth Century: An Ethnographic Perspective (editado por Paolo Delogu e Chris Wickham), sendo que ainda aguardam a realização (e posterior publicação) as discussões voltadas aos Vândalos e Suábios (volume conjunto), aos Burgúndios e aos Bávaros.

Uma das vantagens destes encontros, além do estímulo causado pela reunião de estudiosos de diferentes disciplinas e países, sempre foi o reduzido número de participantes que, em conjunto com o considerável período de tempo dedicado à discussão de textos pré-distribuídos, permite uma amigável e animada troca de opiniões, mas, inevitavelmente, isso significa que nada semelhante a uma avaliação completa de cada tópico pode ser obtida.

Isto está refletido neste volume, onde somente algumas das questões relativas aos Saxônios, sua etnogênese, seus encontros com vizinhos diversos como os Frísios, os Daneses, os Eslavos e os Francos (além de suas conexões com os Anglo-Saxões), assim como seu encontro com os Carolíngios e sua ascensão posterior com os Otônidas, puderam encontrar espaço nesta discussão.

Este tomo inicia-se com “Location in Space and Time” (p. 11-36), uma análise crítica de Matthias Springer acerca da localização dos Saxônios tanto no tempo quanto no espaço. O texto está apropriadamente no início do volume porque o autor não apenas polemiza contra as opiniões tradicionais sobre as origens dos Saxônios, mas também, como parte deste questionamento, submete a uma análise crítica o emprego do termo Saxones na Antiguidade Clássica e o que se reporta como sua localização geográfica no mesmo período. A partir disso somos levados sistematicamente pelo que foi relatado na Antiguidade Tardia, nas fontes merovíngias, nas carolíngias e nas do século X.

Ptolomeu (s. II d.C.) é a primeira fonte cuja confiabilidade histórica, geográfica e etnográfica foi questionada. Springer dúvida da validade do senso comum acerca da expansão meridional dos Saxônios (a partir de onde Ptolomeu os localizou), seja através da subjugação de outros povos, seja pela formação de uma confederação. Ele ainda argumenta que a expansão da designação de um grupo étnico nem sempre significa que os portadores originais do mesmo tenham migrado, nem que a denominação étnica sempre se expanda de dentro para fora (cita como exemplo os imigrantes germânicos que se estabeleceram na Transilvânia húngara em fins do período medieval, mas chamados pelo monarca magiar de “Saxônios”). Para complicar a situação, o mesmo nome pode ser utilizado em relação a povos muito diferentes (como no caso dos Serby em Eslavônico, mas Serben e Sorben em Alemão, que designam, respectivamente, aos Sérvios e aos Sorbos, uma população eslava nativa da região da Lusatia). Em muitos casos fica claro que os autores posteriores aplicaram denominações conhecidas, como a de Francos e Saxônios, a grupos populacionais que lhes eram desconhecidos.

A partir destes casos complicados Springer prosseguiu analisando referências que, embora indisputadas em relação à sua aplicação aos Saxônios, são problemáticas em relação ao período em questão. Ademais, como os termos “Vikings” e “Normandos”, a palavra Saxones pode ter sido utilizada inicialmente para descrever saqueadores vindos do mar ao invés de um grupo étnico, quanto mais um grupamento geográfico específico. O resultado é tal que na Antiguidade Tardia os Saxônios podem ser localizados no tempo, mas não em seu espaço original. Uma anomalia final é apresentada pelo termo Anglisaxones. Pelo contraste com estes, os Saxões Continentais são os “verdadeiros” Saxões, dos quais os invasores da Britânia tinham que ser distinguidos pelo prefixo Angli-, ao passo que para Beda, os “verdadeiros” Saxões eram aqueles da Inglaterra, e as contrapartes continentais é que precisavam ser referidas por um atributo: Antiqui Saxones. Aliás, deve-se notar que as dificuldades para denominar esta população estendem-se à Língua Portuguesa, já que, seguindo o uso dado por Beda, denominam-se como Saxões (aliado ao prefixo “Anglo”) aos habitantes germânicos das ilhas britânicas e aos do norte da “Alemanha”, como Saxônios. Por outro lado, dentro do mesmo padrão estabelecido por Beda, também é perfeitamente aceitável denominá-los como Saxões Continentais.

Em “The North Sea Coastal Area: Settlement History from Roman to Early Medieval Times” (p. 37-76), Dirk Meier dedica sua atenção ao litoral do Mar do Norte e a história de seus assentamentos dos tempos romanos à Alta Idade Média. Ele dividiu seu ensaio em quatro seções, analisando primeiro a paisagem, depois a área costeira entre os períodos Romano e das Migrações, a seguir o mesmo para o período medieval inicial e, finalmente, um “epílogo” sobre a herança cultural das zonas costeiras e pantanosas.

O autor inevitavelmente confronta nesta região problemas relativos à história dos assentamentos tanto dos Saxônios quanto dos Frísios, cuja diferenciação arqueológica nem sempre é fácil. A área costeira estava próxima o suficiente da fronteira renana do Império para interessar aos Romanos, que mantiveram boas relações comerciais com seus habitantes, como atestado pelos muitos achados Romanos provenientes da região. A localidade de Feddersen Wierde (talvez o melhor exemplo de um assentamento do período romano) foi discutida neste contexto. Meier também volta sua atenção para a área do rio Eider e seu estuário: aqui o recuo do mar tornou possível a construção de assentamentos no nível do mar nas margens do rio durante os dois primeiros séculos d.C., fato que incrementou a importância da área em termos comerciais e logísticos.

Este sistema econômico (e político) entrou em colapso com a queda do Império Romano; com isso, muito pouco sabe-se a respeito do padrão de ocupação da região durante a instabilidade do período das Migrações. Contudo, o dramático declínio populacional ocorrido entre os séculos IV e VI pode estar relacionado a uma piora do clima. Afinidades arqueológicas entre as regiões costeiras do norte da Alemanha, sul da Dinamarca e Inglaterra definem as duas primeiras como áreas de origem e a última como área de destino das migrações dos Anglos, Saxões e Jutos.

Em sua seção relativa à Alta Idade Média, Meier considera os Frísios e seu relacionamento com os Saxônios, mas também a migração destes para a região costeira entre o Eider e o sul da Dinamarca (norte da Frísia). É sobretudo neste período que o Mar do Norte (compreendendo o continente, a Inglaterra e a Escandinávia) se tornou uma importante via de tráfego e comércio. Aqui o importante centro comercial de Dorestad e o assentamento viking de Ribe alcançaram mais do que importância simbólica.

Com o ensaio “Social Relations among the Old Saxons” (p. 77-112) Frank Siegmund trata o objeto das relações sociais entre os Saxônios, levando em consideração os seguintes tópicos: a questão étnica, o decréscimo nos assentamentos nos séculos V e VI, a disposição dos cemitérios, a demografia, os gêneros e a elite.

Siegmund inicia destacando que as diferentes tradições de pesquisa significam que as fontes arqueológicas disponíveis acerca dos Saxões continentais diferem daquelas que concernem aos Alamanos e aos Francos. Sobre a etnicidade ele aponta que as atuais ideias arqueológicas a respeito da história inicial dos Saxônios procedem de uma tentativa de reconciliar as fontes clássicas (Tácito e Ptolomeu) com a Arqueologia, mas os registros arqueológicos devem ser verificados de maneira mais independente possível de fontes escritas supostamente confiáveis.

Ele pergunta se algumas das características consideradas como tipicamente saxãs talvez não estejam baseadas em tradições mais antigas, oriundas de um fundo germânico comum, sobrevivendo entre os Francos a leste do Reno, mesmo se não entre os do oeste. Uma complicação extra encontra-se no fato de que, em contraste com outros grupos mais unidos, talvez seja mais correto falarmos de “povos Saxões”, no plural, já que contavam entre seus componentes populações diversas como os Angrarii, os Nordalbingii, os Westfálios e os Ostfálios.

Como outros contribuintes neste volume, o autor também procura por possíveis indicadores da emigração dos Saxões para a Inglaterra, mas compartilha das dúvidas surgidas pelo exame recente da região dos Anglos na Jutlândia, onde o declínio populacional foi menos severo e pode ser analisado de modo cronologicamente diferente, sem o recurso à teoria da migração. Resultados similares, agora disponíveis para a área saxônia, fortalecem estas dúvidas. Ademais, o mesmo fenômeno pode ter ocorrido em outros lugares (como com os Alamanos ou os Francos), sem a necessidade da utilização de complexas hipóteses migratórias para explicá-los.

Também deve ser notada como bem-vinda a atenção dispensada às mulheres, para as quais o risco de morte na pré-história sempre foi maior que para os homens. A civilização Romana trouxe algumas melhoras para a condição das mulheres nas províncias ocidentais, como testemunhado pelos achados nos cemitérios escavados que apresentaram tanto considerável diminuição no número de restos mortais pertencentes a mulheres em idade parturiente quanto na elevação da sua expectativa de vida. Dados como estes evidenciam o que Siegmund apresenta como um risco de morte mais balanceado entre ambos os sexos.

Em “Jural relations among the Saxons before and after Christianization” (p. 113-132) Giorgio Ausenda inicia sua contribuição sobre as relações jurídicas entre os Saxônios antes e depois de sua conversão ao Cristianismo, argumentando que antes deste ponto de inflexão os saxões continentais constituíam uma “sociedade simples” ágrafa e regulada por costumes. Após a conversão eles fizeram a transição para uma sociedade complexa, fazendo uso de leis escritas. Portanto, neste texto Ausenda procura detectar sobrevivências de leis costumárias anteriores nas primeiras leis escritas concernentes aos Saxônios. Como a discussão posterior demonstra amplamente, isto provocou um debate animado e prolongado acerca do que constituiria uma “sociedade simples”, sobre o relacionamento de tal sociedade com a oralidade e a escrita (rúnica ou outra) e, de fato, sobre os diferentes significados que devemos agregar ao termo “alfabetização” quando aplicado às runas e à escrita romana.

O artigo começa observando as leis escritas de duas outras sociedades relacionadas aos Saxões Continentais em período anterior ou a seus vizinhos. Os Anglo-saxões são discutidos em relação às leis de Æthelbert de Kent e os Longobardos (só denominados como Lombardos após o fim de seu reino independente) em relação ao Édito de Rothari. As respectivas compensações por ferimentos (wergeld) estabelecidas por estes dois códigos são comparadas de forma tabular. Iluminados por estes dois paralelos, foram discutidos os três conjuntos de “leis saxônicas”, ou melhor, de leis aplicáveis aos Saxões Continentais mas emitidas pelos Francos. O primeiro conjunto (e também mais severo) é o Capitula de partibus Saxoniae (com suas medidas de cumprimento de ordem pública e conversão compulsória), o segundo – e menor – é o Capitulare Saxonicum (rascunhado durante um concílio ocorrido em Aachen, com a participação dos Saxônios) e, por último, a Lex Saxonum (possivelmente elaborada com um olho na legislação costumária dos saxônios).

No ensaio “Rural Economy of the Continental Saxons from the Migration Period to the Tenth Century” (p. 133-158), Walter Dörfler baseou-se nas escavações realizadas em assentamentos rurais para recuperar informações acerca de suas estruturas, diferenciações sociais e econômicas, a função do comércio e a extensão da auto-suficiência econômica. Embora algumas destas informações possam ser inferidas dos artefatos encontrados (tais como foices, pás e arados), as principais fontes são as análises pedológicas, botânicas e zoológicas. Sua argumentação enquadra-se em diversos aspectos: primeiramente, a arqueozoologia e a pedologia; e então, a arqueobotânica; atividades agrícolas na Era do Ferro romana e na Idade Média inicial; finalmente, um sumário e conclusões.

A partir deste levantamento surgem numerosas questões, concernentes não apenas aos Saxões Continentais, mas também aos Anglo-saxões. Dörfler estabelece a partir de suas evidências que houve um claro rompimento nos assentamentos na Saxônia entre os séculos VI e VIII (contudo, o autor aponta que o abandono dos campos na região já havia iniciado por volta do século III), com um considerável declínio nos indicadores de assentamentos entre 450 e 600, coincidindo com o período das Migrações. A maior parte dos assentamentos desapareceu na segunda metade do século V. Contudo, o número de saxões que podem ter ficado para trás é incerto (todavia, certamente o suficiente para justificar a fortificação de Danevirke no início do século VIII). Para alcançar suas conclusões, Dörfler utilizou-se de “micro-resquícios” botânicos para reconstruir a paisagem natural deste período e as mudanças conectadas às atividades de assentamento.

No ensaio “The Beginnings of Urban Economies among the Saxons” (p. 159-192), Heiko Steuer argumenta que antes da incorporação do território dos Saxônios ao império Carolíngio, a nobreza saxônia monopolizava o comércio e a produção artesanal, além de supervisionar a distribuição dos bens. O território saxônio encontrava-se cercado por economias mais desenvolvidas, voltadas para formas pré-urbanas de organização, nas quais existiam formas monetárias de circulação da riqueza e possuíam o comércio regulado por mercadores. A Saxônia manteve-se na periferia até a segunda metade do século VIII, quando foi influenciada pelo império Carolíngio e sua estrutura econômica; Steuer primeiro analisa os Saxônios e os Carolíngios, estendendo sua discussão até o império Otônida, que viu os Saxônios em uma nova posição: o centro político de um Império Romano revigorado.

Daí segue uma seção sobre a rede de centros pré-urbanos e a circulação de bens, outra sobre a reforma Carolíngia da cunhagem e outra sobre novos mercados. O ensaio é concluído com um levantamento de fortalezas, mosteiros e sés diocesanas ou episcopais como centros pré-urbanos em território saxônio.

Desde o início fica claro que havia uma considerável diferença entre a Saxônia e os domínios dos Francos antes da integração da primeira na grande esfera econômica e política dos segundos. O trabalho missionário junto aos saxônios foi preparado não apenas para o proselitismo, mas também como um veículo para a incorporação dos conversos em novas atividades políticas e econômicas, resumidas no estabelecimento de laços comerciais, grandes concentrações populacionais e novos distritos legais, juntamente com fortificações exercendo funções centralizadoras. A reforma da cunhagem é vista como uma mudança especialmente importante e iluminada, de numerário baseado em ouro (entesourado e difícil de ser obtido) para um padrão baseado em prata (muito mais acessível), que tornou possível a transição de uma economia de escambos locais para atividades comerciais de longa distância. Este processo também compreendeu centros de comércio marítimo, sobretudo nos dois extremos da região friso-saxônia: os portos de Dorestad (no oeste) e Haithabu na Jutlândia.

No ensaio “Saxon Art between Interpretation and Imitation: the Influence of Roman, Scandinavian, Frankish, and Christian Art on the Material Culture of the Continental Saxons AD 400-1000” (p. 193-246), Karen Høilund Nielsen baseou-se em diferentes tipos de arte e artesanato para traçar as influências romanas, escandinavas, francas e cristãs na cultura material dos Saxões continentais entre os anos 400 e 1000. Ela apresenta esta sequência em quatro estágios: primeiro, uma tentativa saxã de criar uma identidade particular a partir da tradição romana. Em segundo, a influência escandinava no norte da área saxônia, que nunca levou à produção local. Em terceiro, a influência franca no sul que, provavelmente, também nunca ocasionou produção local. Finalmente, as influências carolíngias/cristãs que submergiram o que havia sido a cultura material tradicional saxônia.

Em concordância com esta visão essencialmente negativa de qualquer independência cultural dos saxônios, sua argumentação inicia com a forte influência da tradição romana tardia na região do Elba-Weser. A despeito desta dependência em modelos romanos, ela enfatiza que a qualidade do material saxônio é geralmente superior. Uma seção mais ampla discute as influências impostas de direções diferentes: Escandinávia e Frância, com a escandinava bem atestada nas bracteates (moedas mais leves, cunhadas em apenas um lado, que demandavam menores quantidades de metal, em média 0,9g). Já a influência franca pode ser detectada em peças que apresentam estilos semelhantes aos encontrados na Austrásia (mas também na Nêustria e mesmo na Alemânia). A estas influências foi acrescentada a tradição cristã, representada pelo assim chamado estilo Tassilo (que não era distintamente Saxônio, mas muito disseminado), pelo relicário de Enger (que dificilmente foi produzido na Saxônia) e broches com santos ou animais sagrados. Esta última seção resume a rendição final dos Saxônios à religião e política do império Carolíngio.

Dennis H. Green, em seu texto “Three Aspects of the Old Saxon Biblical Epic, The Heliand” (p. 247-270) lida, evidentemente, com o anônimo épico literário bíblico Heliand, uma vida de Cristo composta no século IX em versos aliterativos tradicionais germânicos. Green realiza uma comparação e ao mesmo tempo uma contrastação entre esta obra e o que Beda reporta acerca da composição do Hino de Cædmon em Inglês Antigo. Ambas as obras empregam a técnica de acomodação linguística na busca de equivalentes vernaculares para os conceitos bíblicos (por exemplo, descrevendo Cristo como o líder de poucos escolhidos em termos que sugerem que eles eram membros de um bando guerreiro germânico). O que parece ser uma concessão cristã ao passado germânico é, contudo, muito diferente de uma Germanização do Cristianismo, mas, em efeito, uma Cristianização dos Germânicos, sendo que aqui o autor adota uma postura francamente hostil a James C. Russell (The Germanization of Early Medieval Christianity, Oxford: OUP, 1994) e G. Ronald Murphy (The Saxon Savior, Oxford: OUP, 1989 e The Heliand – The Saxon Gospel, Oxford: OUP, 1992).

Isto fica claro nos três aspectos sob os quais o Heliand foi discutido. O primeiro trabalha com o relacionamento entre as literaturas em Inglês e Saxão Antigos, com foco na forma em que as obras foram entregues às suas audiências e por estas recebidas (por recital público aos ouvintes ou como texto para a leitura individual – grande preocupação de outra obra do autor, Medieval Listening and Reading – The primary reception of German literature 800-1300, Cambridge: CUP, 1994). O Hino de Cædmon é visto em termos da primeira possibilidade, enquanto que o Heliand combina ambas. O segundo aspecto abre com a questão da relação entre a visão pagã do destino e o conceito cristão de Providência (o autor do Heliand subordina termos da esfera mais antiga para expressar visões posteriores). Finalmente, o Heliand proporciona evidências mostrando como a Cristandade reagiu aos valores heroicos e marciais do mundo germânico. Aqui também a mensagem cristã impôs-se à tradição germânica.

Em “Beyond Satraps and Ostriches: Political and Social Structures of the Saxons in the Early Carolingian Period” (p. 271-298), Ian Wood expressa insatisfação com a maneira com que as evidências relativas aos Saxônios muitas vezes são tratadas com desrespeito em relação à cronologia. Para remediar esta situação ele considera as evidências escritas acerca das estruturas políticas e sociais dos Saxônios em sequência histórica, esperando assim iluminar atitudes cambiantes nestas fontes ou sua prontidão em emprestar ou adaptar material mais antigo.

Partindo de Beda como a fonte substancial mais antiga em sua descrição dos Antiqui Saxones, Wood ilumina o uso que o Venerável fez da palavra satrapae, observando suas ocorrências bíblicas, mas também em dois comentários bíblicos do próprio monge anglo-saxão, assim como em outras fontes latinas. A descrição de Beda destaca-se por sua relevância em relação à missão dos anglo-saxões no continente, apresentando um mundo ainda por ser convertido. Bonifácio também estava ciente das muitas entidades populacionais cobertas pelo termo “Saxônia”. Todavia, a despeito da óbvia importância de sua missão entre os Saxônios, nenhuma obra hagiográfica importante os descreve ou ao seu território com detalhes.

O próximo grupo de fontes consideradas provém do período carolíngio, como seus anais e sua legislação, portadores da reveladora distinção entre três povos na Saxônia: Westfálios, Angrarii e Ostfálios. Os próximos textos considerados são as Historiae de Nithard e a Vita Lebuini antiqua (com suas referências à assembleia dos Saxônios em Marklo). De grande interesse, se bem que não confiável, é a obra de Rodolfo de Fulda, com sua surpreendente afirmação de que ao invés dos Saxões terem migrado para a Britânia, na verdade eles é que de lá migraram para a Germânia, proporcionando assim aos Saxônios uma etnogênese similar à de outras tribos, ao menos no topos relacionado ao deslocamento marítimo, derivado da Eneida.

Widukind de Corvey (um descendente do guerreiro saxônio Widukind do século VIII) dedicou sua obra a Matilda, filha de Otto I, identificando-a como uma descendente do mesmo ancestral. Sua Res gestae Saxonicae também providencia aos Saxônios uma respeitável etnogênese de acordo com seu status imperial de fins do século X. Este historiador, por duvidoso que seja, nos provê com a mais completa descrição das origens dos Saxônios.

Questões religiosas, incluindo seu possível reflexo na literatura em Saxão Antigo, são discutidas no ensaio de John Hines, “The Conversion of the Old Saxons” (p. 299-328). Ele também inicia com Beda, uma testemunha considerada como confiavelmente informada acerca da organização social dos Saxões Continentais e sobre o que ele diz a respeito de seus satrapae no lugar de um monarca. Se isto implica em alguma medida de fraqueza política (e assim pode ter sido), tivesse a estrutura social saxônia sido mais centralizada, os resultados de suas lutas contra Carlos Magno e contra a conversão ao Cristianismo poderiam ter sido bem diferentes.

Nosso conhecimento do paganismo Saxônio foi contaminado pela presença dos Francos, já que as fontes disponíveis a este respeito revelam um duplo ponto de partida: elas são tanto Cristãs quanto Francas. Já que é o reino Franco que detalha o que descrevia o que estava confrontando, estas fontes precisam ser tratadas com grande cuidado.

Um aspecto desta questão que dominou a discussão subsequente a este ensaio, foi a forma com que a historiografia franca apresentou a conversão dos saxônios em termos altamente individualizados, como um conflito entre Carlos Magno, o governante do imperium christianum, e Widukind, o líder pagão local. Esta visão estreita foi muito ampliada por Hines, referindo-se ao apoio que Widukind recebeu do rei danês; assim, o saxônio pode ser visto como um lutador pertencente a um sistema político e religioso (não Cristão e mesmo “norte-germânico”) ao invés de outro, o império Carolíngio.

Em seu tratamento da literatura em Saxão Antigo, Hines ressalta que como os scriptoria onde estas obras foram compostas (Corvey, Fulda e Verden), estão localizados no oeste e no sul da Saxônia (portanto afastados das áreas que permaneceram pagãs por mais tempo), então estes textos acabam assumindo aspectos marginais e intrusivos em relação à questão. Também enfatizou o fato de que esta literatura não pode, de maneira alguma, ser interpretada como uma “Germanização do Cristianismo”, em consonância com as ideias expressas anteriormente por Dennis Green.

Como foi dito no início desta resenha, muitas questões permaneceram não discutidas, tanto pelo tempo limitado do colóquio quanto pelo número restrito de especialidades representadas em San Marino. Isto fica patente nas discussões subsequentes a cada ensaio, mas de forma muito mais contundente em boa parte do último dia do evento, reservado para um olhar mais prolongado aos temas abordados e as probabilidades de trabalhos futuros. Isto foi resumido no fim do volume sob o título “Current Issues and Suggested Future Directions in the Study of the Continental Saxons” (p. 329-352) de F. Siegmund e G. Ausenda.

Toda a série Studies in Historical Achaeoethnology possui um valor extraordinário para os medievalistas em geral, mas ainda maior para os pesquisadores voltados para o estudo das populações germânicas que moldaram a Europa após o Império Romano. Nas últimas décadas houve um crescimento considerável no número e na qualidade das obras dedicadas à análise da etnogênese dos povos germânicos, como as séries Transformations of the Roman World (atualmente com treze volumes) e sua continuação Early Middle Ages (contando com sete volumes) editadas pela neerlandesa Brill, a série Studies in the Early Middle Ages (atualmente com trinta e sete volumes) pela belga Brepols, além de outros.

Porém, nenhum outro volume foi dedicado exclusivamente aos saxônios, embora as perspectivas reveladas neste volume, particularmente em relação à publicação de futuros trabalhos, especialmente relativos às escavações arqueológicas realizadas na Saxônia, prometam novos desdobramentos e publicações futuras. Assim, o valor de The Continental Saxons from the Migration Period to the Tenth Century como um compêndio acerca dos saxônios, mantém-se intacto.

Vinicius Cesar Dreger de Araujo – Centro Educacional Anhanguera – Pós-graduação (Santo André e Osasco). E-mail: [email protected]


GREEN, Dennis H.; SIEGMUND, Frank (Ed.). Continental Saxons from the Migration Period to the Tenth Century: An Ethnographic Perspective. Woodbridge: Boydell, 2003. (Studies in Historical Archaeoethnology 6). Resenha de: ARAUJO, Vinicius Cesar Dreger de. Contribuições para a elucidação da etnogênese saxônia. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.12, n.1, p. 152-160, 2012. Acessar publicação original [DR]

História | UEG | 2012

Historia da UEG Los gobiernos progresistas latinoamericanos

A Revista de História da UEG (Morrinhos, 2012-) é uma publicação do Programa de Pós Graduação em História da UEG (PPGHIS), Campus Morrinhos.

É um periódico de fluxo contínuo (ahead of print) que tem como objetivo publicar artigos, resenhas, notas, dossiês, entre outros, de professores e pesquisadores de instituições de ensino e pesquisa de prestigio regional, nacional e internacional, preferencialmente na área da História ou áreas afins (Geografia, Teologia, Ciências Ambientais, Letras, Sociologia, Antropologia, etc), desde que tenham convergência com uma análise historiográfica das fontes e no uso de conceitos relativos ao fazer histórico.

Periodicidade semestral.

Acesso livre.

ISSN 2316-4379

Acessar resenhas

Acessar dossiês

Acessar sumários

Acessar arquivos

Churches in Early Medieval Ireland: Architecture, Ritual and Memory | Tomás Ó Carragáin

This book emanates from a doctoral thesis completed in 2002 by Tomás Ó Carragáin. He is currently a lecturer at the Department of Archaeology, University College Cork, Ireland. It is a very elegant edition, printed on large pages, it literally looks like a History of Art book due to the many beautiful photographs it contains of the early Irish churches and their surrounding landscapes. It would be a suitable adornment for any coffee table. The contents can equally interest archaeologists, historians, historians of art, and even well informed tour guides in Ireland who want to gather information about particular sites. Its Appendix provides a descriptive list of Irish PreRomanesque Churches and its bibliography is very useful for both historians and archaeologists of early Christian Ireland. The fact that the notes have been published as endnotes rather than footnotes, while enhancing the visual attractiveness of the text, renders them rather unhelpful to the reader; particularly because the full reference of the works are not given in the notes. Consequently, every time the reader wants to check a reference it is necessary to look up the notes at the end and the bibliography, turning a huge volume of large heavy pages in the process.

Ó Carragáin’s study is about the pre-Romanesque churches built in Ireland from the arrival of Christianity in the island in the fifth century to the early stages of the Romanesque style around 1100 [1]. Therefore, far from being simply an exhaustive descriptive work of churches and monasteries and their respective architectures, or of excavation reports, it provides some interesting and updated analysis of the usage of those religious sites, analysing its social and political associations. The chosen structure for the book is both chronological and thematic. Consequently, I found it easy to follow the arguments. In the process, the author has crafted a fruitful balance between the material culture and the textual historical evidence.

In the first part of his Introduction he locates his work within a historiographical framework in which he discusses previous writings and interpretations of these churches’ architectures. An interesting aspect of this work derives from how he positioned himself in the middle-ground when discussing whether Ireland was an odd place in the Middle Ages or whether it was completely in line with other European countries and its movements [2], in terms of its art and architecture style, aspects of Christianity and it’s politics. He concluded that Ireland is not completely different from the rest of Western Europe but as differences are realities ‘they are often more revealing than similarities’ (p. 8). I do not agree entirely with that sentence, as such a determination depends on the focus and aims of a given piece of research. In many cases the study of similarities could provide lots of interesting insights. Even though, in this particular book we are offered an equilibrated use of comparative observations between Ireland, England and the Continent identifying both disparities and similarities.

In his discussion on early Irish Church organization, he has tended to agree with recent studies which argue that the Church did not suffer cycles of corruption and reform but experienced continuity throughout the period. This perspective departs from an older orthodoxy that the Irish Church in Patrick’s time was based on an episcopal model which was superseded by a monastic model. He agrees that the highest rank of churches were multi-functional and that the Irish church settlements, especially the bigger ones, such as Clonmacnoise, Glendalough, Kildare, and Armagh, were in fact episcopal-monastic centres rather than purely monasteries [3], thus both bishops and abbots were important figures in these contexts (p. 9).

In chapter one, “Opus Scoticum: Churches of Timber, Turf and Wattle”, (p. 15‒47), he analyses the architectural structure of the churches made with these materials. Most of the churches built before c. 900 were probably not made of stone, and certainly after this period these materials were used as well as stone to build churches. Ó Carragáin has acknowledged that little is known archaeologically about them. His argument in that informs the entire book. It is that some of these churches were modelled according to a Romano-British style; while others were designed to allude to the tomb of Christ in Jerusalem. So, they were read by the Irish literati [4] as representations of the Jerusalem temple and were associated with their founding saints. Subsequently, its quadrangular form was monumentalized by the Irish who in later periods keep this style relinquishing any search for other complex types of buildings.

The very short chapter two, “Drystone Churches and Regional Identity in Corcu Duibne”, (p. 48‒55), as the title suggests, is about the drystone type of churches which are only found in the south-west area of Ireland, (facing the Atlantic), area of Co. Kerry, as shows on maps 1 and 4. They date from the eight century onwards and are not found elsewhere. It used to be believed that they were a step in an evolutionary typology of the double-vaulted roof, a theory disregarded by Ó Carragáin. He suggests that 86% of such churches are distributed on the Iveragh peninsula and western end of the Dingle peninsula, regions which formed the early medieval kingdom or Corcu Duibne. The other 14% is spread around the Corcu Duibne’s domains. He concludes that those churches positioned within the Corcu Duibne area should not be understood as a material strategy of differentiation representing their association with St. Brendan the Navigator’s cult, because the Corcu Duibne geographical area was dedicated to a number of other saints. Nevertheless, the other sparsely located churches may be evidence of St. Brendan’s cult expanding beyond the immediate Corcu Duibne area. Though his interpretation is based on some previous works but the claim is underdeveloped, while this may be because there are not enough archaeological or textual sources to support the claim, thus it remains rather speculative rather than warranted by available evidence.

Chapter Three, “Relics and Romanitas: Mortared Stone Churches to c. 900”, (p. 57‒85), is about the important sites where mortared stone churches were built during the eighth and ninth centuries while most of the other churches were still being built with other materials. They constitute symbolic architecture and therefore, symbolic places. For the sacrality of those sites he returns to some discussions developed by some scholars, especially by Charles Doherty and Nicholas Aitchison whose work avails of concepts from comparative religion. His argument is that the first large stone church built in the eight century in Armagh, was associated with the ideal of Romanitas [5], as an imitatio Romae. While the other early stone churches built at other important religious centres, Iona and Clonmacnoise, were inspired by biblical cities of refuge, such as, Jerusalem, and in particular with the Jerusalem temple, and with the Holy Sepulchre Complex, carrying the ideal of imitatio Hierusalem. In these sites a novelty was also built, little shrine-chapels, where the remains of the dead founder saints were deposited. They were usually built on top of the original tombs of the saints, but some saint’s remains may had been transferred to shrine-chapels. From a political perspective, it appears that the construction of these stone churches had been supported by local kings thus contributing to the rivalries among these churches and their prominence in Ireland. The positioning of these sites on the landscape and their architecture carried cosmological value, as centres of the world, or microcosms.

In the following chapter, “Pre-romanesque churches of mortared stone, circa 900‒1130: form, chronology, patronage”, (p. 87‒142), Ó Carragáin has described their form, their distribution in the country and the involvement of kings in commissioning the earlier ones. In Chapter 5 “Architecture and Memory”, (p. 143‒166), he discusses the concept of social memory and analysed it in the Irish context in order to comprehend the conservative form of these churches. Tension between continuity and change within a building tradition is analysed and associated with the disconnection between immutable form and mutating social context, revealing conscious manipulation of the past in order to suit the needs of the present. In the construction of this argument he accessed a study of a Chinese village in the second half of the twentieth century, as a mode of comparison. Within this logic he observes a preoccupation with the past as expressed through the medium of medieval art. He highlights that from c. 900 onwards Ireland was suffering political, economic, social and military changes which stimulated among the Irish literati a desire to preserve the past, and this was reflected in the conservatism of the churches and the style in which they were built by the early saints. He affirms that “like the historical writing of the tenth to twelfth centuries, the stone churches were intended to make the past continuous with the present”, (p. 149).

“Architecture and Ritual” is the theme of the chapter 6, (p. 167‒214) and here the author searches the material for evidence of the nexus between the architecture of these sites and the ritual enacted on them. As part of this process, he attempts to observe how Mass, consecration ceremonies, baptism, and processions were celebrated. In Chapter 7, “Sacred cities and pastoral centre after 900”, (p. 215‒234), he continues to explore the usage and function of these churches. He opens the chapter by returning to the discussion as to whether or not the big church groups such as Armagh and Clonmacnoise were simply monasteries or cities. In Latin hagiography, the Irish scholars have referred to these sites as civitates, locus and monasterium, (p. 216). Based on Doherty’s and Bradley’s arguments, Ó Carragáin seems to agree that these ecclesiastical sites experienced substantial nucleation. Here the author returns to Cólman Etchingham’s argument that these sites varied in function and affirms that the archaeological evidence supports it. The early Irish churches, although all built in the same quadrangular format, served different purposes. According to him, the term “monastery” is not the most useful one to describe these sites, and posits that “episcopal-monastic centres” or simply civitas may more accurately reflect their multiplicity of functions (p. 216‒217). Although he explains the particularity of what the term civitas meant for the Irish, I consider that since this term is often associated with the Roman concept and structure of civitas and the episcopal centres later developed in them, the term “episcopal-monastic centres” seems most appropriated for the Irish context.

The study of pastoral care in Ireland is a field which continues to require further study and this work is an exciting contribution to the subject. A very interesting argument developed in this seventh chapter is that church sizes cannot be directly associated with the number of people frequenting them, as many factors may have influenced the size of the churches built in the early middle ages. Therefore, little churches may have had a considerable amount of people sharing the space, while bigger churches may have not been filled with people. This means that it is hard to know with certainty the number of dependents of a given church.[6] Therefore, he argues, the amount of small churches built in Ireland may indicate that a larger number of lay people had access to pastoral care than had been thought previously. Because it was believed that only monasteries provided pastoral care, it used to be supposed that the majority of society did not have access to it. However, he argues differently that “because the power structures in Ireland were relatively diffused, a higher proportion of the lay population were entitled to found their own churches”, (p. 226). Consequently, he agrees with recent historians such as Richard Sharpe that, because of this, Ireland may have experienced in the early Middle Ages one of the best structures of pastoral provision in Northern Europe (Blair, J.; Sharpe, R. 1992: 109).

In chapter 8, “Architecture and Politics: Dublin and Glendalough around 1100” (p. 235‒253) he analyses the building of churches in these two sites with Romanesque influences. In this and the following chapter, “Relics and Recluses: Double-vaulted Churches around 1100” (p. 255‒291), he develops a model for the relationship between three phenomenon: architecture, politics and reform. These new style of churches were used to fulfil certain functions, but they were still associated with previous church models discussed throughout the book and also with the past, but with a particular view of this past, as emphasized in his epilogue “social memory is as much about forgetting as it is about remembering”, (p. 302). This interpretation of the Irish church architecture as modelled according to a social memory construct based on a reading of the past situates this work within the field of History of Memory, and therefore, very much in tune with a new trend within Cultural History which has been increasingly explored since the 1970s [7].

In general, Churches in Early Medieval Ireland is an impressive work with considerable potential to contribute to understanding the history of the churches built in Ireland during the Middle Ages, to the motivations behind their erection and to their social function. Many important satellite discussions and arguments around these issues were considered en route by the author and these intellectual detours have provided evidence that enabled him to support or disregard some of his central theses. Whether one agrees or disagrees with Ó Carragáin postulations, this book is definitely indispensable reading material for the researcher of early Christian Ireland engaged in the different fields, archaeology, history, history of art [8].

Notas

1. The author has explained that the term pre-Romanesque church is used for churches without Romanesque features, but it does not necessarily mean that all of these churches predate the arrival of the Romanesque in Ireland. After the construction of the first Romanesque church (c. 1080‒1094) preRomanesque churches were still been built for another half century, (p. 8), and the Romanesque buildings were expressions of the Gregorian reform movement, (p. 235).

2. To follow these discussions Ó Carragáin has suggested: Thomas, 1971; Hughes, 1973; Wormald, 1986; Brown, 1999.

3. For the discussions on the conflict of episcopal and monastic models see: Hughes, 1966; 1972; 2008. For the opposition to this view and updated studies on the subject: Sharpe, 1984; Blair e Sharpe, 1992, in particular Sharpe’s article in this work; Etchingham, 1991; 1993; 1994; 2002; Kehnel, 1997: 28‒46; Charles-Edwards, 2000: 241‒281; Blair, 2005: 43-49;73‒78; Foot, 2006: 265‒268.

4. Ó Carragáin did not define what he is undestanding by the term literati but it has been defined by Bart Jaski as: “a term used in a general sense to refer to those men of learning engaged in composing and writing literary matter, without implying that they formed a uniform body”, p. 329.

5. The concept of Romanitas is also not directly defined, but it is understood in the context. He puts it in terms of opposition such as “in the Roman manner” versus “wooden churches” or “in the Irish manner”, affirming that this dichotomy is evident in Bede’s Historia Ecclesiastica, it seems that in Bede’s opinion a Roman style of church was one built with stones, (p.60‒66).

6. He also supported this argumentation in an article published after the completion of his thesis but before its publication in the book format: Ó Carragáin, 2006: 114.

7. For discussions on this field see Innes, 2000: 6

8. I am thankful to Professor Ciaran Sugrue (UCD) for reading a draft of this review and providing me with some corrections and helpful observations. Therefore any inaccuracy is of my own responsibility

Referências

BLAIR, J. The Church in Anglo-Saxon society. Oxford; New York: Oxford University Press, 2005.

_____; SHARPE, R. (Eds.) Pastoral Care Before the Parish Leicester, London and New York: Leicester University Press, p.298ed. 1992.

BROWN, P. A Ascensão do Cristianismo no Ocidente. Tradução de NOGUEIRA, E. Lisbon: Editorial Presença, 1999. (Construir a Europa). This has originally been published in English: BROWN, P. The Rise of Western Christendom: Triumph and Diversity. Cambridge: Blackwell, 1996. (The Making of Europe).

CHARLES-EDWARDS, T. M. Early Christian Ireland. Cambridge: Cambridge University Press, 2000.

ETCHINGHAM, C. Bishops in the Early Irish Church: A Reassessment. Studia Hibernica, n. 28, p. 35-62, 1994.

_____ Church Organization in Ireland A.D. 650 to 1000. 2nd. ed. Maynooth: Laigin Publications, 2002.

_____ The Early Irish Church: Some Observations on Pastoral Care and Dues. Ériu, v. 42, p. 99-118, 1991.

_____ The Implications of Paruchia. Ériu [S.I.], v. 44, n. A, p. 139-162, 1993.

FOOT, S. Monastic Life in Anglo-Saxon Englan, c. 600‒900. Cambridge: Cambridge University Press 2006.

HUGHES, K. Early Christian Ireland: Introduction to the Sources. The sources of History Limited and Hodder and Stoughton Limited 1972. (The Sources of History: Studies in the Uses of Historical Evidence).

_____ Sanctity and secularity in the early Irish Chruch. In: BAKER, D. (Ed.). Studies in Church History. New York, 1973

. _____ The Church in Early Irish Society. London: Methuen & Co. Ltd, 1966.

_____ The Church in Irish Society, 400‒800. In: Ó CRÓINÍN, D. (Ed.). A New History of Ireland: Prehistoric and Early Ireland. Oxford: Oxford University Press, 2008. Cap.ix. p. 301-330. (A New History of Ireland).

INNES, Mathew “Introduction: Using the Past, Interpreting the Present, Influencing the Future”. In: INNES, M.; HEN, Y. (eds.) The Uses of the Past in the Early Middle Ages. Cambridge: Cambridge University Press, 2000. p. 1‒8.

JASKI, Bart. “Early Medieval Irish Kingship and the Old Testament.” Early Medieval Europe 7 (1998): 329‒44.

KEHNEL, A. Clonmacnois— the Church and Lands of St. Ciarán: Change and Continuity in an Irish Monastic Foundation (6th to 16th Century). Münster: Lit Verlag, 1997. (Vita Regularis: Ordnungen und Deutungen religiosen Lebens im Mittelalter).

Ó CARRAGÁIN, T. Church Buildings and pastoral care in early medieval Ireland. In: FITZPATRICK, E.; GILLESPIE, R. (Ed.). The Parish in Medieval and Early Modern Ireland. Dublin: Four Court Press, 2006. p. 91‒123.

SHARPE, R. Some problems concerning the organization of the church in early medieval Ireland. Peritia, v. 3, p. 230‒270, 1984.

THOMAS, C. The early Christian archaeology of North Britain. London, 1971.

WORMALD, P. Celtic and Anglo-Saxon kingship: some further thoughts. In: SZARMACH, P. E. (Ed.). Sources of Anglo-Saxon Culture. Kalamazoo, 1986.

.Elaine C. dos S. Pereira Farrell – PhD scholar University College Dublin (UCD). Funded by the Irish Research Council for Humanities and Social Sciences (IRCHSS). Laboratório Interdisciplinar de Teoria da História, Antiguidade e Medievo (LITHAM). Translatio Studii—Núcleo Dimensões do Medievo. E-mail: [email protected] [email protected]


Ó CARRAGÁIN, Tomás. Churches in Early Medieval Ireland: Architecture, Ritual and Memory. New Haven and London: Yale University Press, 2010. (Paul Mellon Centre for Studies in British Art Series). Resenha de: FARRELL, Elaine C. dos S. Pereira. Early Irish Churches: form and functions. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.11, n.2, p. 85-90, 2011. Acessar publicação original [DR]

Handbook of South American Archaeology – SILVERMAN; ISBELL (C-RAC)

HANKS Michele direita e SILVERMAN Helaine esquerda 2014 www.youtube.com Los gobiernos progresistas latinoamericanos
Michele Hanks (direita) e SILVERMAN Helaine Silverman (esquerda) em 2014. www.youtube.com.

