Rural e Urbano | UFPE | 2016

RURAL E URBANO1 Rural e Urbano

A Revista Rural-Urbano (2016-) é um periódico semestral vinculado ao Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal Rural de Pernambuco e gerida pelos grupos de pesquisas “Produção do Espaço, Metropolização e Relação Rural-Urbano” da Universidade Federal Rural de Pernambuco (GPRU/UFRPE) e “Sociedade & Natureza” da Universidade Federal de Pernambuco (Nexus/UFPE). Seu objetivo é constituir-se enquanto canal de veiculação científica da rede de pesquisadores sobre as relações rural-urbano, bem como congregar artigos, ensaios e resenhas científicas a partir da História e da Geografia, que versem sobre processos passados e atualmente existentes no espaço rural e no urbano. A revista também objetiva congregar trabalhos das áreas de História, Geografia, Sociologia, Economia, Arquitetura e Urbanismo, Planejamento Urbano e Regional, Serviço Social e Educação.

Periodicidade Semestral

Acesso livre

ISSN 2525-6092

Acessar resenhas

Acessar dossiês

Acessar sumários

Acessar arquivos

História & outras eróticas | Marcos Antonio de Menezes, Martha S. Santos e Robson Pereira da Silva

Historia e outras eroticas3 Rural e Urbano
Orestes perseguido por las Furias, de William-Adolphe Bouguereau (1862) | Domínio público |

SANTOS M Historia e outras eroticas 2 Rural e UrbanoNinguém vai poder, querer nos dizer como amar
Um novo tempo há de vencer
Pra que a gente possa florescer
E, baby, amar, amar, sem temer
Eles não vão vencer
– Johnny Hooker

Apesar dos constates ataques que a educação e a ciência têm sofrido no Brasil, principalmente nos últimos anos, por conta da gestão genocida empreendida por Jair Bolsonaro bem como por todos os outros ignóbeis que se somam a ele, ainda assim é possível notar uma resistência por parte daqueles que não aceitam abaixar a guarda e continuam firmes na produção de um conhecimento que busca reflexões contínuas da sociedade atual e da pluralidade de indivíduos nela inseridos.

Desse desejo de resistir é que nasceu História e outras eróticas (2020), organizado por Martha S. Santos, Marcos Antonio de Menezes e Robson Pereira da Silva. A obra mostra a que veio logo em suas primeiras páginas, ao dar as boas-vindas aos leitores com uma citação do sociólogo inglês Anthony Giddens que, dentre outros assuntos, investiga as transformações contemporâneas e seus reflexos nas relações amorosas e eróticas, e também com um trecho do single God Control (2019), de Madonna, que em sua música faz um manifesto contra o porte de armas nos Estados Unidos e relembra no clipe da canção o massacre [2] ocorrido em uma boate LGBT, no mesmo país.

A coletânea de textos que se seguem é inaugurada por Tamsin Spargo, que no primeiro capítulo do livro tece considerações abarcando sexo, gênero e sexualidade, partindo principalmente dessas temáticas para promover reflexões que vão desde o tratamento misógino que observou em ambientes de trabalho dos quais fez parte até a maneira como a pornografia colabora para as representações sexualizadas de corpos hiperbólicos. Em seu texto, Spargo dialoga em grande medida com o filósofo Michel Foucault, umas das maiores referências no que diz respeito as temáticas de sexualidade e educação, bem como a relação destes com o poder. Ademais, a autora ainda relembra a publicação de seu ensaio Foucault e a teoria queer (1999), onde ela explora o modo como o pensamento do filósofo teria refletido na construção e entendimento da referida teoria.

Na sequência, Luisa Consuelo Soler Lizarazo reflete sobre as fronteiras sexuais que ainda perduram paralelamente a diversidade de gênero, sobretudo àquelas observadas em sociedades transculturais, ao mesmo tempo em que problematiza a ordem moral que continuamente busca impor um modelo de família funcional apenas à sistemas patriarcais e capitalistas. A autora faz um levantamento de como as questões relacionadas ao assunto foram observadas ao longo dos séculos e evidencia a importância do direito de se exercer a possibilidade de escolha de cada sujeito.

Ao longo do tempo tem-se observando a História e a ficção protagonizando discussões acaloradas que resultaram em mudanças e reestruturações no fazer historiográfico. Seguindo nessa linha de raciocínio, Peterson José de Oliveira constrói seu texto a partir da relação dos historiadores com a verdade e a ficção e traz para o leitor a novela, um gênero um tanto quanto subestimado e ainda pouco estudado. Para suas análises, Oliveira concentra seu trabalho principalmente a partir do uso da montagem e da polifonia, duas formas narrativas essenciais para a construção de O mezz da gripe (1998) de Valêncio Xavier que, por meio maneira de sua narrativa, mescla ficção e realidade e, por conseguinte, reflete sobre os efeitos de verdade presentes na novela.

No capítulo seguinte a autora Lúcia R. V. Romano promove reflexões importantes a respeito das intersecções entre as artes cênicas e o feminismo, elucidando a importância da história para a construção de um diálogo entre os dois campos e pontuando a colaboração cada vez mais notável da historiografia para os estudos feministas. Em seu texto, Romano deixa claro que muitas são as questões atuais envolvendo a história, o teatro e o pensamento feminista e abre espaço para se pensar o artivismo feminista, com ênfase no Madeirite Rosa, um coletivo teatral paulistano.

Outra linguagem artística colocada em pauta ao longo da obra História e outras eróticas (2020) é o cinema, abordado no texto de Grace Campos Costa e Lays da Cruz Capelozi, que trazem para os leitores um debate precioso sobre a representação feminina a partir da filmografia de Catherine Breillat. Em um texto bastante didático e rico em imagens, as autoras apresentam uma discussão que vai de encontro a um tabu ainda muito atual: o prazer feminino. Como objeto de estudo é analisado o filme Romance X (1999) e ao longo do texto, além de conhecer um pouco mais sobre o cinema de Breillat também é possível compreender a forma como ela se posiciona antagonicamente aos estereótipos que ainda são observados no que diz respeito ao desejo feminino em representações cinematográficas.

No capítulo seguinte, Ana Lorym Soares faz um interessante paralelo entre a realidade a qual temos vivido e a distopia, lançando seu olhar para o romance O conto da Aia (1939), de Margaret Atwood. A autora explica que em outras obras de distopia o que se observa é um padrão onde os personagens principais são, na grande maioria das vezes, homens, de modo que no romance estudado, Margaret Atwood inova ao trazer uma mulher como personagem central da obra, fugindo dos padrões observado neste gênero da literatura. Desse modo, além de importantes reflexões a respeito da escrita feminina de Atwood, direito das mulheres e seus corpos enquanto campo de poder, Ana Lorym Soares ainda deixa evidente a importância de um olhar atento a realidade, a fim de que as distopias permaneçam no campo de conhecimento da ficção.

Também no campo da literatura, Marcos Antonio de Menezes, constrói seu texto a partir de romances e poesias, sendo que nas páginas que se seguem os leitores serão levados a refletir sobre a(s) representações do(s) feminino(s) na obra de Charles Baudelaire, levando em consideração questões postas em pauta pelo movimento feminista atualmente. Indo contra a grande maioria das produções literárias do século XIX, tecidas a partir da ótica masculina e burguesa, os leitores poderão conhecer um pouco mais sobre a estética, a recepção e as temáticas abordadas nos enredos de grandes obras, como As flores do mal (1857), de Baudeleire e Madamy Bovary (1856), de Gustave Flaubert.