SILVERMAN H S Handbook of South American Archaeology Los gobiernos progresistas latinoamericanosSILVERMAN, Helaine Silverman; ISBELL, William H. (Ed.) Handbook of South American Archaeology. New York: Springer, New York, 2008, pp. 1191. Resenha de: MEGGERS, Betty J. Chungara – Revista de Antropología Chilena, Arica, v.43 n.1, p.147-157, jun. 2011.

The Handbook of South American Archaeology is a landmark not only because of its continental coverage, but because it is the first multi-authored volume in English since the 7-volume Handbook edited by Julian Steward and published by the Smithsonian Institution more than half a century ago. Two other multi-authored overviews have been published in the interim, but both are in Spanish and consequently have received minimal attention from US archeologists. All the authors in Prehistoria Sudamericana: Nuevas Perspectivas (Meggers 1992) are natives of the countries they discuss and continental coverage is even, all countries represented by one or two Chapters except for Brazil, which is represented by six. All except five of the 26 Chapters in Formativo Sudamericano: una Revaluación (Ledergerber-Crespo 1999) are SouthAmericans and national coverage is also relatively even, ranging from three to five Chapters for most countries.

In this Handbook, more than half of the authors are foreign and the geographical coverage is uneven. Although some parts of the continent provide a general overview of regional cultural development, specifically northern Chile (Chapter 48), South American pampas and campos (Chapter 14), the Guianas (Chapter 16), and Venezuela (Chapter 23), most Chapters focus on part of the local sequence, among them early occupations in the Southern Cone (Chapter 4), on the north coast of Chile (Chapter 3), and in the Peruvian highlands (Chapter 9); preceramic coastal adaptations in Peru (Chapter 10) and southern Brazil (Chapter18); the Formative period on the coast of Ecuador (Chapters 5, 24) and in the Titicaca Basin (Chapter 28); chiefdoms in Brazil (Chapter 19), Colombia (Chapters 21, 22), and highland Ecuador (Chapter 27); regional polities in Ecuador (Chapters 25, 26) and south coastal Peru (Chapter 29), and states and empires in the central Andes (Chapters 31, 36, 39, 40). Cultural development in the Amazon basin is discussed in Chapters 11, 12, 20, 33, 46, 47. Earthworks are described in lowland Bolivia (Chapter 11), on the coast of the Guianas (Chapters 13, 16, 17), and in eastern lowland Ecuador (Chapter 15). Three Chapters provide overviews of plant domestication (Chapter 7), animal domestication (Chapter 8), and the peopling of the continent (Chapter 2). Other specialized topics include the khipu (Chapter 41), ancestor images (Chapter 51), and trophy heads and human sacrifice in the Andes (Chapter 52).

Although the emphasis varies, the temporal and spatial distributions of settlements, artifacts, subsistence, burials, ritual features, and other cultural remains are described and interpreted in most of the chapters, often in the context of the impact of environmental fluctuations. Treatment is typically even-handed and objective, changes in interpretation as a result of new evidence are often described, and when experts disagree, the relative merits of their views are assessed. Interpretations of the social significance of architectural features, settlement pattern, site density, luxury goods, and other archeological remains are limited to general categories (elite, commoners, specialists). No effort is made to identify linguistic affiliations except in Amazonia. The existence of Chapters describing comparable levels of social complexity in different regions, such as the emergence of chiefdoms in the highlands of Colombia, Ecuador, and Peru, makes it possible to evaluate the impact of environmental differences on cultural adaptation.

The astute reader will notice a significant contrast between the content and interpretations in the Chapters on the Formative Period of coastal Ecuador and on Amazonia and those on the rest of the continent. In part, this reflects the fact that archeological evidence is limited primarily to pottery, both regions being characterized by warm humid climates in which stone is rare and perishable materials, including most artifacts, architectural features, human skeletal remains, and subsistence remains rarely survive. However, the discussions of these two regions also suffer from another deficiency; namely, the abandonment of traditional theoretical approaches for interpreting the archaeological record.Also, in contrast to the other chapters, these authors do not discuss the substantial evidence that disagrees with their views although it is unfamiliar to most archaeologists. Consequently, I appreciate the opportunity to explain the implications of their approach both for reconstructing prehistoric cultural development in the tropical lowlands and for the future of archaeology as a scientific discipline.

Criteria for Evaluating Cultural Similarities

Like biologists, who use genetic criteria to distinguish common ancestry from evolutionary convergence and independent development to explain morphological similarities in plants and animals in widely separated regions (such as columnar cacti in the southwestern US and northwestern Argentina), and geologists who use chemical composition to differentiate similar appearing rocks and minerals, archaeologists have traditionally used details of decoration on pottery to distinguish diffusion from independent invention. Pottery is ideal for this purpose because it can be decorated using an essentially unlimited number of techniques and motifs without affecting the utility of the vessel, making independent duplication of identical decoration unlikely. Several Chapters in this Handbook use differences in pottery to identify the origins of contemporary populations, but this criterion is ignored by James Zeidler (Chapter 24) in interpreting the origins of the Valdivia and Machalilla ceramic traditions on the coast of Ecuador and by Eduardo Neves (Chapter 20) in reconstructing the origin of pottery in Amazonia. Another widely accepted theoretical position involves identifying intrinsic environmental limitations and intermittent climatic fluctuations and estimating their impact on cultural complexity. Contrary to Sandweiss and Richardson (Chapter 6), who state that “understanding climatic change and natural disasters is critical to reconstructing cultural trajectories in the Andes” (p. 101), the authors of the Chapters on Amazonia (especially Chapters 11, 12, 33, 46, and 47) argue that “disturbance caused by human activities is a key factor in shaping biodiversity and environmental health” (p. 158). The consequences of ignoring these traditional approaches become evident when the evidence is examined.

The Origin of New World Pottery

The archeology of coastal Ecuador was essentially unknown prior to the 1950’s when Emilio Estrada began his fieldwork. He identified three Formative ceramic traditions, which he named Valdivia, Machalilla, and Chorrera. His definitions of Valdivia and Machalilla were expanded by subsequent fieldwork by Meggers and Evans and detailed descriptions were published in 1965 in Volume I of the Smithsonian Contributions to Anthropology. Although he had no archaeological training, Estrada recognized that the diagnostic decoration of the three traditions was distinct, implying different antecedents, and searched the literature for similar complexes in the Andes and Mesoamerica without finding any significant resemblances. Being brainwashed by graduate training, we did not think of looking outside the Americas, but Estrada had no such inhibitions and wrote us one day that Valdivia decoration looked to him a lot like Jomon. We were able to get funding to go to Japan in 1963 and traveled from Tokyo to southern Kyushu armed with photographs of Valdivia sherds to compare with pottery from Early and Middle Jomon sites. The closest resemblances we found were concentrated in collections from Ataka, Sobata, and Izumi on the west coast of Kyushu dating from the Early Middle Jomon Period.

Valdivia pottery appears about 6,000 BP on the coast of Ecuador with no local antecedents and the decoration is diverse in technique and motif from the beginning. The Meggers, Evans & Estrada 1965 Smithsonian monograph contains 26 plates that illustrate the same range of variation in technique and motif in broad-line incised, zoned incised, zoned punctuate, pseudo corrugated, multiple drag-and-jab, shell combed bands, overall shell scraped, finger grooved, excised, rocker stamped, drag-and-jab punctuate, and cord impressed decoration from Valdivia and Jomon sites. A photograph of a distinctive early technique consisting of a row of finger-tip impressions on the interior of the shoulder producing a low boss on the exterior, which we did not encounter during our visit to Kyushu, was sent to us recently by a Japanese colleague. In spite of the diversity and identity of the duplications between Valdivia and Jomon decoration, Zeidler asserts that “technological convergence or parallelism would seem to be a more parsimonious explanation for the beginnings ofValdivia pottery than transpacific diffusion from the Jomon culture” and that “early trade… may have spread the idea of pottery making from antecedent ceramic complexes in the Amazon basin” (p .462). In accord with his acceptance of an Amazonian origin for Valdivia pottery, Zeidler considers that “Lathrap has persuasively argued that Valdivia represents a tropical forest culture pattern… whose ultimate origins are linked to early population dispersals from the Amazon basin” (p. 462). He does not specify what these similarities are and the absence of evidence for sedentary communities earlier than Valdivia anywhere in the eastern lowlands, as well as the absence of any similarity between the environments of the two regions, make this theory unpersuasive.

These alternatives not only dismiss the significance of the duplication of multiple arbitrary features of abstract decoration for inferring cultural relationship, but fail to recognize the magnitude and diversity of other evidence supporting the Jomon origin of Valdivia pottery. Pottery was invented in Japan at least 14,000 years ago and by 6,000 BP had diversified into regional styles that differ more from one another than Kyushu Jomon does from Valdivia. A few years ago, another ceramic complex contemporary with Valdivia was discovered at San Jacinto on the north coast of Colombia that has decoration resembling the Jomon Flame Style on the west coast of Honshu, famous for its elaborate castellated rims decorated with zigzag appliqué, cord impression, and modeling. Like Zeidler, Augusto Oyuela-Caycedo (Chapter 22) denies a transpacific introduction in spite of the absence of local antecedents, the unique character of the decoration, and the contemporaneity of the Jomon and Colombian ceramic complexes (see Meggers 2005).

Since watercraft was available in Japan from at least the Paleolithic and its use for deep-sea fishing is documented by faunal remains in shell middens, why is there no earlier evidence of transpacific voyages? Given the antipathy of archaeologists to the possibility, it is likely that clues have been ignored, but the timing of the Valdivia-San Jacinto introductions can be explained by the catastrophic eruption of Kikai volcano off southern Japan about 6,300 BP, which deposited 40 cm of ash on Kyushu and lesser amounts as far north as central Honshu, causing landslides and slope erosion, decimating the population, and covering the land and the ocean with pumice. The impact of the eruption on the Jomon population is reflected in the density of one habitation site per 100 km² on Kyushu versus one site per 10 km² on the northern island of Hokkaido and one site per km² on Honshu during the Middle Jomon Period.Any fishing boats at sea would have been trapped in the pumice and swept north by the Black Current across the Pacific and down the west coast of the Americas as far as Ecuador. There, survivors would have encountered people living much as they did in Japan, but lacking pottery.

The ceramic evidence for prehistoric transpacific immigrants from Japan is also supported by epidemiological and genetic similarities between Japanese and prehistoric Andean populations that could not have evolved independently or been introduced across the Bering Strait. Among them is the human T-cell leukemia virus HTLV-1, which is transmitted between adult males and females by sexual contact and between nursing mothers and infants. The highest occurrence of carriers today is in Japan, where it reaches 6% in Kyushu; in the Americas, it is restricted to the Andean area. Jomon influence may also be reflected in the sudden adoption of permanent settlement during the Valdivia period on the coast of Ecuador and other intangible innovations, but the assumption of the independent invention of pottery discourages investigation (Raymond, Chapter 5).

In contrast to Zeidler’s denial of any relationship between the identical decoration of Jomon and Valdivia pottery, he accepts the “convincing arguments that the Machalilla ceramic style evolved directly out of the Late and Terminal Valdivia ceramic style” (p. 466), in spite of the absence of any shared characteristics. Machalilla pottery is decorated by double-line incision, embellished or nicked shoulder, black-on-white painting, fine zoned hachure, incised or punctated and red zoned, and narrow or wide red bands, none of which occur in Valdivia. Vessel shapes are also different, including bowls with angular shoulders and jars with stirrup spouts. He does not specify what “convincing arguments” favor local development and the overlap between the initial Machalilla and terminal Valdivia dates leave no space for such a drastic transformation. Nor does he mention the similarities noticed by other archaeologists between Machalilla and several highland Ecuadorian complexes.

A similar discrepancy exists in the acceptance by Zeidler and other authors of the Handbook (Neves, Oliver, Rostain, Isbell) of the pottery from the Taperinha shell midden on the middle Amazon as the earliest in the Americas, in spite of the lack of association between the pottery and the radiocarbon dates (Roosevelt et al. 1991) and the absence of any similarity between Valdivia decoration and that on the three sherds from Taperinha. The lower half of the deposit consists of amorphous shell and is separated from the upper half by a clearly defined sterile layer that implies long-term abandonment of the site. The upper half consists of irregular overlapping strata. All of the dates are from the lower half and most of the pottery is from the upper half. The few sherds encountered below the sterile layer can be attributed to intrusion via pits dug by iguanas or armadillos that frequent the mound. The eleven AMS dates obtained from below the sterile layer extend from 7,090 ± 80 to 6,300 ± 90 BP, making them a millennium earlier than the initial Valdivia and San Jacinto dates and compatible with their preceramic context.

Assuming that Taperinha pottery is earlier than Valdivia and San Jacinto, Roosevelt argues that it could not be derived from them, but she does not consider the possibility that it might be affiliated with a later complex. In fact, the decoration on the only three sherds she has illustrated, consisting of “feathered” incision, zoned parallel lines, and double-line incision, is diagnostic of the Barlovento Phase on the north coast of Colombia, which extended from about 3,600 to 2,800 BP. The most reasonable interpretation of the archaeological evidence is the migration of a few families from a Barlovento site to the central Amazon and their settlement on the abandoned shell midden of Taperinha. The absence of any other sites with similar pottery along the Amazon testifies to their failure to introduce pottery making to the indigenous population.

Whereas accepting an association between the pottery and the radiocarbon dates from Taperinha is a dead end, identification of its Colombian origin raises the question of what motivated the immigrants to leave their homeland. The ceramic sequence on the Caribbean coast of Colombia is the best documented in South America as a result of detailed investigations and publications by Gerardo Reichel-Dolmatoff (1985) and Carlos Angulo Valdez (1981) and the chronology of change in decoration is well defined. The history of climatic fluctuations is also well documented and indicates that parts of the region suffered episodes of drought during this period that affected traditional subsistence resources and stimulated dispersal to adjacent regions (Sanoja and Vargas 2007). The appearance of Barlovento-related pottery on the middle Amazon adds important evidence to the reconstruction of this event.

Amazonia: Anthropogenic Landscape or Counterfeit Paradise?

Although the unique environment of theAmazonian Basin and its limitations for the development of permanent settlements and intensive agriculture have been documented by geologists, paleoecologists, climatologists, botanists, and other natural scientists for decades, Erickson insists that “Rather than adapt to or be limited by the Amazonian environment, humans created, transformed, and managed cultural or anthropogenic (human-made) landscapes that suited their purposes ” (Chapter 11, p. 158) and that “archaeologists have demonstrated that much of Amazonia was occupied by dense populations of urbanized societies practicing intensive agriculture that significantly contributed to creating the environment that is appreciated today” (p. 161). He contrasts this approach, which he calls “historical ecology,” with cultural ecology, which he claims “treats the environment as a static, fixed, often limited resource to which humans adapt” (p. 165) and identifies me as “the main spokesperson” of the latter approach (p. 162).

The goal of historical ecology is to “carefully document and analyze the evidence within its temporal and spatial context for insights into original logic, design, engineering, and intentionality of human actions” (p. 159). The principal authorities he cites, in addition to anonymous “scholars” and “archaeologists,” are William Denevan, a geographer; William Balée, an ethnobotanist; Peter Stahl, a faunal specialist, and Donald Lathrap, an archaeologist who did his doctoral research 50 years ago on the Ucayali. Erickson’s own Amazonian experience is limited to the Llanos de Mojos in eastern Bolivia. The only Amazonian archaeologists mentioned are Eduardo Neves, Michael Heckenberger, and Anna Roosevelt.

Defining “Amazonia”. Amazonia is defined by geographers and ecologists as the portion of tropical lowland South America below 1,500 meters elevation, where the average difference in annual temperature does not exceed 5ºF, rain falls on 130 or more days of the year, and relative humidity normally exceeds 80%. Typical vegetation consists of rainforest, with small enclaves of savanna where soil conditions inhibit plant growth.

Erickson expands the definition to encompass “the entire region drained by the Amazon River and its tributaries” (p. 158). This allows him to cite any kind of archaeological evidence up to the highland headwaters of all the tributaries to support his contention thatAmazonia is a “domesticated landscape,” regardless of the characteristics of the soil, climate, elevation, topography or vegetation. The principal evidence he provides for the creation, transformation and management of domesticated, engineered, humanized landscapes is the existence of anthropogenic forests, large permanent settlements, earthworks, and Amazonian dark earth (ADE).

Anthropogenic Forests. According to Erickson, “Countering the view of Amazonian forests as pristine and natural, historical ecologists show that these forests are, to a large degree, the cultural products of human activity” (p. 175). He contends that “Rather than adapt or respond to the environment, Amazonian people created, transformed, and managed those very environments in which they lived and thrived through their culture” (p. 165); “The long-term strategy of forest management was to cull non-economic species and replace them with economic species” (p. 175); “Much of what was originally misinterpreted as natural change due to climate fluctuations is now considered anthropogenic” (p. 175) “Many game animals ofAmazonia would have a difficult time surviving without a cultural and historical landscape of human gardens, fields, orchards, and agroforestry” (p. 176). “Through the domestication of landscape, native people shaped the landscape as they wanted it and made it work for them” (p. 177).

Whereas Erickson provides neither examples nor references to support these interpretations, botanists, ecologists, and climatologists have published hundreds of articles and dozens of books linking past and present changes in the composition of rainforest vegetation to climatic fluctuations and identifying environmental factors responsible for contemporary biodiversity. For example, an inventory of patches of secondary forest visible on Landsat images across the Brazilian Amazon indicates that they are similar in origin to recent blowdowns confirmed north of Manaus, rather than remnants of cultivated fields (Nelson et al. 1994). Analysis of pollen cores in the rainforest of French Guiana where no archaeological sites have been encountered indicates that “the tropical rain forest, thought to have remained stable since the last glacial event, has in fact undergone deep modifications” (Charles-Dominique et al. 1998:296). After reviewing the paleoecological record, Bush and Silman (2007:457) conclude that “we see no evidence suggesting that large areas at a distance from rivers or in the less seasonal parts of Amazonia were substantially altered by human activity”. According to Piperno and Becker (1996:202, 207), analysis of phytoliths and macroscopic charcoal from soils near Manaus indicates that “closed forest has existed in the area since at least 4,600 yr BP. Vegetational changes and fires appear to be the result of climatic drying that may have affected large areas of the Amazon Basin over the past 5,000 to 7,000 years. Thus, it appears that this one sector of Amazonian terra firme forest was never significantly altered by humans”. Identification of fossil pollen in two sediment cores in eastern lowland Ecuador also implies the persistence of moist tropical rain forest throughout the Holocene and provides no evidence for human impacts or land use (Weng et al. 2002). Finally, cores from lake districts in eastern Peru and eastern Brazil do not support the contention that all of Amazonia is a built landscape (Bush and Silman 2007).

Large Permanent Settlements. Erickson states that “Archaeologists [unidentified] have demonstrated that much ofAmazonia was occupied by dense populations of urbanized societies practicing intensive agriculture that significantly contributed to creating the environment that is appreciated today” (p. 161). Although he asserts that “Traditional communities had large, open, clean plazas and streets along which houses were arranged in linear, grid, radial, or ring patterns” (p. 166), he mentions only Santarem and the Sangay site in eastern Ecuador, neither of which has this configuration. Based on the description of a modern Bari communal house in eastern Colombia that was constructed using 750,000 fronds from 125,000 palms, he estimates that a pre-Columbian population of 6.8 million forAmazonia would have required 1,360,000 communal houses “in a single moment,” which would have had to be replaced every 10 years. Huge additional amounts of wood would have been needed for cooking fires, palisades, watercraft, and artifacts. Even though admitting that “A community’s permanent transformation of the environment for these basic needs and infrastructure is staggering,” he asserts that “these communities were stable, long-lived, and sustainable despite this impact” (p. 166-167). He [Erickson] gives no archaeological example and the modern caboclo house and associated clearing he illustrates (Figure 11.2) bear no resemblance to traditional indigenous dwellings.

None of the other proponents of the existence of large permanent settlements has supported their interpretation by archaeological evidence. No systematic excavation has ever been done in Santarem to identify dwellings or features that might reveal how much of the area was simultaneously occupied and the estimate of a population of 100,000 is based on the dimensions of the terra preta. The only well documented investigations are on Marajó, beginning with Evans and Meggers in 19481949, followed by Roosevelt and Schaan (Chapter 19). Although Roosevelt has estimated a population of one million for the island, Schaan has reduced this substantially based on her evidence that the maximum population of the Camutins, the largest group of habitation mounds, would have been only about 2,000 (p. 347). A decade of survey and excavation on the left bank of the lower Solimões has identified several periods of occupation, but the size and permanence of each settlement are not clear (Neves, Chapter 12).

Extensive survey along the principal tributaries of the Amazon during the past 30 years by Brazilian archaeologists, which the historical ecologists do not cite, produces a very different picture of prehistoric settlement behavior. Beginning before 2,000 BP, when pottery making became sufficiently widely distributed for detecting habitation sites, the subsistence and semi-permanent settlement behavior characteristic of surviving indigenous tropical forest communities had been adopted. (see below for discussion).

Earthworks. According to Erickson, “Many Amazonian cultures were impressive mound builders” (p.168), citing constructions on the Llanos de Mojos in Bolivia, the Llanos del Orinoco in Venezuela, Marajó, Sangay in eastern Ecuador, and the Guayas Basin, none of which is rainforest and the last of which is not in Amazonia. Although he asserts that raised fields constitute the “most impressive example of landscape engineering at a regional scale,” he mentions only those in lowland Bolivia (p. 171). He also contends that “all Amazonian societies use elaborate networks of paths and trails and roads between settlements, gardens, fields, rivers, resource locations, and neighbors” and that “Some advanced Amazonian societies built impressive formal roads, causeways, and canals of monumental scale” (p. 173), but the only examples he describes are on the Llanos de Mojos.

With the exception of Marajó and the Açutuba region in the central Amazon, all the earthworks are outside the limits of Amazonia as traditionally defined. Roads, causeways, and canals are limited to the Mojos. Raised fields are also in marginal locations, among them the coast of the Guianas. Paths in the forest quickly disappear if not used regularly. Evidence that the construction of mounds, causeways, ridged fields, and other kinds of earthworks does not require a large organized labor force is provided by Erickson’s own experience. When he revisited a village on the Llanos de Mojos after several years, he found a new causeway 12 feet wide, 3 feet high, and half a mile long that had been constructed by members of the small local community in a week.

Amazonian Dark Earth (ADE). The most sensational recent discovery is the existence of patches of fertile black soil in many parts of the lowlands.According to Erickson, “Scholars believe that these soils were created specifically for permanent farming” (p. 171) and “are capable of continuous, high yields and are associated with dense populations, large permanent settlements, and complex society” (p. 163). “ADE was probably used for settlement, house gardens, and permanent fields rather than slash-and-burn agriculture, the common practice today”; “ADE is an excellent example of landscape domestication below the ground” (p. 171). Since it is assumed that slash-and-burn agriculture “depends on metal axes and machetes to efficiently clear primary forest. [and] These tools were unavailable until after 1492, Pre-Columbian farmers, using digging sticks and stone axes probably continuously cultivated fields and practiced agroforestry rather than clear primary forest” (p. 163). The allegation that slash-and-burn agriculture would have been unproductive prior to the acquisition of metal axes is invalidated by its global distribution during millennia prior to the invention of metallurgy and survival in remote regions today.

Furthermore, the assumption that Amazon Dark Earth was created intentionally and would have solved the problem of intensive agricultural production for large sedentary populations is not supported either by observation of current practices or by archaeological evidence.

Agronomic, pedological, and ethnographic research on the productivity of food plants on ADE has been conducted by Laura German (2003) among caboclos along the Rio Negro and Rio Urubú in Central Amazonia. Comparison of the yields of bitter manioc, pineapple and star nut palm with those of 10 other New World crops and 10 Old World crops on ADE and on local soil revealed higher yields for the three Amazonian crops on the natural soil. She asserts that “linkages between intentional agricultural intensification and Black Earth formation, and between Black Earth and an increase in human carrying capacity, have been insufficiently established” and concludes that “Observations on the degradation caused by continuous cultivation clearly show that in the absence of ongoing cultural amendments, the carrying capacity of these [black earth] environments would not be significantly greater than that of adjacent sites” and that “the suggestion that these richer pockets of soil made possible the transition to a more sedentary life style is as yet untenable” (German 2003:327, 313).

With regard to slash-and-burn agriculture, Weischet and Caviedes, the authors of the leading synthesis, The Persisting Ecological Constraints of Tropical Agriculture (1993) specify that “a differentiation should be made… between natural conditions that are unalterable and those that can be compensated for by man” (1993:41) and conclude that “On the basis of ecological reasoning it can be proven that this particular mode of rotating food crop and forest or bush fallow [i.e shifting cultivation] is a specialized adaptation to the environmental conditions of the tropics which not even modern agrotechnology has been able to replace” (1993:275). They also state that the “unveiling of certain persistent myths about tropical fertility […], by now widely known and dismissed” and explaining “how these myths could be perpetuated and fundamental laws that govern the tropical environments ignored for so long ” are crucial for sustainable exploitation of Amazonia (1993:281). Unfortunately, the Chapters by Erickson and others in this Handbook indicate that these myths have gained rather than lost their credibility among anthropologists.

The Unique Environment of Amazonia

Amazonia differs from all other tropical forest environments in combining great geological antiquity with abundant rainfall and constantly warm temperature. The Brazilian and Guayana shields preserve some of the most ancient terrestrial landscapes on the planet, which millions of years of chemical and physical weathering and erosion have reduced to inert granite and white sand. Whereas in temperate regions more than half of the organic carbon, some 90 percent of the nitrogen, and the most important minerals are contained in the soil where they remain available to the vegetation, in Amazonia most of the nutrients and all of the calcium are stored in the biomass. According to Weischet and Caviedes, “This is an ecologically decisive difference with far-reaching consequences” (1993:62). “The part of the forest above ground works like a filter system in that the nutrients supplied by the rain are used several times before they arrive at the soil surface… Only with the decomposition of the different members of the subcycles does a certain portion of the nutritional elements finally reach the soil surface. Here, a substantial nutrient loss is essentially prevented by another agent known as the mycorrhizas” (1993:130). The interspersed distribution of plants of the same species with different nutrient requirements and the rapid disintegration and uptake of litter rescue nutrients that reach the soil so successfully that “as long as the forest is undisturbed, no net loss of macronutrients through outwash occurs as proven by the fact that (1) the autochthonous black-and clear-water streams of the tropical lowland forests may best be likened to slightly contaminated distilled water, and, (2) the waters of small creeks in virgin forest areas contain even less macronutrients than rain-water” (1993:276).

In addition to infertile soil, Amazonia is characterized by the absence of a dormant season, which makes the vegetation continuously susceptible to decimation from pathogens. Their dispersal is minimized by the heterogeneous distribution of wild plants of the same species in the forest, which is replicated by the interdigitation of crops in indigenous fields. Only palms have the ability to maintain large uniform stands.

Archaeological Evidence of Population Density

Whereas no systematic stratigraphic excavations have been undertaken in habitation sites in any of the regions identified by Erickson as “occupied by dense populations of urbanized societies practicing intensive agriculture” (p. 161), archaeological surveys along the principal tributaries of the Amazon and ethnographic evidence demonstrate that patches of ADE are the product of intermittent occupation of habitation sites during hundreds of years, and were never cultivated prehistorically.

Archaeological survey conducted along a 240 km sector of the Rio Jamarí, a tributary of the upper Madeira in southwestern Brazil, identified 121 sites representing 16 preceramic occupations, 16 lithic workshops, 89 ceramic sites, 8 campsites with pottery, and 2 Neobrazilian sites. All the ceramic sites are terra preta (ADE). Unselected surface collections of pottery were made at 42 sites, and one to nine stratigraphic excavations in 10 cm levels were made at 22 sites. Classification and seriation identified five ceramic phases representing the same pottery tradition and permitted construction of a relative chronology that is complemented by 137 radiocarbon dates. The initial ceramic phase, the only one distributed throughout the region, was introduced ca 2,400 BP. By about 1,500 BP, it had differentiated into two phases that occupied contiguous territories characterized by differences in aquatic resources. Each of these was replaced by a later phase of the same tradition about 700 BP (Meggers and Miller 2006).

Comparison of the locations of the ceramic sites with their phase affiliations shows that only 6 were occupied during three successive phases. Seventeen were occupied during two phases and 26 were occupied intermittently during a single phase. All the phases were divided into two moieties distinguished by minor differences in the presence or relative frequency of a rare pottery type and most sites were occupied and reoccupied by the same moiety. When reoccupied by a different moiety or a different phase, the new house was adjacent to rather than on top of the earlier refuse, increasing the surface dimensions of the site. Although there is no visible stratigraphic evidence of the abandonment and reoccupation implied by the discontinuities in the seriated sequences, they are supported by large differences in the radiocarbon dates from successive levels in the same excavation. At RO-PV-35, for example, dates from consecutive 10 cm levels in four excavations distributed across the site are in chronological order but differ by 1500, 900, and 120 years and dates from the same depth in different excavations also differ by hundreds of years. Similar discrepancies between the dates from consecutive 10 cm levels have been identified at 14 other sites, contrary to what would be expected if these sites had been continuously occupied.

The number of sites allocated to each phase and their distribution within the territory provide other clues to settlement behavior. For example, the 14 sites occupied during the Jamarí Phase, which lasted ca 800 years, are widely separated giving the impression that the territory was under populated. A different interpretation is suggested by comparison with the settlement behavior of a modern Yuqui community in eastern Bolivia. Their territory is divided into a nuclear area about 10 km in diameter, where the village is located and most of the hunting is performed, and a peripheral ring about 5 km wide, which is hunted infrequently and serves as a source of replacement for game removed from the nuclear area. This allocation provided sustainable subsistence for a population of ± 100 during 22 years, but is now being compromised by the intrusion of colonists from the adjacent region into the peripheral area. Projecting the diameter of the nuclear area around the locations of the sites of the Jamarí Phase reveals that the boundaries of all but four overlap, and that three more would also overlap if the surrounding ring were included, supporting the interpretation of intermittent occupation based on the seriated sequences.

Another independent estimate of sustainable population density has been provided by biologists concerned with the growing impact of commercial hunting on the survival of preferred species of mammals. Combining age of reproduction, number of progeny, longevity, impact of other predators, and natural death rate for each species permitted estimating the maximum number of individuals per km² that could be eliminated sustainably. Converting the result into biomass and dividing the total by the nutritional requirement of a human consumer produced estimates between 0.2 and 1.0 persons per km² for sustainable hunting. The similarity between these estimates and those ranging between 0.2 and 1.5 per km² provided by ethnographers for the population densities of 12 contemporary indigenous Amazonian communities that maintain their traditional behavior is unlikely to be coincidental.

Historical Ecology Versus Environmental “Determinism”

Cultural ecologists, erroneously labeled “environmental determinists,” assume that humans, like all other biological organisms, are subject to natural selection and evolutionary drift, but that unlike other animals these affect not only their biological features but also their cultural behavior. Among the impediments to applying evolutionary theory to the interpretation of archaeological remains, especially pottery, is the absence of a standard classification. In contrast to other categories of phenomena (rocks, stars, plants, animals, soils, etc.), where evidence is ignored unless it conforms to the recognized definitions, every archeologist is free to select whatever criteria he or she prefers and interpret them at will, making comparison possible only at a very general level of similarity. The opportunity to change this situation was provided in Brazil in 1964 by the creation of the Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas (PRONAPA) on the coast, followed in 1976 by the Programa Nacional de PesquisasArqueológicas na Bacia Amazônica (PRONAPABA). The participants in these programs adopted standard criteria for collecting, classifying, describing, and interpreting pottery that permitted identifying endogamous communities and the temporal and spatial distributions of their constituent sites.

When the PRONAPA began, we accepted the traditional view that although the samples from surface collections and stratigraphic levels were unselected, they were not random and thus irregularities in the trends in seriated sequences were attributable to sampling error rather than to differences in behavior. As the number of seriated sequences composed of levels from excavations in multiple habitation sites increased, comparison showed that the principal undecorated types, which normally accounted for 90% or more of each sample, usually displayed consistent trends of increasing or decreasing relative frequency, whereas one or more of the decorated types often exhibited minor fluctuations throughout the seriation. On the possibility that these might have cultural significance, the levels were separated into two seriations based on the difference in relative frequency. Comparison of the locations of the sites included in each sub-seriation showed that the majority were different and when they were the same, the portion of the site occupied was different. Since the differences in relative frequency were minor (typically ± 5%), they would not have been apparent to the potters, making the most obvious explanation the impact of evolutionary drift on the products of women isolated by matrilocal residence.

The impact of evolutionary drift on cultural behavior not subject to adaptive constraints has frequently been reported by ethnologists, including minor differences in the relative frequency of the decoration on pottery made for domestic use by women in different communities and by those in the same community isolated by matrilocal residence. For example, among the Shipibo, intensive interaction among women in the same and little between those in different houses ensures that girls learn from their mothers, creating a different micro-style in each community. Among the Bororo, the village is divided among two moieties that exhibit slight differences in decoration and vessel shape. Among traditional potters in Guatemala, where the household is also the unit of production and girls learn from the oldest relative, each local group has a distinctive style. An experiment conducted decades ago, in which a sequence of potters was told to copy the preceding vessel, demonstrated minor unconscious modifications.

Other interpretations based on archaeological evidence and confirmed ethnographically include matrilocal residence, endogamous communities, permanent territorial boundaries, reoccupation of sites by the original community or moiety, avoidance of earlier sites by later communities both for settlement and cultivation, and low population density.

The assumption that ADE is the product of permanent residence is invalidated by the archaeological evidence for abandonment and reoccupation of all but the smallest habitation sites wherever systematic survey has been conducted along the tributaries of the Amazon. The avoidance of previously occupied locations by subsequent occupants of the region detected by the seriations is explained by the ethnographic evidence that prehistoric sites are neither cultivated nor reoccupied by traditional indigenous communities today because they are recognized as cemeteries and the spirits of the deceased are respected.

The existence of detailed reconstructions of settlement behavior along the principal tributaries of the Amazon since about 2,000 BC makes it possible to evaluate the credibility of the prehistoric population density and social complexity inferred by the historical ecologists not only with the archeological record, but also with independent climatic and ethnographic evidence. In the case of the Jamarí sequence, for example, comparison of the durations of the five ceramic phases with the radiocarbon dates indicates that the replacements occurred ca 1,500, and 700 BP. Examination of other well dated sequences across the lowlands shows additional discontinuities on the Llanos de Mojos and the lower Orinoco ca. 1,000 BP. The coincidence between the timing of these replacements and the impact of mega-Niño events implies that the associated episodes of aridity depleted subsistence resources sufficiently to force people to abandon their villages and revert to hunting and gathering until conditions returned to normal. Whereas the relatively brief durations of the mega-Niño events limit their identification in Amazonian pollen cores, the reduced intensity of the 1,000 BP event in Amazonia is clearly documented archaeologically by the absence of discontinuities in the tropical forest sequences.

Although minor El Niño droughts leave no archaeological imprint, the climatic record indicates that they occur at intervals of about seven years between the catastrophic events. Observations of the impact of a brief El Niño episode in 1983 on the rainforest of Barro Colorado Island in Panama indicate that their consequences can be dramatic. Thirty-three out of 37 moisture-demanding species of plants declined significantly and the abundance of small shrubs fell by 35% during the following 13 years. “The failure of many plants to flower or fruit during an abnormal weather cycle [… ] in 1970-1971 and the resultant famine and death among frugivores testify to the subsistence stress longer episodes would have inflicted on humans”. The description of the impact of the 19721973 drought on a Yanomami community in southern Venezuela is equally dramatic. Fires set to prepare new gardens spread to adjacent clearings, destroying the producing crops. Adjacent vegetation remained nonflammable, however, and the population reverted to hunting and gathering until normal rainfall returned. “Working harder than normal, they remained constantly hungry but survived” (Meggers 2007a:135, 143).

Similar brief El Niño droughts would have impacted Amazonia between major events in the past and would have stimulated the adaptive behavior among indigenous communities documented by ethnologists. Children learn at an early age to identify all wild plants from a leaf, seed, or branch, as well as their uses and the animals that pollinate or feed on them. Adults continuously search for new edible plants. They avoid some edible tubers until those usually consumed fail and possess detailed knowledge of ecological relationships among flora and fauna. Short-term and permanent taboos against consumption of deer and tapir are widespread, although they are the largest terrestrial mammals. The likelihood that caymans were tabooed at least in the lower Tapajós region is suggested by their critical role in the aquatic food chain (Fitkau 1970). It seems likely that prehistoric communities reverted to hunting and gathering, like the Yanomami, during these episodes and enhanced their knowledge of the biota and their chances for survival. The discontinuities in the archaeological record indicate that this knowledge and the cultural measures that promote sustainable exploitation of the environment were insufficient to overcome the detrimental impact of mega-Niño droughts.

Erickson’s assertion that “archaeologists have demonstrated that much of Amazonia was occupied by dense populations of urbanized societies practicing intensive agriculture that significantly contributed to creating the environment that is appreciated today” (p. 161) is being discredited not only by the archaeological evidence, but also by the increased abundance and variety of paleoclimatic evidence. For example, numerous pollen cores have produced detailed records of intermittent droughts along the Brazilian coastal strip, which correlate with human abandonment of vast areas during the Mid-Holocene there, as well as in the Guianas and Eastern Colombia (Meggers 2007b). Geological, ecological, palynological, and climatological investigations in French Guiana pro-vide a detailed reconstruction of environmental change during the past 8000 years and a marine core from the Cariaco Basin off the coast of Venezuela documents four episodes of severe drought between AD 760 and 910. Analysis of lake sediments in the Carajás region of northeastern Brazil indicates that the major cause of perturbations in the tropical forest during the Holocene was climate change that modified the water balance. The RAINFOR network of 136 permanent plots in old growth forest throughout the Amazon created 25 years ago provides daily records of temperature and rainfall that may reveal local fluctuations that will be helpful in interpreting archaeological evidence (Phillips et al. 2009). Paleoclimatologists concerned with reconstructing paleoenvironmental climatic changes in eastern Brazil during the Holocene have recently suggested that “humans might be regarded as good paleoenvironmental markers for the Holocene. In this light, we propose that archaeological data should be better explored, and regarded as a valuable basis for paleoenvironmental inferences” (Araujo et al. 2005/2006:28).

Taking advantage of these kinds of opportunities for collaboration requires that archeologists adopt standard criteria for collecting, classifying, and interpreting their data. The territorial distributions of the ceramic traditions identified by the PRONAPA on the coastal strip more than forty years ago have been expanded by more recent investigators, but their failure to classify the pottery and apply quantitative analysis and seriation has prevented the kinds of social and settlement interpretations obtained from the survey of the Jamarí and other rivers in Amazonia.Although the ceramic traditions recognized in Amazonia decades ago are criticized by several authors in the Handbook, they have not supplied the archaeological evidence necessary to suggest alternatives. Hopefully, this will change.

The Founder Effect and Evolutionary Drift

Pottery is ideal for tracing cultural contact because it can be decorated in an essentially infinite number of techniques and motifs without affecting the function of the vessel. Some similarities, such as depiction of the same birds or animals, can be attributed to independent invention, and a few duplications in a long series of abstract elements can be dismissed as accidental. Multiple independent duplications of the same combinations of techniques and abstract motifs, such as those between Jomon and Valdivia, are unknown.

The evidence that the decoration on pottery is subject to unconscious evolutionary drift, that each endogamous community develops a distinctive ceramic configuration, that members of a community will possess a slightly different proportion of the diagnostic traits, and that dispersal of a segment of the ancestral population is consequently subject to the founder effect makes it possible to demonstrate that the initial ceramic complexes in lowland SouthAmerica are derived from Valdivia-San Jacinto antecedents. The earliest offshoot identified thus far is the Monagrillo Phase, decorated with incisions ending in a punctation, small excised zones, a band of short vertical incisions, parallel incised lines, and zoned punctuate, which appeared in adjacent Panama ca 4,500 BP (Meggers 1997). The second dispersal, represented by the Waira-jirca Phase in the north highlands of Peru beginning ca 3,800 BP, exhibits a different set of the ancestral traits, including undulating and double-line incisions, rings with a central punctate, bands containing closely spaced vertical lines, and equilateral crosses. The Ananatuba Phase, which appeared at the mouth of the Amazon about 3,400 BP, contains some of the same diagnostic traits as the Waira-jica Phase, including the ring with a central punctation, undulating incisions, and the equilateral cross, as well as parallel lines and feathered incisions. The decoration of the Barrancas Phase that arrived on the lower Orinoco ca. 2,900 BP consists of small excised zones, rings with a central punctation, incisions terminating in a punctation, miniature biomorphic adornos, and small vertical handles adjacent to the rim. It is noteworthy that several of the same ancestral techniques occur in most of the regions, whereas others do not. The differences are exactly what can be predicted based on the founder effect and evolutionary drift.

The Future of Scientific Archaeology

The most notable contrast in this volume is between the theoretical perspectives of the US authors working in Ecuador and Amazonia and those working in other parts of the continent. Denial of the existence of adaptive constraints on cultural development, the impact of evolutionary drift, and the importance of cultural diffusion distorts their interpretations of the archaeological record. It also prevents archaeology from making a significant contribution to the reconstruction of climatic and environmental change in the tropical lowlands since the beginning of the Holocene, and especially during the past four millennia.