No capítulo seguinte, Robson Pereira da Silva, apresenta-nos ao subversivo Hélio Oiticia, um dos artistas mais completos e importantes da arte brasileira. No texto é apresentada e discutida a antiarte e a arte de subversão de Oiticica nos anos de 1960 e 1970, onde através da performance o mesmo combatia todo e qualquer autoritarismo institucionalizado. O texto é essencial para compreender as configurações do corpo como objeto inventivo bem como do uso da contraviolência de Hélio Oiticica, que se valia da arte para combater a repressão vivida no contexto da ditadura militar no Brasil. O trabalho de ativistas/artivistas negros queer no estado da Bahia é preconizado por meio do texto de Tanya Saunders, que a partir do seu estudo relacionado a discussões de gênero, raça e sexualidade debate de que maneira se tem observado a construção crescente do “não humano”. No capítulo, o retrocesso vivido atualmente no Brasil é colocado em xeque e debatido através da ótica da colonialidade, do afrofuturismo e da necropolítica, que de maneira cada vez mais pungente e perigosa busca ditar quem têm ou não importância em sociedade.

No capítulo seguinte, Martha S. Santos toca com coragem em uma ferida ainda aberta, especialmente, ao problematizar a importância da compreensão da instituição da escravidão no Brasil a fim de que se entenda de uma vez por todas os reflexos desta para a criação e manutenção de privilégios desfrutados por determinadas classes sociais em nosso país. Em seu texto, a autora busca fazer um rápido balanço historiográfico dos estudos ligados a escravidão nas últimas quatro décadas no Brasil além de apresentar seus estudos, concentrados no interior do Ceará, e dialogar intrinsicamente com os estudos de gênero ao refletir sobre a maneira pela qual mulheres e crianças aparecem inseridas no processo da escravidão.

Com um olhar voltado também para a escravidão, Murilo Borges da Silva dialoga com o texto anterior ao abordar os relatos de viajantes no estado de Goiás, bem como as contribuições destes para a produção de corpos femininos negros e representações do feminino muitas vezes equivocadas.

Em seu texto, Silva trabalha com os relatos de Saint-Hilaire (1975) e Johann Emanuel Pohl (1976) para verificar como as mulheres negras aparecem nestes relatos, através dos quais nota-se que há uma tentativa de silenciamento por parte dos viajantes em questão, que não raras vezes, faziam de seus escritos um lugar seletivo, tornando visível determinados fatos e invisíveis outros, da maneira como lhes era favorável e de acordo com aquilo que consideravam necessário.

Logo em seguida os leitores são postos frente a questões direcionadas principalmente aqueles que se dedicam a produção de conhecimento, pois Fábio Henrique Lopes lança um problema grave que diz respeito a maneira como muitas vezes utilizam-se de pessoas transsexuais e de outras identidades de gênero apenas como objetos de estudo. Partindo dessa colocação, o autor torna possível um olhar mais atento ao lugar de fala que cabe a nós, pesquisadores. Aqui, fica claro que é necessário que haja um repensar do fazer historiográfico e epistemológico de modo a não ferir o outro e deixa a todos uma breve, mas, importante advertência: “incluir, excluindo é fácil […]” (LOPES, 2020, p. 276).

O próximo capítulo é um nó na garganta, daqueles que a cada palavra lida cresce um pouco mais, pois logo de cara, Miguel Rodrigues de Sousa Neto e Diego Aparecido Cafola lançam alguns fatos que não podem serem ignorados: a heterossexualidade e a cisgeneridade compulsória tem acarretado na invisibilização e precarização da existência da população LGBTQI+ e, consequentemente, na sua eliminação física. Os autores afirmam que o conhecimento produzido na academia não tem ultrapassado seus muros e que os reflexos dos discursos construídos em cima de conservadorismos podem ser notados cada vez mais através da violência com que a população LGBTQI+ tem sido alvo constante. Em um texto tocante, os autores colocam em xeque a noção atual de humanidade e questionam o processo de exclusão de grupos marcados pela diferença, ou melhor, que as maiorias silenciadas têm sofrido.

No texto que se segue as problemáticas levantadas dialogam com estas do texto anterior, porém, são levadas para o espaço escolar ao demonstrar como a escola tem atuando como agente da normatividade. Neste capítulo, Aguinaldo Rodrigues Gomes problematiza a hierarquização e o silenciamento de corpos dissidentes por meio do discurso falacioso da “ideologia de gênero” difundida, inclusive, como uma das principais bandeiras levantadas e defendidas durante a eleição de Jair Bolsonaro. O autor reitera os ataques aos quais a educação tem sofrido no campo dos estudos de gênero e da educação sexual, além de expor o cerceamento de professores, aos quais os conservadores e reacionários tentam colocar em uma redoma cujas grades é a ignorância e o preconceito.

Por fim, o último capítulo traz aos leitores uma “greve selvagem” que resultou na derrota do capitalismo em uma luta protagonizada por estudantes e trabalhadores. Em seu texto, João Alberto da Costa Pinto aborda a Revolução do Maio de 1968, a mais importante revolução anticapitalista do século XX. Sua análise parte da trajetória política e teórica de Raoul Vaneigem e se expande para outros militantes que fizeram parte do movimento que ficou conhecido como Internacional Situacionista (IS). De forma clara, Pinto explana o que levou dez milhões de trabalhadores e estudantes a frearem o capitalismo na França de forma totalmente espontânea e auto-organizada.

Dessa feita, levando em consideração o cenário hostil em que a produção de conhecimento científico se encontra em discrédito, como política de governo, bem como os ataques que as populações negras, índigenas, de mulheres e LGBTQI+, sobretudo àqueles sujeitos e sujeitas marcadas pela pobreza e precariedade da vida e do mundo do trabalho tem sofrido cotidianamente com as políticas de morte e indiferença, conclui-se que a coletânea de textos reunida em História e outras eróticas (2020) além de sinônimo de resistência é também um contributo a produção intelectual que se preocupa em pensar, refletir e problematizar os campos de estudo da política, raça, femininos e performatividades de gênero. Nas páginas desta obra, os leitores irão encontrar questionamentos relevantes acerca de temas atuais e necessários, fazendo com que a obra se configure como um alento a defesa dos direitos humanos, revestido de esperança, força e coragem para continuar na luta por igualdade.

Nota

2. O massacre na boate “Pulse” aconteceu em Orlando, no dia 12 de junho de 2016. Na data, Omar Mateen abriu fogo dentro do local e assassinou quarenta e nove pessoas e deixou cinquenta e três gravemente feridas.

LOPES, Fábio Henrique. Efeitos de uma experimentação político-Historiográfica com travestis da primeira geração. Rio de janeiro. In: MENEZES, Marcos Antonio de; SANTOS, Martha S.; SILVA, Robson Pereira da (org.). História & outras eróticas. Curitiba: Appris, 2020.

MENEZES, Marcos Antonio de; SANTOS, Martha S.; SILVA, Robson Pereira da (org.). História & outras eróticas. Curitiba: Appris, 2020.

Natália Peres Carvalho – Graduada em História pela Universidade Federal de Goiás e mestranda no Programa de Pós-Graduação em História (PPGH) da Universidade Federal de Goiás. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9841094387536865. E-mail: nperescarvalho@gmail.com.


MENEZES, Marcos Antonio de; SANTOS, Martha S.; SILVA, Robson Pereira da (org.). História & outras eróticas. Curitiba: Appris, 2020. Resenha de: CARVALHO, Natália Peres. História & outras eróticas (2020) – Uma obra urgente e necessária. Albuquerque. Campo Grande, v.13, n.25, p.184-188, jan./jun. 2021. Acessar publicação original [IF].

Resenha Crítica, Aracaju & Crato, n.4, 1 jul., 2021.

Rio Vaza Barris Aracaju 26 jun 2021 IF 2 Rural e Urbano

 


Edição n.4 (2021)

Apresentação

Nesta edição, disponibilizamos as aquisições do período 01 a 30 de junho de 2021. Destacamos resenhas sobre livros de história das mulheres, histórias do erotismo, do colonialismo em Moçambique e dos governos progressistas na América Latina. Também reblogamos resenha em periódico espanhol que avalia o escrito de autor brasileiro sobre Epistemologia Histórica.

Necessariamente, o tema da pandemia continua a pautar dossiês de modo objetivo ou como instrumento de contextualização.

Das novas revistas incorporadas ao acervo, destacamos dois periódicos: Filosofia e História da Biologia (USP/2020) e Palavras ABEHrtas (ABEH/2021), revista especializada em Ensino de História.

Aproveitamos para anunciar a finalização da captura dos dossiês de 120 revistas brasileiras de História. Cerca de 2100 textos de apresentação, linkados aos seus seus respectivos artigos, estão à disposição, via busca livre ou consulta parametrizada no índice de objetos de dossiê.

O trabalho de captura de resenhas continua. Hoje, acumulamos cerca de 3200 textos produzidos nos últimos 40 anos, já disponíveis para a consulta no índice de  objetos de resenha,

Saúde e trabalho para todos nós!

Itamar Freitas e Jane Semeão (Editores)


Resenhas


Dossiês


Sumários


Revistas recentemente incorporadas ao acervo

 


Conheça a totalidade do acervo

Para adequado uso do espaço na página inicial deste blog, destacamos até  treze resenhas, cinco dossiês, cinco sumários correntes e cinco periódicos recentemente incorporados ao acervo em cada edição mensal do Resenha Crítica.

A quantidade de textos, porém, se altera à medida que incorporamos novos periódicos, retroativamente, aos nossos bancos de dados.

Para conhecer a totalidade das aquisições de resenhas, apresentações de dossiês e sumários, publicados originalmente no período 1839-2021, utilize os filtros da barra lateral.

Das Amazônias | Rio Branco, v.4, n.1, 2021.

Dossiê RESISTÊNCIA: A construção de saberes históricos em tempo de pandemia

Apresentação da Capa

Ficha Técnica

Sumário

Editorial

Artigos

Resenha

Publicado em 09 jun | v.4, n.1 (2021)

A vida e o mundo: meio ambiente patrimônio e museus | Paulo H. Martinez

MARTINEZ Paulo Henrique1 Rural e Urbano
 MARTINEZ P A vida e o mundo1 Rural e UrbanoEstela Okabayaski Fuzii, Angelita Marques Visalli, Paulo HenriqueMartinez e Chico Guariba | Foto: Agência UEL |

Estabelecer conexões concretas entre as potencialidades de ação educativa dos patrimônios e museus com o meio ambiente foi o desafio do historiador Paulo Henrique Martinez em seu mais recente trabalho A vida e o mundo: meio ambiente, patrimônio e museus. Publicado em 2020 pela editora Humanitas, o livro reúne textos de diferentes naturezas escritos pelo autor em sua extensa trajetória de pesquisa e ensino voltada a cooperação técnica, cuja atuação permeou universidades, Câmara dos Deputados, conselhos municipais, organizações não-governamentais, entre muitos outros.

A reunião das produções entre os anos de 2003 e 2017, demonstra a atuação deste historiador diante os acontecimentos que atravessaram as áreas de meio ambiente, patrimônio e museus.

A variedade do material, entre capítulos de livros, artigos de revista científica, resenhas de obras publicadas, artigos em revista universitária e jornais locais, evidencia um trabalho atento às transformações do presente e da vida cotidiana, além da preocupação em ampliar o acesso aos conhecimentos produzidos na universidade e nas instituições culturais ao público geral.

Nesses moldes, a primeira parte do livro denominada Museus e mudança social procura delinear um diagnóstico da situação dos museus no Brasil, no momento da escrita dos textos. Partindo de questões do presente e da esfera local, Martinez articula os acontecimentos com documentos, instituições e agendas nacionais e internacionais tal como a Política Nacional de Museus (2003), o Conselho Internacional de Museus (1946) e a Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável (DEDS, 2005-2014).

A sensível tarefa de repensar o processo de desenvolvimento, sobretudo mediante as significativas transformações no meio ambiente, analisando e promovendo a distribuição de seus benefícios ao conjunto da sociedade global, exige tratar as especificidades culturais, de gênero, classe social e raça. O desenvolvimento sustentável, conceito orientador no século XXI, contempla com atenção este último aspecto do desenvolvimento humano, emergindo as demandas de formação de cidadãos, geração de emprego, combate à pobreza, igualdade de gênero e acesso à educação e saúde de qualidade.

Qual o potencial dos museus na educação para o desenvolvimento sustentável? As diretrizes estabelecidas em documentos internacionais tal como a Agenda 21, elaborada na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1992, documento gerador da já mencionada DEDS e, atualmente, da Agenda 2030 com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (2015-2030) encontram um fértil terreno nos patrimônios ambiental e cultural presente nos museus.

A cultura, protagonista nas atividades museológicas, é uma das bases do desenvolvimento sustentável pois concentra os mecanismos e finalidades do desenvolvimento.

Vida humana e não humana se encontram em um mundo diversificado, identificado por valores, crenças, saberes, técnicas, instrumentos de produção e consumo que se estabelecem em meio as harmonias e conflitos entre estes dois universos profundamente conectados. A reordenação das atividades humanas e o meio ambiente, o “pensar ecológico” é, para Martinez, parte do trabalho de profissionais das ciências sociais, em geral, e dos historiadores, em particular, que atuam em instituições museológicas.

Atento às transformações do tempo presente, o caráter de experimentação proporcionado pelos museus em exposições e acervos apresentam um novo plano de realidade com o aprimoramento dos usos dos recursos naturais e do capital humano. Parece ser esta a participação institucional de parques e museus no desenvolvimento sustentável, a preservação, valorização, pesquisa e comunicação da cultura material e imaterial e dos patrimônios ambientais. Articulados, garantem a cidadania, inclusão social e vida digna a toda população.

Estas características ganham maior expressão quando vinculados à cultura indígena no Brasil.

A Lei n°11.645 de 2008 institucionaliza a obrigatoriedade do ensino da história e cultura indígena nos currículos escolares da educação básica e superior. O patrimônio indígena, fundamental para a constituição e conhecimento da história do Brasil, encontra debates fecundos e atuais na segunda parte do livro Patrimônio indígena no Brasil. A localização dos elementos indígenas na sociedade brasileira constitui um dos primeiros passos para o conhecimento da história nacional.

A rivalidade dos discursos hoje predominantes, como aquele vivido pela Aldeia Maracanã, no Rio de Janeiro, nos auspícios da Copa do Mundo, corresponde aos conflitos de narrativas de dominação enraizadas no cotidiano brasileiro. As diferentes simbologias presentes nessa experiência narrada na obra, o futebol, a hostilidade com os indígenas, o desenvolvimento econômico no qual os grupos tradicionais são vistos como obstáculos naturais e o autoritarismo da política nacional, são explicativas para compreensão da realidade O sincretismo no uso da palavra “Maracanã” e a luta pela permanência da aldeia indígena naquela região do Rio de Janeiro complementa aquilo que já havia observado o historiador Caio Prado Jr sobre o passado vivo no cotidiano dos brasileiros. Os aspectos coloniais dessa experiência no Brasil, faz aquele “lugar de memória” converter o passado sua forma de resistência e respeito ao compreender os processos no qual deram origem a esta sociedade tão diversificada.

Em todas as situações discutidas, seja nos museus municipais, exposições itinerantes, centros culturais ou universidades, Martinez conduz a educação como inerente às transformações para o século XXI. Em consonância com documentos legislativos e acordos institucionais como as citadas Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental das Terras Indígenas (PNGATI) e a Convenção sobre Diversidade Biológica, a afirmação e o reconhecimento da cultura e dos direitos dos povos indígenas, a inclusão na vida social, a garantia de participação nos planos de gestão é diretamente dependente de um processo educativo que valoriza a cultura, a natureza, as mulheres, a cooperação e a democracia.