The contrast between the detailed reconstruction of settlement and social behavior along the Jamarí in southwestern Amazonia based on applying evolutionary theory to the interpretation of the archaeological evidence, especially the characteristics of the pottery, and the vague temporal and spatial correlations among habitation sites occupied during the early Formative Period on the coast of Ecuador is striking. The Jamarí data permit identifying endogamous territories, matrilocal residence, village movement, contemporary settlements, and reoccupation of sites, as well as the impact of intermittent severe droughts that leave no permanent imprint on the biota. Even when radiocarbon dates can be obtained for past climatic events, they are less precise than those from archaeological contexts, which can also provide more specific identification of the locations and severity of their impact.

The negation of the evidence for cultural diffusion, particularly obvious in the refusal to consider the Jomon origin of the earliest pottery in Ecuador and Colombia, is another remarkable rejection of traditional cultural interpretation. The fact that pottery can be decorated using hundreds of different arbitrary techniques and motifs has always made it a primary tool for differentiating independent invention from common ancestry. The probability of independent duplication of the decoration on Jomon, Valdivia, and San Jacinto pottery is nil. Similarly, the presence of several of these motifs in the initial pottery complexes in Panama, at the mouth of the Orinoco and the mouth of the Amazon, and the north highlands of Peru testifies to migrations at different times from the northwestern part of the continent attributable to otherwise invisible fluctuations in the local climate.

Its geographical isolation prior to European colonization makes prehistoric South America a unique laboratory for examining the relationship between temporary and permanent environmental conditions and cultural development. In contrast to the rest of the planet, most of which has been continuously occupied since the early Paleolithic, it remained isolated from the continuous biological and cultural interactions that affected the course of history throughout Europe and Asia. Whereas the latter regions are dominated by temperate climates and fertile soils, deserts are mild, and forests and plains blend into one another, South America has large unbroken extents of distinct environments, including barren deserts, treeless plains, dense rainforest, snow-capped mountains, highland basins, and sea coasts that extend from tropical to subarctic latitudes. Large sectors of all these regions remain free from significant disruption by cities, roads, mechanized agriculture, and other kinds of modification that have altered the original characters of the landscapes in most of the Old World and destroyed archaeological evidence of conditions in the past. Isolation from modern encroachment has also permitted indigenous populations in many parts of the continent to pursue their traditional ways of life, providing examples of tangible and intangible behavior that can be compared with the archaeological evidence.

Suddenly much of this picture is changing. Rampant globalization is attracting foreign invaders, who have the technology to make drastic modifications in topography and biota, destroying the cultural configurations that maximize sustainable exploitation of unique environmental constraints, especially in the tropical lowlands. Their impact has eliminated key species from the food chain, interrupted the closed system of nutrient transfer that protected the infertile soil from further depletion, and disrupted the rainfall regime. Unfortunately, the insistence by the historical ecologists that prehistoric humans learned to “domesticate” the landscape to suit their needs is even less true today than it was in the past. I urge readers of this Handbook to take seriously the potential of archaeology to make a significant contribution to our understanding of prehistoric cultural adaptation in this unique and fascinating part of the world.

References

Angulo Valdez, C. 1981 La Tradición Malambo. Fundación de Investigaciones Arqueológicas Nacionales, Banco de la República, Bogotá         [ Links ].

Araujo, A.G.M., L.B. Pilo, W.A. Neves, and J.P. Atui 2005-2006 Human occupations and paleoenvironments in South America: Expandings the notion of an “Archaic Gap”. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia 15/16: 3-35.         [ Links ]

Bush, M.B., and M.R. Silman 2007 Amazonian exploitation revisited: Ecological asymmetry and the policy pendulum. Frontiers in Ecology and the Environment 5:457-465.         [ Links ]

Charles-Dominique, P., P. Blanc, D. Larpin, M.P. Ledru, B. Riéra, C. Sarthou, M. Servant, and C. Tardy 1998 Forest perturbations and biodiversity during the last ten thousand years in French Guiana. Acta Oecologica 1:295-302.         [ Links ]

Fitkau, E.J. 1970 Role of caimans in the nutrient regime of mouth-lakes in Amazon effluents (a hypothesis). Biotropica 2:138-142.         [ Links ]

German, L.A. 2003 Historical contingencies in the coevolution of environment and livelihood: contributions to the debate on Amazonian Black Earth. Geoderma 111:307-331.         [ Links ]

Ledergerber-Crespo, P., editor 1999 Formativo Sudamericano. Smithsonian Institution Washington, Washington.         [ Links ]

Meggers, B.J., editor 1992 Prehistoria Sudamericana: Nuevas Perspectivas. Taraxacum, Washington, DC.         [ Links ]

Meggers, B.J. 1997 La cerámica temprana de América del Sur: invención o difusión? Revista de Arqueología Americana 13:7-40.         [ Links ]

2003 Natural versus anthropogenic sources of Amazonian biodiversity: the continuing quest for El Dorado. In How Landscapes Change, edited by G.A. Bradshaw, and P.A. Marquet, pp. 89-107. Springer Verlag, Berlin.         [ Links ]

2005 The subversive significance of transpacific contact. New England Antiquities Research Association (NEARA) Journal 39(2):22-30.         [ Links ]

2007a Mid-Holocene climate and cultural dynamics in Brazil and the Guianas. In Climate Change and Cultural Dynamics: A Global Perspective on Mid-Holocene Transitions, edited by D.G. Anderson, K.A. Maach, and D.H. Sandweiss, pp. 117-155. Elsevier, Academic Press, San Diego.         [ Links ]

2007b Sustainable intensive exploitation of Amazonia: cultural, environmental, and geopolitical perspectives. In The world System and the Earth System: Global Socioenvironmental Change and Sustainability Since the Neolithic, edited by A. Hornborg, and C.L. Crumley, pp. 195-209. Left Coast Press, Walnut Creek.         [ Links ]

Meggers, B.J., and E.T. Miller 2006 Evidencia arqueológica para el comportamiento social y habitacional en la amazonía prehistórica. In Pueblos y Paisajes Antiguos de la Selva Amazónica, edited by G.M. Ríos, S. Mora, and F.C. Calvo, pp. 325-348. Taraxacum, Washington DC.         [ Links ]

Meggers, B.J., C. Evans, and E. Estrada 1965 Early Formative Period of Coastal Ecuador: The Valdivia and Machalilla Phases. Smithsonian Contributions to Anthropology, Vol. I, Washington, DC.         [ Links ]

Nelson, B.W., V. Krapos, J.B. Adams, W.J. Oliveira, and O.P.G. Braun 1994 Forest disturbance by large blowdowns in the Brazilian Amazon. Ecology 75:853-858.         [ Links ]

Phillips, O.L, L.E. Aragão, S.L. Lewis, J.B. Fisher, J. Lloyd, G. López-González,Y. Malhi,A. Monteagudo, J. Peacock, C.A. Quesada, G. van der Heijden, S. Almeida, I. Amaral, L. Arroyo, G. Aymard, T.R. Baker, O. Bánki, L. Blanc, D. Bonal, P. Brando, J. Chave, A.C. de Oliveira, N.D. Cardozo, C.I. Czimczik, T.R. Feldpausch, M.A. Freitas, E. Gloor, N. Higuchi, E. Jiménez, G. Lloyd, P. Meir, C. Mendoza, A. Morel, D.A. Neill, D. Nepstad, S. Patiño, M.C. Peñuela, A. Prieto, F. Ramírez, M. Schwarz, J. Silva, M. Silveira, A.S. Thomas, H.T. Steege, J. Stropp, R. Vásquez, P. Zelazowski, E. Alvarez Dávila, S. Andelman, A. Andrade, K.J. Chao, T. Erwin, A. Di Fiore, C.E. Honorio, H. Keeling, T.J. Killeen, W.F. Laurance, A. Peña Cruz, N.C. Pitman, P. Núñez Vargas, H. Ramírez-Angulo, A. Rudas, R. Salamão, N. Silva, J. Terborgh, and A. Torres-Lezama 2009 Drought sensitivity of the Amazon rainforest. Science 323:1344-1347.         [ Links ]

Piperno, D. R., and P.F. Becker 1996Vegetational history of a site in the central Amazon Basin derived from phytolith and charcoal records from natural soils. Quaternary Research (Orlando) 45:202-209.         [ Links ]

Reichel-Dolmatoff, G. 1985 Monsú: un Sitio Arqueológico. Biblioteca Popular, Bogotá         [ Links ].

Roosevelt, A.C. R.A. Houseley, M. Imazio da Silveira, S. Maranca, and R. Johnson 1991 Eight millenium pottery from prehistoric shell midden in the Brazilian Amazon. Science 254:1621-1624.         [ Links ]

Sanoja, M., and I. Vargas 2007 Las sociedades formativas del noreste de Venezuela y el Orinoco medio. International Journal of South American Archaeology 1:14-23.         [ Links ]

Weischet, W., and C.N. Caviedes 1993 The Persisting Ecological Constraints of Tropical Agriculture. Longman, Harlow.         [ Links ]

Weng, C., M.B. Bush, and J.S. Athens 2002 Holocene climate change and hydrarch succession in lowland Amazonian Ecuador. Review of Palaeobotany and Palynology 120:73-90.         [ Links ]

Betty J. Meggers – National Museum of Natural History, Smithsonian Institution, Washington DC, USA.

Acessar publicação original

[IF]

 

 

La Arqueología y la Etnohistoria. Un Encuentro Andino – TOPIC (C-RAC)

TOPIC, John R. (Ed). La Arqueología y la Etnohistoria. Un Encuentro Andino. Lima: Instituto de Estudios Peruanos e Institute of Andean Research, 2009. 369p. Resenha de: MILLONES, Luis. Chungara – Revista de Antropología Chilena, Arica, v.43, n.2, p.323-326, dic. 2011.

John Topic nos entrega un nuevo texto guiado por la idea de presentar un retrato sobre los estudios andinos en nuestros días. En su introducción, menciona a varios autores que destaca por su capacidad de pasar por encima de las fronteras de las disciplinas comprometidas en este libro (antropología, arqueología, historia) para acercarse al objetivo de sus investigaciones. Son esas las pautas de la publicación: el estado del trabajo interdisciplinario en los estudios andinos en el primer decenio del año dos mil.

En las mismas páginas da cuenta del esfuerzo que ha tenido que desplegar hasta que la publicación llegue a nuestras manos. No lo dudamos. Convertir una reunión académica en un libro que incluya los debates grabados de los participantes es algo que pocos colegas se atreverían a hacer. No siempre el resultado refleja lo que pudo ser una controversia vivaz e interesante, con aportes que justifiquen el trabajo realizado. En este caso, el editor intenta trasmitir ese quehacer íntimo del evento, con las dificultades que menciona y las que podemos adivinar a través de experiencias parecidas.

A lo dicho se suma la ausencia del trabajo de Idilio Santillana, participante de la reunión, cuya tesis doctoral sigue esperando su turno en el editorial de su universidad, lo que decidió a Idilio a dejarnos sin su contribución, lo que lamentamos. Actuó de madrina nuestra hermanita mayor, María Rostworowski, cuya participación es siempre un lujo. El evento recordó a Craig Morris, cuya muerte en el 2006 es una pérdida notable en los estudios andinos.

Dividido en cuatro rubros, el que se dedica a Mitos y Cosmología, tiene un solo expositor, Segundo Moreno, que eligió un tema importante y complejo, el Chimborazo como ancestro. El autor nos dice al final de su artículo que carece de fuentes escritas similares a las que pueden encontrarse en las visitas de los extirpadores de idolatrías del arzobispado de Lima. Pero exprime con mucha habilidad la documentación y la tradición oral recogida en la época colonial y republicana, en las faldas del volcán. Moreno nos recuerda que el Chimborazo era una de las huacas relacionadas con los seguidores del Taki Onqoy, justamente la que se encontraba en el extremo norte de las que fueron convocadas para derribar a los dioses cristianos. Posteriormente esta visión cambia y la montaña restablece su calidad de apu (señor) exigente, al que no satisfacían los rebaños que le estaban consagrados (camélidos y posteriormente ovejas), a ellos agregaba en sus demandas el sacrificio de niños y niñas, como otros nevados a lo largo de la cordillera de los Andes. El autor nos entrega desde el folklore los relatos sobre la condición masculina del Chimborazo y los enredos de su “pareja”, Tungurahua, cerro al que se feminiza, quizás “porque su influjo climatológico es lejano”.

La Segunda Parte está dedicada a la etnicidad e identidad, y empieza con un caso paradigmático, Sechura (Departamento de Piura, al borde del Océano Pacífico) en el Norte del Perú. El conocimiento del tema está garantizado por el autor, Lorenzo Huertas, que habiendo nacido en la región, es un hurgador de documentos que ha trabajado en localidades distritales (el Perú se divide en departamentos, éstos a su vez en provincias, que están compuestas por distritos) con el apoyo de los municipios de cada jurisdicción, y es autor de un libro sobre Sechura. Esta vez prefiere viajar en el tiempo, analizando la conservación de los espacios sechuranos en manos de sus habitantes originales. Usando el nombre que se le dio en la Colonia, Huertas concluye que “San Martín de Sechura resultó en un pueblo monoétnico, de allí su uniformidad cultural y homogeneidad genética y lingüística; además tuvo una estructura política policuracal”. Si así sucedió, esto fue el resultado de diversas estrategias de sus habitantes: aun los que vivían fuera del perímetro urbano regresaban para las festividades, incluso después de muertos para ser enterrados en su cementerio. Más tarde, en el siglo XIX, se crearon “fronteras vivas”, es decir se levantaron caseríos en zonas en conflicto con hacendados u otras comunidades calificadas de invasores. Esta solidaridad con su suelo se alimentaba en un parentesco endogámico que hasta hace muy poco tiempo hacía posible descubrir a sus pobladores o descendientes por sus apellidos.

Para el mismo rubro de identidad y etnicidad, cuatro autores (Santoro, Romero, Standen y Valenzuela) eligieron el valle de Lluta, al norte de Chile como caso de estudio. Muy centrados en el viejo esquema de verticalidad, predicado por John Murra en la década del sesenta, se proponen a estudiar los cambios en la estructura económica y política en el período que va del Intermedio Tardío a la intervención del estado incaico. El espacio señalado es “una cuenca hidrográfica de más de 150 km de largo y comprende una hoya de 3.450 km2″ que ha sido objeto de interés en la bibliografía chilena desde varios años. Esta vez, los autores basan su análisis en “muestreos de superficie aleatorios y estratificados de los 29 sitios arqueológicos habitacionales y funerarios, algunos ya conocidos en inventarios regionales”. Para su estudio han clasificado el espacio en tres tipos de valles: costero, intermedio y fértil.

Su primera conclusión es que en el Intermedio Tardío “el sector del valle costero y del valle fértil fueron controlados por población de origen local”. Por el momento se desconoce el carácter de su estructura política, pero se puede decir que en el valle intermedio, el control de las tierras es compartido por poblaciones de origen altiplánico.

El tema se replantea con la irrupción del Estado incaico que se hará visible en la cerámica cuya presencia y variaciones, a decir de los autores, puede reflejar “arreglos políticos y económicos” que se constituyen “para administrar la población y los territorios de los valles”, tal sería el caso de Arica.

Buscando la colaboración del dato histórico, el artículo nos recuerda las hazañas atribuidas a Tupac Yupanqui “quien después de conquistar a los grupos altiplánicos del área circum-Titicaca, separó específicamente para los pacajes algunas tierras de cultivo de maíz… en las costas de Arica y Arequipa”. A continuación queda planteado el dilema de la articulación de la zona de los valles y costa de Arica (Lluta y Camarones) que pudo ser multiétnica, con pacajes y carangas compartiendo el control; o bien reafirmando a los pacajes como dominantes en el período incaico y a los carangas como presencia colonial.

Jorge Hidalgo se suma al tema en debate desde una perspectiva diferente, en lugar de fijar un espacio geográfico para discutir sobre su identidad, prefiere contrastar las comunidades de pescadores y agricultores que habitaron la región que María Rostworowski llamó Colesuyo (desde Camaná hasta Tarapacá).A continuación Hidalgo, basado en una copiosa documentación, trata sobre el intercambio entre estos habitantes yungas.

El punto de partida del trabajo de Hidalgo es la propuesta de Rostworowski que los habitantes del Colesuyo al carecer de un centro de poder estuvieron dominados por la gente serrana desde el período que los arqueólogos llaman Intermedio Tardío, que precedió a los Incas. Para Hidalgo, tal supremacía recién se logra en la última etapa prehispánica. Para demostrar su propuesta recurre a tres casos significativos: Ilo, Tacna y Arica. Su argumentación concluye estableciendo que Ilo era un cacicazgo de pescadores, Tacna era un escenario compartido por agricultores y pescadores y Arica (como Tacna) aun sin conclusiones definitivas, muestra una población multiétnica con territorios interdigitados.

Jorge Hidalgo utiliza la documentación que acompaña el estudio de Efraín Trelles sobre el encomendero Lucas Martínez Vegazo, cuyos tributarios pertenecían a las actuales jurisdicciones de Tarapacá, Arica, Ilo y Arequipa. A ello suma un juego comparativo entre las informaciones que proceden de las visitas de Pedro de La Gasca y de Francisco de Toledo. Como se sabe, luego del primer intento del reparto de encomiendas, bolsa de pensiones y distribución de yanaconas, el licenciado La Gasca se vio obligado, en 1548, a realizar una inspección de los repartimientos indígenas de todo el virreinato, a partir de las declaraciones de los curacas y los encomenderos de cada jurisdicción con datos específicos de población (originales y forasteros), tipo de cultivos, productos de cada región (textiles, ganados, etc.) y en especial de los tributos que proporcionaban al encomendero, e incluso antes de la Conquista a las autoridades incaicas o jefes locales. Con mucho mayor detalle dado que las circunstancias políticas eran otras, el virrey Toledo, entre 1570 y 1575, instruyó a sus funcionarios de tal forma que los propios encomenderos asegurasen la veracidad de los resultados. Esto quiere decir que los datos estadísticos obtenidos permitieron analizar desde la composición familiar hasta el nivel productivo de cada región. Además, detrás de esta propuesta demográfica y económica, estaba la necesidad de describir al imperio de los Inca como una tiranía que se redimía con la administración hispana y por supuesto, con la catequización cristiana.

El resultado está volcado en cuadros comparativos que también incluyen la información de Lucas Martínez Vegazo (1540) y que servirán de fuente para futuros estudios. Hidalgo concluye que el cacicazgo de Ilo aparece en las fuentes como una comunidad de pescadores, que además practicaba la agricultura. Al contrario, en el de Tacna no parece haber mucho contacto con la ribera marítima. Cuando aparecen quienes practican la pesca, son mitimaes que terminan siendo parte de este cacicazgo.Aun así es difícil pensar que las actividades se mantuvieron separadas. Esta división es notoria entre los aymaras, lo que contrasta con la población original. Finalmente, tenemos el caso de los caciques e indios uros en Lluta y Azapa y de los indios camanchacas con tierras de cultivo en la ciénaga de Ocurica… que se vieron obligados a vender sus tierras para satisfacer el impuesto reclamado por Toledo. En conclusión, Hidalgo propone que la ausencia de diferencias entre pescadores y agricultores, encontradas en la tradición cultural de la costa, habría tenido sus orígenes en la tradición cultural alto andina.

En su Tercera Parte el libro trata del siempre espinoso tema de las fronteras del Imperio. El primer trabajo de este rubro pertenece a Sonia Alconini que reabre el estudio de los límites con el Chaco boliviano, lo que tiene una larga historia, en especial por su relación con las tribus chiriguanas de filiación guaraní.Alconini centra su trabajo en dos zonas: Oroncota al oeste y Cuzcotuyo al este de los piedemonte del Chaco, ambas en la Cordillera Oriental de los Andes.

El artículo empieza con una provocadora cita del Inca Garcilaso de la Vega, en la que el cronista muestra el estereotipo usual que desplegaban incas y europeos con respecto a las sociedades más allá de su territorio conocido. Llega a decir: “Y no solamente comían la carne de los comarcanos que prendían, sino también la de los suyos propios cuando se morían…” También los cronistas españoles repiten sus prejuicios: “los Chiriguanas que es una nación de montaña desnudos y que comen carne humana…” a decir de Pedro Sarmiento de Gamboa. Como nos recuerda la autora, esta percepción de los “bárbaros” es común en todas las historias oficiales de los imperios que se encuentra en varios continentes. Pero si bien estas calificaciones son repetitivas, los límites físicos entre sociedades diferentes, propician opciones de investigación que suelen ser novedosas, y ayudan a comprender al propio estado expansivo, de mejor manera.

Alconini proporciona dos fórmulas fronterizas: la militar y la cultural. Al obvio despliegue de barreras y soldados de una de ellas, la otra sería el de Incanizar a las poblaciones externas (bárbaros), a través de las poblaciones que habitaban dentro de sus límites. Para ello se centra en los datos de arquitectura, prospección y distribución de cerámica incaica. A los que suma la documentación histórica, que a su juicio refleja la perspectiva incaica, en la que las tribus chiriguanas figuran como invasores, por lo que el espacio fronterizo sería una zona militarizada a partir del gobierno de Tupac Yupanqui. Esta versión no coincide con la que procede de la arqueología: el sistema de caminos, el muro en la cima de la montaña Cuzcotuyo y las colinas amuralladas adyacentes, en lo que se refiere a la arquitectura, y la distribución de la cerámica guaraní-chiriguana que también se encuentra en espacios de ocupación incaica.

Sonia Alconini concluye que la frontera debe pensarse como un espacio de interacción, no como una línea demarcatoria. Dentro de esta perspectiva pudieron existir espacios militarizados como el complejo Cuzcotuyo y también centros provinciales como Oroncota, de larga inversión de trabajo en su infraestructura. Esto nos está diciendo que al lado de la construcción de lo que sería una frontera militarizada coexistían fórmulas de jugar con los límites como espacios de interacción con los grupos étnicos locales. Esta relación era también una forma de frontera que hacía de aquellas tribus parte del Imperio.

Las contribuciones preparadas para este rubro continúan con el trabajo de Verónica I. Williams sobre la dominación incaica en el noroeste argentino (NOA). En su artículo analiza la fórmula de ocupación incaica en los espacios que comprende el valle de Calchaquí, el de Yocavil-Santa María, la quebrada de Humahuaca y en el bolsón de Andalgalá. La pregunta pendiente sigue siendo la naturaleza de esta dominación. En algunos casos, la arquitectura prueba la presencia de los especialistas imperiales para la construcción de obras de naturaleza variada, en otras ocasiones, a partir de la alfarería se puede hablar de asentamientos mixtos (incaicos y santamarianos).

Williams enfatiza la variedad de estrategias usadas por los señores del Cusco para marcar su presencia en un espacio codiciado. Un Estado en expansión necesita en primer lugar una red de caminos, que en su fase inicial pudo ser heredada de los waris, en lo que se ha llamado “primer round” del imperio. A continuación, una vez establecidos los espacios y habitantes a ser dominados, se procedía a la instalación de centros estatales a lo largo de las vías. Dichos centros, o nichos provinciales, cubrían varias urgencias, entre ellas, presencia política, áreas de intercambio económico y ceremonial, pero sobre todo tenían la función de convertir a los sorprendidos habitantes, en miembros del Tahuantinsuyu. Parte importante en este afán era la determinación de las cumbres que se convertían en santuarios incaicos, confirmados con el sacrificio de niños y jóvenes, cuyas momias cargadas de ornamentos se siguen encontrando en el sur del Imperio.

No fue tarea fácil, el territorio prehispánico del NOA fue un mosaico de etnias, muchas de ellas alojadas bajo la cómoda denominación de calchaquíes. Esta fragmentación de etnias trajo consigo que en el aspecto militar (si es que la hubo) se diera un mayor avance, mientras que en el aspecto productivo el desarrollo fue más lento y complejo. Este panorama cambió en cuanto los hijos del sol implementaron la organización social incaica.

Es interesante descubrir esta voluntad incaica de construir estos complejos habitacionales en lugares poblados y despoblados, lo que implica consideraciones geopolíticas de larga duración que ahora escapan de nuestro conocimiento. En todo caso Willliams encuentra dos patrones generales: aquellos poblados integrados por varios sectores, como podría ser un cerro con defensas, barrios residenciales y zonas públicas; un poblado al pie del cerro y conjuntos arquitectónicos dispuestos en forma aislada, vinculados a unidades domésticas, talleres artesanales y terrazas agrícolas. El otro patrón se caracteriza por centros ubicados en terrazas o mesetas altas y relativamente planas.

Para concluir Williams propone que las diferentes formas de ocupación del Estado incaico “pudieron responder a un control territorial de tipo directo o indirecto, confluyendo en los asentamientos estatales los centros de poder y de intercambio”. Aun así, es difícil saber los criterios incaicos de ocupación, que debieron variar de acuerdo a la reacción de los pobladores originales.

Culminan los trabajos en este rubro con el artículo de Ana María Lorandi, maestra de larga e importante trayectoria en las ciencias sociales argentinas. El tema de su trabajo tiene que hacer con las relaciones centro-periferia del Tahuantinsuyu, usando como ejemplo el NOA. Se interesa especialmente en la producción de bienes y servicios a favor del Estado incaico, usando como herramienta las acciones de los mitimaes o poblaciones desplazadas con ese propósito. Como en el trabajo anterior, los calchaquíes son protagonistas en este juego de intereses, su aceptación o rechazo a estos colonos forzados es el eje de las preocupaciones de Lorandi y otros especialistas.

Lorandi empieza analizando el rol de mitimaes y yanaconas en el desarrollo del Tahuantinsuyu. Estas poblaciones cuya función y estilo de vida era transformada por decisión estatal, por mucho tiempo fueron considerados como serviles, sin que se determinasen las especificidades de su accionar, lo que incluía, en algunos casos, privilegios con respecto al hatun runa. Ubicarlos en el NOA no fue fácil, Lorandi nos dice que aun bajo el gobierno español, la región fue frontera de guerra, lo que a ella le permite extrapolar la situación para épocas prehispánicas, concluyendo que “los incas controlaron más fácilmente a las jefaturas más septentrionales que a las del centro y sur de la región”.

Superada la fase guerrera, lo que se conoce en las crónicas como etapa de pacificación imperial o pax incaica, debió involucrar un cuidadoso manejo de los mitimaes. Si la distancia con sus pueblos de origen no era superior a unos días de camino, la estrategia debió ser muy diferente si los desplazados terminaban ocupando espacios a muchos kilómetros. Y por más que se guardasen sus privilegios en los pueblos de sus padres, la reubicación implicaba situaciones de adaptación para los pueblos originales y para los forzados migrantes. Concluye su trabajo con una pregunta que resume el estado actual de nuestro conocimiento sobre el tema, ¿Cuáles eran los límites de la capacidad del Estado para movilizar miles de personas a cientos o a más de mil kilómetros, sin provocar resistencias activas o pasivas, o sin provocar un agotamiento que conspirase con los objetivos políticos y económicos para los cuales se implementaban estas prácticas?”

La Cuarta Parte, en manos de Rostworowski, es una reflexión sobre la necesidad de enfatizar el carácter interdisciplinario de los estudios andinos. Temas diversos como los mitos de Huarochirí, el santuario de Pachacamac o las peregrinaciones precolombinas, etc., que corresponden a temas investigados por ella misma y que forman parte de sus obras completas, dan ejemplo a seguir en la necesaria interacción de las disciplinas. María, nuestra hermana mayor, caminó por los espacios del valle de Lurín siguiendo los pasos de las deidades de Huarochirí y de los peregrinos de Pachacamac. Su síntesis es un ejemplo de la mirada que abarca las disciplinas sociales.

Reseñado por Luis Millones – Profesor Emérito, Universidad Nacional Mayor de San Marcos, Lima, Perú.

Acessar publicação original

[IF]

Moche. Cosmología y Sociedad: Una Interpretación Iconográfica – GOLTE (C-RAC)

GOLTE, Jürgen. Moche. Cosmología y Sociedad: Una Interpretación Iconográfica. Lima-Cusco: Instituto de Estudios Peruanos-Centro Bartolomé de Las Casas, 2009. 472p. Resenha de: LOZA, Carmen Beatriz. Chungara – Revista de Antropología Chilena, Arica, v.43, n.especial, 607-608,  2011.

El interés del libro del antropólogo alemán Jürgen Golte y su importancia son evidentes, tanto por el tema como por la manera de abordar la iconografía y cultura moche. Después de un trabajo sostenido y de largo aliento, el autor se impone como uno de los mejores conocedores de la iconografía moche, pues escudriñó pinturas, esculturas y cerámicas para aproximarse a la cosmovisión de los artesanos que elaboraron para su sociedad hermosas y significativas piezas. Y, como un historiador, desplegó todo su conocimiento al servicio de las narraciones plasmadas en imágenes, la mayoría de las cuales provienen de colecciones, privadas y estatales, tanto alemanas, egipcias, chilenas como también estadounidenses y peruanas. Pero resulta que si bien son miles de piezas arqueológicas las que tuvo entre manos para estudiar, son aproximadamente 50.000 imágenes identificadas y analizadas con el apoyo de cientos de referencias bibliográficas consultadas para la elaboración de la obra. Sin lugar a dudas, todo ello fue posible gracias al importante apoyo brindado por la Frei Universtät Berlin, donde ofrece cátedra y el respaldo de una de las mayores financiadoras de la investigación en Alemania, la Deutsche Forschungsgemeinschaft. No debe dejar de mencionarse la ayuda prestada por los curadores de los museos, quienes pusieron en sus manos los ceramios, lo cual no es banal de mencionar, pues como él mismo lo señala “la mayoría de los que hablan e investigan sobre el arte moche no han visto los originales, muchas veces de difícil acceso en colecciones o en depósitos de museos públicos diseminados por el mundo, o no les prestan la atención debida” (Golte 2009:38). La conjunción de ambas limitaciones es superada por el autor para ofrecernos una obra muy documentada, en vista de los últimos y grandes descubrimientos realizados en la costa del Perú.

El libro se abre con una extensa, profunda y pertinente introducción sobre los procesos formativos iniciales que dieron nacimiento a la sociedad moche. Allí, se sostiene que los cambios radicales y revolucionarios deben haberse generalizado con bastante lentitud y que las nuevas formas quizás fueron desarrolladas a partir del fondo simbólico socializado y difundido con anterioridad. El proceso de identificación está destinado a marcar las fronteras y las particularidades del grupo expresado en un lenguaje comprensible a todos. Desde la introducción, el autor tiene la intención de marcar la distancia con el objeto de estudio y dejar claro el alejamiento cultural que lo separa (por extensión a nosotros) de los artesanos y artistas mochicas, quienes eran hábiles comunicadores de ideas cosmológicas y de comprensión de su mundo, de ahí que tanto los “productores como los receptores estaban familiarizados a esas reglas porque pertenecían a una tradición cultural común” (Golte 2009:18). Insiste en aproximarnos a las imágenes alejándose de la comprensión ingenua proveniente de nuestras propias categorías. Se busca con ello mostrar, reiterativamente, la tensión que conoce el investigador al evitar que su imaginario invada su análisis de las imágenes. En ese sentido, el libro entrama, desde el principio hasta el final, una doble inquietud: dotarnos de una metodología para la comprensión de la iconografía y la cultura moche desechando las ideas etnocéntricas que han imperado en gran parte de la literatura producida con anterioridad a su libro. Su propuesta, entonces, es planteada como un modelo para entender la cosmovisión y las culturas de los Andes Centrales.

La principal tesis apunta a demostrar que “La cerámica mochica es un medio que construye sentido con objetos tridimensionales” (Golte 2009:20). De este planteamiento resulta una doble enseñanza: si no reconocemos la parte bidimensional del ícono y la dimensión tridimensional de una efigie o escultura adolecemos de una falla inicial al relacionar la temática y las expresiones iconográficas. Sólo así reconocemos que los personajes representados son identificados por los atributos que poseen. Este procedimiento, paradójicamente, no fue problematizado por los arqueólogos e historiadores del arte debido a su familiaridad con el arte europeo ampliamente difundido en los estudios iconográficos. En este punto, parece pertinente subrayar su postura de tomar en cuenta y en serio la condición de los ceramios moche como objetos tridimensionales. Tan en serio lo asume, que la totalidad del libro abunda en infinidad de ejemplos para convencernos de su utilidad. Pero resulta que, si bien este aspecto es central, no es menos importante su demostración acerca del manejo que tenían los artesanos mochicas del tiempo y del espacio para establecer un lazo entre vivos y muertos bien representados en los ceramios. En esta brecha, Golte ahonda en consideraciones teóricas acerca de la historia, la cual es capital para situar las imágenes mochicas, pues estas tienen un lugar en la larga historia de desarrollo de convenciones y representaciones. De ahí que enfáticamente afirme que los moches “no son creadores ex-nihilo”, razón por la cual es imprescindible no aislar las piezas del contexto y universo de la cultura moche (Golte 2009:25).

Entre los hallazgos destaca la ubicación del lugar desde el cual se debe iniciar la lectura de las imágenes dibujadas en los ceramios (principalmente botellas). Esta identificación tiene trascendencia en la medida que sólo a partir de ello es posible restituir el panel representado en la botella de acuerdo a un orden lógico. Gracias a ese procedimiento, al parecer sencillo, son recuperadas las imágenes en su totalidad para poder comprender su narrativa. Restitución íntegra que ayuda a identificar y entender la secuencia de escenas para poder ir entendiendo, paulatinamente, sus mensajes. En esa línea, Golte presta una especial atención a los lugares que ocupan cada una de las imágenes, sin descuidar por ejemplo los lugares menos expectantes como la base o las asas. No deja de mencionar los lugares vacíos cuyo papel es necesario para la transmisión de sentido, lo que significa que se los debe tener presentes porque son parte del panel y juegan un rol significativo. Y este aspecto deja establecida la idea de que los pintores moche no cubrían las superficies con pinturas sin un propósito bien definido. Se detectó que en algunos ceramios se quiso connotar un encuentro de contrarios complementarios en un juego entre imágenes de arriba frente a imágenes de abajo. Para explicar esta oposición de contrario, el autor se sumerge en los principios andinos de los cuales extrae la explicación de que se trataría de una especie de tinku, es decir, el interface que se produce en el encuentro de opuestos. Golte establece la relación estrecha entre forma del ceramio y narrativa desplegada en imágenes. Son aspectos que podrían parecer evidentes, pero son difíciles de manejar. Ahí es donde Golte abre un gran debate con los estudiosos de la cultura moche, Donna McClelland y Christopher Donnan, porque en sus trabajos las representaciones de los paneles que presentan son incompletas, tal como el autor lo demuestra. En realidad, la totalidad del libro apunta a mostrar las grandes fallas metodológicas en los estudios a lo largo del tiempo. En particular, cuando revisita los temas y las piezas moche utilizadas por otros investigadores estadounidenses con quienes tiene varios desacuerdos fundados en lecturas opuestas de las representaciones realizadas por los artesanos moches.

En suma, se trata de una obra muy útil por su propuesta metodológica para abordar un estudio iconográfico en los Andes. La fuerza radica en la articulación de cada una de las partes como un todo donde la sucesión de imágenes dibujadas y las reflexiones forman una unidad y no simplemente elementos yuxtapuestos. Hubiera sido interesante, dada la enorme cantidad de imágenes utilizadas, un complemento cuantitativo con el análisis de algunas variables, lo cual sin lugar a dudas también habría ofrecido muchas luces sobre esa base de datos que ha reunido más de 50.000 imágenes. En todo caso, el acercamiento individualizado, detallado y reflexivo propuesto en esta importante obra deja abiertas numerosas vetas a explorar. Al mismo tiempo, habría sido importante la edición con excelentes fotografías que si bien han sido reproducidas en innumerables libros de arte prehispánico, cobrarían otro sentido a la luz de la densa e inteligente propuesta de Golte para entender los mensajes de los artesanos mochicas.

Beatriz Loza – Directora de Investigación del Instituto Boliviano de Medicina Tradicional Kallawaya. La Paz, Bolivia. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[IF]

 

Develando Órdenes y Desatando Sentidos. Un Atado de Remedios de la Cultura Tiwanaku – LOZA (C-RAC)

LOZA, Carmen Beatriz. Develando Órdenes y Desatando Sentidos. Un Atado de Remedios de la Cultura Tiwanaku. La Paz: Instituto Boliviano de Medicina Tradicional Kallawaya, 2007. 153p. Resenha de: BISONARD, Rosana Patricia. Chungara – Revista de Antropología Chilena, Arica, v.43, n.especial, 609-610, 2011.

Las investigaciones sobre atados medicinales prehispánicos son escasas, de tal suerte que el libro de Carmen Beatriz Loza sobre un atado del período Tiwanaku viene a enriquecer la literatura especializada en etnomedicina andina desde su vertiente arqueológica. La historiadora y demógrafa-médica boliviana, a través del Instituto Boliviano de Medicina Tradicional Kallawaya, realizó un notable esfuerzo editorial por ofrecer a los lectores un texto en castellano e inglés, sobre el análisis detenido de un atado de remedios encontrado fortuitamente en Pallqa, provincia Larecaja del Departamento de La Paz. Se trata de un pequeño fardo envuelto en cueros de ciervo que contenía pequeños objetos utilizados por un religioso/ médico de la época de Tiwanaku, aproximadamente del año 900 de nuestra era.

La autora inmersa en la cultura Kallawaya pudo realizar una catalogación completa y un desciframiento del significado de cada uno de los objetos por muy extraños que se presenten ante nuestros ojos. En realidad, esto se consiguió gracias a un proceso basado en la contrastación de resultados de numerosas investigaciones arqueológicas y etnográficas andinas con los testimonios de los herbolarios y médicos Kallawayas y K’awayus en un “intrincado proceso de elucidar la antigua ciencia de sanar que era practicada por los tiwanakotas”. Dicho proceso lo desarrolla a través de cinco capítulos documentados por hermosas fotografías que dan sustento a un primer capítulo destinado a la “descripción y evaluación de estudios sobre atados en contextos andinos”. Este tema permite abordar las circunstancias históricas del descubrimiento; las características en términos andinos para describir la evidencia arqueológica y la aprehensión del modelo cognitivo que prima en el orden del atado. El segundo capítulo trata de la “distribución jerárquica de contenidos” a través de la comprensión de la organización, almacenamiento y ordenación de los remedios, lo cual derivó en el planteo del modelo cognitivo que lo sustenta. Mientras que el “análisis de los cordajes finos” forma parte de un tercer capítulo donde se presentan como componentes claves para la comprensión de las actividades curativas del religioso/médico de Pallqa. Se realza en este capítulo la relación existente entre los cordajes y algunos aspectos del funcionamiento de los quipus. El cuarto capítulo trata de “la jerarquía de objetos animados e inanimados” mostrando una coincidencia con la propuesta teórica del antropólogo y filósofo francés Phillipe Descola sobre la ausencia de división tajante entre naturaleza y cultura (cf., Descola, 1993, 2005). Finalmente, el quinto capítulo acerca del “contexto del ajuar inhalatorio” (microcontextos) enfatiza en los aspectos desechados precedentemente por otros estudiosos para describir la parafernalia inhalatoria la cual no era necesariamente para consumir psicotrópicos.

Los cinco capítulos completan la visión panorámica amplia del contenido y su relevancia arqueológica, a pesar de la existencia de un trabajo preliminar incompleto sobre esas mismas evidencias arqueológicas (Capriles Flores, 2002: 23-50). De ahí que se hizo necesario “complejizarlo”, para lo cual trabajó desde el enfoque “etno-arqueológico”, debido a la distancia cultural y temporal que nos separa del atado. La analogía etnográfica utilizada a lo largo del texto apunta hacia el “reconstruccionismo arqueológico”, privilegiada como metodología empleada por la autora. Metodología que además permite el acercamiento a las evidencias arqueológicas del período Tiwanaku y su relación a las culturas Kallawaya y K’awayu mediante el estudio de los restos materiales de la cultura médica prehispánica. En esa línea, reúne elementos para la mejor comprensión de la tumba multifuncional de Niñokorin recogida parcialmente por el etnólogo Henry Wassén en (1971) (cf., Wassén 1972). La autora, siempre retomando en el marco conceptual desarrollado por Philippe Descola, se adentra en la comprensión del empleo de los cueros y sus funciones medicinales, desechando parcialmente la idea de que sólo servían como recipientes. De hecho, la propuesta de una clasificación de los cueros por parte de los Kallawayas y K’awayus contribuye a comprender los sistemas de pensamiento andino, mediante el análisis de la ordenación de una diversidad de objetos de diferente naturaleza correspondientes a la cultura Tiwanaku, estableciendo la matriz ontológica que la sustenta.

En suma, del análisis se desprende, que el “modelo cognitivo de organización simbólica de pensamiento secuencial”, utilizado por Carmen Beatriz Loza, permite afirmar que el atado de Pallqa responde a una estructura de pensamiento secuencial, eficaz y operativo, basado en un modelo cognitivo de organización simbólica llamado también modelo simbólico de representación del conocimiento. Esto nos lleva a encuadrarnos en un paradigma que permite ver entre los médicos/religiosos de Tiwanaku una forma particular de ensamblaje y sistema de organización de almacenamiento de las medicinas. Todas ellas ordenadas acorde a una jerarquía de cueros y a una asociación de elementos de distintos materiales y de peculiar naturaleza animal, destinados a la fabricación de remedios. Este paradigma representa un modelo simbólico de representación de conocimiento, ya que entraña un valor, en tanto significación de un acto de codificación de la información a través de símbolos externos. Los mismos no pueden ser comprendidos al margen del marco de las operaciones simbólicas, ya que los diferentes tipos de cueros no son sólo reservorios, sino que tienen funcionalidad específica. En el atado moran los espíritus de los animales domésticos y silvestres, de los que provienen los cueros, que eran activados por el religioso/médico de Pallqa, quien los manipulaba, para las curaciones, reproduciendo atributos de poder inherentes a las especies. En otros términos, el atado se metamorfoseaba convirtiéndose en sujeto animal, entramando esta metamorfosis a diversas escalas de organización de los cueros/contenedores estudiados por la autora.

El proceso de investigación científica que utilizó Carmen Beatriz Loza representa un desafío digno de destacar. En primer lugar, planteando una relación intrínseca entre epistemología y metodología, no reducidas ambas a un simple tecnicismo, sino a una reflexión sobre la teoría del descubrimiento. La autora en cada momento del proceso de investigación estableció y desarrolló áreas temáticas con selección específica del campo de trabajo, lo que le permitió establecer en cada aproximación el objeto de investigación, planteando claramente problemas e interrogantes resueltos durante el proceso de investigación y otros planteados para un posterior trabajo. Además, en el momento lógico-epistemológico precisó correctamente el objeto, por lo cual se abocó a la construcción del marco teórico, reflexionando sobre las categorías teóricas que le permitieron el abordaje del objeto, delimitando clara y específicamente los propósitos de la investigación. En esa línea, el modelo etno-metodológico le permitió abordar el estudio del fenómeno social que rodeaba al atado de Pallqa, reforzando así las interacciones de los individuos con su medio, y las ideas que el mundo social está compuesto de significado y puntos de vista compartidos. Considero que el aporte del libro evidenció, por primera vez, que los remedios/cueros/contenedores, del atado del período Tiwanaku, intervinieron en el proceso curativo porque son portadores de poderes en sí mismos. Aporte que sólo fue posible por el conocimiento cercano del mundo de los especialista médicos Kallawayas y K’awayus con quienes ha sabido compartir, discutir y descubrir los secretos de un atado del período Tiwanaku.

Referencias

Capriles, J.M. 2002. Intercambio y uso de fauna por Tiwanaku. Análisis de pelos y fibras de los conjuntos arqueológicos de Amaguaya, Bolivia. Estudios Atacameños 23:33-50.         [ Links ]

Descola, P. 1993. Les Lances du Crépuscule: Relations Jivaros. Haute-Amazonie. Plon, Paris.         [ Links ]

—2005. Par-delà Nature et Culture. Éditions Gallimard, Paris.         [ Links ]

Wassén, S.H. 1972. A Medicine-man’s Implements and Plants a Tihuanacoid Tomb in Highland Bolivia. Göteborgs Etnografiska Museum, Goteborg.         [ Links ]

Rosana Patricia Bisonard – Programa “Doctorado en Cultura y Sociedad”, CONICET, Salta, Argentina. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[IF]

Estudos Vikings / Brathair / 2011

Desde os anos 1960, os Vikings vem recebendo reavaliações e novos estudos por parte dos acadêmicos. Tanto o impacto das conquistas, colonizações e influências culturais dos escandinavos, quanto investigações da própria sociedade nórdica, estão despertando novas possibilidades de conexões e de entendimentos para a Alta Idade Média. Muito mais do que simples bárbaros que aterrorizaram o litoral europeu, a Era Viking constituiu um dos mais importantes períodos do medievo, estabelecendo rotas comerciais e culturais entre o mar do Norte, o Mediterrâneo e o mundo oriental; nesta época surgiram importantes cidades, como Dublin e Kiev, e outras foram reorganizadas outras, como York; o importante ducado da Normandia na França foi estabelecido; colônias foram instaladas em áreas inóspitas e marginais ao mundo Ocidental, como o leste russo, o norte da Escócia e o Atlântico Norte. A tradição oral dos povos escandinavos deu origem a uma das mais importantes produções literárias do medievo, as sagas islandesas, e sua mitologia possui repercussão mesmo na sociedade atual.

No Brasil, os estudos escandinavísticos estão tendo um início de muito fôlego. A revista Brathair concede espaço para as pesquisas desta área há muitos anos, como a edição especial “Sagas islandesas”, publicada em 2009 (edição 9(1)), e o Simpósio Nacional e Internacional de Estudos Celtas e Germânicos, organizado pelo grupo BRATHAIR que desde 2004 vem promovendo atividades relacionadas aos estudos nórdicos.

Mais recentemente, a criação do NEVE, Núcleo de Estudos Vikings e Escandinavos (www.nevevikings.tk), demonstra um segundo amadurecimento da escandinavística em nosso país. Seus membros, integrantes de vários programas de pós-graduação e universidades brasileiras, iniciam uma articulação entre as mais variadas pesquisas e temas da Escandinávia Medieval. Prova disso é que a maioria dos trabalhos apresentados na presente edição da revista Brathair, são de pesquisadores vinculados ao NEVE.

Inicialmente, Solange Ramos de Andrade e Flávio Guadagnucci Palamin, discutem o tema da juventude, da velhice e da morte nas Eddas, as mais importantes fontes para o estudo da mitologia escandinava.

O artigo de Renan Marques Birro, Siward da Northumbria († 1055) e a Batalha dos sete dormentes (c. 1054), investiga algumas questões biográficas e ideológicas das narrativas escandinavas.

Em seguida, João Bittencourt analisa a questão das localidades britânicas que receberam denominações de origem nórdica, estabelecendo importantes conexões entre toponímia e lingüística na Europa Setentrional.

Por sua vez, Grégory Cattaneo investiga o tema da subsistência, alimentação e carestia na Islândia Medieval.

Eduardo Consolo dos Santos reflete sobre as representações de Átila na Canção dos Nibelungos, outra importante fonte literária medieval.

Claire Musikas investiga o tema das viagens para a Índia na Eireks saga víðförla, demonstrando que as sagas lendárias podem servir para importantes estudos sociais e culturais da Escandinávia Medieval.

A edição ainda apresenta uma resenha de Grégory Cattaneo para a edição italiana do Hávámal, um dos mais famosos poemas éddicos; e o livro Os três dedos de Adão, uma coletânea de ensaios sobre mitologia medieval, de autoria de Hilário Franco Júnior, resenhado por Ruy de Oliveira Andrade Filho.

Em seguida, duas importantes traduções inéditas em língua portuguesa, abordado fontes da literatura escandinava medieval: A vida e a paixão do conde Waltheof, por Renan Marques Birro; e A Saga de Hálfdan, o Negro, por Pablo Gomes de Miranda.

A edição encerra-se com uma entrevista com Neil Price, uma das grandes autoridades mundiais em Arqueologia Escandinava da Era Viking.

Esperamos que a presente edição da revista Brathair desperte o interesse do leitor para os estudos escandinavísticos em nosso país, ainda não consolidados academicamente, mas com certeza, com um futuro muito promissor.

Johnni Langer – Professor Doutor (UFMA / BRATHAIR). NEVE, Núcleo de Estudos Vikings e Escandinavos. E-mail: [email protected]


LANGER, Johnni. Editorial. Brathair, São Luís, v.11, n.1, 2011. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

 

Monaquismo / Brathair / 2011

O “afastamento do mundo” para se dedicar integralmente à vida religiosa é comum à maioria das religiões. Desde que o grupo social arcaico se tornou mais complexo começaram a surgir os feiticeiros, sacerdotes e pajés, nitidamente identificáveis nas pinturas murais da mais antiga pré-história, e confirmadas pelos exemplos da Antropologia. Mas esses especialistas da religião, mesmo que mantenham um modo de vida diferente e separado da comunidade, e portanto “afastados do mundo” ainda não são monges no sentido estrito e no entendimento tradicional. Porém, para entrar melhor nesta discussão, é preciso apurar os termos, pois só por si, sem se considerar seu uso, as palavras induzem em erro: monge vem de monachus, termo semelhante a mónada: singular, isolado, que é só um, vocábulo que deu origem a monastério, e mosteiro, e a topônimos como Munique. Mas o mosteiro é o lugar onde vive a comunidade de muitos monachus, dos “isolados que estão juntos”, e só se entende esta aparente contradição quando se compara com o seu equivalente, mas contrário: convento. Este significa o lugar para onde “convêm” ou se congregam muitas pessoas, e a diferença está em que no convento a vida comunitária predomina sobre o modo de vida individual no trabalho, na oração e no estudo, enquanto no mosteiro o mônaco teria mais tempo para a vida espiritual.

Mesmo que no uso vulgar os dois termos – mosteiro e convento – se usem indistintamente, esta breve explanação nos serve para introduzir as questões fundamentais, das quais a primeira é a já indicada: o impulso para a dedicação à vida religiosa em tempo integral é próprio de todas as sociedades, e não constitui uma quebra da tendência humana à socialização; pelo contrário, a vida social no interior dessas comunidades é intensa, e nunca se corta totalmente da sociedade ambiente. A variedade de modos de vida religiosa é muito grande, desde os eremitas, esses sim isolados, até aos que vivem monasticamente porém inseridos na cidade e no campo; mesmo assim, a vida monástica apresenta traços semelhantes em quase todas as religiões complexas; e, seja qual for a opção de vida, a tensão entre a vivência individual e a coletiva é sempre um dos focos principais das normas e regras monacais. Deste modo a afirmação inicial tem de ser completada: as circunstâncias da cultura religiosa, do ambiente da época e da tradição, impõem ao monaquismo características próprias a cada caso ou modalidade.

É possível, então, discernir em que aspectos as culturas celtas e germânicas impuseram seus selos, ou marcas no monaquismo cristão ocidental? Se o fizeram, teremos de observá-los nos movimentos monásticos da Alta Idade Média, antes que Roma impusesse sua hegemonia sobre todas as variantes do cristianismo regional. Talvez se pudessem levantar algumas hipóteses, a confirmar pelos documentos e pelas tradições, como por exemplo: a maior presença do monaquismo feminino, de certo modo independente e paralelo ao masculino, entre os celtas irlandeses e britânicos; ou um forte espírito de obediência e comunitarismo entre os monges germânicos, contrastando com a variedade e certa “anarquia” dos monges celtas. Mas nossa intenção não podia ser esse “descobrimento”, que exigiria pesquisa e trabalho muito além de um dossiê. O que pretendemos levantar é a contribuição das áreas culturais celtas e germânicas, e das suas lideranças religiosas, para o surgimento e fortalecimento do movimento monástico europeu da Alta Idade Média – mesmo que alguns casos nos trouxeram para mais perto do apogeu medieval.

Os artigos apresentados neste dossiê cobrem diversas áreas da presença celta e germânica, reportando-se a questões da vida interior dos mosteiros, mas sobretudo às relações da vida monástica com a sociedade em que se inseriu: Farrell trata do serviço pastoral na Irlanda, Souza fala da opinião de uma crônica merovíngia sobre acontecimentos político-religiosos do Oriente, Uchoa estuda a comunidade monástica e sua percepção do corpo para controle da virtude, Frazão da Silva e Rodrigues da Silva discutem os vínculos entre as lideranças monásticas e as figuras do poder real e da nobreza. Assim considerado, o monaquismo como movimento e modo de vida é o resultado e ao mesmo tempo o modelo para a sociedade cristã, e neste sentido o artigo de Conde da Silva sobre as virtudes das damas e cavaleiros vem nos trazer o ideal cristão fora dos mosteiros, mas refletindo os ideais espirituais que os monges elaboravam e difundiam. O elo de ligação está explícito no artigo de Sirgado Ganho, em que um monge, e líder de monges, apresenta as normas de virtude não só para os leigos, mas para o próprio rei e sua corte. Através da análise da Visão de Túndalo, Zierer e Messias demonstram como narrativas compiladas por monges serviram como propaganda religiosa, visando a conversão dos fiéis e as corretas normas de comportamento para que atingissem o Paraíso na outra vida.

Esta pequena amostra da contribuição do monaquismo para a construção da Cristandade, e da Europa, é rica, mas não é suficiente para os seus e nossos objetivos: ela pede outros complementos que oportunamente serão apresentados nesta revista.

João Lupi – Professor Doutor (UFSC). E-mail: [email protected]


LUPI, João Editorial. Brathair, São Luís, v.11, n.2, 2011. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

 

Hávamál. La voce di Odino. Il testo degli antichi vichinghi | Antonio Gostanzo

Il est difficile de faire le compte-rendu d’un ouvrage sans prétention scientifique… Bien bâti, joliment présenté et agréablement traduit, le livre d’Antonio Costanzo jouira certainement d’un bon accueil auprès du public italien. La rareté des traductions de textes norrois en italien nous invite à louer l’initiative de cet amateur, qui propose non seulement une traduction de l’un des fleurons de cette littérature, le Hávamál, mais qui a également participé à la conception de cet ouvrage puisqu’il en est à la fois l’auteur, le traducteur et l’éditeur. Vivant en Islande et travaillant pour le muse national (Þjóðminjasafn Íslands), ce physicien d’origine napolitaine occupe son temps libre à étudier les textes islandais médiévaux à l’Institut Arnamagnéen de Reykjavik et se consacre actuellement à une traduction inédite en italien de la Fóstbræða saga, qui paraîtra prochainement dans la même maison d’édition.

Cette traduction du Hávamál, sous-titrée « la voix d’Odin, le texte des anciens vikings » s’ouvre sous les auspices de l’Institut Arnamagnéen de Reykjavik par une préface de Gísli Sigurðsson (l’éditeur du recueil de poésie eddique Eddukvæði où se trouve notamment le Hávamál). Celle-ci offre une synthèse sur les traditions manuscrites et les tentatives d’explications du poème, que ce soit par l’oralité, le fond germanique ancien ou bien l’influence de la culture cléricale (VII-IX). Le livre comporte également une introduction détaillée de l’auteur, à propos de ses choix de présentation, notamment pour la première partie. Il précise en effet l’existence d’une abondante literature secondaire présentant le texte sous un angle philologique, historique ou social, et explique ainsi que cette étude suit un angle qu’il qualifie de philosophique. Dans l’espoir de percevoir la vision du monde du Hávamál, A. Costanzo accompagne sa traduction, lorsque cela est possible, de passages qu‘il juge similaires, tirés de la pensée stoïcienne de Sénèque ou bien du bouddhisme (XII-XIII). Ainsi, l’essentiel du livre se compose de deux grandes parties: le texte en vieil-islandais normalisé accompagné de sa traduction italienne et augmenté d’une étude à caractère philosophique (pp.3-125), puis à nouveau le texte original et sa traduction, accompagnée cette fois-ci d’une analyse critique du texte (pp.129-247). Si ce choix de présentation peut surprendre le spécialiste, il permettra au public curieux de faire la part entre un commentaire sur l’oeuvre qui lui permettra de découvrir ce beau texte et un commentaire linguistique, qui lui donnera le loisir d’apprécier la traduction et de comprendre les choix de l’auteur. Enfin, le livre se conclut par une bibliographie (pp. 249-255) et par deux appendices très utiles. En effet, le premier rédigé par un hôte de l’Institut Arnamagnéen de Reykjavik, Giovanni Verri, porte sur la normalisation du texte original et sur le système vocalique du vieil-islandais (pp. 257-258) tandis que le second offre au lecteur de belles photographies du manuscrit (GKS 2365 4to fol. 3r – 7v) fournies par Jóhanna Ólafsdóttir, du même institut.

Dans la première partie, le spécialiste s’étonnera de trouver des références explicites à Sénèque (texte original accompagné de sa traduction) pour illustrer le commentaire d’une strophe du poème islandais (par exemple l’extrait de la lettre 13 à Lucilius qui illustre la strophe LVI du Hávamál, p. 40). C’est probablement grâce à sa qualité d’amateur que l’auteur se permet ces parallèles et va même plus loin en considérant la culture bouddhiste comme moyen d’expliquer la vision du monde des anciens Scandinaves (par exemple les strophes VIII et IX pp. 8-9). Notons que si cette partie plaira beaucoup au lecteur, elle pourra irriter un public plus averti puisque l’auteur n’hésite pas à faire part de ses conceptions philosophiques – parfois simplistes – sur la pensée dês anciens scandinaves. En considérant le but du livre, on peut difficilement lui faire grief de ne pas véritablement apporter un élément de plus à la réflexion sur le paganisme nordique. Par contre, Il aurait pu avantageusement se servir des passages tirés de la culture latine pour éclairer de manière plus précise et rigoureuse, comme l’a très bien fait Dumézil, les invariants et les originalités de ce texte par rapport à un fond indo-européen.

Pour illustrer sa méthode de travail dans l’analyse critique du texte, arrêtons-nous un instant sur ce qu’il écrit sur la traduction du mot þorp (pp. 162-163). Si ce choix peut être contestable puisqu’il opte pour l’italien landa, qui selon lui parle plus au lecteur, notons qu’il n’ignore pas malgré tout la recherche. Après avoir remarqué la confusion et les diverses traditions d’interprétation qui se sont succédées pour ce mot, il présente une synthèse de quatre explications qu’il juge révélatrices des difficultés inhérentes à la traduction. Les deux premières portent sur l’étymologie tandis que lês suivantes s’intéressent à l’analyse du mot dans ce passage précis. A. Costanzo offre à son lecteur des traductions des notices et des extraits d’articles portant sur ce mot. Saluons ici la place qu’il accorde à un article mémorable de Stefán Karlsson qui porte sur le mot þorp, même s’il ne s’est pas décidé à adopter les vues de ce dernier dans sa propre traduction.

Félicitons enfin la parution du livre d’Antonio Costanzo qui relève de l’honnête vulgarisation, en offrant outre une élégante traduction, un très utile manuel d’initiation aux croyances des anciens scandinaves.

Grégory Cattaneo – Doutorando em História Medieval Universidades de Paris IV Sorbonne e Islândia. [email protected]


COSTANZO, Antonio. Hávamál. La voce di Odino. Il testo degli antichi vichinghi. Nápoles: Diana edizioni, 2010. Resenha de: CATTANEO, Grégory. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.11, n.1, p. 105-106, 2011. Acessar publicação original [DR]

Os Três Dedos de Adão. Ensaios de mitologia medieval II | Hilário Franco Júnior

Com esse seu novo livro, Os Três Dedos de Adão, Hilário Franco Júnior dá continuidade aos estudos sobre a mitologia medieval iniciado com seu livro de 1996, A Eva Barbada. Desta vez, nos apresenta mais 12 artigos, subdivididos em 6 tópicos: Mito e Método, que engloba os artigos “O Fogo de Prometeu e o Escudo de Perseu: Reflexões sobre Mentalidade e Imaginário” (p. 49-91) e “Modelo e Imagem: O ensamento Analógico Medieval” (p. 93-128). O segundo tópico, Mito e Sociedade trabalha com “O Conceito de Tempo da Epístola de Preste João” (p. 131-154) e “A Escravidão desejada: Santidade e Escatologia na Legenda Áurea” (p. 155-169). No terceiro, Mito e Identidade Coletiva reúne os artigos intitulados “O Retorno de Artur: o Imaginário da Política e a Política do Imaginário no Século XII” (p. 173-192) e “Joana, Metáfora da Androginia Papal” (p. 193-215). O quarto tópico, Mito e Utopia, reúne os artigos “As Abelhas Heréticas e o Puritanismo Milenarista Medieval” (p. 219- 241) e “O Porco, o Homem e Deus: a Utopia Panteísta da Cocanha” (p. 243-269). No quinto, Mito e Exegese, “Entre o Figo e a Maçã: a Iconografia Românica do Fruto Proibido” (p. 273-301) e “Ave Eva! Inversão e Complementaridade Míticas” (p. 303- 329). No último, Mito e Liturgia Hispânica, “A Circularidade do Quadrado: Uma Hipótese Interpretativa do Claustro de Silos” (p. 333-362) e o artigo que nomeia o livro “Os Três dedos de Adão: Liturgia e Metáfora Visual no Claustro de San Juan de la Pena” (p. 363-397). O livro ainda elenca Índices Míticos (p. 399- 402) que muito nos auxilia para uma visão mais articulada dos artigos.

Para muitos, ainda parece estranha a idéia de uma mitologia cristã. Todavia, mitos, crenças, costumes, ritos, não sobreviveram ou morreram, mas vivem porque ainda fazem sentido para muitos. É interessante pensarmos que o logos cristão, em suas origens, encontrou-se perante “a contradição de ter de desembaraçar-se do mito recorrento à mitologia”1. Os Três Dedos de Adão, é apresentado por Franco Cardini que comenta ser “legítima, oportuna e necessária uma <>, entendida como <>” (p. 19). Cardini ainda afirma, referindo-se aos mitos greco-romanos, que “a recusa consciente a uma coisa não significa a inexistência dela” (p. 22). “Basta-nos, prossegue, partir de uma base mínima – narrativa anônima e coletiva que condensa metaforicamente os conhecimentos intuitivos de uma sociedade sobre sua origem, caráter e destino – para chegarmos aos problemas centrais” (p. 27-28).

A continuação de manifestações culturais, presentes em épocas bem posteriores à sua origem, sofreu a tentativa da Igreja de desqualifica-las, sob o epíteto de “sobrevivências”, de “superstições” sem se aperceber que muito de suas práticas prolongava essas manifestações culturais. Dentre outras, o culto aos santos, que visa preparar para a salvação, não deixa de ser um ato supersticioso entre os crentes, prolongando de uma maneira inadvertida para a Igreja, a questão do culto aos heróis do paganismo. Assim, nos deparamos com a “Mentalidade”, no singular, “(…) instância que abarca a totalidade humana” (p. 63). “o nível mais estável, mais imóvel das sociedades´” revelando assim “seu papel de ‘inercia, força histórica capital’”(p. 59).

É, pois, “(…) a instância que abarca a totalidade humana” (p. 63). Disto se conclui que, tentar vislumbra-la em sua totalidade seria como olhar diretamente os olhos de Medusa, sem o reflexo no Escudo de Perseu. Melhor seria ter essa intermediação clareada pelo Fogo de Prometeu. Sempre utilizado de forma “mais intuitiva e vaga que propriamente conceitual” (p. 68) o imaginário, é “o espelho da mentalidade: revela, mas deforma” (p. 72). Ou, ainda, de maneira mais sintetica, imaginário é um tradutor histórico e segmentado do intemporal e do universal” (p. 70). Isto torna seu estudo “(…) mais exeqüível do que o da mentalidade com sua subjetividade quase etérea” (p. 90).

Devemos ter em mente que, na Idade Média, “prevalecia o gosto pelo semelhante, não pelo idêntico” (p. 95). Tal gosto, por seu turno, não excluiria o raciocínio lógico, que era estimulado pelo cristianismo. Também porque, em toda sociedade, “pensamento analógico e pensamento lógico são complementares, não excludentes” (p. 99). Assim, “(…) pensar por analogia significava estabelecer conexões entre o mundo divino e o mundo humano, entre o Modelo e suas imagens” (p. 105). Por seu turno, a Imagem “torna-se ela mesma modelo e passa a funcionar como mediadora para que todas as imagens alcancem o Modelo” (p. 128).

Após essas considerações, Hilário Franco Júnior passa a investigar a idéia de tempo questionando o conceito de Utopia (lugar nenhum) que “como qualquer criação humana, não sabe trabalhar fora de parâmetros temporais”. Mesmo se estes sejam “usados para marcar justamente a condição intemporal da sociedade utópica, por definição colocada no além-história” (p. 132), que seria o caso da Epístola de Preste João. A investigação de Hilário segue ainda a idéia da escravidão espiritual na Legenda Áurea, entrecruzando escatologia e urbanização, onde “O bom cristão deixa de ser vassalo e torna-se escravo, entrega-se totalmente ao Senhor” (p. 165) não importando aí as hierarquias sociais humanas. Por sua vez, o personagem Artur rei, que para alguns teólogos, “é também Deus e Cristo” (p. 181) através da sagração e da unção. Este Artur, por fim, demonstra que, “na longa duração histórica, o imaginário da política mantinha autonomia em relação à política do imaginário” (p. 192).

A sequência dos artigos passa pela metáfora da androginia papal, com o famoso caso da papisa Joana, crença que foi generalizada até o século XVI e permaneceria não “fosse a controvérsia gerada pela Reforma Protestante” (p. 195). Prossegue com a simbologia de certos animais como a abelha em narrativas de Raul Glaber e Landolfo, o velho, e que, metaforicamente aproximava-se do igualitarismo, da pureza e androginia, num contexto de heresias, de uma espiritualidade moralizante em que “católicos e hereges pensavam numa vida evangélica, num retorno ao passado que criticava o presente e acentuava a espera escatológica” (p. 223). A efervescência e transformações do século XII traz à tona a questão panteísta. Hilário argumenta que o aparecimento oral do Fabliau de Cocagne pertence a meados desse século (p. 252), onde ganha destaque a figura do porco. O animal é visto na perspectiva antropológica, econômica, literária, escatológica e religiosa buscando-se assim as razões de sua sacralidade (p. 256-258).

Quanto à iconografia do fruto proibido, Hilário apresenta várias possibilidades e, inclusive, com mistura de características. Mas “mesmo assim hesitava entre o figo e a maçã” (p. 277). O primeiro, estava ligado ao simbolismo do fígado (o que nos lembra o mito de Prometeu Acorrentado); mas a iconografia românica “usou como fruto proibido principalmente a maçã” (p. 283), (que também nos faz lembrar do Jardim das Hespérides) escolha ainda não muito clara, mas que “possivelmente estava ligada à sua forma arredondada e à sua cor vermelha, que a aproximavam do coração (…)” (p. 284- 285). A seguir, com artigo Ave-Eva, Hilário transporta-nos para o binômio Eva-Maria, acompanhando o crescimento da figura de Maria dentro do cristianismo a partir do século XII. Nesse mesmo século, um hino trata o binômio Eva-Maria como “a primeira mãe que abriu as portas da morte, a segunda mãe que as fechou” (p. 310), encerrando suas especulações com a idéia de que Maria era “mais uma complementação que uma negação da primeira mulher” (p. 329).

Em seu último segmento, no penúltimo artigo, Hilário avança suas análises sobre a simbologia numérica que inspirou a edificação do claustro do mosteiro de Silos. A proposta é a de que, apesar da imposição da liturgia romana, a leitura iconográfica resgatava antigos elementos da liturgia moçárabe. Sinal disso seria o baixo relevo do ângulo Sudeste, no qual a mão divina recorre aos dois dedos estendidos. A explicação pode estar no fato do escultor optar por uma mensagem “antigregoriana do claustro” (p. 338) pensa Hilário. O número oito é mysticum numerum (p. 346), cuja força simbólica é muito antiga, ligado à idéia de “rito de passagem” (p. 346). Com um sentido ritual, encantatório, sacramental e até mesmo mágico, as interpretações de Hilário poderiam ser acrescidas aí pela análise da harmonia musical.

Por fim, o artigo que dá título ao livro. Trata do gesto de Adão em um dos capitéis de San Juan de la Peña levando apenas três dedos entre o pescoço e o peito. Hilário se questiona se não haveria aí uma arbitrariedade do escultor e, mesmo com essa hipótese, aprofunda algumas possíveis interpretações. Também considera a polissemia dos símbolos e o conhecimento executor do capitel sobre “as imagens canônicas do pecado” (p. 366). Situado na rota de peregrinação a Santiago de Compostela, em nenhum outro mosteiro encontra-se uma iconografia que se aproxime, que seja ao menos semelhante. Seria uma forma de protesto contra a imposição do rito romano (1080) e uma confissão de fé no dogma trinitário? (p. 382) Certo é que trata-se de uma forma de se evocar o pecado original. Seria, pois, uma forma de “resistência cultural”? (p. 383). Após diversas considerações, Hilário levanta a hipótese de que “o inusitado gesto do capitel de San Juan de la Peña funcionava de fato como crítica velada à nova liturgia [a imposição do rito de Roma] e todas suas implicações” (p. 385).

Dessa forma, Hilário encerra esse brilhante arrazoado sobre a mitologia medieval. De fato, com Os Três Dedos de Adão, ele não apenas solidifica a existência dessa mitologia como possibilita também uma compreensão mais densa de seus primeiros ensaios em A Eva Barbada. Percebemos, na verdade, que essa “mitologia cristã” apresentou-se, inicialmente, como uma mitologia cristianizada, pois o cristianismo não se ergueu sozinho no Ocidente e não se constituiu a partir do nada. Teve que realizar diversas negociações religiosas em razão das quais, fica difícil distinguir o que corresponde à ortodoxia cristã e aquilo que foi importado de outras diversas tradições. Livro muito denso, Os Três Dedos de Adão representam um marco extremamente significativo e importantíssimo na evolução dos estudos sobre a Idade Média Ocidental.

Notas

1. CAPRETTINI, G.P. et. al. “Mythos/logos” in ROMANO, R. (Dir) Enciclopédia Einaudi. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1987, p. 91, v. 12.

Ruy de Oliveira Andrade Filho – UNESP-ASSIS. E-mail: [email protected]


FRANCO JR., Hilário. Os Três Dedos de Adão. Ensaios de mitologia medieval II. São Paulo: EDUSP, 2010. Resenha de: ANDRADE FILHO, Ruy de Oliveira. Mitologia medieval. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.11, n.1, p. 107-109, 2011. Acessar publicação original [DR]

Población Andina de las Provincias de Arica y Tarapacá. El Censo Inédito 1866 – RUZ et. al (C-RAC)

RUZ, Rodrigo; DÍAZ, Alberto; GALDAMES, Luis. Población Andina de las Provincias de Arica y Tarapacá. El Censo Inédito 1866. Arica: Ediciones Universidad de Tarapacá, 2008, pp. 426, Arica. Resenha de: CONTRERAS, Carlos. Chungara – Revista de Antropología Chilena, Arica, v.42, no.2, p.541-542, dic. 2010.

El libro de Ruz, Díaz y Galdames pone a disposición de los estudiosos un documento importante para la historia de una frontera tan convulsionada como la que separan a Bolivia, Chile y Perú. Representa también un producto del trabajo que desde hace varios años ellos llevan adelante acerca del estudio de las poblaciones andinas de una región que ha sido un permanente terreno -ora de olvidos, ora de disputas- entre las élites políticas que controlan los gobiernos nacionales de las repúblicas de Chile, Perú y Bolivia. Estos investigadores, junto con otros colegas, como Jorge Hidalgo, Sergio González, Luis Miguel Glave, Tristan Platt y Mark Thurner (por nombrar a algunos), han tenido el mérito de mostrar cómo paralelamente a las “historias nacionales” construidas bajo el canon académico del romanticismo y el positivismo europeos, fluyeron las historias de otras comunidades, que en cierta forma trascendieron los moldes nacionales modernos. Los pueblos andinos de las provincias de Arica y Tarapacá han debido mutar de “incas”, en “españoles”, “peruanos” y “chilenos”, buscando acomodarse a su cambiante filiación.

El mapa de la carátula del libro recuerda que Arica y Tarapacá correspondieron en el siglo XIX al departamento peruano de Moquegua, que a su vez nació de una escisión de lo que fuera la antigua intendencia de Arequipa en la tardía época colonial. Tensionada entre sus relaciones con el sur peruano (Arequipa) y el altiplano boliviano (la región minera de Potosí), y escasa de agua, la región se caracterizó por su especialización en la minería. Tras la era de la plata, llegó la del salitre, que terminó provocando la Guerra del Pacífico de 1879 y la anexión a Chile de dichos territorios. Pero mientras en los mapas los nombres de letras grandes cambiaron con el tiempo, los de los pueblos, de letras pequeñas, permanecieron, representando con su persistencia la continuidad de una historia, en medio de las turbulencias desatadas por la política de diplomacia y cañonazos de las élites reinantes en las lejanas capitales nacionales.

Tal como mencionan los autores, el censo peruano de 1876 fue el primer censo de esta república organizado según cánones modernos, aunque oficialmente el Estado peruano reconoce tres censos nacionales anteriores, a saber: los de 1836, 1850 y 1862. Con la finalidad de levantar la contribución de indígenas y castas (junto con otras contribuciones, que afectaban a los habitantes no indios) las autoridades políticas de cada provincia peruana debían realizar censos o “matrículas” de los habitantes de sus circunscripciones cada cinco años. Algunas de estas matrículas existen en el Archivo General de la Nación de Lima, para fechas dispersas. Sobre la base de los informes de los subprefectos, las Guías de Forasteros y el diario oficial “El Peruano” publicaban periódicamente cifras de población de los departamentos del Perú, que luego se consolidaban en un total nacional. Desde luego, los subprefectos, que estaban al mando de las provincias, no fueron capaces de mantener el ritmo quinquenal de los empadronamientos y los apoderados fiscales que contrataban para estos menesteres, a veces se contentaban con cotejar los registros de bautizos y defunciones de las parroquias para presentar las nuevas cifras de contribuyentes.

La abolición de la contribución de indígenas y castas en 1854 terminó con la necesidad de tales recuentos para fines fiscales, pero en los años siguientes se discutieron en el Congreso varios proyectos encaminados a reintroducir algún tipo de impuesto general a la población económicamente activa, que reemplazase al abolido “tributo”. Ninguno de ellos llegó a ser aprobado -y cuando llegó a serlo, no alcanzó a ser aplicado-, hasta que en 1865 una revolución estallada en el marco de la crisis del conflicto con España llevó al gobierno al coronel Mariano Ignacio Prado. Su Ministro de Hacienda fue Manuel Pardo y Lavalle. Sin Congreso que se le opusiera, éste consiguió instaurar un impuesto universal al que se denominó “contribución del jornal”, por estar basado en el pago al Estado de doce días de jornal al año. Probablemente el censo de Arica y Tarapacá ubicado por Ruz, Díaz y Galdames conesponda a los esfuerzos de las autoridades nacionales y locales por actualizar las cifras de tributarios con vistas a la nueva contribución. Esta imponía un pago anual al Estado de acuerdo al nivel del jornal prevaleciente en cada provincia, por lo que se requería un “estado” de la población activa de cada una de ellas, con los datos de ocupación económica y oficio, que permitan deducir su nivel de ingresos.

La Guía Política, Económica y Militar de 1858 estimó para el departamento de Moquegua la cantidad de ochenta mil habitantes, con esta anotación: “Su población, según los censos practicados en el año 1858, pasa de 80.000 almas, lo que no puede dudarse desde que es tan considerable la inmigración que hay de bolivianos, chilenos y europeos sobre las provincias de Tacna, Arica y Tarapacá, estimulados por el subido jornal que se paga y facilidades para adquirirlo” (p. 245).

La historiografía peruana sobre el siglo XIX ha sido una buena muestra de ese silencio sobre la población indígena que refieren los autores en su texto introductorio del libro. Falta de fuentes sobre la población indígena, una vez que la crisis del Estado colonial dejó paso a una república que se pretendía más criolla que andina; falta de rebeliones que despertasen la atención de los historiadores; falta de interés del propio Estado por la población andina, desde que la riqueza del guano hizo prescindible su contribución fiscal; todo se confabuló para alejar a los historiadores de los avatares de una población que componía tres quintas partes de la población nacional. Sólo recientemente, gracias al trabajo de los autores antes citados, a los que cabría añadir a otros como Jean Piel, Florencia Mallon, Nelson Manrique y Cecilia Méndez, que desarrollan una historiografía menos étnica pero igualmente preocupada en el “rescate” del papel de los campesinos, ese olvido ha comenzado a corregirse.

En medio de tales esfuerzos es que ubico el trabajo de Rodrigo Ruz, Alberto Díaz y Luis Galdames. Y por supuesto lo saludo y encomio como digno de todo apoyo, allá y acá. Con frecuencia sus autores tropezaron con la incomprensión y los recelos nacionalistas del personal de los repositorios, y nunca fueron considerados por las comisiones binacionales de historiadores, que se reunían en las antiguas capitales virreinales a tratar de curar las heridas de las guerras en la conciencia de los pueblos. Me alegro de que no hayan desmayado frente a los obstáculos y de que ahora podamos tener en las manos este estupendo documento que ayudará a reconstruir un pasado que realmente une a nuestros pueblos.

Lima, julio de 2009

Carlos Contreras – Departamento de Economía, Pontificia Universidad Católica del Perú, Lima, Perú. [email protected]

Acessar publicação original

[IF]

 

Roberto Gerstmann. Fotografías, Paisajes y Territorios Latinoamericanos – ALVARADO (C-RAC)

ALVARADO, Margarita; MATTHEWS, Mariana; MÖLLER, Carla Möller. Roberto Gerstmann. Fotografías, Paisajes y Territorios Latinoamericanos. Santiago: Pehuén, 2009. 179p. Resenha de: MIRANDA, Pablo. Chungara – Revista de Antropología Chilena, Arica, v.41, n.2, p.317-318, dic. 2009.

La percepción de lo inalcanzable que pueden evocar las fotografías se suministra directamente a los sentimientos eróticos de quienes ven en la distancia un acicate del deseo… todos los usos talismánicos de la fotografía expresan una actitud sentimental y explícitamente mágica: son tentativas de alcanzar o apropiarse de otra realidad, Susan Sontag.

Roberto Gerstmann: El pasado en blanco y negro. Ver un álbum fotográfico es una labor arqueológica: hojeamos sus páginas una a una, avanzando cuidadosamente y a medida que avanzamos penetramos cada vez más en las profundidades de nuestra memoria, es decir, de nuestros recuerdos, de nuestros olvidos, de nuestra imaginación, abriendo lo representado, lo fotografiado, hacia nuevas dimensiones, ordenándolo para una lectura, porque siempre hay algo que decir sobre una imagen, sobre una serie de ellas. Siempre hay una realidad que construir, una historia que contar.

La emoción suscitada por este ritual será más profunda en la medida que aquello representado esté más íntimamente relacionado con la vida personal del observador; un extremo de la experiencia transforma al espectador en vidente, el otro, en turista, viajero en un mundo que no le pertenece.

Ciertos álbumes de viajes logran equilibrar ambas dimensiones: tiempos y espacios diversos que nos permiten configurar nuestro propio relato, entrever, interpretar. Vernos.

Acceder a un tiempo que no es el nuestro, pues “no existíamos”, pero paralelamente ingresar a espacios familiares, aunque transformados: hemos estado allí y a la vez nunca lo hemos hecho.

Porque ciertamente yo he estado y no he estado en esa quieta estación de trenes en Bolivia, en esas calles de un Santiago todavía provinciano; he visto y no he visto los ojos de ese niño chipaya que mira intrigado la cámara. He estado y no en el inmenso desierto.

A través de las imágenes de Gerstmann, el pasado irrumpe y transforma el presente, habitándolo de la nostalgia de un mundo que jamás conocimos, pero que tal vez al observarlo fijo por toda la eternidad, en su imposible quietud, lejos de generar una lectura única, nos instan a traducir, interpretar y traicionar estas fotografías, y en ese sentido se vuelven inagotables en su productividad, por lo que se desarrolla un fenómeno de creación y recreación permanente, elaborando nuevos sentidos, rutas y comprensiones.

Esto es justamente lo que transforma este recorrido visual en una experiencia siempre contingente y no en un mero ejercicio estético, ya que releer las fotografías y animarlas es también una de las rutas de la mirada humana: volver sobre la casa que ya no está, sobre el paisaje desaparecido y preguntarse cómo, quién o por qué es entrar en el juego del relato, pues así como las fotografías son fragmentos y jirones de historia, los hombres son también seres fragmentados que sólo hablan desde los límites de sus experiencias en un intento de constituirse como unidad.

Ver estos rostros, ver estos parajes es emocionarse viendo la propia historia. Lo que quedó sin habla logra voz desde la imagen de este álbum, penetrando la experiencia personal de cada observador y traspasándola con la memoria de lo propio (el acto fotográfico perfecto es esencialmente un ritual solitario, Gerstmann lo sabía).

Así, nos interpelan gentes que ya no existen, pueblos que han desaparecido, formas de vida que han caducado, paisajes que se han transformado; hablan para, por y con nosotros, desmintiendo de alguna manera su muerte a través de la imagen y la reflexión que ésta suscita, del recuerdo que revive.

Acicateado por el deseo, elijo una fotografía, una sola de todas aquellas que detienen mi mirada: la Iglesia de Los Dominicos, año 1924, levantándose solitaria a los pies de una Cordillera de los Andes seminevada con un cielo transparente de fondo; un carretero y su caballo dormitan al atardecer (eso lo dicen las sombras), ofreciendo una imagen al futuro que es imposible mirar desde el presente sin nostalgia.

Yo he estado ahí. Yo nunca he estado ni podré estar ahí. Hay cierto sentimiento ominoso en toda gran fotografía y el álbum de Gerstmann está repleto de ellas. Todos podrán tener la suya. En blanco y negro. Porque ese es el color de la memoria.

Pablo Miranda – Escuela de Arte, Pontificia Universidad Católica de Chile, Santiago, Chile. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[IF]

 

Pueblos Nómades en un Estado Colonial – NACUZZI et al (C-RAC)

NACUZZI, Lidia R.; LUCAIOLI, Carina P.; NESIS, Florencia S. Pueblos Nómades en un Estado Colonial. Chaco, Pampa, Patagonia, Siglo XVIII. Buenos Aires: Editorial Antropofagia, 2008. 112p. Resenha de: ZAPATA, Horacio Miguel Hernán. Chungara – Revista de Antropología Chilena, Arica, v.42 n.2, p.535-538, dic. 2010.

En 1924 iniciaba su recorrido esa obra que Marc Bloch tituló Los reyes taumaturgos, texto que invitaba a recorrer la historia de las creencias colectivas del milagro real y que instaba a adoptar una novel modalidad para elaborar y resignificar los problemas históricos al sostener que no habría conocimiento verdadero si no se tenía una escala de comparación. A través de sus páginas, este insigne historiador proponía comparar sociedades cercanas en el tiempo y en el espacio que se influían mutuamente, es decir, sociedades sujetas por su proximidad a la acción de los mismos grandes fenómenos y a la presencia de rasgos originarios comunes. Esta perspectiva de análisis trae aparejadas varias consecuencias importantes, tales como percibir las influencias mutuas que permiten avanzar más allá de una explicación estrictamente atada a los fenómenos internos de los distintos problemas, encontrar vínculos antiguos y perdurables entre las sociedades y proveer numerosas líneas posibles para nuevas investigaciones. Es evidente que la perspectiva comparada es una de las grandes promesas incumplidas de la historiografía occidental durante el siglo XX, y eso se debe, justamente, a las dificultades que implica su ejercicio, en especial en el caso de las investigaciones regionales. El libro Pueblos Nómades en un Estado Colonial. Chaco, Pampa, Patagonia, siglo XVIII, elaborado por Lidia R. Nacuzzi, Carina P. Lucaioli y Florencia S. Nesis recupera -por así decirlo- la tradición historiográfica iniciada por Bloch pero desde la clave de la etnohistoria. Él mismo explora las posibilidades de una reflexión comparativa que ponga en diálogo diversos estudios realizados en los últimos años sobre los grupos indígenas nómades que, hacia la segunda mitad del siglo XVIII, habitaban la Pampa, el norte de la Patagonia y el Chaco austral, en la región que en 1776 conformó el Virreinato del Río de la Plata, ocupada también por poblaciones sedentarias. En este último término, las autoras incluyen a aquellos grupos que lo eran siguiendo sus tradiciones ancestrales, otros que habían sido reducidos en pueblos bajo la tutela de misioneros jesuítas y los propios hispanocriollos que se establecían en ciudades y fortines.