O Parque do Xingu e o Museu do Índio no Rio de Janeiro são alguns exemplos concretos desses anseios que relembram a trajetória violenta da colonização e preservam a cultura e a memória dos grupos indígenas. Para além destas instituições, as universidades também desempenham função importante com o desenvolvimento de disciplinas que abordem os temas, no gerenciamento de museus universitários, na formação de profissionais qualificados e na inserção destes grupos no ambiente universitário.

Apresentando a “Universidade da Selva” como ficou proclamada a Universidade Federal do Mato Grosso através de uma resenha da obra Museu Rondon: Antropologia e indigenismo na Universidade da Selva da antropóloga Maria Fátima Roberto Machado, Martinez testemunha os aspectos institucionais da identificação e preservação da cultura material e imaterial na universidade. Estas instituições acompanham os processos de formação intelectual e produção de conhecimentos em conjunto com os museus, embora os últimos tenham sua data de nascimento anterior às primeiras, no Brasil. Este fato, no entanto, reforça as complementaridades entre ambas e os benefícios do trabalho conjunto, adicionando, ainda, a escola de educação básica.

As perspectivas de trabalho nos museus para a abertura de temas relacionados ao meio ambiente, principalmente para a constituição da história dos municípios, destacam o valor do patrimônio indígena. Os processos de formação nacional em seus aspectos econômicos, sociais e políticos esbarram com a trajetória desses povos cujos reflexos ainda permeiam no século XXI. A PGNATI foi um material analisado para demarcar os complexos desafios de preservação e recuperação dos recursos naturais e o reconhecimento da propriedade intelectual e do patrimônio genético. A educação ambiental e indigenista é definida como a principal estratégia destes objetivos, beneficiando não apenas a população indígena, mas todos os cidadãos.

A partir dos exemplos observados, o volume encerra com um caráter pedagógico de demonstração prática das potencialidades da educação patrimonial e ambiental na formação da cidadania.

Uma organização documental para auxiliar historiadores, em especial aqueles dedicados à História Ambiental, aos profissionais da área de museus e professores de educação básica e superior, que permite visualizar as narrativas presentes nos objetos e paisagens como fontes de observação e pesquisa histórica.

O significado cultural da alta produção de carrancas, marcante na paisagem do São Francisco, os processos de utilização deste rio para transporte e comércio, a formação da cidade e da cultura material, dos valores, saberes e comportamentos da população da região são demonstrativos da promoção do patrimônio na construção do conhecimento histórico. Os objetos cotidianos, como o automóvel e os elementos da cultura afro-brasileira também são destacados como mecanismos para compreender a organização da vida social, os processos de industrialização e seus efeitos, principalmente nos centros urbanos.

A pandemia de COVID-19 colocou em evidência as consequências do modelo industrial globalizado na vida humana e não humana. O surgimento de novas doenças, a perda de ecossistemas e da biodiversidade desloca a atenção para fora das cidades e marca os estreitos vínculos entre seres humanos e natureza. Esta experiência demonstra os sintomas de um planeta cujos padrões da vida atual não consegue sustentar e no qual deve-se estar atento. Como observou Donald Worster, todas as epidemias ao longo da história tiveram origem onde o equilíbrio com a natureza estava abalado.

Em sua argumentação sobre o patrimônio indígena, Martinez reforça o utilitarismo como obstáculo para a proteção desses povos e do meio ambiente. Percebe-se que esta perspectiva atravessa diferentes dimensões da vida humana, atribuindo valores distintos, muitas vezes alimentados pelo objetivo do crescimento econômico. Assim, os recursos naturais são destruídos, os objetos musealizados perdem a importância em sua função prática e se fortalece a narrativa dos museus “viverem do passado”. São para estes critérios que a pandemia exige observação, pois escancarou as desigualdades sociais e a crise ambiental da atualidade.

Ao mesmo tempo o isolamento social, para impedir a propagação da doença, fortaleceu os meios de comunicação e incentivou as instituições culturais a se renovarem para acompanhar as novas demandas. As redes sociais se tornaram ferramentas apropriadas pelos museus. A 14° dos Primavera dos Museus, em 2020, trouxe como tema Mundo Digital: museus em transformação e convidou os profissionais a pensar a inserção destas instituições nos novos mecanismos de comunicação.

Martinez nos mostra que as possibilidades de atuação são muitas e trazem consigo resultados positivos à sociedade.

Ao demonstrar os frutíferos e os frustrantes trabalhos que presenciou ao longo de sua carreira, transmite um apelo para a expansão das instituições que já existem e para a valorização e o investimento daquelas que ainda não tem usufruído de seu potencial. Demonstra com clareza os benefícios da cooperação nas dimensões individuais, institucionais e sociais do trabalho. A leitura da obra é direcionada aos profissionais da educação e museus, em etapas de formação inicial ou continuada, para vislumbrarem os contextos no qual fazem parte, integrar e valorizar os conhecimentos locais e aplicar essas ações em todas as oportunidades que vierem à frente.

Os desafios emergentes já visíveis neste século e aqueles que ainda estão por vir convergem na ação educativa como ferramenta fundamental. O trabalho educativo dos museus na promoção da cidadania e da preservação do patrimônio cultural e ambiental convergem com as diretrizes de ação internacional, fortalecendo, ainda, a cooperação para o desenvolvimento sustentável.

Referências

MARTINEZ, Paulo Henrique. A vida e o mundo: meio ambiente, patrimônio e museus. São Paulo: Humanitas, 2020.

NORA, Pierre. Les lieux de mémoire. Paris: Gallimard, 1984.

PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. 6. ed. São Paulo: Brasiliense, 1961.

WORSTER, Donald. Otra primavera silenciosa. Historia Ambiental Latioamericana y Caribeña, 10, ed. sup. 1, p. 128-138, 2020. Disponível em: https://www.halacsolcha.org/index.php/halac/ issue/view/40 Acesso em: 26 fev. 2021.

Cíntia Verza Amarante – Mestranda em História pela Universidade Estadual Paulista, UNESP, câmpus de Assis. Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/8845494592325213. E-mail: cintia.amarante@unesp.br.


MARTINEZ, Paulo Henrique. A vida e o mundo: meio ambiente, patrimônio e museus. São Paulo: Humanitas, 2020. Resenha de: AMARANTE, Cíntia Verza. Educação Ambiental em Museus. Albuquerque. Campo Grande, v.13, n.25, p.189-193, jan./jun.2021. Acessar publicação original [IF].

Antonio Fagundes no palco da história: um ator | Rosangela Patriota

PATRIOTA R Antonio Fagundes Rural e Urbano
 PATRIOTA R Antonio Fagundes2 Rural e UrbanoAntônio Fagundes e Rosângela Patriota | Foto: Agenda |

Professora aposentada da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Rosangela Patriota é doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (USP), coordenadora do Núcleo de Estudos em História Social da Arte e da Cultura (NEHAC/UFU), e coordenadora do GT Nacional de História Cultural da ANPUH e da Rede Internacional de Pesquisa em História e Cultura no Mundo Contemporâneo. Atualmente é professora do Programa de Pós-Graduação em Educação, Artes e História da Cultura (PPGEAHC) da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Com uma trajetória sólida nos debates que se endereçam a pensar as relações e imbricamentos entre História e Teatro, sobretudo no que se refere à produção da História Cultural, a historiadora Rosangela Patriota se desafia a inserir o ator no centro desses debates de maneira crítica, na contramão de grande parte das pesquisas acadêmicas que estão voltadas para a História do Teatro Brasileiro que, de certa maneira, tendem a privilegiar dramaturgos, críticos e companhias teatrais.

Assim, a autora busca suprir uma lacuna, na área de História, acerca da inserção histórica de atores e atrizes em “termos de periodização da história do teatro no Brasil” (PATRIOTA, 2018, p. 401).