La delimitación de estas áreas en el escenario de una macrorregión y la elección del tipo de sociedades obedecen a dos razones. En primer lugar, dar prioridad a un conjunto de temáticas que han sido objeto de las propias inquietudes y, por ende, de las trayectorias de especialización investigativa de las autoras. Los recortes temáticos y los escenarios abordados se vinculan a los propios antecedentes de las mismas, suficientemente trabajados, argumentados y documentados en libros, artículos, capítulos, ponencias y comunicaciones. En efecto, el libro da muestras de una fructífera convivencia de la reciente producción de dos jóvenes investigadoras con la reconocida trayectoria interpretativa de una experimentada académica, así como de la significación que los estudios etnohistóricos encierran para la comprensión de un mundo indígena complejo, heterogéneo, dinámico y contrastante. De la misma manera, el ejercicio de síntesis se ve beneficiado con la utilización crítica y la discusión explícita de ciertas obras publicadas en los últimos años, referidas al área rioplatense o al sur sudamericano, que han contribuido, en igual sentido que estas investigadoras, a la comprensión de algunos de los fenómenos que ocurrieron en la vida social, política, económica y simbólica de las sociedades indígenas latinoamericanas del siglo XVIII. A partir de estos esfuerzos mancomunados, se observa una obra madura, rica en aristas y que puede continuar creciendo y afianzándose a partir de nuevas preguntas y síntesis. En segundo lugar, el recorte temático obedece a la contemplación de un proceso sociohistórico común que opera como contexto de problematización: en aquella coyuntura de estructuración del nuevo Virreinato y como resultado del contacto con los europeos en la larga duración, esas poblaciones originarias nómadas habían experimentado transformaciones radicales en sus formas habituales de intercambio, movilidad, adquisición de recursos económicos y explotación de los productos naturales autóctonos. A ello se sumaban las mutaciones percibidas en sus configuraciones sociopolíticas y sus nuevas estrategias de relación con los hispanocriollos que, si bien comenzaban a andar en este momento, ratificarían su tendencia y consolidarían su carácter unas décadas más tarde.

El volumen, dividido en una introducción, ocho capítulos y un apartado con bibliografía especializada, procura discutir las ideas de la semejanza cultural entre los grupos indígenas que habitaban estas regiones hasta la llegada de los europeos y de la univocidad de las estrategias en relación con los agentes colonizadores. El libro se sumerge de lleno en estas cuestiones asumiendo uno de los principales riesgos que ello implica: la abundancia de preconceptos y de apriori. De este modo, su segundo objetivo es mucho más ambicioso: repasar algunas de acciones y las actitudes, tanto de las poblaciones originarias como de sus colonizadores, con el ánimo de compararlas y explicar de una manera diferente, pero sobre todo más compleja, diversos temas y problemas que por muy conocidos -o tal vez sólo por muy mencionados- parecen no requerir un análisis crítico. En lo que al basamento de fuentes de primera y segunda mano se refiere, no es para nada ocioso insistir aquí en que las autoras se apartan de cualquier enfoque histórico positivista que ampare una lectura con pobreza de rigor. Todos los documentos que se citan, que por cierto son muy profusos y diversos en orígenes (relatos, cartas, informes, descripciones elaborados por los funcionarios, sacerdotes y viajeros, u otro tipo de personajes), más allá de estar viciados de antemano por la intencionalidad de los mismos, son leídos y enmarcados con mucha atención y cuidado. De esta forma, la interpretación acerca de la documentación logra ir más allá del polvoriento mundo de los papeles, indefectiblemente mediado por lenguajes, formas narrativas y códigos de inteligibilidad de la sociedad hispanocriolla, para ir al encuentro de las propias voces y acciones de los indígenas en proposiciones referidas a sus prácticas y experiencias. El primer capítulo, “Algunos conceptos instrumentales para el estudio de los pueblos nómades”, como bien indica su título, ahonda en aquellos aspectos clave del marco teórico y conceptual, repasando las categorías que se han empleado y que continúan manejándose todavía hoy para describir y analizar el proceso de conocimiento de los grupos indígenas americanos nómades por la sociedad europea. Deconstruyendo los prejuicios, sentidos comunes y problemas en los cuales se incurría por la mirada etnocéntrica y evolutiva de los primeros observadores, historiadores y etnógrafos que analizaron los pueblos nómades, las autoras son conscientes que algunos de tales conceptos son útiles como instrumento de análisis. Se presentan de este modo algunas formulaciones en torno a categorías de frontera, etnogénesis, middle ground, mestizajes, tribu, cacicazgos y jefaturas, al mismo tiempo que las desbroza críticamente para poder plantear un nuevo diálogo con los registros empíricos, complejizar las múltiples estrategias sociales, políticas y económicas que se pusieron en acción y, en definitiva, modificar la idea generalizada de un contacto cultural basado sólo en la violencia entre las sociedades aborígenes y los hispanocriollos.

El segundo capítulo enseña un minucioso examen del “espacio geográfico y político” en el cual habitan los grupos analizados, detallando las características fundamentales desde el punto de vista espacial y ambiental de las áreas pampeano-patagónica y chaqueña. También se explaya en las formas de equipamiento político, administrativo y social que tienen lugar en tales territorios a partir de la instalación del sistema colonial. El mapa en esta sección permite una rápida visualización de los establecimientos españoles en dichos espacios (ciudades, fuertes y reducciones) al mismo tiempo que traza cartográficamente los resultados, avances y retrocesos territoriales efectivos de la política llevada a cabo por la Corona hispánica para poblar, dominar y evangelizar a los indígenas. En efecto, en todas estas regiones no colonizadas se ensayaron alternativamente los mismos tipos de dispositivos de control: los fuertes y las reducciones se ubicaban dentro de un proyecto más global que tenía por objetivos avanzar sobre los territorios indígenas, sentar precedentes del dominio español en determinados lugares y mediar los conflictos entre hispanocriollos y poblaciones nativas. Uno y otro asentamiento pusieron a la vista otros dos caracteres que los asemejaban en función estratégica y en su dinámica: ambos escenarios constituyeron verdaderos enclaves fronterizos antes que una efectiva presencia política del dominio colonial, mientras que la fundación y permanencia de los enclaves en el tiempo, ya fueran reducciones o fuertes, fue posible en la medida que allí se dio una confluencia de intereses de los grupos indígenas y de las autoridades coloniales implicadas. Las autoras, no obstante, son prudentes al destacar que la conformación geopolítica propia de estos espacios no colonizados y los grupos involucrados imprimieron perfiles especiales a cada uno de los movimientos hispanocriollos. Así lo demuestra, a guisa de ejemplo, el proceso de evangelización: mientras que en el Chaco la política reduccional estableció espacios de interacción más visibles y duraderos donde la existencia de centros urbanos cercanos habría posibilitado el acceso a nuevos recursos, la facilidad de entablar diálogos y canalizar ciertas necesidades a partir de una relación asidua, constante y directa con los funcionarios eclesiásticos y gubernamentales, en la zona de Pampa-Patagonia, simultáneamente, el territorio controlado por los pueblos nómades era mucho más vasto y no existía el tipo de poblamiento colonial que hubiera representado barreras políticas o geográficas que los contuviera, por lo que la política reduccional fracasó o no tuvo el éxito esperado. En este último caso, las reducciones no fueron por así decirlo la “punta de lanza” de la conquista, por lo cual españoles y criollos se valieron de los fuertes para ocupar estas fronteras. Los fuertes se volvieron rápidamente arenas donde operaron novedosos y complejos vínculos sociales, políticos, comerciales y culturales con los aborígenes de la zona.

En el tercer capítulo, “Los grupos indígenas”, las autoras presentan un recorrido por las diferentes menciones y descripciones que han realizado, desde el siglo XVIII, misioneros, funcionarios coloniales, viajeros y primeros etnógrafos sobre aquellos grupos que habitaron las regiones. De esta manera, se aprecia tanto la exagerada, aunque siempre constante, diversidad de criterios para su caracterización como las múltiples nomenclaturas que recibieron estas poblaciones, recapituladas de manera clara y precisa al final de la sección a partir de dos cuadros de síntesis. Ello permite mostrar cómo, tanto para la región pampeano-patagónica como para la chaqueña, los estudios etnográficos que se realizaron hasta la década de 1980 identificaron a numerosos conjuntos, aunque muchas veces se trató de una precisión meramente nominal, a la vez que reconocieron la biparticipación clasificatoria que señala a las mismas sociedades como nómades por un lado (como los tehuelches, abipones, tobas mocovíes) y, por el otro, a comunidades más sedentarias con prácticas agrícolas (como los mapuches, lides vuelas). Este aspecto lleva a las autoras a plantear otros dos paralelismos en las investigaciones realizadas sobre las zonas propuestas. En primer lugar que, en el devenir de los estudios etnográficos hacia los estudios históricos o etnohistóricos, en ambas regiones se pasó de la mencionada enumeración de una gran cantidad de nombres étnicos -aunque con escasas diferencias formales entre unos y otros a la hora de describir a los grupos- a evitar mencionar esas subdivisiones en trabajos más recientes que se ocupaban de aspectos económicos, políticos, ceremoniales o sociales, donde la adscripción étnica parece no pesar tanto. En segundo lugar, que en esos mismos estudios de etnografía clásica anteriores a 1980, hubo una tendencia -en principio solamente para la región patagónica, pero que luego se reproduce con fuerza en el caso chaqueño- a considerar datos que brindaban fuentes de diversos periodos y lugares como válidos para describir a las poblaciones étnicas de cualquier momento del período de contacto y de cualquier lugar de los extensos paisajes considerados.El capítulo cuarto se detiene en los territorios y los movimientos de estos grupos indígenas. Las autoras no se limitan por supuesto a mostrarnos estos movimientos, de por sí interesantes, sino a tratar de explicar sus causas, estructuras, condiciones y sus efectos sobre la economía de los mercados coloniales. Muchos lectores se sorprenderán -como quien reseña y gusta observar las dinámicas sociales cartografiadas en algún formato- del hecho de que no encontraremos mapas, planos o intentos de croquis en este capítulo que sitúen tales movimientos. Pero la exposición amena y sencilla permite bosquejar históricamente la ubicación y diferenciación de cada uno de los grupos como así también los ciclos que les permitían explotar diferentes recursos desplazándose por diversos territorios a lo largo de todo el año o reuniéndose en espacios acordados previamente para intercambiar bienes, dedicarse a ciertas actividades económicas y atender ciertas cuestiones políticas y sociales, como las alianzas o los matrimonios. Las autoras, siempre atentas a las peculiaridades de las sociedades trabajadas, discuten en su análisis algunas de las teorías comúnmente aceptadas en los trabajos de este tipo. Así, por ejemplo, las nociones acerca de que los pueblos nómades del Chaco y la Patagonia eran exclusivamente cazadores o cazadores-recolectores o viceversa y que, por ende, la actividad predominante era la caza de grandes presas (siendo la recolección una mera actividad adicional irrelevante), que sus movimientos estaban condicionados por el medio ambiente, que limitaban sus prácticas económicas a la subsistencia, que eran “salvajes por no practicar la agricultura ni formar pueblos o que no programaban sus movimientos ni su vida cotidiana”.

A su turno, el quinto capítulo considera la “adopción del ganado” y las “nuevas estrategias económicas”, repasando los contextos económicos de los grupos que recibieron o adoptaron el caballo y los debates asociados a la crítica de la noción de complejo ecuestre o “horse complex”. Aquí las autoras recuperan la noción de complementariedad para entender las relaciones económicas y enmarcan la incorporación del caballo, luego de una completa muestra de los diferentes usos y de las consecuencias (sociales, ceremoniales, políticas y económicas) que ocasionó su adopción, en un proceso histórico que involucró no sólo la anexión de otros bienes que aparecieron por el contacto con los europeos, sino también, y desde otra dirección, cambios importantes en las relaciones interétnicas, las configuraciones identitarias y las estrategias políticas, tema que será abordado en el siguiente capítulo. En efecto, el último capítulo estudia, en su primera sección, las dinámicas operadas en las formas de autoridad política que existían entre las poblaciones indígenas de Chaco, Pampa y Patagonia. A los fines de dar cuenta de la complejidad de los liderazgos y de las múltiples instancias en la que era necesaria su agencia y se daba cita su rol mediador, las autoras distinguen los diversos rasgos que tuvo la figura del cacique en cada uno de las etnias, teniendo en cuenta distintas variables, como, por ejemplo, la participación de tales personajes en la conformación de las reducciones en el área del Chaco, la existencia de cacicazgos duales en el área patagónica o su vinculaciones de diversa índole con los fuertes de la región.

La sensibilidad comprensiva de las autoras a los problemas peculiares de las regiones y de los grupos que estudian se refleja en la otra sección del capítulo seis: las interacciones étnicas. En el cuadro de relaciones interétnicas complejas, la guerra y la diplomacia conformaron algunas de las tantas siluetas significativas de esas relaciones, resultado de los roces que la mayor proximidad generaba y de la creciente competencia por los recursos. Ante dicha situación, las autoridades procedieron de diferentes formas: trataron de obtener la amistad de algunos caciques con regalos y dádivas para oponerlos a los más agresivos, aprovechando para ello las rivalidades intertribales; intentaron instaurar misiones, tarea que estuvo a cargo de religiosos y que tuvieron corta existencia; buscaron fortalecer la frontera creando una organización militar basada en un sistema de fuertes, fortines y guardias y en un cuerpo de militares permanente. Guerra, alianza y reducción, entonces, fueron tres modalidades de vinculación interétnica que los diferentes actores de la sociedad hispanocriolla estimaron debían ir de la mano en tanto dispositivos centrales y concomitantes de la estrategia de sujeción sobre la población autóctona. Pero más allá los reveses de estas políticas, las etnohistoriadoras encuentran que tanto en la reducción (como manera de sujeción pacífica), en los tratados (como acuerdos de sosiego coyuntural) e inclusive en la guerra (como punición a los excesos), los caciques fueron siempre los interlocutores buscados por los agentes coloniales ya que, a cambio de la obtención de bienes y de exigir ciertos servicios y prerrogativas, facilitaban el acceso a los grupos, el conocimiento de sus políticas, las negociaciones económicas, la devolución de cautivos y los acuerdos de paz. Por supuesto, estas condiciones dependieron tanto de las aptitudes y estrategias grupales de los pueblos no sometidos aún al control del estado colonial como de las necesidades de la población blanca, ambos resortes emplazados en ámbitos regionales y locales que le otorgaban su impronta específica.La manera magistral con que se abordan las problemáticas muestra al enfoque comparativo como una excelente herramienta para poner a prueba la comodidad y la pertinencia de muchos de los supuestos que parecían demostrados para estos grupos, para desbrozar las similitudes y diferencias de las dinámicas sociohis-tóricas que involucraron a los mismos, para producir nuevas respuestas a problemas ya planteados y nuevos interrogantes que permitieron revisar los siguientes tópicos: la identificación de grupos étnicos y sus nombres-rótulos, los prejuicios en torno al nomadismo y su verdadera dimensión (en regiones ora poco exploradas por los hispanocriollos, ora en donde se habían establecido un número considerable de reducciones), las nociones de territorialidad de los grupos, la existencia de cacicazgos duales, las pautas económicas de estos cazadores-recolectores, el rol de los caciques en las relaciones interétnicas, el papel de los bienes europeos en su economía, los procesos de especialización para responder a la demanda de los mercados coloniales y la complementariedad -principalmente en los aspectos económicos, pero también de otros tipos- entre grupos nómades y grupos sedentarios.

Sin duda, como todo intento de síntesis, éste ofrecerá en el futuro algunos caminos novedosos e hipótesis a confirmar o a rectificar que estimularán nuevas investigaciones. Pero además, redundará en una experiencia más que significativa para el lector, ya que obtendrá una imagen más nítida de cómo los pueblos aborígenes del norte de la Patagonia y la Pampa como los del Chaco austral, aun reducidos, desarrollaron una manera de vivir en esa condición que se adaptaba a sus pautas anteriores -sobre todo en cuanto a movimientos- y les permitía flexibilizar la inmovilidad que hubiera supuesto la vida en un pueblo de reducción y de cómo aquellas sociedades que no ingresaron en este tipo de situaciones y permanecieron autónomas fueron protagonistas muy activas de los contactos interétnicos, desarrollando espacios de acción y comunicación con los europeos, entrecruzando sus prácticas socioculturales e improvisando formas originales de actuar e intervenir en diversas esferas de la vida social y política, lo que los transformó en agentes no secundarios en la historia de dichas interacciones sociales. En el esfuerzo de dejar atrás viejas concepciones, de no crear nuevos mitos y de confrontar las agencias indígenas en la realidad rioplatense, Pueblos Nómades en un Estado Colonial… constituye un excelente comienzo. Y eso es ya decir mucho.

Horacio Miguel Hernán Zapata – Escuela de Historia-Centro Interdisciplinario de Estudios Sociales (CIESo), Facultad de Humanidades y Artes, Universidad Nacional de Rosario, Rosario, Argentina. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[IF]

 

Monuments, Empires, and Resistance: The Araucanian Polity and Ritual Narratives – DILLEHAY (C-RAC)

DILLEHAY, Tom D. Monuments, Empires, and Resistance: The Araucanian Polity and Ritual Narratives. Nueva York: Cambridge University Press, 2007. 484P. Resenha de: Chungara – Revista de Antropología Chilena, Arica, v.42 n.2, p.539-540, dic. 2010.

Este libro ofrece una nueva mirada sobre la organización sociopolítica y religiosa de los Araucanos en la región central sur de Chile entre 1550 y 1850, a través del análisis arqueológico de paisajes sagrados, fuentes etnohistóricas y las narrativas rituales de chamanes (machi) contemporáneos. Dillehay aborda los amplios contextos regionales, intelectuales y materiales del monumentalismo araucano desde diferentes ángulos, incluyendo la economía política, la historia cultural, el materialismo cultural, la ideología, la teoría de la práctica, el simbolismo y el significado. Los montículos de tierra ceremoniales (kuel) son monumentos estéticos, líneas temporales, monumentos conmemorativos, identidades e ideologías arquitectónicas. Ilustran cómo se desarrollaron los paisajes sociales como parte de una nueva organización política, muestran cómo los líderes políticos tradicionales y los chamanes sacerdotales habitaban espacios sagrados y cómo les conferían valor a estos espacios para articular sistemas ideológicos dentro de la sociedad en general. El mapa araucano de rutas y lugares sagrados conecta los kuel con el mundo espiritual, cosmológico y natural así como con la historia de estos lugares en un recorrido topográfico sagrado. La articulación del poder ritual, social y del conocimiento era, por lo tanto, esencial para la construcción y expansión de la organización política regional araucana. Esta organización resistió eficazmente el avance extranjero durante tres siglos -primero de los españoles y luego de los chilenos-, hasta su derrota definitiva en 1884. Dillehay demuestra cómo los Araucanos manipulaban los conceptos de espacio, tiempo, memoria y pertenencia para oponerse a los intrusos y expandir su poder geopo-lítico en una organización política unificada, a medida que cambiaban las relaciones interétnicas a lo largo de la frontera española.

Dillehay cuestiona las percepciones anteriores de los Araucanos como grupos patrilineales descentralizados de cazadores y recolectores enfrentados unos con otros. Muestra que los valles de Purén y Lumaco utilizaron modelos andinos de autoridad estatal y su propio esquema cosmológico para desarrollar una organización política agrícola regional compuesta por patrilinajes dinásticos confederados con un alto grado de complejidad social y poder político. Esta confederación de organizaciones geopolíticas cada vez más amplias se constituyó en primera instancia en el nivel local de multipatrilinaje (ayllarehue) y, finalmente, en el nivel interregional (butanmapu). Dillehay sostiene que la organización política era jerárquica, aunque al servicio de un sistema religioso y sociopolítico heterárquico horizontal en el que los líderes compartían posiciones de poder y autoridad. Dillehay cuestiona la idea de que el control político esté ligado a la acumulación de riqueza material y poder ritual. Los Araucanos apreciaban y rivalizaban en gran medida por el prestigio y el respeto y el control del pueblo, pero existían muy pocas diferencias materiales entre los distintos líderes araucanos hasta fines del siglo XVIII. El período de uso del kuel dependía de la capacidad de liderazgo y de la sucesión de linajes dinásticos. Hoy en día las alianzas entre los kuel establecidas a través del matrimonio y su distribución en los valles de Purén y Lumaco emulan la organización espacial y de parentesco de los linajes que habitan el valle.

Los montículos interactivos de aspecto humano construidos por los Araucanos entre 1500 y 1850 requerían rituales para apaciguar, ofrendas de chicha y sangre de oveja, y obediencia a la ideología panaraucana a cambio de bienestar, protección, fertilidad agrícola y predicciones futuras. Los montículos, volcanes y montañas son equivalentes conceptuales y están asociados con las necesidades araucanas de defensa, territorio, refugio, contención e identidad relacional con volcanes y espíritus ancestrales. Los kuel son parientes vivos que unen a los Araucanos de diferentes regiones y promueven la soberanía étnica. Los kuel eran enterratorios de chamanes y jefes, monumentos conmemorativos de ancestros y genealogía, señales de estatus para líderes de linaje y lugares de ceremonias, festividades y poder político. Los sacerdotes chamanes (machi) realizaban rituales colectivos en los kuel para obtener consuelo, curación y bienestar. Los líderes políticos y militares (Ulmén, longko toqui) utilizaban los kuel para sus discursos políticos. Estas performancias públicas reorganizaban los conceptos araucanos de culto a los ancestros, religión e ideología comunitarios en un marco más amplio y complejo para brindar apoyo a la organización política, y servían para reclutar mano de obra y soldados.

Si bien con Dillehay hemos documentado anteriormente y en forma independiente la práctica de los chamanes sacerdotales araucanos en los valles centrales del sur de Chile en el siglo XVII y en contextos contemporáneos, este libro es el primero en vincular las prácticas rituales sacerdotales de las machi con los montículos sagrados. El libro detalla cómo las machi contemporáneas se comunican con los montículos a través de ñauchi (alfabetización de montículos) y ofician de mediadores entre el montículo, la comunidad y otras deidades y espíritus. Los montículos son espíritus parientes que interactúan con machi contemporáneos, lugares de conocimiento donde las comunidades recuerdan su historia y expresiones materiales de la cosmología araucana. Los Araucanos contemporáneos de los valles de Purén y Lumaco continúan utilizando montículos para mantener relaciones entre pratilinajes y entre los vivos y muertos, el pasado, el presente y el futuro. Queda por ver el rol que los montículos y sus marcos sociopolíticos desempeñan en los movimientos contemporáneos de resistencia panaraucana.

Monuments, Empires and Resistance es un texto importante para arqueólogos y antropólogos interesados en los procesos demográficos, ideológicos y sociopolíticos asociados con el monumentalismo.

Ana Mariella Bacigalupo – State University of New York En Buffalo, USA. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[IF]

 

Salud e Interculturalidad en América Latina. Antropología de la Salud y Crítica Intercultural – JUÁREZ (C-RAC)

JUÁREZ, Gerardo Fernández (Coordinador). Salud e Interculturalidad en América Latina. Antropología de la Salud y Crítica Intercultural. Quito: Agencia Española de Cooperación Internacional, Servicio de la Universidad de Castilla-La Mancha, Fundación para la Cooperación y Salud Internacional Carlos III y Junta de Comunidades de Castilla-La Mancha, Ediciones Abya-Yala, 2006. 450p. Chungara – Revista de Antropología Chilena, Arica, v.42 no.2, p.543-547, dic. 2010.

La aparición de la antología Salud e Interculturalidad en América Latina. Antropología de la Salud y Crítica Intercultural ha sido una nueva hazaña de corte académico por la que hay que felicitarle, antes que a nadie, al coordinador español Gerardo Fernández Juárez, a los treinta y seis colaboradores europeos y latinoamericanos, quienes ofrecieron información, novedosas reflexiones críticas y variadas aproximaciones metodológicas acerca del nuevo paradigma: la interculturalidad y sus posibles aplicaciones en el ámbito de la salud1. Tal obviedad es aparente, pues cualquiera que haya ojeado el volumen de gran formato y ahondado en cada uno de los veintiocho artículos se da cuenta del esfuerzo de agrupar una narrativa heterogénea y desigual. En efecto, no toda la información pertenece a académicos del medio universitario, como es el grupo de antropólogos de la Universidad Castilla-La Mancha decididos a “evitar malentendidos en la aplicación de políticas interculturales de salud en Latinoamérica, particularmente Bolivia” (Fernández Juárez 2006a:11).

También se incorpora la narrativa de los gestores de las políticas públicas en interculturalidad y salud que se aplican actualmente en Bolivia, aunque no lo explicitan ni lo justifican en la presentación, lo cual se debió mencionar porque permitiría al lector leer con mayor precaución sus argumentos considerando el lugar de enunciación, escudriñar en el manejo de la información y la construcción de su narrativa a lo largo de un libro (p.ej. Baxeiras Divar 2006; Zalles Asin 2006). La diversidad de temas abordados y perspectivas metodológicas y teóricas empleadas por los autores se justifica en el destinatario, aunque el mismo debería ser universal; el libro está consignado a: “servir de reflexión a los cuadros formativos y a los alumnos (médicos, enfermeras y trabajadores sociales, especialmente) de los diferentes cursos y especialidades que de esta temática están en pleno desarrollo en los medios académicos de América Latina” (Fernández Juárez 2006a: 12).

A partir de tres grandes ejes se organizan las treinta y seis contribuciones de esta voluminosa antología. El primer eje, dedicado a la dimensión teórica de la interculturalidad aplicada a la salud; el segundo eje centrado en los procesos interculturales producidos en contextos migratorios en España con énfasis en la política sanitaria y, finalmente, el tercer eje destinado a recuperar relatos etnográficos sobre concepciones de salud, enfermedad, así como su relación con procedimientos asistenciales y terapias biomédicas. En efecto, un importante grupo de textos tratan acerca de la llamada “medicina intercultural” planteada a la luz de la historia del manejo categorial institucional internacional y de las políticas públicas que se plantean a nivel mundial (Knipper 2006). En realidad este texto es central porque nos diseña el escenario donde se plantean los ejes temáticos de la interculturalidad que son desarrollados a lo largo de los artículos temáticos. Así, se reflexiona acerca del pluralismo médico porque “no habría corrido pareja con su importancia real en la población desde diversas entradas”, razón por la cual se reflexiona sobre los modelos de estudio del pluralismo asistencial (Perdiguero 2006). De manera complementaria, por ejemplo, se ahonda en la interculturalidad en tanto que noción en construcción en América Latina remontando a sus orígenes en una perspectiva antropológica (Menéndez 2006), mientras que una pluralidad de textos, a su manera, aportan casos específicos y ahondan en una vasta información etnográfica recogida en diversos espacios de América Latina.

En esa línea, uno de los temas candentes es la migración latinoamericana hacia Europa, siendo abordado desde la perspectiva de la salud, más precisamente desde un ángulo denominado “mito del encuentro”, a partir del cual se evalúan las consultas de los migrantes en el marco del sistema de salud español y destacando las “aportaciones” al mencionado sistema (Uribe 2006). Junto con éste, quizá uno de los textos más atractivos y novedosos, por su construcción narrativa, sea el dedicado al envío de medicamentos en familias inmigrantes ecuatorianas. A partir del mismo se puede comprender la articulación existente entre la medicina pública/medicina privada/sistema de salud español/sistema de salud ecuatoriano, este último mucho más cercano a los inmigrantes de acuerdo a sus criterios valorativos (Meñaca 2006). Desde otro ángulo, más bien jurídico, se compulsa el cumplimiento de la Ley 14/1986 sobre el Sistema Nacional de Salud Español, a través del punteo de las dificultades que viven los inmigrantes para acceder al mismo (Caramés García 2006). Completando todo lo anterior, se realiza un balance agudo sobre la inmigración en la literatura biomédica en España mostrando un verdadero “diagnóstico” de sensibilidad a la diversidad cultural del que resalta el vocabulario (Gijón Sánchez et al. 2006).

Uno de los temas emblemáticos del libro es la operacionalización de la interculturalidad a través de la adecuación de los hospitales, incorporando a los establecimientos de atención a los médicos tradicionales con el propósito de alcanzar mayores coberturas. De ahí la visión global desde su origen hasta el funcionamiento del hospital intercultural de Curva presentado en detalle (Baxeiras Divar 2006; Callahan 2006; González Guardiola 2006). Justamente este tema sirve de entrada para ilustrar los desencuentros que se suceden en los hospitales en el proceso de articulación de las dos medicinas (Fernández Juárez 2006b).

Un importante tema es el de los vendedores de salud en Iberoamérica desde una perspectiva comparativa entre Perú, Bolivia y México (Rodríguez González 2006). En esta línea de contrastar información se presenta un balance de los procesos de legalización e interculturalidad en las medicinas indígenas entre Bolivia y México (Campos Navarro 2006), contribución que se complementa con una presentación acerca de la exclusión de los médicos tradicionales, naturistas y otros desde más antiguo (Zalles Asin 2006).

Del conjunto de artículos resalta aquel avocado a la construcción de la interculturalidad para hacer notar que fue construida y aplicada sin todos sus agentes sociales (Ramírez Hita 2006). De tal suerte que este texto es significativo porque interpela a su manera a las contribuciones que de una u otra manera exaltan la interculturalidad en el campo de la salud ofreciendo algunos ejemplos. Justamente por ello vale la pena profundizar en algunos puntos de la antología y aclarar algunas informaciones, porque se trata de un libro de formación destinado a los “diferentes cursos y especialidades” en salud intercultural. Empecemos señalando que para realizar un análisis de las políticas públicas en salud abordando la implementación de la interculturalidad es esencial una contextualización y confrontación de la información recurriendo a una diversidad de fuentes y una pluralidad de voces, incluidas aquellas que están en desacuerdo acerca de la manera vertical con la que se aplican actualmente la interculturalidad en salud en Bolivia. Este procedimiento metodológico, por ejemplo, está ausente en la contribución del biomédico y antropólogo mexicano Roberto Campos Navarro (2006) acerca de la legalización e interculturalidad de las medicinas indígenas de México y Bolivia entre 1996 y 2006. El análisis de este tema a lo largo de un decenio requiere de una reflexión, a partir de diversas escalas, fuentes y entradas, pues solo así es posible aclarar las dinámicas sociopolíticas que han permitido el afianzamiento de interculturalidad como política de Estado. Tomar en cuenta estos elementos le habría ahorrado al autor comunicar una visión triunfalista acerca de la implementación de la interculturalidad en salud durante el postneoliberalismo, uno de los períodos de la historia boliviana más controversial, justamente de mayor desestructuración y debilitamiento del Estado. Al mismo tiempo, le habría permitido ser más objetivo para dar cuenta de las causas de la “fragmentación” de la Sociedad Boliviana de Medicina Tradicional (en adelante, SOBOMETRA), la institución más antigua de América Latina en su género, pero también la aglutinadora de mayor pluralidad y diversidad de los terapeutas en el país. Podemos afirmar que existe una multiplicidad de factores, tanto internos como externos, para que se haya producido tal fenómeno. De hecho, ese proceso no es exclusivo de SOBOMETRA, sino que también es muy frecuente en los partidos políticos y la institucionalidad boliviana en general. Por ejemplo, a nivel interno Campos Navarro no menciona la intervención directa de miembros de la Sociedad que pertenecen a diversas asociaciones religiosas no católicas, empeñadas en desterrar del seno de SOBOMETRA a los médicos y herbolarios Kallawayas Amawt’as y Yatiris, acusados de brujos. La tensión confesional en el seno de SOBOMETRA es esencial y debió tomársela en cuenta en sus explicaciones. Más aún, este proceso, que tendría en Santa Cruz su eje articulador, en ningún momento se lo explica como consecuencia del creciente regionalismo en Bolivia, cuya expresión más reciente es el proceso autonómico para dar vida a la llamada “Media Luna”, la cual está conduciendo a una franca confrontación entre bolivianos de oriente y occidente. Asimismo, el autor guarda silencio sobre los factores externos directamente relacionados con la burocracia biomédica conservadora empeñada en eliminar a SOBOMETRA del escenario nacional. Se olvida de mencionar que la llamada “burocracia biomédica-interculturalista” se reorganizó en torno a valores tan conservadores que al ver reconocida la medicina tradicional como parte del Sistema Único de Salud boliviano, es la encargada de controlar gran parte de las dependencias y programas dedicados a la inter-culturalidad que financia la Cooperación Internacional, influyendo en la disgregación de las instituciones de terapeutas tradicionales para que no cuestionen su gestión pública. De igual manera, se entremete en la nominación de Viceministros de Medicina Tradicional e Interculturalidad sin dar paso a los legítimos terapeutas tradicionales para que puedan planificar y decidir sobre su materia. Téngase presente que se ha llegado al extremo de que un biomédico, un enfermero y muchos naturistas con adscripción confesional han llegado a esa cartera de Estado. La ausencia de referencias sobre el tema es posible que se deba a la consulta exclusiva de fuentes producidas por el Ministerio de Salud y Deportes o la Cooperación Internacional (española e italiana); sin duda que la compulsa y la complementación con otras fuentes y bibliografía le habría dado la posibilidad de acceder a nuevos datos, menos sesgados, que le habrían ayudado a matizar la visión triunfalista acerca de la aplicación de una política intercultural en salud en Bolivia. Téngase presente que desde la perspectiva de algunos autores el concepto de interculturalidad en este país no deja de ser un concepto importado “que no ha influido en mejorar la calidad de atención, en negociar la calidad de atención en los centros [de salud] y los hospitales y en producir cambios epidemiológicos” (cf. Loza 2008; Ramírez Hita 2008:60).

El problema en el manejo de las fuentes en otras contribuciones de la obra también es evidente en el texto del biomédico español José Luis Baxeiras Divar (2006), quien como funcionario de la Cooperación Española en América Latina elabora una narrativa compleja acerca de un programa del cual es gestor, pero sin mencionarlo. Este dato es clave, sin duda, para comprender la estructura de su texto que presenta la Relación de la medicina Kallawaya con el Sistema de Salud Público en San Pedro de Curva. De acuerdo con Baxeiras Divar, esta relación sería excepcional porque estaría cimentada en la voluntad de los Kallawayas de trabajar en el hospital. Empero, los artículos dedicados al mismo terreno -incorporados en la antología- dan cuenta de una diversidad de problemas estructurales que matizan la imagen ofrecida por este autor (cf. Callahan 2006).

De manera específica, cuando realza la declaratoria de la cosmovisión Kallawaya como Obra Maestra del Patrimonio Oral e Intangible de la Humanidad (UNESCO 2003), desarrolla una relación del evento que no condice con lo sucedido en ese proceso ampliamente documentado con fuentes de archivo (cf. Loza 2004). Por ejemplo, altera los nombres de los personajes Kallawayas y bolivianos que elaboraron la carpeta de postulación a la UNESCO, incorporando a Toribio Tapia Valencia, quien no tomó parte en ninguna etapa de ese proceso, como lo muestran los archivos bolivianos, parisinos y las publicaciones internacionales disponibles sobre el tema (Baxeiras Divar 2006:45). Dilucidar este tipo de datos no es banal, pues fueron los Kallawayas Walter Álvarez Quispe, Víctor Quina y luán Vila (t) los que han jugado un rol esencial para dar visibilidad a su pueblo a nivel mundial.

En suma, el libro habría ganado con una síntesis final contrastando los enfoques, los datos y las metodologías utilizadas por los treinta y seis autores a partir de los tres ejes de reflexión planteados. Tal síntesis era también necesaria porque la construcción de la interculturalidad en algunos países no es un proceso armónico, lineal y consensuado. Se trata de un proceso que está tensionando las entrañas de las sociedades donde se están reforzando relaciones de dominación, gracias a la cooptación del poder, las instituciones y los recursos económicos por parte de los biomédicos aliados con los naturistas que se están encargando de la salud intercultural (cf. Loza 2008). Es decir, estos grupos están marginando a los terapeutas tradicionales en la toma de decisiones en las políticas públicas de salud intercultural. Actualmente, Bolivia es la mejor ilustración en los países andinos.

Notas

1 El 2004 Gerardo Fernández Juárez coordinó Salud e lnterculturalidad en América Latina. Perspectivas antropológicas. Editorial: Ediciones Abya-Yala (Quito-Ecuador); Agencia BOLHISPANA (La Paz-Bolivia) y Universidad de Castilla-La Mancha (Ciudad Real-España).

Referências

Baxeiras Divar, J.L. 2006 Salud intercultural. Relación de la medicina Kallawaya con el sistema de salud pública en San Pedro de Curva. En Salud e Interculturalidad en América Latina. Antropología de la Salud y Crítica Intercultural, coordinado por G. Fernández Juárez por pp. 271-287. Ediciones Abya-Yala, Agencia Española de Cooperación Internacional, Servicio de la Universidad de Castilla-La Mancha, Fundación para la Cooperación y Salud Internacional Carlos III y Junta de Comunidades de Castilla-La Mancha, Quito.        [ Links ]

Callahan, M. 2006 El hospital Kallawaya “Shoquena Husi” de Curva: un experimento en salud intercultural. En Salud e Interculturalidad en América Latina. Antropología de la Salud y Crítica Intercultural, coordinado por G. Fernández Juárez, pp. 289-303. Ediciones Abya-Yala, Agencia Española de Cooperación Internacional, Servicio de la Universidad de Castilla-La Mancha, Fundación para la Cooperación y Salud Internacional Carlos III y Junta de Comunidades de Castilla-La Mancha, Quito.         [ Links ]

Campos Navarro, R. 2006 Procesos de legalización e interculturalidad en las medicinas indígenas de México y Bolivia. En Salud e Interculturalidad en América Latina. Antropología de la Salud y Crítica Intercultural, editado por G. Fernández Juárez, pp. 373-388. Ediciones Abya-Yala, Agencia Española de Cooperación Internacional, Servicio de la Universidad de Castilla-La Mancha, Fundación para la Cooperación y Salud Internacional Carlos III y Junta de Comunidades de Castilla-La Mancha, Quito.        [ Links ]

Caramés García, M.T. 2006 Salud e Interculturalidad: Reflexiones en torno a un caso. En Salud e Interculturalidad en América Latina. Antropología de la Salud y Crítica Intercultural, coordinado por G. Fernández Juárez, pp. 109-114. Ediciones Abya-Yala, Agencia Española de Cooperación Internacional, Servicio de la Universidad de Castilla-La Mancha, Fundación para la Cooperación y Salud Internacional Carlos III y Junta de Comunidades de Castilla-La Mancha, Quito.         [ Links ]

Fernández Juárez, G., coordinador 2006a Un teléfono de urgencias y.. .casi perder la fe. A modo de presentación. En Salud e Interculturalidad en América Latina. Antropología de la Salud y Crítica Intercultural, coordinado por G. Fernández Juárez, pp. 9-13. Ediciones Abya-Yala, Agencia Española de Cooperación Internacional, Servicio de la Universidad de Castilla-La Mancha, Fundación parala Cooperación y Salud Internacional Carlos III y Junta de Comunidades de Castilla-La Mancha, Quito.        [ Links ]

2006b “Al hospital van los que mueren”: desencuentros en salud intercultural en los Andes Bolivianos. En Salud e Interculturalidad en América Latina: Antropología de la Salud y Crítica Intercultural, coordinado por G. Fernández Juárez, pp. 317-336. Ediciones Abya-Yala, Agencia Española de Cooperación Internacional, Servicio de la Universidad de Castilla-La Mancha, Fundación para la Cooperación y Salud Internacional Carlos III y Junta de Comunidades de Castilla-La Mancha, Quito.         [ Links ]

Gijón Sánchez, M.T., M.L. Jiménez Rodrigo y E. Martínez Morante 2006 Más allá de la diferencia tras el cristal de la diversidad. La “inmigración” en la literatura biomédica. En Salud e Interculturalidad en América Latina. Antropología de la Salud y Crítica Intercultural, coordinado por G. Fernández Juárez, pp. 115-132. Ediciones Abya-Yala, Agencia Española de Cooperación Internacional, Servicio de la Universidad de Castilla-La Mancha, Fundación para la Cooperación y Salud Internacional Carlos III y Junta de Comunidades de Castilla-La Mancha, Quito.         [ Links ]

González Guardiola, A. 2006 Y sin embargo son ellas las que más hacen por la “Salud Intercultural”. En Salud e Interculturalidad en América Latina. Antropología de la Salud y Crítica Intercultural, coordinado por G. Fernández Juárez, pp. 305-315. Ediciones Abya-Yala, Agencia Española de Cooperación Internacional, Servicio de la Universidad de Castilla-La Mancha, Fundación para la Cooperación y Salud Internacional Carlos III y Junta de Comunidades de Castilla-La Mancha, Quito.         [ Links ]

Knipper, M. 2006 El reto de la “medicina intercultural” y la historia de la “medicina tradicional” indígena contemporánea. En Salud e Interculturalidad en América Latina. Antropología de la Salud y Crítica Intercultural, coordinado por G. Fernández Juárez, pp. 413-432. Ediciones Abya-Yala, Agencia Española de Cooperación Internacional, Servicio de la Universidad de Castilla-La Mancha, Fundación para la Cooperación y Salud Internacional Carlos III y Junta de Comunidades de Castilla-La Mancha, Quito.         [ Links ]

Loza, C.B. 2004 Kallawaya. Reconocimiento mundial a una ciencia de los Andes. UNESCO, Viceministerio de Cultura & Fundación del Banco Central de Bolivia, La Paz.        [ Links ]

2008 El Laberinto de la Curación. Itinerarios Terapéuticos en las Ciudades de La Paz y El Alto. Instituto Superior Andino de Teología, La Paz.         [ Links ]

Menéndez, E.L. 2006 Interculturalidad, “diferencias” y Antropología “at home”: algunas cuestiones metodológicas. En Salud e Interculturalidad en América Latina. Antropología de la Salud y Crítica Intercultural, coordinado por G. Fernández Juárez, pp. 51-66. Ediciones Abya-Yala, Agencia Española de Cooperación Internacional, Servicio de la Universidad de Castilla-La Mancha, Fundación para la Cooperación y Salud Internacional Carlos III y Junta de Comunidades de Castilla-La Mancha, Quito.         [ Links ]

Meñaca, A. 2006 La “multiculturalidad” de la biomedicina. El envío de medicamentos en familias migrantes ecuatorianas. En Salud e Interculturalidad en América Latina. Antropología de la Salud y Crítica Intercultural, coordinado por G. Fernández Juárez, pp. 93-108. Ediciones Abya-Yala, Agencia Española de Cooperación Internacional, Servicio de la Universidad de Castilla-La Mancha, Fundación para la Cooperación y Salud Internacional Carlos III y Junta de Comunidades de Castilla-La Mancha, Quito.         [ Links ]

Perdiguero, E. 2006 Una reflexión sobre el pluralismo médico. En Salud e Interculturalidad en América Latina. Antropología de la Salud y Crítica Intercultural, coordinado por G. Fernández Juárez, pp. 33-49. Ediciones Abya-Yala, Agencia Española de Cooperación Internacional, Servicio de la Universidad de Castilla-La Mancha, Fundación para la Cooperación y Salud Internacional Carlos III y Junta de Comunidades de Castilla-La Mancha, Quito.         [ Links ]

Ramírez Hita, S. 2006 La interculturalidad sin todos sus agentes sociales. El problema de la salud intercultural en Bolivia. En Salud e Interculturalidad en América Latina. Antropología de la Salud y Crítica Intercultural, coordinado por G. Fernández Juárez, pp. 405-412. Ediciones Abya-Yala, Agencia Española de Cooperación Internacional, Servicio de la Universidad de Castilla-La Mancha, Fundación para la Cooperación y Salud Internacional Carlos III y Junta de Comunidades de Castilla-La Mancha, Quito.        [ Links ]

2008 Calidad de Atención en Salud. Prácticas y representaciones sociales en las poblaciones quechua y aymara en el altiplano boliviano. OPS/OMS, La Paz.         [ Links ]

Rodríguez González, A. 2006 Un aspecto de la sanidad americana del Antiguo Régimen. Las antiguas boticas coloniales del ámbito de Charcas. En Salud e Interculturalidad en América Latina. Antropología de la Salud y Crítica Intercultural, coordinado por G. Fernández Juárez, pp. 337-348. Ediciones Abya-Yala, Agencia Española de Cooperación Internacional, Servicio de la Universidad de Castilla-La Mancha, Fundación para la Cooperación y Salud Internacional Carlos III y Junta de Comunidades de Castilla-La Mancha, Quito.         [ Links ]

Uribe, J.M. 2006 Migraciones y salud – Préstamos de ida y vuelta. En Salud e Interculturalidad en América Latina. Antropología de la Salud y Crítica Intercultural, coordinado por G. Fernández Juárez, pp. 83-92. Ediciones Abya-Yala, Agencia Reseñas Bibliográficas Española de Cooperación Internacional, Servicio de la Universidad de Castilla-La Mancha, Fundación para la Cooperación y Salud Internacional Carlos III y Junta de Comunidades de Castilla-La Mancha, Quito.         [ Links ]

Zalles Asin, J. 2006 Bolivia un ejemplo de mutua exclusión cultural en salud con dramáticas consecuencias: un desafío que no puede esperar. En Salud e lnterculturalidad en América Latina. Antropología de la Salud y Crítica Intercultural, coordinado por G. Fernández Juárez, pp. 389-404. Ediciones Abya-Yala, Agencia Española de Cooperación Internacional, Servicio de la Universidad de Castilla-La Mancha, Fundación para la Cooperación y Salud Internacional Carlos III y Junta de Comunidades de Castilla-La Mancha, Quito.        [ Links ]

Carmen Beatriz Loza – Directora de Investigación del INBOMETRAKA, La Paz, Bolivia. E-mail: [email protected][email protected]

Acessar publicação original

[IF]

 

Proteção à natureza e identidade nacional no Brasil, anos 1920-1940 – FRANCO; DRUMMOND (BMPEG-CH)

FRANCO, José Luiz de Andrade; DRUMMOND, José Augusto. Proteção à natureza e identidade nacional no Brasil, anos 1920-1940. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2009, 272p. (Coleção História e Saúde). Resenha de: HEIZER, Alda. A construção da identidade nacional (1920 e 1940): entre práticas e projetos. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas. Belém, vol.5, n.3, nov./dez. 2010.