Essa obliteração, ou, a secundarização do ‘trabalho atorial’ que, segundo Rabetti (2012), consiste em interpretação, atuação e presença cênica que corporifica de maneira mediada anseios múltiplos, inclusive os seus, diante deste circuito que configura o funcionamento da arte teatral no Brasil. Assim como Rabetti (2012), Patriota (2008) aponta para as dificuldades de lidar com a figura do ator por dois pontos específicos: a efemeridade da cena no acontecimento do fenômeno teatral e pela hierarquia da crítica cultural, ou mesmo, a tirania do texto escrito, como bem salientado por Roger Chartier (2010), evocando as formas de corporeidade, representação, apropriação e vocalização desses textos.

Dessa feita, o ator seria um ponto fulcral na circulação e personificação de textos e ideias. Porém, mesmo sendo um elemento e figura tão primordial para a construção cênica, o trabalho do ator acontece no espectro temporal do efêmero, que é construído na delicadeza de expressões e gestos e, talvez, por esse motivo seja mais dificultoso lidar com ele no campo da pesquisa, mas não impossível, pois o teatro não se restringe apenas a zona do espetacular ou as características específicas do trabalho de performance atorial que, inclusive, é parcialmente capturada em registros audiovisuais, fotográficos e por índices de recepção fragmentados, como grande parte dos documentos utilizados em História. Sobre isso, Patriota afirma que o fenômeno teatral faz com que o teatro possua inúmeras linguagens (PATRIOTA, 2018, p. 400).

No coração de seu tempo Para o enfrentamento de tal empreitada de contar a história do teatro sob o ponto de vista de uma historiadora de ofício, Rosangela Patriota escolheu Antonio Fagundes como sujeito no palco da História, especialmente, para não dizer que não falou dos atores por causa da efemeridade da ação teatral. Esse desafio está estampado nas páginas de Antonio Fagundes no palco da História: um ator, lançado em 2018, pela Editora Perspectiva. Sempre com um diálogo em primeira pessoa com os leitores, Patriota é franca ao afirmar como será difícil essa jornada, porém em vários momentos reafirma com argumentos muito bem sustentados que a biografia intelectual traz questões impres cindíveis, mesmo dispondo de poucos documentos que façam referência específica a performance do ator. Mas, nem por isso, o cotejamento com outros fragmentos documentais é menos eficaz em responder as perguntas dela enquanto historiadora. Assim, ela insiste que a fabricação de tais documentos está carregada de intenções e, por isso, a ajudam na construção histórica da trajetória e carreira de Antonio Fagundes, pois:

Todavia, uma trajetória é muito mais que a mera exposição de vontades e realizações. Pelo contrário, ela, de acordo com meu entendimento, deve ser vista, interpretada e compreendida à luz das circunstâncias históricas e sociais que a acolheram.

Sob essa óptica, Fagundes é uma personagem fascinante, na medida em que construiu suas experiências em meio a debates e tensões possíveis de serem analisadas, sob o horizontes de expectativas diferentes, ou, em outras palavras: é sabido que o tempo não é apreendido da mesma forma por sujeitos e esferas sociais distintos, isto é, as rupturas vistas e sentidas, por exemplo, no campo da política não se apresentam necessariamente nos mesmos termos na esfera cultural, assim como os ditames e os ritmos da ordem econômica muitas vezes são sentidos e definidos sob regimes e expectativas próprias. (PATRIOTA, 2018, p. 52)

O aporte teórico está afetuosa e devidamente baseado na obra A Teia do Fato (1997), de Carlos Alberto Vesentini, que se acerca da compreensão da construção, disseminação e cristalização do fato histórico, inclusive, de seu poder hipnótico de condução das narrativas que em volta dele gravitam, seja pelo aspecto dos temas, marcos temporais, personagens e acontecimentos, conduzindo e produzindo o sentido e seus respectivos ordenamentos periodizadores. No teatro, por exemplo, a ideia e o desejo de modernização enquanto bandeira, especialmente calcada em referenciais eurocentrados, fez com que o ‘teatro do ator’ fosse relegado como aspecto menor a ser superado, chamado inclusive de ‘teatro velho’ em prol da estetização resumida à atmosfera da cena, especificamente, na passagem do ensaiador para o encenador. Tal procedimento, por exemplo, fez de Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, peça encenada pelo polonês Zbgniev Ziembinski, em 1943, um marco convencionado moderno e tido como um referencial na história do teatro brasileiro, por sua renovação cênica, cristalizando assim uma memória histórica carregada de hierarquias da consagração especialmente constituídas pela crítica, como consta no Dicionário do Teatro Brasileiro.

[…] consolidam-se no âmbito profissional vários projetos de renovação cênica que contestam o protagonismo do ator na concepção do espetáculo. O deslocamento do foco do ator para o encenador é explicitado pelo crítico Décio de Almeida PRADO aos seus leitores em uma crítica publicada em 1947: ‘Presenciamos então, já no nosso século, esse fato inacreditável: a fama e o prestígio dos metteurs em scéne obscurecem a dos atores, e mesmo a dos autores. (GUINSBURG; FARIA; LIMA, 2006, p. 43).

Afirmamos aqui que a historiadora Rosangela Patriota se propôs o desafio de tratar sobre o ator, sobretudo, por ela já possuir uma trajetória frutífera nos debates do campo da historiografia do teatro brasileiro. Ao fazê-lo se coloca diante de um salto frente às suas próprias produções anteriores que se dedicaram a pensar sujeitos históricos que transitaram no circuito teatral, especialmente na qualidade de dramaturgos, críticos, grupos e companhias teatrais; agora foi chegada a hora de pensar a presença do ator em meio a esse emaranhado de questões. Nesses termos, suas contri buições nos estudos sobre teatro já se apresentam em sua primeira obra, Vianinha: um dramaturgo no coração de seu tempo (1999) e Crítica de um Teatro Crítico (2007). Não podemos deixar de mencionar a frutífera parceria entre a historiadora com o saudoso professor Jacó Guinsburg, que está registrada em livros, como J. Guinsburg, a cena em aula: Itinerários de um professor em devir (2009) que reúne a transcrição de fitas da disciplina Estética Teatral, ministrada pelo professor Jacó Guinsburg, e também em Teatro Brasileiro: Ideias de uma História (2012).

Dessa feita, sob a posse desse debate e aporte teórico-metodológico bem definido, a autora faz com que, a partir da experiência profissional de Antonio Fagundes, surja a figura do ator diante desses e de outros acontecimentos históricos. A biografia se dedica a pensar a vida artística de Fagundes desde o início, com a peça A Ceia dos Cardeais (Julio Dantas, 1902), encenada em 1963, nos tempos que o protagonista ainda era estudante colegial, até a peça Tribos (Nina Raine, 2013). Respaldada pela micro-história italiana de Giovani Levi, Patriota torna Antonio Fagundes protagonista de uma narrativa histórica que o considera como eixo norteador da relação entre sujeito e sociedade e, neste interstício, apresenta-se o processo histórico no qual ele se inseriu e continua inserido.

Por conseguinte, a autora faz com que o texto biográfico suscite a abertura de ângulos interpretativos em relação à história do teatro brasileiro, tendo a vida e obra desse ator como eixo condutor. Deste modo, essa biografia não se apresenta como convencional, mas como uma biografia intelectual que ganha forma a partir de temas e problematizações que em outras oportunidades ficaram restritas aos dramaturgos, críticos e companhias.

Entrementes, a narrativa biográfica produzida por Patriota, sobre Fagundes, enfrenta com profundidade a construção e a cristalização de marcos na história do teatro brasileiro. Assim posto, fica claro que Rosangela Patriota tem fôlego para tal discussão que está por vir, a trajetória do ator Antonio Fagundes, conhecido nacionalmente e internacionalmente, por seus trabalhos no teatro, televisão e cinema. Sobretudo, a autora inverte a consagração do galã dessas últimas linguagens, especialmente por sua profícua e longeva atuação em telenovelas, e privilegia o ator e produtor de teatro. Assim, a autora demonstra como os trabalhos de Fagundes na TV e no cinema, de certa forma (não sem restrições e limites), constituíram capital financeiro e de público que sustentaram a sua consolidação no campo teatral, inclusive angariando público para suas produções no Teatro (locus onde ele iniciou sua carreira), proporcionando-lhe este espaço como formativo.