“Proteção à natureza e identidade nacional no Brasil, anos 1920-1940”, de José Luiz de Andrade Franco e José Augusto Drummond, é um livro que apresenta ao leitor uma análise que se afasta das interpretações reducionistas e, por vezes, anacrônicas que têm como objeto a ‘conservação do mundo natural’. Os autores, ao explicitarem o lugar de suas reflexões na produção historiográfica sobre a conservação da biodiversidade, privilegiaram como a ‘conservação do mundo natural’ foi pensada em determinado contexto, sem perder de vista as especificidades das propostas em questão, olhando para um passado escolhido (1920-1940), num lugar também escolhido, o Brasil. Ao se debruçarem sobre uma geração de ‘protetores da natureza’, relacionando suas formulações à temática da identidade nacional, os autores trouxeram para a cena atores, instituições e trajetórias.

Resultado de pesquisa minuciosa, o livro foi dividido em introdução, quatro capítulos e epílogo. A apresentação ficou a cargo de Regina Horta Duarte, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), pesquisadora e referência obrigatória para quem quer estudar o período e as relações entre biologia e natureza. A ‘orelha’ do livro, escrita pela pesquisadora Magali Romero Sá, da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, demonstra o cuidado dos editores do livro ao escolher quem o apresentaria ao leitor.

Na introdução, os autores anunciam suas preocupações: estudar um grupo de cientistas brasileiros e suas preocupações com a proteção da natureza num período específico, 1920-1940, ressaltando como eles pensaram a questão e a presença de suas ideias nas estratégias de ação em um cenário de discussões sobre o nacional e o cientificismo.

Ao se disporem a refletir sobre esse quadro, Franco e Drummond se valeram de uma bibliografia abrangente, que nos permite identificar no texto uma aproximação de questões relacionadas à interpretação das culturas, bem como à importância de se ressaltar a trajetória de conceitos e seus conteúdos.

Os autores utilizaram textos de época de um mesmo autor, em diversos suportes de publicação e para finalidades diversas. Por exemplo, o relatório, a resenha histórica, a iconografia de plantas de Frederico Carlos Hoehne (1882-1959), como a flora de Mato Grosso publicada nos “Archivos do Museu Nacional”, o clube de amigos da natureza na “Revista Nacional de Educação”, entre outros. É nesse quadro que é preciso ler os autores escolhidos por Franco e Drummond.

“As Contribuições de Alberto José Sampaio e Armando Magalhães Corrêa para um programa de proteção à Natureza” é um capítulo em que, particularmente, os autores alcançam o objetivo anunciado. Ele apresenta como os dois personagens escolhidos pretendiam articular a proteção da natureza e a construção de uma identidade nacional. Sem dúvida, a opção por tecer um relato biográfico de Sampaio e de Magalhães Corrêa foi importante para que o leitor pudesse compreendê-los em seus contextos específicos. Um exemplo é a preocupação de Sampaio – que foi assistente de botânica do Museu Nacional e professor chefe da Seção de Botânica do mesmo museu – em não se restringir à botânica sistemática, ao fazer viagens de campo e ao dedicar sua obra sobre a flora de Mato Grosso (estudo de 1916) aos botânicos da Comissão Rondon. Sua relação com as academias científicas, os conselhos e as frentes internacionais mostram igualmente ao leitor a práxis deste cientista e homem público, distanciando a biografia dos cientistas de certa assepsia predominante em trabalhos da área.

Outro aspecto fundamental na obra é a preocupação dos autores com a reprodução de documentos, como a lista dos 62 congressos realizados entre 1884 e 1935, nos quais o tema de proteção da natureza havia sido debatido. Ou ainda destacar as preocupações de Corrêa, que, em 1936, em “O Sertão Carioca”, conclamava o “esforço abnegado dos patriotas” por um “Brasil grande, forte (…) com leis brasileiras para os brasileiros”.

No terceiro capítulo, os autores trazem “Cândido de Mello Leitão e o ponto de vista da Zoologia”, utilizando-se do mesmo formato do capítulo anterior ao apresentar o cientista, porém dedicando mais tempo à obra “A Biologia no Brasil”. Os autores apresentam também a preocupação dos cientistas com a divulgação de suas práticas. Tal postura é igualmente reconhecida no trabalho de Mello Leitão, que atuou com a mesma preocupação e teve o referido livro prefaciado por Edgar Roquette-Pinto (1884-1954), que o considerava um “naturalista de raça” com “elevadas preocupações sociais referentes à sua gente e à sua terra”.

Os autores buscaram registrar a interpretação do Mello Leitão para o “caráter utilitário que os portugueses atribuíram à natureza”, a ordenação cronológica e o relato dos viajantes, bem como o que significou o século XVII para a História da Biologia. Interessante notar, ainda que não nos caiba aqui uma análise detalhada, a afirmação de Mello Leitão a respeito de a Península Ibérica ter ficado alheia às especulações científicas, afirmação esta que foi atualizada por seus sucessores e que está presente na maioria das análises, o que restringe bastante a possibilidade de pensar a Península Ibérica sob outras lentes, o que já vem sendo realizado em pesquisas no Brasil, como as de Carlos Ziller Camenietzki.

O último capítulo, “Frederico Carlos Hoehne e a Conservação da Natureza em São Paulo”, é de uma atualidade excepcional. Os autores permitem ao leitor ter acesso a fragmentos dos trabalhos de Hoehne em diferentes momentos de sua trajetória, desde sua atuação no Museu Nacional, incluindo sua publicação de 1930 sobre as “Plantas Ornamentais da Flora Brasílica”. Para Hoehne, trata-se de uma publicação cuja “intenção é nobre e patriótica, porque é pura, despida de vaidade e orgulho…”, corroborando um movimento visível na produção da época, resultado de um projeto ideológico que não poderia prescindir de uma produção que levasse ao conhecimento nacional o que havia sido feito por brasileiros, sempre valorizando uma nova ordem.

Outro aspecto salientado pelos autores e presente ao longo do texto é o propósito de demonstrar que nos escritos dos cientistas contemplados no livro havia uma preocupação em valorizar um saber que não era acadêmico, como o do indígena, presente, por exemplo, no texto de Hoehne, datado de 1930, sobre a devastação dos campos e das florestas do Paraná e de Santa Catarina, a preocupação com o colono e sua relação com o entorno. A intenção do cientista era alertar os governos sobre a proteção do ‘patrimônio natural’, tema que lhe era caro desde o início do século XX. Seu relato é permeado de lembranças tristes sobre sua participação na Comissão Rondon, em 1909; bem como sua publicação posterior a respeito da importância do Código Florestal Brasileiro, que ressaltava que “as florestas existentes no território nacional, consideradas em conjunto, constituem bem de interesse comum a todos os habitantes do país, exercendo-se os direitos de propriedade com limitação que as leis em geral, e especialmente este Código, estabelecem”.

Franco e Drummond finalizam o livro chamando a atenção para a importância de revisitar os autores estudados e o conteúdo de suas preocupações com a inclusão da proteção à natureza em políticas públicas eficientes. Por certo, com uma análise mais rica que uma resenha pode comportar, o livro traz à cena intelectuais que foram fundamentais para formulações futuras relacionadas à proteção da natureza. Também contribui para o mapeamento de como uma mesma preocupação se apresenta de forma diferenciada em diferentes tempos, e muitas vezes na obra de um mesmo cientista, justificando a localização do livro na fronteira de áreas do conhecimento que são pouco exploradas, e num movimento necessário da história de mudanças e permanências. Trata-se de um livro que abre caminho para pesquisas futuras sobre assuntos urgentes e profundos.

Alda Heizer – Doutora em Geociências pela Universidade Estadual de Campinas. Tecnologista do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[MLPDB]

 

Problemáticas sociais para sociedades plurais: políticas indigenistas, sociais e de desenvolvimento em perspectiva comparada – SILVA et al (BMPEG-CH)

SILVA, Crishian Teófilo da Silva; LIMA, Antônio Carlos de Souza; BAINES, Stephen Grant (Orgs.). Problemáticas sociais para sociedades plurais: políticas indigenistas, sociais e de desenvolvimento em perspectiva comparada. São Paulo: Annablume; Distrito Federal: FAP-DF, 2009, 244p.  Resenha de: SILVA, Nathália Thaís Cosmo da; DOULA, Sheila María. Desenvolvimento, políticas sociais e acesso à Justiça para os povos indígenas americanos. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v.5, n.3, nov./dez. 2010.

O livro “Problemáticas sociais para sociedades plurais” aborda grandes temas relacionados às sociedades indígenas americanas, tais como identidade étnica, cidadania, direitos coletivos e diferenciados e problemas sociais. Dividida em três partes, a obra foi organizada por Cristhian Teófilo da Silva e Stephen Grant Baines, ambos professores da Universidade de Brasília, e por Antonio Carlos de Souza Lima, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

A primeira parte do livro discute indigenismo e desenvolvimento, com ênfase na questão da convivência interétnica nas Américas; a segunda analisa as políticas sociais para povos indígenas em perspectiva comparada; e a terceira parte aborda os direitos diferenciados de acesso à Justiça.

Os fios condutores da primeira parte do livro são a construção da identidade e da autonomia indígena em face da identidade, da soberania e dos modelos de desenvolvimento nacionais, e as limitações da nova semântica multiculturalista. Os artigos são: “Desenvolvimento, etnodesenvolvimento e integração latino-americana”, de Ricardo Verdum; “Conflitos e reivindicações territoriais nas fronteiras: povos indígenas na fronteira Brasil-Guiana”, de Sthephen Grant Baines; “Políticas indigenistas e cidadania no México e EUA: John Collier, Moisés Sáenz e os índios das Américas”, de Thaddeus Gregory Blanchette; “Indigenismo, antropologia y pueblos índios en México”, de Mariano Baez Landa.

Sob a ótica da relação entre identidade indígena e soberania nacional, o texto de Verdum discute o conceito de ‘etnodesenvolvimento’ como alternativa que leva em consideração a autonomia dos grupos étnicos dos Estados Nacionais, destacando o papel protagonista do Banco Mundial (BIRD) na disseminação deste ideário. O autor assinala a existência de um campo de interesses e disputas presentes nas representações e nos discursos acerca do lugar dos povos indígenas no desenvolvimento da América Latina, enfatizando que as manifestações de diversidade cultural são limitadas por concepções sociais e econômicas de ‘pobreza’ e ‘marginalidade’. Segundo ele, a concepção do Banco Mundial sobre o ‘empoderamento’ é impregnada pela ideologia progressista com o intuito de capacitar os indígenas para participarem de todo o “ciclo de desenvolvimento”.

Seguindo o fio argumentativo sobre as fronteiras e a soberania nacional, o texto de Baines analisa o conflito social em torno da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, mostrando que a regularização desta área pelo governo brasileiro garante a Soberania Nacional e também o manejo sustentável pelos povos indígenas, ao passo que a exploração da terra pelos grileiros rizicultores tinha como objetivo a privatização das terras da União e, como consequência, danos ambientais irreversíveis pelo uso intensivo de agrotóxicos. Baines aponta, no contexto de fronteira entre Brasil e Guiana, o conflito de interesses entre os povos indígenas e o Exército, salientado o desrespeito histórico que marcou a construção de rodovias, de usinas hidrelétricas e a abertura de minas nos territórios indígenas Makuxi e Wapichana. Assim, a fronteira, como sugere o autor, deixa de ser uma questão militar – tendo em vista que ambos os povos expressam patriotismo em relação às suas nações – e passa a ser uma questão econômica.

Blanchette, por sua vez, contextualiza os períodos da construção da identidade indígena na história norte-americana e mexicana. No âmbito do indigenismo norte-americano, assinala a passagem do período de assimilação forçada no final do século XIX, quando os índios tinham a condição de cidadãos de segunda classe, para as primeiras décadas do século XX, quando eles foram representados como um símbolo nacional, assumindo o papel de protetores da fronteira. Esta transformação possibilitou o surgimento do pluralismo e do relativismo cultural dentro do campo político, abrindo caminhos para que, mais tarde, em meados do século XX, o grande personagem do indigenismo americano, John Collier, reformulasse a política assimilativa, priorizando a integração dos grupos numa estrutura pluralista. Collier, com o apoio do presidente Franklin Roosevelt e dos indigenistas mexicanos Moisés Sáenz Garza e Manuel Gamio, foi responsável por mudanças legislativas relevantes em relação às políticas indigenistas nas Américas.

Já na história mexicana, os índios eram considerados um ‘problema’ da nação, de modo que a lógica do progresso induzia o seu desaparecimento. O indigenismo mexicano somou esforços a fim de incorporar os índios como cidadãos, mas essa reorientação acabou se limitando à aparência, uma vez que os índios continuaram a ser vistos como imperfeitamente civilizados.

No que se refere à representação do indígena na trajetória mexicana, Landa expõe que, com uma história marcada por levantes e rebeliões, a figura do índio era a de um bravo combatente pela independência frente à Espanha. No entanto, após esse período, ele passou a significar um entrave à integração e ao desenvolvimento da nação. De acordo com o autor, a identidade nacional construída no México nega as diferenças, tanto pela via da exclusão, que separa e isola as diferentes etnias, quanto pela via da inclusão, que apaga as identidades. Landa sustenta que o indigenismo moderno se impôs igualando pequenos produtores, índios, latinos e mestiços para serem atendidos pelos programas de combate à pobreza e de compensação social, o que culminou na renúncia da condição étnica para obtenção de recursos governamentais.

A segunda parte do livro trata das políticas sociais envolvendo os povos indígenas em temas como a educação superior, as relações de gênero, saúde, contaminação com o vírus HIV e previdência social. Os artigos são: “Cooperação Internacional e Educação Superior para indígenas no Brasil: reflexões a partir de um caso específico”, de Antonio Carlos de Souza Lima; “Políticas sociais, diversidade cultural e igualdade de gênero”, de Lia Zanotta Machado; “Políticas de saúde indígena no Brasil em perspectiva”, de Carla Costa Teixeira; “Un acercamiento a la problemática del HIV/SIDA al interior de los pueblos índios”, de Patrícia Ponce Jimenez; “‘No soy mandado, soy jubilado’: previsión social y pueblos indígenas en el Amazonas brasileño”, de Gabriel O. Alvarez.

No que se refere à educação superior, é a partir da reflexão sobre o projeto “Trilhas do Conhecimento” que Lima discute a utilização dos recursos advindos da cooperação internacional e das políticas públicas. Argumenta que, embora a inovação promovida no cenário das políticas para os povos indígenas tenha se ancorado em subsídios da cooperação técnica internacional, com destaque para a Fundação Ford e para a Fundação Rockfeller, não se pode esquecer que os recursos de natureza privada servem a ações demonstrativas de curta duração e que, portanto, são incompatíveis com tarefas de longo prazo próprias das políticas públicas.

As relações de gênero são problematizadas por Machado, que alerta para o fato de que agressões morais e físicas podem não ser consideradas como violência em determinados contextos culturais e que o significado de violência e discriminação contra as mulheres é construído sem o reconhecimento da cultura local. A autora defende, pois, a diversidade cultural e a igualdade de gênero como questões que dizem respeito fundamentalmente à dignidade humana e, portanto, se antepõe a uma sociedade tradicional que tem arraigadas as práticas da discriminação.

Em outra perspectiva, por meio da análise do processo histórico e político institucional, Teixeira argumenta que a política pública brasileira de saúde para os povos indígenas é dotada de uma profunda força antidemocrática, uma vez que as intervenções sanitárias buscam a incorporação de novas práticas e valores higiênicos pelos indígenas. Aponta no Manual de Orientações Técnicas destinado aos agentes de saúde o predomínio da função simbólica nas ilustrações do texto, que enfatizam a proximidade de comportamentos entre índios, animais e fezes, evidenciando que o foco não é a ausência de infraestrutura sanitária, mas sim o inadequado comportamento higiênico dos indígenas, o que reforça a missão de “sanear pessoas” para o agente indígena.

Quanto à epidemia do vírus HIV, Ponce destaca os perigos de se desconsiderar sua proliferação entre os povos indígenas, entendendo que as políticas públicas nesse setor partem de alguns pressupostos equivocados: os índios são concebidos como exóticos que moram em lugares inacessíveis, inclusive para a AIDS, e a crença de que todos os índios são heterossexuais, sendo também comum a associação da epidemia com a homossexualidade. Novamente, portanto, a crítica recai na incapacidade verificada na formulação de políticas públicas que considerem a diversidade e as especificidades culturais. Essa situação remete a uma “vulnerabilidade multidimensional” que exige novas posturas de líderes e de comunidades indígenas, e também da academia no sentido de assumir o imperativo de falar de sexualidade e diversidade sexual.

O texto de Alvarez discute o impacto das políticas previdenciárias nas comunidades indígenas por meio de três experiências na Amazônia. Em primeiro lugar, nota-se uma valorização social dos aposentados, na medida em que, em alguns casos, os beneficiários conseguem abandonar a condição de trabalhadores e tornam-se patrões; em outros casos, verifica-se um fenômeno mais complexo, no qual o dinheiro passa a ter impacto sobre a vida cultural do grupo, pois os idosos assumem as despesas com rituais e ocupam um lugar proeminente no grupo; finalmente, a aposentadoria tem servido para reverter a situação de marginalidade econômica, subordinação social e estigmatização histórica sofrida, por exemplo, pelos Ticuna, representados como inaptos para o mundo do trabalho, alcoólatras e selvagens. O autor relata, ainda, o recente “drama dos documentos” em decorrência da atuação autoritária da Fundação Nacional do Índio, que, diante da apuração de denúncias de fraudes pontuais com a população indígena Ticuna no município de Tabatinga (AM), mandou suspender a emissão de declarações que dão início aos trâmites para obtenção de recursos previdenciários. Este episódio, por um lado, evoca a atualização dos estigmas ligados aos Ticuna; por outro, traz a reflexão de que, ao contrário do passado, quando muitos deles renunciaram sua identidade indígena, no presente, com a implementação de políticas diferenciadas, seus descendentes assumem suas identidades para ter acesso aos benefícios.

A terceira parte do livro se destina a discutir os direitos diferenciados de acesso à Justiça. Os artigos são: “A Convenção 169 da OIT e o Direito de Consulta Prévia”, de Simone Rodrigues Pinto; “Criminalização indígena e abandono legal: aspectos da situação penal dos índios no Brasil”, de Cristhian Teófilo da Silva.

As proposições de Pinto se referem ao direito de consulta prévia, que foi instituído na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), e seu papel fundamental de intermediar e negociar as reivindicações dos povos indígenas e dos Estados. No caso brasileiro, esse direito ainda carece de regulamentação e a falta de definição clara do papel dos povos indígenas acarreta no risco de a consulta se tornar mera formalidade. Faz-se necessário, neste processo, a informação qualificada, que implica tradução não só dos aspectos linguísticos, mas dos “modos de pensar”. Tomando como exemplo os impactos causados por 200 obras propostas pelo Programa de Aceleração do Crescimento, a autora analisa as possíveis manipulações por parte das empresas responsáveis e chama a atenção para os empreendimentos que afetam diretamente as comunidades indígenas, mesmo que não estejam situados em suas terras.

Finalmente, no âmbito da criminalização indígena, o artigo de Silva denuncia o abandono legal dos índios nas prisões e a necessidade de um aprofundamento empírico e teórico sobre essa realidade no Brasil. O autor alerta para o não reconhecimento do status jurídico dos índios pela justiça criminal, apontando para uma distorção no uso das categorias ‘índios’ e ‘pardos’, e a consequente descaracterização étnica. Evidencia também o racismo institucional e a manipulação da indianidade pelos agentes que relegam aos índios, sob o discurso da aculturação, o tratamento diferenciado. Resta aos estudiosos somar esforços para tentar compreender o que a realidade desses processos de criminalização dos índios que estão nas prisões brasileiras nos diz sobre a pretensa democracia étnica e plural do país.

Nathália Thaís Cosmo da Silva – Mestranda em Extensão Rural na Universidade Federal de Viçosa. E-mail: [email protected]

Sheila Maria Doula – Doutora em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo. Professora Associada da Universidade Federal de Viçosa. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[MLPDB]

 

 

Warum weint der König? Eine Kritik des mediävsitischen Panritualismu | Peter Dinzelbacher

Nos últimos anos, a área de Medievística na Alemanha tem assistido a um renascimento dos estudos de ritual. Pode-se apontar como grandes responsáveis por esta rápida expansão o medievista alemão Gerd Althoff, que publica constantemente artigos versando sobre a temática ritual dentro do contexto medieval, e o Sonderforschungsbereich [1] 619, intitulado Ritualdynamik,[2] fundado em 2002 na Universidade de Heidelberg, que tem como finalidade fomentar a discussão interdisciplinar sobre a questão da origem, propagação e ‘morte’ das práticas ritualísticas, bem como os motivos para as críticas acerca do conceito e do estudo do ritual. Relacionadas a esse projeto de pesquisa, foram lançadas inúmeras publicações, nas quais não apenas uma vertente antropólogica pode ser verificada, mas também diálogos nos vários campos do conhecimento.

Na contra-mão dessa tendência de focar o ritual como parte integrante da sociedade medieval, Peter Dinzelbacher apresenta o seu livro com o intuito de alertar medievistas de todas as áreas para a utilização inflacionária e não crítica das teorias de ritual na Medievística moderna, “onde aquelas simplesmente não são detectáveis nas fontes” (“wo sie in den Quellen schlichtweg nicht nachweisbar sind”, p. 7). Para tanto, Dinzelbacher assevera haver um “Panritualismo de origem histórica e germanística” (“‚Panritualismus’ historischer und germanistischer Provenienz”, p. 8). Embora o autor não defina explicitamente o que entende por Panritualismo, subentende-se que esse signifique a utilização exagerada das teorias de ritual aplicadas às fontes medievais. Para tanto, Dinzelbacher propõe a análise de dois campos de estudo, respectivamente o choro público de monarcas/governantes e heróis (Parte I) e os rituais de cura (Parte II).

Seria de se esperar que ao tratar da análise de rituais, o autor definisse o que compreende ou como utilizará os conceitos de rito, ritual e cerimônia, mas este afirma que os três são sinônimos e que na pesquisa internacional ainda não foi elaborada nenhuma definição diferencial (cf. p. 9).

Voltando-se contra os ‘modimos’ acadêmicos, Dinzelbacher mostra que muitas vezes é preciso relativizar os resultados encontrados e não partir para afirmações genéricas. Nesse sentido, a sua crítica refere-se diretamente à obra de Gerd Althoff, que interpreta o choro de monarcas de acordo com a teoria da encenação e remete ao valor dessa(s) cena(s) como um ritual. Para Dinzelbacher, contudo, é possível que em alguns casos haja demonstração de ‘sentimentos’ reais, que são expressos através das lágrimas, sendo assim possíveis expressões espontâneas. Desta forma, o autor demonstra através da análise de casos como morte, contrição religiosa, pedido de ajuda, demonstração de compaixão e clemência, cenas de despedida, no caso da perda da honra e em momentos de luto, que o choro é aceito socialmente. Todavia, em casos de choro masculino público por causa de dor, não há a mesma aceitação.

O que a princípio parece tratar-se de uma ‘pequena história das lágrimas/do choro’ transforma-se num ataque direto e pessoal à obra de Gerd Althoff, perdendo, assim, o caráter científico da crítica. Em dois momentos fica mais do que claro esse ataque pessoal desvelado a Gerd Althoff. Numa das passagens do texto, Dinzelbacher ironiza a teoria de Althoff das ‘lágrimas encenadas’ através da pergunta: “Em casos de necessidade, os reis mandaram, então, buscar uma cebola na cozinha da corte?” (“Haben sich die Könige im Bedarfsfall denn eine Zwiebel aus ihrer Hofküche holen lassen?”, p. 43). Em outro trecho, Dinzlebacher se questiona os porquês do modelo ‘althoffiano’ ter-se propagado tão rápido e de forma tão eficaz, questões essas, que o próprio autor se esmera em responder. A primeira relaciona-se ao fato do caráter inovativo da abordagem e ao fato de Althoff oferecer “uma explicação funcional para componentes, que para nós são estranhos, do agir medieval” (“das Angebot einer funktionalen Erklärung für uns fremde Komponenten mittelalterlichen Agierens”, p. 67). A segunda é apresentada em uma nota de rodapé com ares de teoria da conspiração. Dizelbacher alega que o grande responsável pela recepção bem-sucedida das teorias de Althoff é o ‘Münsterander Institut für Frühmittelalterforschung’ (Instituto de Münster para Pesquisa da Idade Média Primeva) (cf. p. 67).

Gerd Althoff, por sua vez, acredita, contudo, que tenha havido algum malentendido em toda a polêmica levantada por Peter Dinzelbacher, pois o primeiro nunca teria afirmado que não há choro espontâneo. Althoff afirma ainda que, embora no período medieval tenha havido sim expressões espontâneas de sentimentos, essas não foram e não são seu objeto de estudo, asseverando ainda que no caso dos rituais, não se reagia espontaneamente. E somente nessa prerrogativa se baseia seu estudo.[3]

Na segunda parte de seu estudo, Dinzelbacher foca os rituais de cura na Idade Média, mais uma vez para atentar para o fato de que os novos medievistas devem estar atentos ao perigo de superestimar as ‘descobertas’, uma vez que há curas e ou tentativas de cura que seriam ritualísticas e outras que, simplesmente, abordam os discursos médicos medievais, as quais não devem ser incluídas “sob o pretenso Panritualismo da Idade Média” (“unter dem angeblichen Panritualismus des Mittelalters”, p. 133). Sendo assim, a crítica de Peter Dinzelbacher aos chamados ‘modismos acadêmicos’ deve extender-se para todos os campos do saber e ser lida como um alerta geral aos futuros pesquisadores.

Notas

1. Sonderforschungsbereich (SFB) são projetos de pesquisa com prazos de duração de até doze anos, que unem pesquisadores de diferentes universidades e disciplinas, a fim de alcançarem novos conhecimentos para temas pré-determinados. Na Alemanha, tais grupos de pesquisa são fomentados pela Sociedade Alemã de Pesquisa (DFG) (Cf. http://www.dfg.de/foerderung/programme/koordinierte_programme/sfb/ , acessado em 23 de agosto de 2010).

2. Para mais informações sobre as linhas de pesquisas, os professores colaboradores, as publicações e os eventos ver http://www.ritualdynamik.de/ , acessado em 23 de agosto de 2010.

3. ALTHOFF, Gerd. Aufgeführte Gefühle. Die Rolle der Emotionen in den öffentlichen Ritualen des Mittelalters. In: Passions in Context I 2010/1.

Daniele Gallindo Gonçalves Silva – Doutoranda, Otto-Friedrich-Universität Bamberg Bolsista DAAD [email protected]


DINZELBACHER, Peter. Warum weint der König? Eine Kritik des mediävsitischen Panritualismus. Badenweiler: Wissenschaftlicher Verlag Bachmann, 2009. Resenha de: SILVA, Daniele Gallindo Gonçalves. Panritualismo, a crítica desvelada aos Estudos de Ritual na Idade Média. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.10, n.2, p. 100-102, 2010. Acessar publicação original [DR]

Les royaumes barbares en Occident | Magali Coumet e Bruno Dumézil

O estudo dos povos germânicos, entre a Antiguidade e a Alta Idade Média, tem passado por renovação acentuada, à luz das discussões epistemológicas das últimas décadas. Este volume, por dois estudiosos do tema, inicia-se por um exame da formação da historiografia sobre o tema, no século XIX, com a ligação umbilical entre os recémcriados estados nacionais e as antigas tribos e reinos germânicos: anglos, francos, germanos, entre outros. A publicação da obra Monumenta Germaniae Historica (Berlim, 1826) deu-se sob a significativa divisa sanctus amor patriae dat animum (“o sagrado amor da pátria dá ânimo”). O nacionalismo moderno forjou, portanto, a percepção daqueles povos e da sua importância para a gênese dos modernos estados. A abordagem dos autores parte, desta forma, de uma observação de como o discurso historiográfico alterou-se e como, em nossos dias, as fontes arqueológicas, por um lado, e a teoria social, conforma as discussões recentes sobre um tema tão essencial para a nossa própria época.

Os autores, de maneira programática, apresentam diversos modelos interpretativos, o que permite ao leitor formar suas próprias opiniões. Assim, a tese dominante a partir da década de 1970, denominada de etnogênese progressiva, considera que haveria povos que se formariam em algum momento e continuariam por muitos séculos, como os godos. A teoria da etnogênese, contudo, foi criticada desde a década seguinte, tanto em termos teóricos, com empíricos, pela falta de elementos que comprovassem a continuidade ao longo do tempo. Nas últimas décadas, passou a predominar a tese da identidade bárbara adquirida na interação com os romanos e, para isso, a Arqueologia tem sido fundamental. A adoção de elementos da cultura material romana, bem atestada, nada tem a ver com migração ou etnogênese. Ao contrário, a ligação entre cultura material e identidades fixas deriva do nacionalismo moderno, de pressupostos atuais de que haveria populações homogêneas. Criticam, portanto, os modelos normativos de cultura compartilhada e, ao contrário, enfatizam a fluidez e constante mutação das identidades e apropriações culturais. Não houve, para os autores e boa parte a historiografia recente, uma origem étnica (etnogênese), mas formulações identitárias sucessivas, em constante mutação.

Após essas considerações epistemológicas de fundo, desmistificam termos como “grandes invasões” ou “tomada de Roma” (não por acaso, o livro lançado nos 1600 anos do saque de Roma não reconhece qualquer relevância ao evento). Enfatizam as negociações, no lugar do que chama de mito “mito das grandes invasões” (p. 31). Os bárbaros no império são vistos como uma solução para a crise do século terceiro, com brilhantes carreiras individuais de germanos. A partir das últimas décadas do século IV, generaliza-se o sistema de alianças (foedera) e hospitalidade (hospitalitas) e o fim do Império Romano no Ocidente, no último quartel do século V dará lugar a reinos germânicos, com seus reges gentium.

A Arqueologia continua importante para perscrutar a cultura bárbara no século V, com sua demonstração da relevância da guerra e de uma organização social hierárquica, com um paganismo pouco ligado às identidades, enquanto o arianismo serve a estratégias de distinção como Lex Gothica por contraposição à religio romana (o catolicismo romano). Houve um processo de aculturação recíproca, de mestiçagem (métissage) e os estados bárbaros forma reinos vários e instáveis, com produção literária reduzida e em latim, à exceção da Bretanha, com os anglo-saxões. O papel do direito germânico, escrito em latim, consagra a relevância da identidade étnica e da vingança (faida). Por fim, a conversão ao catolicismo pelos diversos reis germânicos marcou, a partir do franco Clóvis, no início do século VI, a fusão acelerada dos germanos com os indígenas e o nascimento de novas identidades.

Observa-se uma renovação dos estudos sobre o tema dos povos bárbaros, à luz das discussões da teoria social das últimas décadas. Abandonam-se as perspectivas de matrizes positivistas e normativas e parte-se para um estudo dos germanos como grupos humanos fluidos e em relação simbiótica com outras coletividades. Esta obra mostra a importância das discussões teóricas para uma visão menos tradicional e convencional de um dos aspectos mais importantes da História ocidental.

Pedro Paulo A. Funari – Professor Titular. Departamento de História. Centro de Estudos Avançados UNICAMP. www.gr.unicamp.br/ceav


COUMET, Magali; DUMÉZIL, Bruno. Les royaumes barbares en Occident. Paris: Presses Universitaires de France, 2010. Resenha de: FUNARI, Pedro Paulo A. Reinos Bárbaros do Ocidente. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.10, n.2, p. 98-99, 2010. Acessar publicação original [DR]

Oleaginosas da Amazônia – PESCE (BMPEG-CH)

PESCE, Celestino. Oleaginosas da Amazônia. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi; Brasília: Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2 ed., 2009. 334 p. Resenha de: MANTOVANI, Waldir. Oleaginosas da Amazônia. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v.5, n.2, maio/ago. 2010.

O livro “Oleaginosas da Amazônia”, de Celestino Pesce, teve a primeira edição publicada em 1941, sendo agora publicada sua segunda edição, revisada e ampliada, pelo Museu Paraense Emílio Goeldi e pelo Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural do Ministério do Desenvolvimento Agrário. Esta edição da obra traz a estrutura original, é acrescida de um capítulo sobre “O potencial da flora oleífera na Amazônia” e recebe ilustrações de espécies apresentadas.

Antes de ser uma obra que descreve características de espécies de plantas da Amazônia com sementes oleaginosas, o livro reflete a preocupação do autor com a conservação da região e com a necessidade de investimentos na produção racional e em pesquisas sobre o tema, incluindo o melhoramento e o cultivo das espécies cujas sementes eram, até então, colhidas após a queda no solo e armazenadas em condições inadequadas, com a perda de suas qualidades.

As descrições feitas para muitas das espécies tratam de seus habitats e das suas características botânicas, demonstrando a experiência de observação em campo adquirida pelo autor em várias regiões da Amazônia, além de apontar para as melhores formas de obtenção e de conservação das sementes, de extração e de manutenção de propriedades químicas e físicas de suas gorduras e óleos, enquanto para outras espécies são apontados usos potenciais, ainda a serem explorados, incluindo o de consumo das polpas dos frutos.

Ressaltam, nessas descrições, as observações feitas sobre o uso de sementes diversas pelos índios, a exploração feita pelos lavradores do interior e os limites de extração do óleo ou da gordura, seja pela ausência de equipamentos adequados ou pela distância entre o local de produção e o de comercialização, incluindo a exportação para países da Europa, ou pela forma de extração e armazenagem, refletindo a preocupação do autor com a produção em toda a sua cadeia.

Nesta obra, é ressaltada a importância da flora composta pelas palmeiras, das quais descreve características de 36 espécies, além de 64 outras de famílias diversas, ressaltando-se Clusiaceae, Euphorbiaceae e Sterculiaceae. As informações apresentadas para as espécies são desiguais, havendo algumas bastante detalhadas em todos os seus aspectos, enquanto outras, principalmente aquelas para as quais indica potencial de uso, são descritas superficialmente.

Em um momento extremamente controverso acerca do valor da biodiversidade contida em biomas no Brasil, o livro “Oleaginosas da Amazônia” aponta para um dos muitos potenciais recursos de interesse humano ainda não completamente explorados, mostrados pelo olhar de um estrangeiro que se interessou pela região de forma ampla, como quando escreveu sobre a sua conservação: “O próprio caráter da região onde se encontram tais sementes indica que a vegetação das plantas que as produzem é a que deve predominar”.

Trata-se de uma obra que interessa à conservação de recursos naturais, à botânica econômica e, nela, particularmente, à produção de combustíveis alternativos, de óleos aromáticos, de sabões, entre outros produtos. Com um texto rico em informações diversas sobre a Amazônia e sobre as espécies tratadas, de uma forma agradável de ser lida e olhada devido à qualidade da impressão, à variedade e aos detalhes das figuras, este livro escrito em 1941 é extremamente atual em sua mensagem, compondo uma obra incomum.

Celestino Pesce (1896-1942) era italiano, químico, vindo de São Paulo, que se interessou pelas plantas oleaginosas da Amazônia e, desde 1913, dedicado à extração de óleos e gorduras de sementes de várias espécies já conhecidas e de novas descobertas feitas em diversas viagens que realizou pela região. Morreu afogado durante um banho em águas do rio Amazonas. Neste livro, vive para nos alertar.

Waldir Mantovani – Doutor em Ecologia pela Universidade Estadual de Campinas Professor Titular da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[MLPDB]

Das pedras aos homens: tecnologia lítica na Arqueologia Brasileira – BUENO; ISNARDIS (BMPEG-CH)

BUENO, Lucas; ISNARDIS, Andrei (Orgs.). Das pedras aos homens: tecnologia lítica na Arqueologia Brasileira. Belo Horizonte: Argvmentvm, 2007. 270 p. Resenha de: FONSECA, João Aires da. Pesquisas recentes sobre material lítico na Arqueologia Brasileira. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v.5, n.2, maio/ago. 2010.

O livro “Das pedras aos homens” surgiu a partir das ideias discutidas no seminário “Tecnologia Lítica no Brasil. Fundamentos teóricos, problemas e perspectivas de pesquisa”. Organizado por Lucas Bueno e Andrei Isnardis, o livro tem como proposta reunir pesquisadores de diferentes formações científicas dentro da arqueologia, disponibilizando aos leitores um panorama não somente interessante como também essencial para que a arqueologia brasileira se torne cada vez mais sólida em conceitos e metodologias de pesquisa. Não há dúvida de que somente com esta diversidade de pesquisadores foi possível alcançar a proposta de se escrever um panorama de problemas e perspectivas sobre o contexto do material lítico em sítios arqueológicos brasileiros.

O que o livro apresenta ao longo de seus onze capítulos são as novas abordagens para o estudo deste tipo de material, não permanecendo somente nos estudos das ‘pedras’ (rochas) em si, mas indo além, criando contextos e quadros hipotéticos que permitem ir “das pedras aos homens”. Esta coletânea de artigos passa a ser uma referência atual sobre o estudo de tecnologia lítica na arqueologia brasileira, disponibilizando referências bibliográficas úteis sobre os temas abordados, o que permite aos leitores, em especial estudantes de arqueologia, um maior aprofundamento sobre os temas descritos.

Como exemplo, quais são as referências existentes sobre arqueologia experimental no Brasil? Como esta parte da arqueologia vem se desenvolvendo atualmente? É neste ponto que “Experimentação na Arqueologia Brasileira: entre gestos e funções”, de André Prous, e “Recent advances in stone-tool reduction analysis: A review for Brazilian archaeologists”, de Michael Shott, trazem à tona uma revisão do uso da experimentação.