Como bem apontamos, o livro Antonio Fagundes no palco da História: um ator é uma biografia crítica que nos apresenta momentos marcantes, de um ator que iniciou suas atividades e paixão pelo teatro ainda como estudante do Colégio Rio Branco. Fagundes atuou em alguns espetáculos infantis dirigido por Afonso Gentil, que também trabalhava na seção de teatro infantil do Teatro de Arena de São Paulo, e assim aconteceu o convite para Antonio Fagundes participar do núcleo de teatro infantil do grupo de teatro paulista. Ou seja, Rosangela Patriota produz ‘poeira da estrela’[3], porém sem glamourização, pois demonstra que Antonio da Silva Fagundes Filho não esteve predestinado a ser o ator/galã Antonio Fagundes, ou, até mesmo ter uma carreira de sucesso especialmente cristalizada por sua presença em telenovelas.

A autora trata de uma construção artística balizada em processos de formação e atuação teatral, trabalho e uma rede de sociabilidade construída pari passu com a constituição de Antonio Fagundes enquanto ator. A referida rede foi formada por Afonso Gentil, Carlos Augustos Strazzer, Myriam Muniz, Gianfrancesco Guarnieri, José Renato, Augusto Boal, Ademar Guerra, Marta Oberbeck, Armando Bógus, Oswaldo Campozana, Sylvio Zilber, Othon Bastos, Consuelo de Castro, Fernando Peixoto, Antônio Bivar, etc.Antonio Fagundes Rural e Urbano

No palco das palavras.

O primeiro capítulo intitulado Antonio Fagundes ou Estratégias para a composição de uma narrativa biográfica, trata-se de um balanço crítico que perpassa discussões teórico-metodológicas que esbarram na carreira do ator. Patriota consegue englobar discussões que são caras, não só a nós, historiadores, mas a todos que trabalham com objetos artísticos em geral, pois essas questões se apresentam como um quiasma na trajetória de Fagundes.

Uma das perguntas que move a autora a pensar esse trabalho, como um todo, é: por que Antonio Fagundes passa despercebido perante a historiografia do Teatro Brasileiro até então? Mesmo com sua participação no Teatro de Arena, que foi a sua primeira escola formativa e trabalho atoral profissional. A pergunta é respondida com uma digressão importante sobre as construções que foram feitas ao longo da escrita da História do Teatro, que não foi feita apenas por historiadores, mas também por críticos que estabeleceram certos marcos e fatos, incluindo assim certos grupos teatrais.

Nessa concepção foi estabelecida uma diferença entre teatro empresarial e teatro de grupo. O primeiro foi denominado como um teatro comercial, que visa lucros com a bilheteria, teoricamente sem se importar com o público ou a qualidade do espetáculo, o segundo foi denominado como um teatro sério, que busca o diálogo com os dramaturgos e é composto por grupos teatrais que possuem uma proposta de diálogo entre arte e sociedade.

Antonio Fagundes, por seu sucesso como galã de telenovelas, foi sumariamente engessado como pertencente a categoria de teatro empresarial, como uma espécie de distinção hierárquica estabelecida no circuito teatral, o espoliando de um capital cultural formado no teatro anteriormente ao seu ingresso nas produções televisivas. Diante dessas reflexões, o segundo capítulo intitulado O Teatro de Arena, os espetáculos da resistência democrática e a formação de um ator e de um cidadão, Patriota se debruça na formação intelectual e profissional de Fagundes nos primeiros anos de carreira, focando principalmente na sua frutífera estadia no Teatro de Arena.

No final da década de 1970, Fagundes assinou o contrato com a Rede Globo de Televisão e aceita integrar o elenco da novela Dancin’ Days (Gilberto Braga; direção de Daniel Filho, Gonzaga Blota, Marcos Paulo e Dennis Carvalho; codireção: José Carlos Pieri, 1978). Patriota explica aos leitores a historicidade da palavra galã e, assim, nos demostra como seu protagonista começa a ser reconhecido como galã ao interpretar o papel do ‘mocinho’ Carlos Eduardo Amaral Cardoso, o Cacá, par romântico da personagem Júlia Matos interpretada por Sônia Braga, que já havia estado em cena com Fagundes em Hair (direção de Ademar Guerra, 1969). Em um breve intervalo de tempo, ele estreia, também na televisão, a série composta por cinquenta e quatro episódios, Carga Pesada, na qual toda a sensibilidade de Cacá é posta de lado para dar vida ao viril Pedro, um caminhoneiro que percorre as estradas do país, na companhia de Bino (Stênio Garcia).

A Companhia Estável de Repertório (CER) é objeto do terceiro capítulo, no qual Rosangela Patriota consta a consolidação do homem de teatro e de cultura que passa a colocar em prática de maneira sistematizada todos os seus aprendizados e formação no circuito e no mercado teatral, inclusive, como alguém que se dispõe a debater publicamente as políticas culturais do país ou a falta delas. A referida companhia surge em um contexto de horizontes de expectativas marcado pelo campo da experiência de uma ditadura militar em processo de abertura e redemocratização, momento no qual setores da cultura começam a discutir suas posições na constituição de uma memória histórica sobre a resistência democrática e pensando novos rumos e maneiras diversas de lidar com a linguagem teatral. Como aponta Patriota (2018, p. 198), o telos que antes unira distintos grupos no compromisso com a luta democrática já não atendida mais os anseios de alguns segmentos, inclusive dos mais jovens.

Nesse contexto, em 1981, a CER inicia suas atividades que estiveram em cartaz até 1991, com peças dentre as quais destacamos: O Homem Elefante (de Bernard Pomerance, com direção de Paulo Autran, em 1981); Morte Acidental de um Anarquista (de Dario FO, 1982, direção de Antônio Abujanra); Xandu Quaresma (de Chico de Assis, 1984, sob a direção de Adriano Stuart); Cyrano de Bergerac (de Edmond Rostand, 1985, direção de Flávio Rangel); Carmem Com Filtro (de Daniela e Gerald Thomas, 1986, sob a direção de Gerald Thomas) e Fragmentos de um Discurso Amoroso (de Roland Barthes, 1988, com direção de Ulysses Cruz).

Antonio Fagundes no palco da História: um ator aponta para a confirmação da tese de que a importância do ator para o teatro no Brasil foi de certa maneira suprimida, especialmente, entre a década de 1940 e 1950, devido ao adensamento e a propagação de ideias-força (nacionalismo, modernidades, modernização, politização, estetização) que secundarizaram a figura do ator em meio aos anseios por um moderno teatro brasileiro. Isso, inclusive fez com que o ‘teatro de ator’[4] tão latente na primeira metade do século XX, especialmente, caracterizado por figuras que aproximaram o trabalho atoral com o empresarial na área teatral, como João Caetano, Armando Gonzaga, Dulcina de Moraes, Leopoldo Fróes, etc., fosse considerado como ‘velho teatro’ e visto de certa forma como um entrave para uma pretensa linha evolutiva do teatro brasileiro que deveria ter como destino o signo do novo, o encenador estrangeiro, para se constituir enquanto moderno. Parte desse debate é expressado por Patriota, especialmente, no quinto e último capítulo que recebe o título O ator no centro da narrativa: contribuições à escrita da história do teatro brasileiro, no qual afirma:

De posse desse repertório teórico-metodológico, acredito que comecei a refinar meu olhar interpretativo sobre as histórias do teatro brasileiro, tanto que, em 2012 tive o privilégio de escrever, em parceria com J. Guinsburg, o livro Teatro Brasileiro: ideias de uma História. Nele, foi possível aprofundar questões referentes à urdidura da narrativa histórica e evidenciar como os embates e os anseios dos contemporâneos orientam as ideias-forças que organizam e alicerçam os marcos identificados como a história do teatro brasileiro. […] conseguimos, eu e J. Guinsburg, expor a maneira pela qual as bandeiras artísticas, defendidas por críticos teatrais, em sintonia com grupos e/ou companhias, tornaram-se o leitmotiv da escrita da história de inúmeras histórias do teatro brasileiro. (PATRIOTA, 2018, p. 383)

Em suma, recomenda-se a leitura de Antonio Fagundes, no palco da História: Um Ator, pois através da narrativa biográfica balizada em um robusto trato da documentação (críticas, fotografias, gravações audiovisuais, programas de peças, entrevistas, cartas), Rosangela Patriota nos convida conhecer os ângulos interpretativos de enfrentamentos historiográficos e embarcar na imersão em 50 anos de história cultural brasileira, especificamente, com foco na história do teatro. O grande mérito dessa obra está na sua capacidade intelectual de perspectivar debates e problemáticas es pecíficas da História e Historiografia do Teatro em atravessamentos transversais da vida e obra do ator/produtor teatral Antonio Fagundes, assim desconstruindo a sua atuação do engessamento da cristalizada imagem de galã televisivo, o conduzindo junto com o seu público das telas e palcos às páginas, ou seja, o livro trata da singularidade e o percurso de um ator no meandro de um debate político e cultural do teatro brasileiro.

Referências

BRANDÃO, T. Ora, direis ouvir estrelas: historiografia e história do teatro brasileiro. Sala Preta, v.1, p. 199-217, 28 set. 2001.

CHARTIER, Roger. Escutar os mortos com os olhos. Estudos avançados, v. 24, n. 69, p. 6-30, 2010.

GUINSBURG, Jacó; FARIA, João Roberto; LIMA, Mariângela Alves de (orgs). Dicionário do

Teatro Brasileiro: temas, formas e conceitos. [S.l: s.n.], 2006.

PATRIOTA, Rosangela. O teatro e historiador: interlocuções entre linguagem artística e pesquisa histórica. In: RAMOS, Alcides Freire; PEIXOTO, Fernando; PATRIOTA, Rosangela. A história

invade a cena. São Paulo: Editora Hucitec, 2008.

PATRIOTA, Rosangela. Vianinha: um dramaturgo no coração de seu tempo. São Paulo: Hucitec, 1999.

PATRIOTA, Rosangela. A crítica de um teatro crítico. São Paulo: Perspectiva, 2007.

PATRIOTA, Rosangela; GUINSBURG, J. (org.). J. Guinsburg, a cena em aula – itinerários de um professor em devir. São Paulo: EDUSP, 2009.

PATRIOTA, Rosangela; GUINSBURG, Jacó. Teatro Brasileiro: ideias de uma história. São Paulo: Perspectiva, 2012.

PATRIOTA, Rosangela. Antonio Fagundes no palco da história: um ator. São Paulo: Perspectiva, 2018.

RABETTI, Maria de Lourdes. Subsídios para a história do ator no Brasil: pontuações em torno do lugar ocupado pelo modo de interpretar de Dulcina de Morais entre tradição popular e projeto moderno. ILINX-Revista do LUME, v. 1, n. 1, 2012.

VESENTINI, Carlos Alberto. A teia do fato: uma proposta de estudo sobre a Memória Histórica.

São Paulo: Hucitec; História Social da USP, 1997.

Notas

3. Como bem salienta Tania Brandão (2001, p. 199): “Escrever história do teatro é, em mais de um sentido, produzir poeira de estrelas, escrever a história das estrelas.”

4. Sobre o teatro do ator conferir: (GUINSBURG; FARIA; LIMA, 2006, p. 44-45).

Robson Pereira da Silva – Doutor em História Social pela Universidade Federal de Uberlândia. Mestre pelo Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Goiás (Mestrado). Licenciado em História pela Universidade Federal de Mato Grosso. Membro do Laboratório de Estudos em Diferenças & Linguagens – LEDLin/ UFMS e do Núcleo de Estudos em História Social da Arte e da Cultura (NEHAC/UFU). Membro associado da Rede Internacional de Pesquisa em História e Culturas no Mundo Contemporâneo. Tendo experiência na área de História, com ênfase em História Cultural e Ensino de História. Autor do livro Ney Matogrosso…para além do bustiê: performances da contraviolência na obra Bandido (1976-1977). Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.  br/5608673598392485. E-mail: robson_madonna@hotmail.com.

Lays da Cruz Capelozi – Doutoranda em História pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Pela mesma instituição, estudado o Mestrado em História e o Curso de Graduação em História – Bacharelado e Licenciatura -. É membro do NEHAC – Núcleo de Estudos em História Social da Arte e da Cultura. Membro associada da Rede Internacional de Pesquisa em História e Culturas no Mundo Contemporâneo. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/8785972568211269. E-mail: syalcc@gmail.com.


PATRIOTA, Rosangela. Antonio Fagundes no palco da história: um ator. São Paulo: Perspectiva, 2018. Resenha de: SILVA, Robson Pereira da; CAPELOZI, Lays da Cruz. Antonio Fagundes: o ator do palco às páginas. Albuquerque. Campo Grande, v.13, n.25, p.176-183, jan./jun.2021. Acessar publicação original [IF].

Povos originários e Covid-19: Experiências indígenas diante da Pandemia na América Latina | Albuquerque | 2021

Covid 19 blue Rural e Urbano
Covid-19 | Foto: OPAS |

Apresentação

Las bacterias y los virus fueron los aliados más eficaces. Los europeos traían consigo, como plagas bíblicas, la viruela y el tétanos, varias enfermedades pulmonares, intestinales y venéreas, el tracoma, el tifus, la lepra, la fiebre amarilla, las caries que pudrían las bocas. La viruela fue la primera en aparecer. ¿No sería un castigo sobrenatural aquella epidemia desconocida y repugnante que encendía la fiebre y descomponía las carnes? «Ya se fueron a meter en Tlaxcala. Entonces se difundió la epidemia: tos, granos ardientes, que queman», dice un testimonio indígena, y otro: «A muchos dio muerte la pegajosa, apelmazada, dura enfermedad de granos». Los indios morían como moscas; sus organismos no oponían defensas ante las enfermedades nuevas. Y los que sobrevivían quedaban debilitados e inútiles. El antropólogo brasilero Darcy Ribeiro estima que más de la mitad de la población aborigen de América, Australia y las islas oceánicas murió contaminada luego del primer contacto con los hombres blancos. (GALEANO, 2008, p. 35) La rápida expansión del COVID-19 ha tenido un fuerte impacto sobre la vida diaria y la organización sanitaria, escolar, política y económica de las sociedades en su conjunto. Si bien la pandemia afectó de modo simultáneo a poblaciones y territorios a lo largo y ancho del planeta, a partir de la proliferación de un virus que no distingue clivajes de clase, etnia, género ni religión, a poco tiempo de transcurrida no fue difícil discernir sus impactos diferenciales en territorios y poblaciones concretas. Leia Mais

RESISTÊNCIA: A construção de saberes históricos em tempo de pandemia | Das Amazônias | 2021

Casarao da Rua 20 Goiania Rural e Urbano

Iniciamos esta edição com sinceras condolências em respeito a todos os brasileiros e brasileiras que partiram devido à crise sanitária ocasionada pelo novo coronavírus, mas sobretudo pesarosos do contexto ideológico em que o Brasil está inserido. A Revista Discente das Amazônias se irmana no sentimento de tristeza de cada ente querido que sente a dor da saudade, palavra encontrada apenas no português do Brasil (e que faz muito sentido face a falta do avô, da mãe, do irmão, do pai, da tia, do primo, do próximo ou do distante), na ausência da vida. Externamos nossa solidariedade aos que permanecem e lastimamos por aquelas pessoas que se tornaram montante numérico superior a 470.000 mil mortos, vítimas de um genocídio resultante da ignorância, do negacionismo e da pseudociência.