André Prous introduz a importância da etnoarqueologia e do esforço próprio que o arqueólogo precisa ter ao reproduzir e utilizar o que poderiam ser as réplicas de instrumentos arqueológicos. Desta forma, o pesquisador aborda o material lítico a partir da experimentação, adquirindo mais dados para suas interpretações dos vestígios coletados e de seus prováveis contextos. É neste sentido também que a argumentação de Michael Shott incide sobre os diversos processos de redução que um artefato lítico pode ter passado, seja por meio do uso intenso ou de retoques para reavivar gumes, por exemplo.

As interpretações sobre o contexto arqueológico assumem um papel muito importante neste livro. Tal importância é justamente por ser esta a principal meta das pesquisas arqueológicas recentes. Para Andrei Isnardis, autor do capítulo “Notas sobre a solidão das indústrias líticas”, a distribuição espacial de diversos vestígios é essencial para retirar as indústrias líticas do que ele considera como “solidão”. Trata-se de uma crítica às pesquisas que lidam com os materiais analisados de maneira isolada, deixando de lado a interpretação do restante do material coletado, criando, assim, interpretações parciais do contexto do sítio.

Tal problema de interpretações parciais pode advir das divisões por grandes classes de vestígios. Para Isnardis, alguns pesquisadores acabam sendo caracterizados como ‘arqueólogos do lítico’, ‘arqueólogos da cerâmica’ ou ‘arqueólogos da arte rupestre’. A especialização dos pesquisadores acaba por causar este isolamento do material analisado, contudo, como o principal objetivo das pesquisas são as sociedades humanas, existe a necessidade de estudos que usem os vários artefatos dentro de um conjunto para que se chegue às possíveis interpretações de contextos sociais mais complexos, e não apenas de uma parte especializada.

Como exemplos desta necessidade de interpretar diversos dados, buscando uma visão dinâmica sobre a pré-história brasileira, na tentativa de articular vestígios, sítios, regiões e macrorregiões, pode-se citar os capítulos sobre o Brasil Central, “Organização tecnológica e Teoria do Design: entre estratégias e características de performance”, de Lucas Bueno, e “Metodologia de análise para as indústrias líticas do Pleistoceno no Brasil Central”, de Águeda Vilhena-Vialou.

Outra vertente clara no livro, tomada por todos os seus autores, é a inviabilidade, ou ineficácia, em se produzir estudos arqueológicos que contemplem estudos tipológicos baseados unicamente em instrumentos acabados. Como abordado por Jacqueline Rodet em “Uma terminologia para a indústria lítica brasileira”, e por Paulo Jobim em “Possibilidades de abordagens em indústrias expedientes”, existe uma tendência, iniciada na década de 1980, para a inserção nos estudos de contexto e de tecnologia dos conceitos de cadeia operatória, gesto, teoria do design e experimentação, em vez de estudos meramente tipológicos de peças já acabadas, enfatizando a necessidade de homogeneização da terminologia utilizada pelos pesquisadores, buscando-se sistematizar as nomenclaturas para a análise da tecnologia lítica.

Mais exemplos advém de Pedro Schmitz em “O estudo das indústrias líticas no PRONAPA, seus seguidores e imitadores”; de Adriana Schmidt em “Da tipologia à tecnologia: reflexões sobre a variabilidade das indústrias líticas da Tradição Umbu”; e de Sirlei Hoeltz em “Contexto e tecnologia: parâmetros para uma interpretação das indústrias líticas do Sul do Brasil”.

O capítulo de Pedro Schmitz caracteriza o papel da ciência arqueológica: cada época possui um contexto e limitações de pesquisa, e cada época sucessora irá acumular conhecimentos de épocas anteriores, reformulando-os e aplicando novos. A principal diferença entre o Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas (PRONAPA) da década de 1970 e as pesquisas recentes, como a desenvolvida na Floresta Atlântica, é o maior dinamismo das pesquisas que, com o quadro teórico atual, possibilitaram chegar a conclusões regionais e mais amplas sobre a ocupação humana na região Sul do Brasil. Nesta mesma linha, Adriana Schmidt e Sirlei Hoeltz enfatizam a importância dos estudos que enfocam o caráter regional e que respeitam a contextualização espacial dos sítios, em suas características internas e externas, associadas a propostas metodológicas que compreendam a variabilidade artefatual como resultado de escolhas tecnológicas, na busca por identidades sociais no registro arqueológico.

Por fim, temos o divertido experimento literário escrito por Klaus Hilbert, “Indústrias líticas como vetores de organização social ou: Um ensaio sobre pedras e pessoas”. Hilbert preferiu intuir, explicando por meio de crônicas e múltiplas narrativas, “as pedras arqueológicas e as pedras lúdicas da infância e adolescência”, deixando um pouco de lado as listas de sequências analíticas de gestos e de atributos tecnotipológicos, descrevendo algumas relações entre pessoas e ‘pedras’.

A meu ver, o principal ponto do livro incide nas experiências dos autores, através de projetos de pesquisas que exemplificam seus fundamentos teóricos, seus problemas e as perspectivas abordadas. Contudo, como a proposta do livro refere-se à arqueologia brasileira, a principal crítica diz respeito em não ter explorado, por exemplo, referências sobre estudos de materiais líticos na porção Norte do Brasil, mais especificamente na região amazônica. Talvez esta seja uma lacuna importante a ser apontada, até mesmo devido à escassez de produção bibliográfica sobre o tema.

Como, provavelmente, ainda serão feitos novos congressos sobre tecnologia lítica brasileira, certamente não só a região amazônica entrará em pauta, como também as demais regiões que não foram discutidas neste primeiro livro, formando, assim, um panorama mais amplo, semelhante ao apresentado com maestria pelos organizadores.

João Aires da Fonseca – Mestre em Arqueologia pela Universidade de São Paulo. Bolsista do Programa de Capacitação Institucional do Museu Paraense Emílio Goeldi/MCT. Curador do Museu do Marajó. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[MLPDB]

 

Grandes Expedições à Amazônia Brasileira, 1500-1930 – MEIRELLES FILHO (BMPEG-CH)

MEIRELLES FILHO, João. Grandes Expedições à Amazônia Brasileira, 1500-1930. São Paulo: Metalivros, 2009. 241 p.  Resenha de: DRUMMOND, José Augusto. Expedição literária pela Amazônia. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v.5, n.2, maio/ago. 2010.

Este livro de Meirelles é capaz de abalar, mesmo entre os mais céticos, a noção de que os brasileiros não se esforçam para conhecer a Amazônia, mais da metade da qual pertence ao território do Brasil. É verdade que a atenção maior dada à região nas últimas décadas originou-se em boa parte fora do país, incentivada por estudos, relatos e preocupações de não-brasileiros. De resto, o mesmo aconteceu no passado mais distante, conforme registrado pela própria obra resenhada, pois grande parte das expedições abordadas teve iniciativa, apoio e participantes estrangeiros. No entanto, temos há algum tempo uma massa crítica instalada no país, dentro e fora da região amazônica, dotada da capacidade de estudar, conhecer e divulgar as suas singularidades e os seus significados em escala nacional, continental e global.

Resultado de um longo e abrangente trabalho de pesquisa e de um admirável esforço de síntese de escrita, este livro exemplifica essa capacidade. Foi composto por uma grande equipe de pesquisadores, consultores, tradutores, revisores, diagramadores, designers e técnicos em reprodução de imagens, trabalhando numa empreitada de longa duração. Embora seja principalmente uma obra de divulgação para um público ampliado, a alta qualidade dos textos e das ilustrações e o rigor da documentação das informações fazem dela uma rica fonte para estudos acadêmicos, monográficos e técnicos. Ela sobressairia mesmo se fosse apenas uma obra de divulgação, pela seriedade, pelo capricho e pela resolução impecável.

João Meirelles é escritor e ativista ambiental (dirigente do Instituto Peabiru), envolvido com diversas instituições do Terceiro Setor e participante de projetos de proteção de áreas naturais, dentro e fora da Amazônia. É autor de “O Livro de Ouro da Amazônia” (Ediouro, 2004). É o responsável pelo texto deste novo livro, que, com a ajuda de riquíssimas ilustrações, narra e costura entre si 42 expedições selecionadas que percorreram diferentes partes da Amazônia brasileira entre 1500 e 1930. Este amplo período é delimitado no seu início pelas primeiras viagens periféricas de navegadores europeus em torno da foz do rio Amazonas e, no seu final, pelas últimas expedições basicamente terrestres de Cândido Rondon até o coração continental da Amazônia.

Escolher essas 42 expedições, deixando de fora cerca de 30 outras, deve ter sido uma das tarefas mais difíceis do autor na montagem desta publicação, mas o seu esforço de síntese funcionou: permitiu que o livro ficasse dentro de dimensões razoáveis para o tipo de obra que ele pretendia fazer – um livro de textos, fartamente ilustrado e com o adicional de apresentar uma alta qualidade de impressão. Pode-se esperar, com fundamentadas razões, que a obra aqui resenhada vá merecer pelo menos um segundo volume, que inclua as três dezenas de expedições que, embora registradas e estudadas, ficaram de fora. Para dar a dimensão do contexto ainda maior de expedições na região amazônica, Meirelles teve o cuidado de listar, em breves verbetes que compõem um anexo, outras 525 viagens que percorreram trechos da Amazônia, muitas em territórios dos demais países que compartilham a Grande Amazônia com o Brasil. A amostra de expedições analisadas por Meirelles pode até ser considerada pequena em face desse universo enorme, mas a obra é de peso, pois parece ser única, pela sua abrangência e pela sua concepção.

O formato adotado na obra merece ser comentado, pois é sistemático e eficaz. Cada expedição analisada recebe um texto padronizado, acompanhado por uma programação gráfica que combina beleza e funcionalidade. O texto é distribuído por quatro colunas em cada página, com inserções de ilustrações que variam em tamanho, forma, natureza e cores – mapas, fotografias, gravuras e pinturas (com paisagens, animais, plantas), roteiros etc. Muitas ilustrações são de página inteira. Todos os textos contêm as mesmas seções – contexto, líder, colaboradores, percurso, obra (textos ou outros materiais produzidos pelos expedicionários), principais contribuições (literárias, científicas, econômicas, geopolíticas, etnográficas etc.) e as notas bibliográficas. As duas primeiras páginas referentes a cada expedição trazem, ao alto, informações adicionais e sintéticas sobre duração, financiadores e percursos. Cada ilustração é acompanhada da identificação de autores, das datas e da sua fonte original – livros, coleções de museus e arquivos, acervos científicos, acervos particulares, álbuns de exposições e muitas outras.

O autor explica brevemente, na introdução, porque incluiu alguns viajantes e excluiu outros. Ressalta que o critério principal foi o de incluir aqueles que “empresta[m] um novo olhar, nova perspectiva sobre a região, a partir de [suas] andanças” (p. 17). Ele buscou evitar redundâncias, fazendo variar as particularidades individuais e as missões dos expedicionários escolhidos – bandeirantes, clérigos, missionários, militares, demarcadores de fronteiras, cientistas (etnólogos, arqueólogos, botânicos, zoólogos, geólogos, linguistas), pintores etc. Fica patente que era impossível incluir todos. No entanto, em face da relevância dos aspectos humanos e naturais da região e da própria abundância de expedições e de documentação conexa, nenhum critério de seleção agradará a tantos leitores quanto a esperança de que Meirelles e a sua equipe produzam um ou mais volumes que incluam as expedições que a obra resenhada foi obrigada a excluir.

Dada a homogeneidade dos 42 relatos, é difícil destacar qualquer um deles. Algumas expedições e alguns expedicionários chamam a atenção exatamente por serem mais conhecidos – Pedro Teixeira, Condamine, Alexandre Rodrigues Ferreira, Spix e Martius, Langsdorff, Wallace, Agassiz e Rondon. Em outros relatos há ilustrações de qualidade excepcional que seduzem o leitor predisposto a usufruir de um livro tão ricamente ilustrado. As cristalinas fotos das expedições de Rondon, as suaves borboletas pintadas por Bates e as densas gravuras de Orton são exemplos disso.

Apenas para enriquecer a apreciação da obra, destaco o capítulo dedicado a Cândido Mariano da Silva Rondon (1865-1958), militar brasileiro, já que brasileiros propriamente ditos (como Couto de Magalhães, Euclides da Cunha e Mário de Andrade) formam uma pequena minoria dos líderes das expedições selecionadas. Além disso, Meirelles destaca que Rondon, entre todos os expedicionários estudados, foi o “grande viajante”, ou seja, aquele que percorreu as maiores distâncias, acumuladas ao longo de quatro décadas de excursões por áreas hoje incorporadas aos estados de Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rondônia, Acre, Amazonas, Pará, Goiás, Tocantins, Amapá e Roraima.

Meirelles registra outros feitos notáveis de Rondon. As suas numerosas expedições geraram abundantes 140 relatórios (mais de 20.000 páginas) e outros materiais impressos. Mesmo exercitando a sua notável capacidade de síntese, Meirelles se viu obrigado a dividir as numerosas expedições de Rondon em 14 ciclos, cada um dos quais abrange muitas viagens. Essas expedições foram também as maiores coletoras de materiais científicos e etnográficos depositados no Museu Nacional do Rio de Janeiro e em outras instituições. É relevante notar também que Rondon cumpriu uma grande variedade de missões em sua longa carreira de viajante – construtor de picadas e de linhas e estações telegráficas; produtor de documentação cartográfica; fornecedor de materiais para estudos científicos; demarcador de fronteiras internacionais; pacificador e protetor de indígenas; fundador e primeiro diretor do Serviço de Proteção ao Índio. Rondon exerceu até o curioso papel composto de líder expedicionário e guia do ex-presidente dos EUA, Theodore Roosevelt, que se incorporou como convidado do governo brasileiro a uma de suas mais difíceis expedições (ao rio da Dúvida). Roosevelt quase morreu nessa expedição e escreveu sobre ela um ótimo relato de viagem, com fartos elogios a Rondon. Dessa forma, Meirelles ajuda a recuperar a memória deste grande brasileiro que foi Rondon.

Resta dizer que o texto não tem uma ‘tese’ central a argumentar ou provar, conforme destaca o próprio autor na sua introdução. No entanto, seria errado dizer que o livro é meramente descritivo, pois nenhum autor, ao reunir, refletir sobre, selecionar e usar tantos materiais sobre uma região de tão grande complexidade poderia se comportar como um narrador descomprometido. Com efeito, o autor manifesta as suas preocupações e a sua atenção para com questões como a dizimação física, territorial e cultural dos povos indígenas da região, a repartição da região entre a soberania de vários países, a escassez de instituições científicas e de cientistas brasileiros instalados na e estudiosos da região, o papel do avanço das fronteiras agrícolas, pecuárias, mineradoras e madeireiras contemporâneas na degradação do bioma Amazônia, entre outras. No entanto, a alma do livro é a recuperação da memória e dos feitos dos expedicionários e das expedições.

Meirelles produziu um livro vitorioso que merece ser lido pelo público mais variado e amplo possível, desde estudiosos da Amazônia a cidadãos comuns, brasileiros da região e de fora dela e estrangeiros que se interessam por ela. Conforme sugerido acima, fica a esperança de que ele e sua equipe produzam um ou mais novos volumes que tratem de outros expedicionários e outras expedições, para assim enriquecer o acervo de produções nacionais sobre a Amazônia.

José Augusto Drummond – Doutor em Land Resources pela Universidade de Wisconsin, USA. Professor Associado do Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[MLPDB]

 

 

 

Priprioca: um recurso aromático do Pará – POTYGUARA (BMPEG-CH)

POTYGUARA, Raimunda Conceição de Vilhena; Zoghbi, Maria das Graças Bichara (Orgs.). Priprioca: um recurso aromático do Pará. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi/Universidade do Estado do Pará, 2008. 204 p. Resenha de: ALMEIDA, Samuel Soares. As pripriocas: seus aromas e suas estruturas. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v.5, n.1, jan./abr. 2010.

O livro “Priprioca: um recurso aromático do Pará” foi organizado por Raimunda Conceição de Vilhena Potyguara e Maria das Graças Bichara Zoghbi, da Coordenação de Botânica do Museu Paraense Emílio Goeldi, especialistas em diferentes aspectos da botânica amazônica. A primeira, doutora em Botânica Tropical, atua na investigação da morfologia interna de órgãos e estruturas vegetais de espécies com interesse econômico, tais como plantas fibrosas, alimentícias e aromáticas. A outra organizadora é doutora em Química Orgânica, com atuação em química de produtos naturais, especialmente na prospecção de espécies e identificação de substâncias e estruturas químicas de essências aromáticas, empregadas em perfumes e cosméticos.

A obra é um marco referencial do conhecimento científico e tecnológico sobre a priprioca (Cyperus articulatus L.), uma erva que cresce naturalmente em campos, áreas úmidas e costeiras, sendo também cultivada em pequenas áreas agrícolas, quintais e hortas caseiras. A priprioca é exclusivamente distribuída na Amazônia, concentrada no leste do estado do Pará, nos baixos cursos dos rios Acará, Moju e Tocantins; parte dos campos inundáveis do arquipélago do Marajó e das microrregiões do Salgado e Bragantina.

A obra é multidisciplinar e seus 12 capítulos podem ser divididos em três grupos de assuntos afins: o primeiro trata de aspectos taxonômicos, morfológicos e de distribuição geográfica. O segundo é direcionado ao entendimento de aspectos químicos e agronômicos, incluindo a propagação da espécie; e o último se refere às cadeias produtiva e comercial, bem como às informações sobre usos e botânica econômica.

Conhecida e comercializada há bastante tempo nas feiras e mercados da região, a priprioca, antes de se tornar de interesse para a indústria de perfumaria, era utilizada em pequena escala na preparação e composição de banhos de cheiro e perfumes artesanais, sendo o ‘cheiro-do-pará’ o mais requisitado deles, e em sachês e aromatizantes de roupas e armários. A obra reúne informações sobre aspectos científicos, tecnológicos e agronômicos recentes, produzidos em instituições científicas e acadêmicas públicas da região. Com ela toma-se conhecimento que a priprioca não é apenas uma espécie, mas pelo menos três – e que os seus rizomas, ou raízes subterrâneas, possuem células oleíferas, secretoras das substâncias aromáticas. A parte química revelou a identidade e as estruturas orgânicas dessas substâncias; suas propriedades alelopáticas, ou o efeito inibidor de seu extrato sobre a germinação de sementes e crescimento de mudas de outras espécies; e, ainda, a ação de contração muscular em cobaias. Os estudos agronômicos recomendam técnicas de cultivo e tratos culturais; propagação vegetativa através dos rizomas; densidade de plantio, produção e produtividade; cadeia produtiva, mercado; e informações sobre outros usos das pripriocas, além do aromático, na medicina tradicional e no artesanato.

A obra representa um avanço considerável para a domesticação da espécie, mas deve-se considerar e creditar que grande parte dos saberes e conhecimentos acumulados sobre os usos e o cultivo das pripriocas advém da experiência e das práticas tradicionais de erveiras, mateiros, perfumistas e pequenos produtores. Ainda há um longo caminho a ser percorrido a fim de disponibilizar mais informações sobre o cultivo da espécie, que permitam às pripriocas se constituir num recurso sustentável que possa ser produzido e comercializado numa escala mais abrangente de mercado.

Samuel Soares de Almeida – Mestre em Biologia (Ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Pesquisador Associado do Museu Paraense Em ílio Goeldi. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[MLPDB]

Caderno de Diretrizes Museológicas 2. Mediação em museus: curadorias, exposições, ação educativa – JULIÃO; BITTENCOURT (BMPEG-CH)

JULIÃO, Letícia; BITTENCOURT, José Neves (Orgs.). Caderno de Diretrizes Museológicas 2. Mediação em museus: curadorias, exposições, ação educativa. Belo Horizonte: Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais/Superintendência de Museus, 2008. 180p. Resenha de:  RANGEL, Marcio. Curadoria em museus: múltiplos olhares. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v.5, n.1, jan./abr. 2010.

O “Caderno de Diretrizes Museológicas 2 – Mediação em museus: curadorias, exposições, ação educativa”, publicado pela Secretaria de Cultura de Minas Gerais através da Superintendência de Museus, tem por objetivo promover, a partir de uma perspectiva multidisciplinar, um debate sobre as diferentes abordagens relacionadas com a mediação museológica, com especial ênfase nos processos curatoriais desenvolvidos pelos museus. Os artigos reunidos no livro propõem novas reflexões e interpretações para este tema, que, com a complexidade de sua natureza, tem sido objeto de variadas discussões.

A principal intenção dos organizadores e autores que compõem o livro é dar visibilidade às múltiplas possibilidades da curadoria, neste caso, por meio de artigos que apresentam diferentes perspectivas de compreensão do tema e, em outros momentos, evidenciam percepções convergentes.

Além de um texto introdutório de José Neves Bittencourt, que analisa a etimologia da palavra curadoria e apresenta a estrutura da obra, os trabalhos foram organizados em três partes, sendo a primeira composta por três artigos, a segunda por oito artigos e a terceira por um vídeo.

O trabalho de abertura é de autoria de Cristina Bruno, que inicia sua discussão com a análise do percurso conceitual do termo curadoria, tendo como referencial um olhar sobre os “diferentes tempos históricos, distintos campos de conhecimento e múltiplos usos” (p. 15). Após indicar a difícil tarefa de mapear a trajetória do conceito de curadoria, Bruno estrutura seu artigo pontuando algumas perspectivas: os aspectos do percurso histórico do conceito de curadoria que geraram heranças relevantes para a atual proposta de definição; os matizes de sua ampliação contemporânea e os reflexos desta herança; o delineamento do perfil profissional do curador e o desenvolvimento do processo curatorial dentro dos museus. Bruno afirma que sua análise tem como base uma perspectiva museológica.

No artigo seguinte, Nelson Sanjad e Carlos Brandão definem curadoria “como o ciclo completo de atividades relativas aos acervos, compreendendo a execução ou a orientação da formação e desenvolvimento de coleções, segundo uma racionalidade pré-definida por uma política de acervos…” (p. 25). Podemos perceber nesta definição a influência da experiência profissional dos autores, ambos vinculados a museus com forte tradição na formação de coleções de história natural: Museu Paraense Emílio Goeldi e Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo. O eixo central do artigo trata da relação da comunicação museológica com a política curatorial dos museus, priorizando os processos expositivos. Nesta análise, Sanjad e Brandão estruturam seus argumentos em três partes: a primeira apresenta a relação entre a história dos museus e o desenvolvimento dos acervos; nas seguintes, abordam a exposição como processo de comunicação, produtora de um discurso específico, incluindo neste processo a recepção do discurso pelos diferentes públicos.

Concluindo esta primeira parte da publicação, o artigo de Tereza Scheiner afirma que “não é possível tratar dos processos curatoriais sem, entretanto, definir que ideia de museu lhes serve de fundamento” (p. 36). Para Scheiner, a análise da trajetória do museu no quadro simbólico das diferentes sociedades é uma tarefa da Museologia, disciplina que, segundo a autora, “não tem como objeto de estudo os museus, ou a instituição museu, mas sim a ideia de museu desenvolvida em cada sociedade, em cada momento de sua história” (p. 40). De acordo com a autora, cabe à Museologia analisar as diferentes tipologias de museus atualmente existentes, “tratando de compreender em profundidade quais os contextos, razões e propósitos que as fundamentam, e buscando identificar como algumas delas se realizam hoje na sociedade contemporânea” (p. 43). Neste cenário, os processos curatoriais são compreendidos como “dispositivos técnicos, segundo os quais se realizam as funções intrínsecas a cada um destes tipos de museu” (p. 46).

A segunda parte da obra é aberta por Aline Montenegro e Francisco Régis, que analisam a curadoria de exposições em museus de história, mais especificamente no Museu Histórico Nacional e no Museu do Ceará. Os autores discutem os processos expositivos destas instituições e apresentam as diferentes possibilidades de abordagem de um tema histórico. Ressaltando a importância dos “indícios do passado”, apontam para a importância da “elaboração de problemáticas históricas sobre as relações entre passado, presente e futuro” (p. 49). Montenegro e Régis problematizam a combinação de imagens, objetos, textos e outros recursos na elaboração das exposições, tendo em vista que, segundo os autores, “tudo indica que há uma dependência da escrita para se chegar a certos sentidos do objeto” (p. 68). Além das múltiplas possibilidades e desafios do processo curatorial em museus de história, o artigo também ressalta a importância do caráter educacional neste processo.

A partir do campo da arte, Roberto Condurú discute os principais traços característicos do fazer artístico e problematiza as formas de comunicação adotadas pelos salões, bienais e museus. Percebendo os curadores como intermediários nas relações entre as obras, os artistas e os públicos, o autor aponta para o papel de destaque deste personagem na estratificação dos agentes do campo artístico. De acordo com Condurú, uma característica marcante dos tempos atuais é a percepção da exposição de arte como “uma obra em si, com autorias, teorias, práticas e histórias” (p. 76). Sendo assim, torna-se fundamental o equilíbrio entre a exposição como obra e as obras de arte exibidas entre o curador e os demais autores envolvidos.

Em um outro campo e tendo como referencial as exposições de ciência e tecnologia, Cátia Rodrigues Barbosa reflete sobre a capacidade comunicativa desta tipologia de acervo e o papel exercido pelo curador neste processo de comunicação. Para Barbosa, o curador é um comunicador que cria elos entre o visitante e o objeto.

Ao descrever a implantação do Museu Municipal de Pains, Gilmar Henrique, Pablo de Oliveira Lima e Márcio Castro destacam o caráter multidisciplinar do projeto curatorial da instituição. Tendo o acervo arqueológico como eixo central de todas as discussões, os autores apresentam as diferentes categorias estabelecidas pelo projeto que orientaram a formação do acervo e a organização expositiva do museu: “artefatos líticos polidos; artefatos líticos lascados; artefatos de cerâmica; restos humanos e artefatos fabricados sobre material orgânico” (p. 97). Deve-se destacar que neste artigo os autores discutem um processo curatorial amplo, ou seja, da criação de um museu, considerando neste processo a formação de seu acervo, sua missão, sua exposição permanente/longa duração; sua estrutura física e organizacional.

No artigo seguinte, Cláudia Penha e Marcus Granato, ambos do Museu de Astronomia e Ciências Afins, optam por discutir o conceito de curadoria de acervos museológicos. Os autores definem esta curadoria como um processo que se inicia com a coleta e culmina com a divulgação e disseminação dos acervos. Ao longo do artigo, Santos e Granato, além de apresentarem “opiniões formuladas por diversos autores sobre o papel do curador e da curadoria de acervos” (p. 124), afirmam que “o que precisamos é uma abordagem do trabalho curatorial que reconheça o inter-relacionamento dos objetos, pessoas e sociedades, e expressem essa relação em contextos sociais e culturais” (p. 113).

Ao analisar o Museu Histórico Abílio Barreto, Thaís Velloso e Thiago Costa problematizam o papel das exposições como produto final dos museus. De acordo com os autores, mesmo que reconheçamos o papel de destaque exercido por este modelo de comunicação, devemos tornar evidente a “articulação solidária” (p. 129) existente entre todas as ações desenvolvidas pela instituição. Entre as atribuições do curador, os autores destacam a pesquisa como parte integrante de suas responsabilidades, pois esta possibilita o adensamento do tema ou conceito que irá nortear a estruturação da exposição.

Em uma outra perspectiva, mas com o mesmo objeto de análise, ou seja, o Museu Histórico Abílio Barreto, Célia Regina Alves e Nila Rodrigues discutem “as atividades práticas de avaliação, organização e tratamento técnico das informações de acervos formados por documentos cujo suporte é o papel, observando também a conservação física dos mesmos” (p. 145). No processo curatorial de documentos textuais e iconográficos, Alves e Rodrigues destacam três aspectos básicos: a compreensão do processo de formação da coleção em si; a obtenção das informações contidas nas unidades documentais; e a elaboração da documentação museológica.

O último artigo do “Caderno de Diretrizes Museológicas 2”, de autoria de Magaly Cabral e Aparecida Rangel, aborda o tema da educação. Podemos afirmar que, de forma direta e indireta, esta questão transpassa todos os trabalhos desta publicação. Localizando a “curadoria educativa” dentro dos processos educativos definidos pelas instituições, as autoras afirmam que, assim como as demais curadorias abordadas nos artigos anteriores, a curadoria educativa também deve fazer parte do Plano Museológico (p. 165). De acordo com Cabral e Rangel, esta ação não estaria somente relacionada ao desenvolvimento de materiais complementares destinados a segmentos específicos de público, estendendo-se também aos processos de avaliação. Para as autoras, “a exposição deve ser um ponto de partida e não de chegada, na forma de comunicação com o público” (p. 168).

Com imagens de museus de diferentes regiões e variadas tipologias, o DVD que acompanha o livro apresenta de forma dinâmica e ilustrativa o depoimento de profissionais sobre curadoria. Apesar de ser estruturado em outra mídia e em outra linguagem, José Neves Bittencourt chama a atenção para o fato de que “o vídeo não é um complemento do livro” (p. 8). O mesmo deve ser considerado a terceira e última parte da publicação.

Finalizando, desejo destacar a contribuição desta obra para a prática curatorial desenvolvida nas instituições museológicas brasileiras. Os trabalhos apresentados nesta publicação enfatizam a necessidade de reinterpretar continuamente o próprio fazer expositivo e todas as ações derivadas desta prática. O “Caderno de Diretrizes Museológicas 2” é um convite reflexivo sobre um dos principais meios de comunicação dos museus.

Marcio Rangel – Doutor em História das Ciências e da Sa úde pela Fundação Oswaldo Cruz. Pesquisador do Museu de Astronomia e Ci ências Afins/MCT. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[MLPDB]

 

Bildungsbürger im Urwald: Die deutsche ethnologische Amazonien-forschung (1884–1929) – KRAUS (BMPEG-CH)

KRAUS, Michael. Bildungsbürger im Urwald: Die deutsche ethnologische Amazonien-forschung (1884–1929). Marburg: Curupira, 2004. 539 p. Resenha de: DRUDE, Sebastian. Expedições alemães que fundaram a etnologia da Amazônia. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v.5, n.1, jan./abr. 2010.

Existem hoje, no Brasil, várias instituições, especialmente universidades e museus, onde se realizam pesquisas científicas dedicadas à população nativa, suas culturas e línguas, em particular na Amazônia. É impossível se interessar por esta área de estudos sem conhecer bem os nomes de seus fundadores, entre eles muitos alemães, como Karl von den Steinen, Theodor Koch-Grünberg e outros. Mas quem eram esses ilustres personagens? Cientistas eruditos? Aventureiros? O que fizeram aqui, como se organizavam, como obtinham financiamento, como aproveitaram suas viagens? O que os motivou? Quais eram os principais conhecimentos buscados e obtidos por suas pesquisas? E por que a tradição etnológica alemã, que tanto prometia no século XIX, foi praticamente interrompida nos anos 1920?

Com esta obra, cujo título em português poderia ser “Burgueses de educação (ou de formação) na selva: a pesquisa etnológica alemã na Amazônia (1884–1929)”, o antropólogo alemão Michael Kraus1 apresenta um estudo completo e detalhado com algumas respostas para estas perguntas. Esta obra preenche uma lacuna, pois além de algumas notas bio- e bibliográficas (em especial as feitas no Brasil por Herbert Baldus e Egon Schaden), não há muito material disponível sobre os fundadores dos estudos científicos antropológicos e linguísticos sobre a população indígena das terras baixas da América do Sul2. No entanto, mesmo que hoje não seja um fato amplamente conhecido, esta área de estudos foi uma das mais destacadas no estabelecimento da disciplina ‘etnologia/antropologia’.

O estudo de Kraus tem quase 500 páginas, além de 35 páginas de referências. Estas proporções são indício de uma das características mais notáveis do livro: um grande cuidado e respeito pelas fontes originais e pelos seus autores. Apesar deste rigor científico exemplar (em média, três notas de rodapé por página, muitas com valiosas observações adicionais), o livro em nenhum momento é uma leitura seca ou chata – ao contrário, é muito bem escrito (a linguagem chega a ter qualidades literárias) e prende o leitor em todas as páginas.

O foco do trabalho são as viagens ou expedições dos pesquisadores alemães; as condições institucionais e pessoais constituem seu fundo; os resultados científicos são abordados de forma sucinta. O livro é estruturado em cinco partes, iniciadas por um curto prólogo que explica a ênfase e a abordagem escolhidas. A segunda parte, “condições básicas na Alemanha”, tem três capítulos: um apresenta os pesquisadores examinados; o seguinte, as instituições envolvidas; enquanto que o último analisa as motivações individuais e institucionais, a concorrência e o papel da então jovem disciplina ‘etnologia’, ainda em processo de constituição, discutindo, por exemplo, sua fixação em objetos etnográficos.

Os pesquisadores examinados são Karl von den Steinen, Paul Ehrenreich, Konrad T. Preuss, Theodor Koch-Grünberg, Max Schmidt e Fritz Krause (ao final do livro, o leitor parece conhecer estes pesquisadores como se tivesse convivido algum tempo com eles). São incluídos, ainda, mas com menos ênfase, três pesquisadores que não foram amazonistas ou que não foram cientistas profissionais: Hermann Meyer, Wilhelm Kissenberth e Felix Speiser.

A parte principal do trabalho, “expedições à Amazônia”, consiste de três capítulos extensos dedicados a três ‘passos’ das expedições: 1) os preparativos e a viagem até a América do Sul; 2) as viagens até a região dos índios; e 3) as pesquisas em si, no local de destino. Para cada etapa, Kraus organiza sua exposição em três ou quatro subcapítulos temáticos. Por exemplo, o sub-capítulo III.2.4, “Trabalhadores braçais de mula, lenha e remo: – Os ‘camaradas’ da ciência”, consiste de 25 páginas dedicadas às relações de cooperação, amizade, conflito, dependência e poder entre os pesquisadores e seus acompanhantes europeus, crioulos e indígenas. Analisa desde a quantidade de pessoas envolvidas (ao longo do tempo, as expedições levavam cada vez menos acompanhantes, o que ajudava a intensificar o contato direto entre os pesquisadores e a população nativa estudada, indicando que o ideal moderno da pesquisa de campo como experiência de imersão cultural já existia na época) até as personalidades e os estilos dos pesquisadores ao lidar com este aspecto das expedições. Para cada um destes aspectos, Kraus apresenta o que encontrou no rico material deixado pelos pesquisadores e, ao comparar diferentes expedições e relatos, identifica padrões e características individuais dos cientistas e de suas pesquisas. A maioria dos subcapítulos são estudos preciosos, que podem ser considerados separadamente, sem perder seus méritos.

A parte quatro, “a antropologia dos etnógrafos”, dirige seu foco sobre a história da ciência, analisando as ideias, a visão e as contribuições dos pesquisadores, sem, contudo, apresentar análise e avaliação abrangentes de seus resultados etnográficos e antropológicos, a partir das teorias e dos conhecimentos atuais. Em vez disso, os dois capítulos elucidativos desta parte, “metodologia e temática” e “teoria e visão global”, tentam se aproximar do native’s point of view – ou seja, da visão e concepção dos próprios pesquisadores estudados.

Isto, aliás, é um dos pontos mais marcantes do livro. Kraus sempre procura se aproximar dos pesquisadores que estuda como um etnógrafo deve se aproximar de uma população nativa – procurando um entendimento profundo e holístico, ciente das próprias limitações e do fato de não estar livre das influências de sua própria origem e formação, respeitando a visão ‘êmica’ em vez de julgá-los etnocentricamente ou, neste caso, ‘cronocentricamente’. Evidentemente, esta abordagem encontra seus limites nas fontes existentes – não foi possível para Kraus entrevistar os pesquisadores estudados e muito menos participar como observador das suas pesquisas (é interessante ver como os alemães eram, em geral, francos e honestos o bastante para admitir suas próprias limitações e falhas – o que contrasta com a visão muitas vezes difundida sobre eles, de acordo com a qual estes buscariam esconder os lados menos bem sucedidos de suas pesquisas, na suposta tentativa de construir uma imagem impecável).

O procedimento escolhido por Kraus tem o mérito de ser muito mais instrutivo do que a simples confirmação (ou não) das opiniões modernas difundidas sobre a etnologia do final do século XIX. Assim, um ponto que Kraus discute em várias passagens do livro é que, muitas vezes, o discurso moderno e supostamente ‘desmistificador’ sobre os fundadores da disciplina é, de fato, preconceituoso e algo arrogante, não conseguindo fazer jus à obra realizada e ao avanço científico que esta trouxe. Isto vale, em particular, para o discurso pós-moderno e desconstrutivista – em muitas ocasiões, em contraste com os nossos preconceitos, é possível perceber que os pesquisadores antigos tinham uma visão muito mais diferenciada dos ‘índios’ e de suas culturas do que a que seus críticos modernos têm destes pesquisadores.

Felizmente, Kraus raramente corre o risco de idealizar os pesquisadores alemães, e tampouco fecha os olhos diante de ideias ou comportamentos que são inaceitáveis, do atual ponto de vista (e, às vezes, também a partir de um ponto de vista humanista já existente na época). Em geral, os pesquisadores estudados surgem como humanistas e críticos do etnocentrismo e das crenças progressistas de sua época; e como pensadores independentes e, em vários aspectos, céticos das teorias universalistas (em particular, do evolucionismo e do difusionismo). Depois da Primeira Guerra Mundial, chegaram a ser pessimistas sobre a própria cultura ao compararem-na com as culturas indígenas por eles observadas. Este contraste entre ‘nossa’ cultura e as dos povos indígenas já era bastante visível nas próprias viagens, no contexto colonial e de exploração do interior da Amazônia, em particular durante o primeiro ciclo da borracha, que marca a época das viagens estudadas por Kraus. As pesquisas não deixaram de se realizar neste contexto violento, que, às vezes, era vantajoso para elas, outras vezes não. Isso não significa que as pesquisas fossem de motivação ou caráter colonialista ou explorador, como tantas vezes se proclama. Como Kraus mostra convincentemente, ao menos entre os pesquisadores interessados na Amazônia, a tradição humanista e liberal se manteve viva nos anos 1920. Os homens aqui abordados estavam muito mais preocupados em contribuir para a construção de conhecimento, universal sobre a diversidade cultural ainda existente, do que com interesses nacionais e imperialistas, econômicos ou missionários3.

Lamentavelmente, preconceitos contra pesquisadores do ‘primeiro mundo’ retornam, hoje, por exemplo, sob o rótulo de ‘combate à biopirataria’, no discurso nacionalista e também no discurso anti-imperialista e anti-globalização, supostamente progressista, colocando sob suspeita todo tipo de cooperação internacional. Este não é o único paralelo à situação atual que se pode estabelecer ao ler a obra de Kraus. Quem já fez expedições para estudar grupos indígenas pode ver as próprias experiências espelhadas nos relatos dos viajantes de 100 ou 120 anos atrás, por exemplo, quando são abordados problemas de financiamento ou de transporte, o ritmo diferente do tempo na viagem e ‘no campo’, e, em particular, os relacionamentos (sempre muito diversos e heterogêneos) com indivíduos e grupos indígenas. Estas relações são descritas muito vivamente pelos pesquisadores – e Kraus consegue transmitir esta plasticidade em seu trabalho.

Prosseguindo na comparação da situação da época com a de hoje: embora a população indígena tenha se mostrado, em geral, bem mais resistente do que se poderia imaginar a partir dos cenários pessimistas de alguns dos ilustres cientistas de um século atrás, a situação geral das populações amazônicas, inclusive no Brasil, não é muito animadora, pois continua a ser marcada pela dominação, pela ignorância, pelo desrespeito, pela negligência e, às vezes, pela violência brutal. Na época, como hoje, qualquer pesquisa que ignora esta realidade está condenada a ser julgada de forma negativa pela posteridade. Muito se perdeu nos últimos 100 anos. Assim, os relatos dos pesquisadores são, muitas vezes, as únicas fontes de informação sobre elementos culturais ou sobre grupos indígenas que não existem mais. Como o processo da globalização (interno e externo) está se acelerando cada vez mais, o risco de perder muito mais nos próximos 100 anos é iminente. Na época, como hoje, somente uma parcela pequena da sociedade está ciente destas questões, e muitas vezes não é fácil achar aliados e apoio substancial nas instituições estatais na tentativa de documentar e preservar a riqueza cultural e linguística ainda existente, tarefa cada dia mais urgente4.

Também neste sentido, há boas razões para crer que é lamentável que a tradição alemã da etnologia dos grupos indígenas que habitam as terras baixas da América do Sul não tenha conseguido se recuperar da ruptura que significou a Primeira Guerra Mundial. É deplorável que esta área de estudos não tenha conseguido estabelecer-se nas universidades alemãs (até hoje, na Alemanha, pouquíssimas cadeiras de Etnologia possuem professores com esta especialidade), sendo, posteriormente, quase esquecida nesse país, muito embora em outros, inclusive nos Estados Unidos5 e no Brasil, suas contribuições sejam valorizadas até hoje. No seu epílogo, Kraus reflete brevemente sobre os caminhos desta área de estudos na Alemanha depois da época delimitada pelo seu trabalho (de 1884 a 1929, anos da primeira expedição ao Xingu e da morte de Karl von den Steinen, respectivamente).

A única crítica que se poderia fazer às 500 páginas do livro de Kraus é a mesma que J. R. R. Tolkien acatou em relação ao seu “Senhor dos Anéis”: “O livro é curto demais”. Porém, era necessário, embora lamentável, que o livro se restringisse para poder ser finalizado e publicado. Seria muito bom podermos dispor de uma abordagem semelhante para os precursores (em particular, von Martius) e para alguns estudiosos que não faziam parte da comunidade científica alemã, não tendo sido, por isso, incluídos neste estudo. O próprio autor admite que, provavelmente, muitos iriam sentir falta de Curt Nimuendajú na lista dos estudados. Uma das maiores lacunas na historiografia da antropologia brasileira é a ausência de estudos detalhados sobre as viagens deste pesquisador e sobre os resultados que obteve, e a não publicação da sua volumosa obra inédita6 (o mesmo vale para outros pesquisadores, ainda falando de alemães, como Emilie e Emil Snethlage).

Em suma, o estudo de Michael Kraus é de grande valor e merece ser conhecido internacionalmente, sobretudo entre os antropólogos no Brasil. Por sorte, várias das obras dos ilustres alemães vêm sendo traduzidas e continuam nas listas de leitura dos cursos universitários. É desejável que o mesmo aconteça com o livro de Kraus.

Notas

1 O alemão Michael Kraus, que obteve seu doutoramento em 2002 em Marburg com uma tese que depois transformou neste livro, não deve ser confundido com Michael E. Krauss, linguista norte-americano baseado em Fairbanks, Alaska, que estuda as línguas nativas norte-americanas, nem com os desportistas alemães homônimos.
2 No Brasil, felizmente, existe o tomo editado por Vera Penteado Coelho (1993), embora este seja limitado aos estudos do Alto Xingu e, em particular, aos de Karl von den Steinen.
3 Nisto, Kraus confirma os resultados de Penny (2002), que salientam a visão humanista, anti-racista e o interesse pelo entendimento holístico, do ponto de vista êmico, das culturas humanas (no plural, já nos anos 1880), dominantes na etnologia na Alemanha entre 1870 e 1920.
4 Recentes iniciativas da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), como os projetos de documentação de línguas e culturas indígenas do Museu do Índio, são motivo para alguma esperança neste contexto. Ver http://prodoc.museudoindio.gov.br/.
5 Neste contexto, vale lembrar que Franz Boas recebeu uma parte importante de sua formação nos museus etnológicos alemães. Suas ideias anti-etnocentristas, que hoje são um dos pilares da antropologia moderna, mostram que ele, como também os pesquisadores aqui em foco, era parte da mesma tradição humanista pluri-culturalista alemã, iniciada por Herder e continuada por Wilhelm Humboldt e Adolf Bastian (Bunzl, 1996; Frank, 2005).
6 Existem poucos estudos em alemão sobre este pesquisador, notadamente Dungs (1991), que também merecem ser conhecidos no Brasil.

Referência

BUNZL, Matti. Franz Boas and the humboldtian tradition: from Volksgeist and Nationalcharakter to an anthropological concept of culture. In: STOCKING JR., G. W. (Org.). Volksgeist as Method and Ethic. Madison: University of Wisconsin Press, 1996. p. 17-78.         [ Links ]

COELHO, Vera Penteado (Org.). Karl von den Steinen: um século de antropologia no Xingu. São Paulo: EDUSP, 1993.         [ Links ]

DUNGS, Günther F. Die Feldforschung von Curt Unckel Nimuendaju und ihre theoretisch-methodischen Grundlagen. Bonn: Holos, 1991. (Série Mundus Ethnologie, v. 43).         [ Links ]

FRANK, Erwin. “Viajar é preciso”: Theodor Koch-Grünberg e a Völkerkunde alemã do século XIX. Revista de Antropologia, v. 48, n. 2, p. 559-584, 2005.         [ Links ]

PENNY, H. Glenn. Objects of Culture: Ethnology and Ethnographic Museums in Imperial Germany. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2002.         [ Links ]

Sebastian Drude – Doutor em Linguística pela Freie Universität Berlin. Dilthey-Fellow da Goethe-Universit ät Frankfurt e Pesquisador Associado do Museu Paraense Em ílio Goeldi/MCT. E-mail: [email protected] 

Acessar publicação original

[MLPDB]

Cultura Celta e Germânica / Brathair / 2010

Entendendo a cultura como um repositório das tradições, hábitos, costumes e objetos do cotidiano produzidos por um povo, dedicamos esta edição à cultura celta e germânica, com artigos e resenhas produzidas por docentes e pesquisadores de instituições do Brasil e da Europa.

Com relação aos germanos, dois artigos trabalham com a religiosidade cristã e a visão dos clérigos sobre os visigodos e os suevos. Enquanto Ronaldo Amaral (Univ. Fed. do Mato Grosso do Sul) se concentra nas “faces do mal” no relato hagiográfico Vita Sancti Frutuosi (VSF), Leila Rodrigues da Silva e Rita de Cássia Damil Diniz (Programa de Estudos Medievais da UFRJ) analisam o pensamento de dois bispos de origem hispânica, Idácio de Chaves e Isidoro de Sevilha, sobre os suevos, enfocando as suas atividades de pilhagem, relacionamento com o poder romano e com outras populações da região, segundo o pensamento desses religiosos, nas obras Crónica, de Idácio, e Historia de los Godos, Vándalos y Suevos, de Isidoro.

A construção da memória na Inglaterra relacionada ao passado anglo-saxão e celta, associado a imagens de heróis míticos, é abordada por Angélica Varandas (Univ. de Lisboa) e por Nazareth Lobato (Univ. Fed. do Rio de Janeiro). Varandas, com base na conceituação de Campbell sobre o herói, analisa as figuras de Beowulf e Gawain, mostrando suas características e os traços que proporcionam um rompimento entre o herói medieval e o da Antiguidade, além de enfatizar a importância daqueles dois guerreiros na constituição do passado inglês. Lobato analisa outro importante personagem, o anglo-saxão Robin Hood e sua construção na narrativa cinematográfica, em especial no filme The Adventures of Robin Hood (As Aventuras de Robin Hood), 1938, dirigido por Michael Curtiz e William Keighley.

Especificamente sobre a cultura celta, temos quatro artigos. A cineasta portuguesa Antonieta Costa, com base em tradições da ilha dos Açores reabilita a cultura imaterial de Portugal, que tem por base tradições célticas. Celia Ruiz (Univ. de Valladolid) analisa o papel das festas e banquetes na cultura irlandesa através das celebrações narradas no Leabhar na hUidre (The Book of the Dun Cow , c. XI) e Leabhar Laighneach (Book of Lecam, s. XII).

Monica Amin (Univ. Federal do Rio de Janeiro) aborda a importância do papel feminino entre os celtas. Amin analisa a imagem das mulheres e seu papel na educação dos jovens como mestras de armas, das artes, da magia e como iniciadoras sexuais, através das narrativas do Mabinogion (conjunto de contos galeses).

Quanto às resenhas, Pedro Paulo Funari (Univ. de Campinas) analisa o livro Les royaumes barbares em Occident (2010), de Magali Coumet & Bruno Dumézil, que constitui uma importante contribuição para a compreensão dos povos germânicos na Europa Ocidental e na formação do Feudalismo. Os autores contestam a visão tradicional das “grandes invasões” e da “queda de Roma” e defendem as relações de negociação entre romanos e germânicos e da sua penetração no império pelo sistema alianças (foedera) e hospitalidade (hospitalitas) a partir do século IV. Também discutem a influência do cristianismo de tipo ariano sobre esses povos e a formação dos reinos germânicos no século V.

Já Daniele Gallindo Gonçalves Silva (Otto-Friedrich-Universität Bamberg) discorre sobre o Livro de Peter Dinzelbacher, Warum weint der König? Eine Kritik des mediävsitischen Panritualismus, que aborda o panritualismo e a crítica do autor a esse tipo de “modismo” nos estudos na medievística alemã.

Desejamos aos leitores um verdadeiro mergulho no entrecruzamento das culturas celta, germânica e romana e convidamos a todos a uma excelente incursão nos artigos e resenhas do dossiê “Cultura Celta e Germânica”.

Adriana Zierer – Professora Doutora (UEMA). E-mail: [email protected]


ZIERER, Adriana. Editorial. Brathair, São Luís, v.10, n.2, 2010. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

Roman Barbarians: The Royal Court and Culture in the Early Medieval West | Yitzhak Hen

No livro em questão, Yitzhak Hen, professor da Ben-Gurion University of the Negev, em Israel, procurou demonstrar de que forma a alta cultura greco-romana permaneceu viva, mesmo depois de o Império Romano do Ocidente ter se “transformado” nos reinos bárbaros. A obra se inscreve, assim, na tradição historiográfica que acentua as continuidades entre as civilizações greco-romana e medieval, que discutimos de forma mais pormenorizada no número 9 (2) desta revista.[1]

O capítulo 1 (Introduction: A Series of Unfortunate Events) serve de introdução, discutindo sobretudo os entendimentos que, desde a Renascença, foram produzidos por historiadores e intelectuais a respeito do período entre os séculos III e VIII, hoje conhecido como “Antiguidade Tardia”.

Segundo o autor, a Antiguidade Tardia teria sido associada, durante a Renascença, através das obras de autores como Francesco Petrarca, Leonardo Bruni, Flavio Biondo e Andrea Bussi ao caos e à decadência. Essa visão pessimista teria sido reforçada no fim do século XVIII pela obra de Edward Gibbon (The History of the Decline and Fall of the Roman Empire). Somente no início do século XX, através do austríaco Alfons Dopsch (Wirtschaftliche und soziale Grundlagen der europäischen Kulturentwicklung von der Zeit Caesars bis auf Karl den Großen) e do belga Henri Pirenne (Mahomet et Charlemagne), tal perspectiva teria sido desafiada. Desde então, graças ao trabalho de historiadores como Henri-Iréneé Marrou (Saint Augustin et la Fin de la Culture Antique), teria surgido uma escola continuísta, cuja tese principal é a de que os reinos bárbaros que sucederam o Império Romano do Ocidente seriam resultado sobretudo de uma transformação no mundo romano e não da conquista militar. É nela que o autor se inscreve, reconhecendo, não obstante, que as recentes obras de Bryan Ward-Perkins (The Fall of Rome and the End of Civilization) e Peter Heather (The Fall of the Roman Empire. A New History) exigem que se pinte um quadro mais sangrento dessa transformação.

No capítulo 2 (Adaptation: The Ostrogothic Court of Theoderic the Great), o autor trata do papel do rei como patrono das artes na Itália ostrogoda. Teodorico teria sido capaz de manter viva a cultura romana ao convidar intelectuais eminentes como Boécio e Cassiodoro para o convívio na corte. A repercussão da produção intelectual desses homens teria feito com que o soberano ostrogodo se tornasse um modelo a ser emulado por reis “bárbaros” posteriores até o período de Carlos Magno.

O capítulo 3 (Out of Africa: The Vandal Court of Thrasamund) discute tanto a atitude do rei vândalo Trasamundo frente à tradição cultural clássica como seu papel de patrono das artes. Buscando apresentar-se como um autêntico romano, Trasamundo teria adotado a tradição imperial de patrocínio da alta cultura e fomentado até mesmo uma espécie de “renascença vândala”. Esta, por seu turno, teria sido caracterizada especialmente pela poesia, com destaque para a coleção de poemas conhecida como “Anthologia Latina” (produzida antes da conquista bizantina de 533), além das obras de Blóssio Emílio Dracôntio e Fabio Claudio Gordiano Fulgêncio.

No capítulo 4 (Before and After: The Frankish Court of Chlothar II and Dagobert I), o autor aborda a Gália Merovíngia. Para ele, os reinados de Clotário II e Dagoberto I, durante a primeira metade do século VII, teriam sido especialmente importantes na continuidade cultural entre os mundos romano e medieval. A aliança então estabelecida entre as cortes reais, as elites locais e o movimento monástico iniciado por Columbano teria resultado em uma explosão da produção literária. Esta, por sua vez, teria permitido uma estável transição da vida intelectual da esfera laica para a eclesiástica no reino franco.

O capítulo 5 (Music of the Heart: The Unusual Case of King Sisebut) trata do reino dos visigodos na Hispânia durante o primeiro quartel do século VII. Os visigodos, recém convertidos ao catolicismo, teriam sido os primeiros entre os sucessores dos romanos a buscar um consenso de base político-religiosa. Esse projeto teria sido levado a cabo através de uma estreita aliança entre o rei e a Igreja, na qual se destacaram personagens como o rei Sisebuto e o arcebispo Isidoro de Sevilha. Como a Igreja controlava a produção intelectual, o patrocínio da alta cultura teria passado a estar diretamente relacionado com a legitimação da autoridade do monarca.

No capítulo 6 (Postcards from the Edges: A Prelude to the Carolingian Renaissance), o autor discute como Desidério (rei dos lombardos), Tassilo III (duque da Bavária), Offa (rei da Mércia), Alfonso II (rei de Galícia e Astúrias) e mesmo Harun aRashid (califa abássida de Bagdá) puderam ter sido tomados por Carlos Magno como exemplos recentes de sucesso no patrocínio das artes. Todos eles, em conjunto com os soberanos bizantinos, teriam sido os principais responsáveis pela manutenção da produção literária e artística de alto nível nos séculos VIII e IX.

O breve capítulo 7 (Conclusion) conclui a obra e nele o autor reitera sua tese de que a continuidade da produção intelectual nos séculos que se seguiram à “transformação” do Império Romano do Ocidente nos reinos bárbaros deu-se sobretudo graças ao patrocínio dos soberanos ostrogodos, vândalos, francos e visigodos. Cada um deles teria dado seguimento à tradição romana na qual o imperador assumia o papel de patrono das artes. Tais esforços, embora muitas vezes colocados em segundo plano quando comparados aos de Carlos Magno, teriam resultado no estabelecimento dos múltiplos centros de ensino que foram indispensáveis para que ocorresse a chamada “renascença carolíngia”.

A obra não deixa qualquer dúvida quanto ao amplo conhecimento e à visão de conjunto de seu autor. Há, contudo, algo a se dizer sobre a generosidade de sua avaliação da produção intelectual pós-romana. É no mínimo curioso como, para ele, algo aparentemente prosaico como a produção de um conjunto de poemas (como no caso da “Anthologia Latina”, no reino dos vândalos) possa implicar na continuidade da tradição clássica. É como se, para ele, a cultura greco-romana, que mesmo na Antiguidade Tardia produzira sistemas de pensamentos complexos como os neoplatonismos de Plotino e Proclo, ou mesmo um historiador do calibre de Amiano Marcelino, pouco tivesse perdido nos séculos seguintes, a despeito da relativa simplicidade da produção intelectual dos reinos de ostrogodos, vândalos, francos e visigodos. Diante disso, nos parece inevitável a dúvida sobre se o autor não tem a cultura greco-romana na devida conta ou se supervaloriza a produção intelectual da Europa ocidental nos séculos VI, VII e VIII.

Nota

1. SARTIN, Gustavo H. S. S. O surgimento do conceito de “Antiguidade Tardia” e a encruzilhada da historiografia atual. Brathair, n. 9 (2), 2009, pp. 15-40. Disponível em: http://www.brathair.com

Gustavo H. S. S. Sartin – Mestrando em História e Espaços UFRN. E-mail: [email protected]


HEN, Yitzhak. Roman Barbarians: The Royal Court and Culture in the Early Medieval West. Basingstoke and New York: Palgrave Macmillan, 2007. Resenha de: SARTIN, Gustavo H. S. S. Yitzhak Hen e a continuidade cultural nas cortes bárbaras pós-romanas. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.10, n.1, p. 145-147, 2010. Acessar publicação original [DR]

Pergaminho | UNIPAM | 2010

Pergaminho Los gobiernos progresistas latinoamericanos

A Pergaminho (Patos de Minas, 2010-), em seu primeiro número, veio inicialmente substituir a revista Fazendo História que, durante muitos anos, foi o periódico discente do curso de História do Centro Universitário de Patos de Minas (UNIPAM). Portanto, a Pergaminho nasceu por iniciativa do colegiado de curso como um espaço para divulgação de artigos científicos dos discentes e egressos dos cursos de História.

A partir de 2011, o quadro de interesses da revista ampliou-se e a Pergaminho também se tornou uma revista de estudos pedagógicos. Assim, passou a constituir-se de uma coletânea de artigos, versando sobre múltiplos temas no campo do conhecimento histórico e pedagógico, das metodologias e práticas educacionais em História e Pedagogia e do debate historiográfico.

Sua periodicidade é anual e a revista é aberta a acadêmicos das áreas de História e de Pedagogia ou de áreas afins (Sociologia, Antropologia, Ciências Políticas), de qualquer instituição. Esperamos contribuir no sentido de incentivar a pesquisa nos cursos de graduação, apontando para a necessidade dos discentes de galgar novas etapas da vida acadêmica. O alcance, a visibilidade e a agilidade de uma produção acadêmica online, além de contar com a abnegação de conselheiros indiscutivelmente credenciados, nos moveu a apostar nessa aventura.

[Periodicidade anual].

Acesso livre.

ISSN 2178-7654 (Online)

Acessar resenhas

Acessar dossiês

Acessar sumários

Acessar arquivos

Tiempo Histórico | UAHC | 2010

Tiempo Historico Los gobiernos progresistas latinoamericanos

Revista Tiempo Histórico (TH) es una publicación semestral (junio – diciembre) de la Universidad Academia de Humanismo Cristiano. Es una revista de carácter académico, que recibe solo artículos inéditos centrados en Historia de Chile, Historia de Ibero América y en temas de orden teórico y metodológico. La publicación está abierta a recibir contribuciones tanto desde la Historia como de otras disciplinas afines a la misma, tales como: Sociología, Antropología, Arqueología e Historia del Arte.

Las contribuciones que recibe TH forman parte de las siguientes secciones:

Artículos: Se incluyen artículos originales que no estén siendo evaluados simultáneamente en otras publicaciones; avances y resultados de proyectos de investigación, ensayos críticos y discusión de fuentes históricas.

Reseñas: Las reseñas deben ser críticas y versar sobre libros pertinentes para la disciplina histórica, las ciencias sociales y humanas y que hayan sido publicados en los últimos cinco años. El equipo editorial revisa cada una de las reseñas y, de ser aprobadas, pasan al proceso de edición y diagramación.

Tiempo Histórico está dirigida a investigadores, profesionales, académicos y estudiantes de postgrado y pregrado interesados en la creación y reflexión de conocimiento histórico.

Tiempo Histórico se encuentra en los siguientes índices, bases de datos, directorios y catálogos:  DOAJ. Directory of Open Access Journals.; ERIHPlusMIARLATINDEX. Catálogo v1.0 (2002 – 2017); CLASELATINDEX. Directorio; EBSCO host; DIALNET;  BIBLATSHERPA/RoMEOFLACSO REDIVJOURNAL TOCsKYUSHU LibraryOPAC plusORBIS; EZ3AcademicKeysREDIBKANAZAWA.

Periodicidade semestral

Acesso livre

ISSN 0719-5699

Acessar resenhas

Acessar dossiês [Não publicou dossiês até 2021]

Acessar sumários

Acessar arquivos

Countering development. Indigenous modernity and the moral imagination – GOW (A-RAA)

GOW, David D. Countering development. Indigenous modernity and the moral imagination. Durham: Duke University Press, 2008. Resenha de: RAMÍREZ, María Clemencia. Antípoda – Revista de Antropolgía y Arqueología, Bogotá, n.10, jan./jun., 2010.

Este libro gira alrededor del concepto de desarrollo, de su apropiación, resignificación, refutación y replanteamiento por parte de tres comunidades indígenas Nasa reasentadas después del terremoto que se presentó en Tierradentro (Cauca) en 1994, así como por parte de los Nasa del norte del Cauca. Es central en el planteamiento del autor el llamar la atención sobre cómo el desastre natural les ofrece a estas comunidades la oportunidad de rehacerse a sí mismas y a su cultura de maneras innovadoras, recreando el pasado histórico específico a cada una de ellas en nuevos contextos. La cultura se torna así en elemento clave no sólo para entender la percepción de los miembros de las comunidades Nasa del mundo donde viven sino también sus ideas e imaginarios morales sobre lo que constituyen el desarrollo y la modernidad. Señala además el autor que la resistencia indígena ha sido forjada por la violencia, lo cual en vez de limitarlos los ha hecho esforzarse por mejorar la situación “como una forma de responsabilidad moral con el mundo en el que viven y así, aunque la amenaza y la presencia de la violencia son algo dado, no son vistas como inmutables” (pp. 15-16). Como resultado, esta resistencia a la violencia crea nuevos espacios y nuevas oportunidades, al igual que el desastre natural, resaltando una vez más la capacidad creativa de los grupos indígenas del Cauca.

El autor cuestiona el argumento de Spivak (1988) sobre que el conocimiento local simplemente refleja los intereses del poder local y que sus subalternos no pueden planificar porque pierden su perspectiva subalterna al hacerlo, al demostrar cómo “las personas de la localidad que hablan y planifican están seria y genuinamente interesadas en ser oídas en ‘nuestros’ términos, aun cuando totalmente conscientes de que las prioridades que defienden son sólo parte de su modelo de la modernidad” (p. 175), y debate con este planteamiento la visión de dominación absoluta que niega la agencia de los sujetos, y sobre todo pone en el centro del análisis el que los Nasa se encuentren situados entre dos mundos. Esta tensión entre responder a los lineamientos establecidos por el Gobierno para elaborar los planes de desarrollo y presentar sus propias propuestas, muchas veces en contravía de los requerimientos gubernamentales, se evidencia en el análisis de los textos de los planes de desarrollo, por cuanto, aunque éstos tienden a responder a los requerimientos del Estado, existe al mismo tiempo otro proceso de planificación para la comunidad, donde priman sus prioridades. Según el autor, este último proceso de planificación ofrece la oportunidad de subvertir el statu quo, al privilegiarse el conocimiento local, tal como se evidencia en el proceso de planificación para la educación y en la concepción de la economía solidaria Nasa, la cual sólo puede entenderse entonces como resultado de esta situacionalidad entre lo tradicional y lo moderno.

Es siguiendo este presupuesto que “En el Cauca el movimiento indígena y sus seguidores sostienen que para que Colombia sea considerada una nación moderna, el Estado debe no solamente acoger la diferencia sino también ser más inclusivo y tratar a toda su gente como ciudadanos con los mismos derechos y deberes” (p. 12), lo cual reitera la condición de los Nasa de encontrarse situados entre dos culturas, de manera que para ellos no basta solamente su reconocimiento étnico sino que demandan al Estado su reconocimiento como ciudadanos con derechos, pero sobre todo exigen reconocimiento y justicia social. Estas demandas de los Nasa trascienden las necesidades económicas, lo cual explica la importancia inusitada que toma la educación bilingüe en las tres comunidades estudiadas como forma de fortalecimiento y recreación de su identidad étnica. Esta importancia conferida a la educación lleva al autor a argumentar que se trata de una forma de contradesarrollo, concepto central del libro que discute en detalle en el capítulo 4 y que en términos generales se refiere a la creación en la localidad de modernidades alternas a la hegemónica. Por otra parte, la educación es definitiva en el establecimiento de las diferencias de las comunidades estudiadas, en cuanto a su proyección como comunidades indígenas en el contexto de la nación colombiana.

Para la comunidad de Tóez Caloto, a una hora en carro por carretera desde Cali, su visión de futuro se enfoca en preparar a los niños para manejar el siglo XXI y, por lo tanto, no enfatiza la preservación de la cultura Nasa sino su reinvención “como un medio para tratar en sus propios términos con la modernidad, ni indígena ni desindigenizada, sino como Nasa modernos” (p. 132).

La comunidad de Juan Tama, ubicada en medio de colonos mestizos, se encuentra lejos de los centros urbanos, en la frontera entre los departamentos del Cauca y del Huila, y usa la educación indígena como la base de lo que en esencia es un proyecto cultural y político, puesto que en su escuela primaria se recrean aspectos y componentes importantes de la cultura Nasa que mantienen unida a la comunidad.

Por su parte, la comunidad de Cxayu’ce, a menos de una hora de Popayán, ha mantenido estrechos vínculos con su comunidad de origen y se identifica como Nasa, sin que medie una posición ideológica al respecto, es decir, no hacen manifiesto un proyecto de reconstrucción indígena como Tóez Caloto, y aunque tiene su propio colegio de primaria, la educación en Cxayu’ce no es una obsesión, como sí lo es en las otras dos comunidades, de manera que los maestros son tanto Nasa como mestizos, y el colegio acepta a todos los niños del lugar que quieran estudiar allí.

En el capítulo 6 el autor amplía su análisis al abordar desde una perspectiva histórica la resistencia indígena en el Cauca, desde el movimiento de la Quintinada de principios del siglo XX dirigido por Quintín Lame, pasando por el Movimiento Armado Quintín Lame de principios de la década de los ochenta, que se desmoviliza en 1991, hasta el establecimiento en 1999 de La María: Territorio de Convivencia, Diálogo y Negociación, ubicado estratégicamente en un alto que mira hacia la Carretera Panamericana. Este último es considerado por el autor como un espacio político alternativo, y sobre todo, como sitio contrapúblico subalterno, en el sentido que le da Nancy Fraser a este término, el cual se legitima al ser presentado por los Nasa como continuación de su larga e histórica lucha por la paz, la justicia y la inclusión, y aun cuando tiene su origen en el movimiento social indígena del Cauca, “busca representar un sector mucho más amplio de la población, conformado por los marginados, los desposeídos y los sin voz, lo cual se constituye en fundamento de lo que puede llegar a ser una forma más justa de desarrollo” (p. 204), evidenciando así la existencia de una “imaginación moral” que permite a los Nasa establecer empatía con las dificultades de otros sectores de la población colombiana. En este orden de ideas, sostiene el autor que La María ha continuado sirviendo como el lugar donde se desarrollan y se ponen en práctica posiciones sobre principios y reformas más amplios que afectan el país como un todo, ejemplo de lo cual es el Plan Alterno del Cauca para el período 2001-2003, correspondiente a la gobernación del indígena guambiano Floro Tunubalá, donde se presentó una propuesta sobre cómo podría reformarse el Cauca como departamento, que fue presentada y discutida en La María. El autor logra con este recorrido en el tiempo y el espacio no sólo presentarle al lector la complejidad de la agenda política, social y cultural del pueblo Nasa sino su importancia como vocero de los sectores marginados del país y como promotor de una política radical de ciudadanía inclusiva.

Por último, quisiera detenerme en el primer capítulo del libro, titulado “Más que unas notas de campo comprometidas: colaboración, diálogo y diferencia”, donde el autor presenta una detallada y amplia reflexión metodológica sobre las implicaciones del trabajo de campo antropológico, por considerar que este capítulo se torna en sí mismo en un documento muy válido para ser utilizado en cursos de metodología de campo, pues desmistifica el trabajo “objetivo y neutral” del investigador y lo trae al plano de la experiencia personal, que muchos de nosotros evitamos tratar a fondo. De una manera muy sincera el autor nos transmite sus sentimientos, contratiempos, dudas y ambigüedades frente a la toma de posiciones, críticas a su trabajo por parte de miembros de la comunidad, peligros al transitar zonas con presencia de actores armados, y otras situaciones que se le presentaron en el desarrollo de su trabajo de campo y con las cuales muchos antropólogos se identificarán. No sólo se refiere al trabajo de campo realizado para este libro sino que nos cuenta experiencias anteriores vividas cuando realizaba su observación participante en una comunidad indígena en Perú y sus dificultades para lograr la confianza de la población, y los malentendidos que se presentaron. En este recorrido personal, el autor retoma reflexiones metodológicas que otros reconocidos antropólogos han hecho sobre el trabajo de campo, y entra a detallar discusiones sobre las notas de campo, el compromiso o no del antropólogo con las comunidades, la antropología aplicada, los talleres comunitarios como lugares para realizar trabajo de campo, la autoridad que se le confiere al investigador o la que éste considera que tiene, así como las decisiones que se deben tomar al escribir la etnografía. En la última parte del capítulo el autor plantea que va a llevar a cabo un trabajo colaborativo tanto con los miembros de las comunidades objeto de estudio como con antropólogos nacionales, como “una forma de investigación moral, comprometida e involucrada pero crítica” (p. 58), la cual también es objeto de discusión al señalar las limitaciones y ganancias que se pueden presentar con el uso de esta metodología, así como a quién beneficia, y la pone a consideración del lector presentando la transcripción de discusiones que tuvo con los dos investigadores indígenas del grupo de investigación en el que participó entre 1999 y 2001, lo cual enriquece aún más este capítulo de reflexión metodológica.

En general, el libro se convierte en una oportunidad para el autor, no sólo de reflexionar sobre su trabajo de investigación como antropólogo sino también como planificador y asesor del desarrollo, por cuanto pudo desempeñarse como consultor del Banco Mundial y de la FAO, entre otros organismos internacionales, lo cual le permite estar bien informado sobre las implicaciones de la implementación de programas de desarrollo, manejar la bibliografía académica al respecto y no sólo ser crítico sino aportar a las discusiones que se han adelantado y se siguen planteando en el tema de la antropología del desarrollo. Vale la pena terminar informando que una traducción del libro al español será publicada en agosto de 2010 por la editorial de la Universidad del Rosario de Bogotá.

María Clemencia Ramírez

Referências

Spivak, Gayatri Chakravorty 1988. “Can the Subaltern Speak?”, en Cary Nelson y Larry Grossberg (eds.), Marxism and the Interpretation of Culture. Urbana, University of Illinois Press, pp. 271-313.        [ Links ]

Acessar publicação original

[IF]

 

Diccionario Enciclopédico de la Medicina Tradicional Andina. Del Noroeste Argentino al Conurbano Bonaerense – PALMA et al (C-RAC)

PALMA, Néstor Homero (Director); TORRES, Graciela F.; SANTONI, Mirta E.; FONTÁN, Liliana Madrid de Zito. Diccionario Enciclopédico de la Medicina Tradicional Andina. Del Noroeste Argentino al Conurbano Bonaerense. Salta: Instituto de Investigaciones en Antropología Médica y Nutricional, 2006. 279p. Resenha de: LOZA, Carmen Beatriz. Chungara – Revista de Antropología Chilena, Arica, v.41, n.2, p.313-315, dic. 2009.

Un notable vacío sobre medicina tradicional sudamericana se reconoce y completa en el Diccionario Enciclopédico de la Medicina Tradicional Andina del Noroeste Argentino al Conurbano Bonaerense. Desde la Argentina, dos biomédicos y un grupo de estudiosos nos ofrecen un importante catálogo de 476 entradas con noticias sobre materiales minerales, animales y recursos humanos; además de especies vegetales empleadas con fines medicinales por los terapeutas indígenas, particularmente los médicos itinerantes kallawayas, en el Noroeste de la Argentina (cf. Palma et al. 2006:33-270).

El diccionario está compuesto por tres cuerpos distintos pero complementarios, para aportar a la antropología y suministrar información histórica del fenómeno cultural de la medicina tradicional, a pesar de la ausencia de reconocimiento en los medios académicos oficiales argentinos. El primer cuerpo es una presentación y una introducción para exponer los lugares donde se recogió la información; además, entrega elementos explicativos sobre las “teorías” etiológicas presentes en la nosología médica tradicional andina, a partir de una terminología exclusivamente biomédica. El segundo cuerpo, de mayor volumen, está compuesto por un total de 476 entradas que no sólo son noticias sobre recursos medicinales, sino también sobre patologías (p.ej., alseduras, quedao, mala fuerza); patologías culturales (p.ej. ojeadura, ojeo, sopladura, susto); expertos (p.ej. kallawaya, curandero, curandero particular, camposino) y otros conceptos (p.ej. flechado de la casa). Algunas de las entradas se caracterizan por presentar un sentido unívoco, lo cual es signo de simplificación. Así, sahumerio no sólo es el “conjunto de elementos vegetales, animales, minerales y biológicos de carácter terapéutico que se queman en el acto terapéutico” (Homero Palma et al. 2006:193). Habría que agregar que sahumerio es la designación genérica de todos aquellos expertos que muñidos de un brasero realizan curaciones en el ámbito de las enfermedades, los padecimientos y los infortunios. Ahondar en la diversidad de sentidos, en los matices y en los contrastes del espacio geográfico de estudio habría enriquecido este cuerpo del diccionario. En esa línea, era necesario eliminar la categorización de cada noticia. Por ejemplo, la coca no sólo puede ser categorizada en farmacología, pues sus usos rituales y alimenticios son amplísimos en el mundo andino. Al mismo tiempo, los autores debieron ponerse de acuerdo en el tipo de noción conceptual que primaría a lo largo de la obra. La ambigüedad radica en el empleo simultáneo de sistema médico (cuyo paradigma está en crisis a pesar de su funcionalidad) y medicina folklórica (ampliamente superada en los estudios andinos).

Un anexo documental es el tercer cuerpo, conteniendo 193 noticias extractadas de la Historia del Nuevo Mundo (1653) del jesuíta Bernabé Cobo (1580-1657)1 (Cobo 1964 [1653]. Sin lugar a dudas, el extracto cumple varios objetivos: En primer lugar, facilitar a los estudiosos un compendio de la voluminosa obra de Cobo, cuya edición es antigua y de difícil acceso, a pesar de las reediciones que le sucedieron después del siglo XIX. En segundo lugar, se documenta que ciertos materiales habrían “caído en desuso o no han sido introducidos en el Noroeste Argentino”. Tal documentación se hace veladamente, pues es el lector quien debe constatar y confrontar el listado de los autores con el de Cobo, en vista de la ausencia concreta de especificaciones sobre los cambios operados en el empleo de productos medicinales (cf. Palma et al. 2006:227-270).

La comprobación de que en el Noroeste Argentino existe un vigoroso sistema médico no oficial de raigambre andino, que sería una opción al Sistema Nacional de Salud Argentino, da nacimiento al Diccionario Enciclopédico. Por esa razón, los estudiosos indagan en el vasto territorio de la puna jujeña, salteña y catamarqueña; en los valles Calchaquíes en jurisdicción de las provincias de Salta, Tucumán, Catamarca y la selva Tucumano-Oranense (desde el norte de la provincia de Salta, Jujuy y norte de la provincia de Tucumán), localidades del conurbano bonaerense y el Departamento de La Paz en Bolivia (Palma et al. 2006:20).

Según los autores, es necesario comprender un “complejo sistema de ideas de naturaleza heterogénea”, para entender los sistemas médicos andinos tradicionales. Tales sistemas corresponderían a la concepción mítica del número, al poder de la palabra, pues las prácticas terapéuticas están intrínsecamente relacionadas con los signos, los objetos potentes y la magia. Más aún, no deja de estar vigente el concepto topográfico de la enfermedad, las patologías cuya etiología puede adscribirse a la teoría de las emanaciones (p.ej. Pilladura de la tierra2 y la aicadura3). Obsérvese, entonces, que las enfermedades mentales tanto la locura (psicosis y neurosis) como el retraso mental (oligofrenias endógenas y exógenas) son la derivación secundaria de otra patología: consecuencia de un susto, de lapilladura de la tierra, del robo del alma por el Diablo o de una brujería (Palma et al. 2006:26).

La distinción entre aquellos principios que rigen a los sistemas médicos constituye el motivo principal de la introducción del libro. Quizá la centralidad otorgada a ese tema permita explicar la carencia de especificaciones concretas acerca de dos cuestiones fundamentales: la unidad de estudio y las unidades de análisis. Son escasas las infomaciones sobre los límites no sólo conceptuales sino también empíricos de su tarea. Explorando cada una de las noticias se deduce que alguna información proviene de entrevistas y de observaciones de campo, pero la gran mayoría de los datos son transcripciones de estudios secundarios provenientes de una bibliografía antropológica, etnográfica y médica andina.

En ese sentido, habría sido de mucha utilidad la consulta de varias obras, por ejemplo, la obra fundacional del antropólogo francés Louis Girault: Kallawaya: guéris-seurs itinérants des Andes; recherches sur les pratiques medicinales etmagiques ([1984], 1987), pues es lamas ambiciosa recolección publicada sobre vegetales, materiales animales, minerales y recursos humanos utilizados por los kallawayas entre 1956y 1965.Las 1.134 noticias recogidas por Girault habrían, por un lado, alimentado el diccionario con relación a los usos de esos elementos para la prevención y curación de las enfermedades; por otro lado, habrían permitido a los autores realizar comparaciones acerca de las aplicaciones específicas verificadas en los contextos culturales de la actual Argentina y, sobre todo, aprovechar de los elementos que ofrece Girault para identificarlos. Destaco este aspecto, porque la descripción material de los elementos en cada noticia es un componente omitido en el Diccionario enciclopédico donde únicamente presentan el identi-ficador nominal, enfatizando después en los empleos terapéuticos generales (Girault 1984)4. Por ejemplo, la Jaientilla conocida popularmente como piedra bezoar es presentada como si se tratara de un material homogéneo. Mientras que los especialistas indígenas la diferencian, según su propia taxonomía, entre masculinas y femeninas por su forma, coloración y tamaño, de tal suerte que los elementos descriptivos son esenciales para comprender su función preventiva y curativa (Loza 2007).

Reproducir una parte del texto de Cobo es una elección que debió justificarse y explicarse de manera contundente. El lector no tiene información para comprender que las 193 noticias extraídas de la Historia del Nuevo Mundo (1653) no reproducen la totalidad de los recursos de uso medicinal señalados por el jesuíta. Las noticias que aparecen en el diccionario apenas significan el 36,8% de un total de 524.

Además, el lector carece de elementos para entender que Cobo no es el único autor que realizó una recolección en las Indias de los siglos XVI y XVII. Es importante aclarar que la publicación de la Historia del Nuevo Mundo, de difusión europea a fines del siglo XIX, no incentivó de manera contundente los estudios de farmacopea. Es más, a nivel local los estudiosos se dedicaron a trabajar sobre la materia, de manera independiente y solitaria, a medida que sentaban presencia las grandes expediciones oficiales y que éstas se convertían en el centro de intereses públicos, políticos y comerciales de las élites europeas. No se olvide que la historia natural y la medicina formaban parte de múltiples intereses para controlar tanto la naturaleza como la sociedad.

Igualmente, está ausente de la bibliografía el texto del siglo XVIII de un médico criollo, Gregorio de Losa Ávila y Palomares ([1783], 1983), que ejerció en Potosí. Esta fuente hubiera sido de mucha utilidad no sólo para cotejar con la información que ofrece Cobo, sino también para conocer los productos que circulaban desde la Argentina hacia Potosí y que De Loza tuvo la oportunidad de conocer. Recuérdese que este autor ofrece una colecta de 206 noticias (Losa Ávila y Palomares 1983 [1727-1780]). De igual manera, habría sido útil la publicación de un autor anónimo que en Charcas escribió entre 1790 y 1815, sobre productos medicinales, muchos de los cuales se utilizaban en Argentina, quien también acopió noticias, sumando un total de 290 elementos para la curación de 268 enfermedades citadas (Anónimo 1989 [1790-1815]).

El aporte del Diccionario Enciclopédico es esencial, pues ofrece explicaciones de las particularidades locales en los usos preventivos y curativos de los remedios que los médicos tradicionales utilizan en la Argentina. La terminología local volcada en el diccionario es prueba de la riqueza de los aportes de varias tradiciones médicas. Esta contribución es una invitación para realizar una colecta sistemática a nivel andino, en el marco de una presentación dentro de las lógicas tradicionales que no necesariamente fuercen una traducción conceptual o terminológica. Labor que es urgente ante la acelerada desaparición de los terapeutas tradicionales, en una época en que asistimos a una arremetida de la biomedicina que empieza a hegemo-nizar en materia de políticas públicas; que intenta, por así decirlo, desplazar la esencia por el signo.

Notas

1 cf. Luís Millones-Figueroa (2003).

2Agarrar la tierra, pilladura de la tierra: concepto patológico que comprende el mal denominado “agarrar la tierra”, tiene como fundamento la separación del alma del cuerpo. No obstante, constituye una patología diferente del susto (Palma et al. 2006:37).

3 Acción y efecto de aikar o k’aikar. El término hace referencia a la violación de un tabú o prohibición, y descubre una patología de neta implicancia pediátrica, ya que se involucra en ella a los niños. La gravedad de esta patología radica no sólo en los signos clínicos, sino también en la interpretación que hacen los adultos respecto de las causas mágicas que les atribuyen (Palma et. al. 2006:37).

4 Texto que es reproducido en 1987 bajo el título Kallawaya: Curanderos Itinerantes de los Andes; Investigación sobre Prácticas Medicinales y Mágicas. Louis GiraultfTvaducido por Carmen Bustillos; Rene Alcocer. Institut Francaise de Recherche Scientifique pour le Développement en Coopération, 670 p., La Paz.

Referencias

Anónimo 1989 [1790-1815] De la Naturaleza, Calidades y Grados de Arboles, Plantas, Flores, Animales y otras cosas Exquisitas y Varas del Nuevo Orbe del Perú y para más Claridad por el Orden de A.B.C./Transcripciónpaleográficay estudio por Gregorio Loza-Balsa; epílogo por Alberto Laguna Meave. Sociedad Geográfica de La Paz, La Paz.        [ Links ]

Cobo, B. 1964 [1653] Historia del Nuevo Mundo/Estudio preliminar del Padre Francisco Mateo de la Compañía de Jesús. 2 tomos. Biblioteca de Autores Españoles desde la Formación del Lenguaje hasta Nuestros Días. Atlas, Madrid.        [ Links ]

Girault, L. 1984 Kallawaya: Guérisseurs Itinérants des Andes; Recherches sur les Pratiques Medicinales et Magiques. Institut Francaise de Recherche Scientifique pour le Développement en Coopération (Mémoires de l’Orstom), París.        [ Links ]

Losa Ávila y Palomares, G. de 1983 [1727-1780] De los Árboles; Frutos; Plantas; Aves y de otras cosas Medicinalestiene este Reyno [versión paleográfica, estudios y análisis por Gregorio Loza-Balsa]. Sociedad Geográfica de La Paz, La Paz.         [ Links ]

Loza, C.B. 2007 Develando Ordenes y Desatando Sentidos. Un Atado de Remedios de la Cultura Tiwanaku. Imprenta Sagitario, La Paz. }        [ Links ]

Millones-Figueroa, L. 2003 La historia natural del padre Bernabé Cobo. Algunas claves para su lectura. Colonial Latin American Review 12:85-97.         [ Links ]

Palma, N.H., G.F Torres, M.E. Santoni y L Madrid de Zito Fontán 2006 Diccionario Enciclopédico de la Medicina Tradicional Andina del Noroeste Argentino al Conurbano Bonaerense. Instituto de Investigaciones en Antropología Médica y Nutricional, Salta.        [ Links ]

Carmen Beatriz Loza – Directora de Investigación del INBOMETRAKA, La Paz, Bolivia. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[IF]