Mas, nos apeguemos aos respingos de esperanças. Paulo Freire, fugindo da norma, já nos convidava a conjugar o substantivo “esperança” – esperançar é preciso. É nesses embalos de incerteza de um viver marcado por lutas, que devemos acreditar na ciência, na educação pública e gratuita e sua fundamental importância e contribuição para à sociedade. Assim, caros(as) leitores e leitoras, lhes convidamos a lerem os trabalhos submetidos à Das Amazônias, Revista Discente de História da Ufac (em seu volume 4, número 1), que compõe o conjunto de periódicos da área de História do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), da Universidade Federal do Acre (Ufac). Leia Mais

Palavras ABEHrtas | ABEH | 2021

PALAVRAS ABERTAS2 2 Rural e Urbano

A proposta de Palavras ABEHrtas (Ponta Grossa, 2021) é que ele se configure como território amplo e aberto para divulgação, informação e debates no que se refere e afeta o ensino de História, conforme os atuais valores e missões da ABEH de estabelecer interlocuções cada vez mais abrangentes e de valorizar o trabalho de professores e professoras de História em todos os níveis e âmbitos de ensino, gestão, pesquisa e divulgação. A intenção é reunir depoimentos e relatos de experiências, produções de estudantes da Educação Básica e do Ensino Superior, debates conceituais no campo do Ensino de História, bem como discutir temáticas de demandas contemporâneas e divulgar projetos e iniciativas pelo Brasil e pelo mundo.

A revista será composta por sete colunas, cada uma contando com uma dupla de curadores/as e coordenada por uma editoria renovada anualmente. Os textos serão publicados quinzenalmente (com ahead of print), a partir de convites da curadoria e também por livre demanda. Os textos deverão estar conformes ao escopo de cada coluna e adequados às normas de formatação, além de respeitar os princípios éticos da Revista. Serão aceitos também diversos formatos de expressão, tais como: textos escritos, vídeos, podcasts, canções, entre outros meios de interação, sempre acompanhados de uma apresentação que contextualize o conteúdo.

Os materiais enviados serão submetidos a uma comissão editorial e a um conselho de consultores que avaliarão criticamente as propostas. Textos bilíngues também serão aceitos, privilegiando a publicação de versões em inglês e em espanhol.

Pretendemos constituir um espaço de divulgação científica em um formato ágil, que atue como um portal de atividades comentadas da área, de troca de experiências de sala de aula, de debate político geral e das políticas públicas para a área em particular. Vislumbra-se a perspectiva de integrar o periódico com as diversas iniciativas de produção de conteúdo no Ensino de História, como os projetos Chão da História, Bate Papo sobre ensino de História, atividades do GT Nacional e dos GTs regionais de ensino de História da Anpuh, laboratórios, grupos de pesquisa, ações de extensão, etc.

Por fim, é importante que os textos e outros materiais sejam provocadores de debates e de ampliação das trocas. Assim, as curadorias podem convidar pessoas para comentar os materiais publicados. Esses comentários poderão aparecer sob a forma de novos textos linkados aos iniciais, de modo a ir criando uma rede de materiais e de discussões. Adicionalmente, os conteúdos também serão divulgados e debatidos nas redes sociais da Abeh.

Propomos sete colunas com escopo definido, que publicarão tanto conteúdos encomendados quanto avaliarão o que for recebido em livre demanda, de modo a garantir a periodicidade semanal, mas que se adaptem às necessidades de discussão e comunicação da nossa comunidade. Cada coluna contará com uma dupla de curadores/as composta por sócias/os da ABEH.

Essa iniciativa da ABEH visa possibilitar, em seu site, a divulgação de trabalhos desenvolvidos no Brasil e no exterior sobre o ensino de história, no formato de divulgação científica. Além disso, o objetivo é amplificar discussões que vão dar sequência aos textos publicados, ou seja, buscamos criar oportunidade de encontros entre todas-os-es que pensam, refletem, pesquisam e mobilizam práticas sensíveis nos mais diversos espaços que envolvem o ensino de história: escolas, espaços culturais e de memória, redes sociais, arquivos, universidades, movimentos sociais, entre outros.

As publicações serão feitas semanalmente com textos, imagens, registros, descrições, lançamentos e informações sobre diversos temas do ensino de história, conforme o escopo de cada coluna. Serão aceitos materiais de docentes e discentes da educação básica assim como do ensino superior e das pós-graduações.

Periodicidade semanal.

Acesso livre.

ISSN 2764-0922

Acessar resenhas [Não publicou resenhas até 2021]

Acessar dossiês [Não publicou dossiês até 2021]

Acessar sumários

Acessar arquivos

Cadernos Pagu | Campinas, n.61, 2021.

 


Edição n. 61 (2021)

Artigos

Resenhas

ERRATA ERRATA

 

Pacientes que curam: o cotidiano de uma médica do SUS | Júlia Rocha (R)

Bilros 4 Rural e Urbano
Júlia Rocha | Imagem: Canal Júlia Rocha |

Critica Historiografica capas 9 Rural e UrbanoEstá expresso na constituição brasileira, conhecida como constituição cidadã, promulgada em 1988, que “a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício” [2]. Entretanto, para que a saúde se tornasse direito de todos e dever do Estado houve um longo processo de reformas e lutas políticas e sociais. O Sistema Único de Saúde (SUS) é o coroamento desse processo, já que a saúde como um direito da população pode ser acessada por meio dele um sistema que se pretende “público, universal e descentralizado” (PAIVA & TEIXEIRA, 2014). Fortalecê-lo, portanto, é assegurar que brasileiros e brasileiras possam exercer plenamente a sua cidadania.

O livro “Pacientes que Curam: O cotidiano de uma médica do SUS”, não narra uma experiência ou um ambiente exclusivamente de assistência hospitalar – como o título pode sugerir. Em vez disso, nos apresenta as vivências de Júlia Rocha – mulher, negra que trabalha como médica de família e comunidade no SUS [3] – com pouco mais de 10 anos de carreira. Graduada em medicina no ano de 2010 e com residência médica concluída em 2015, a autora destaca a partir de sua formação e experiência profissional que o “cuidado em saúde é algo impossível de se fazer só” (ROCHA, 2020, p: 301). Assim, embora o livro não faça referência à história institucional do SUS, ele nos apresenta questões fundamentais para a reflexão sobre a importância desse sistema e sua atuação diante das mais profundas contradições brasileiras. Leia Mais

Política e sociedade no Brasil oitocentista: história e historiografia (II) / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2021

Filosofia e Historia da Biologia 28 Rural e Urbano
Rancho na região da serra do Caraça, MG, Spix e Von Martius, 1817-1820 | Imagem: JLLO |

É com satisfação que publicamos a segunda parte do dossiê Política e sociedade no Brasil oitocentista: história e historiografia. Os artigos selecionados tratam das interfaces entre o poder, as culturas políticas e a sociedade, a partir de perspectivas teórico-metodológicas que focalizem as rupturas, as permanências, os antagonismos e as ambivalências historicamente tecidas nas múltiplas formas de relações sociais entre as elites e as camadas populares no Brasil durante o século XIX, nas mais diversas dimensões do poder e seus reflexos na sociedade e na economia. Atualizações e ressignificações do local e do regional diante das injunções produzidas pela dinâmica do global, assim com os processos e as tramas que singularizam as histórias do local e regional, em suas demissões social, econômica e de poder são também contempladas.

O primeiro artigo que abre o Dossiê, de Francivaldo Alves Nunes, intitulado na gigantesca floresta de metais: O Engenho Central São Pedro do Pindaré e os debates sobre a lavoura maranhense no século XIX, nos remete a implantação dos engenhos centrais como solução para o processo de modernização da atividade açucareira em fins do século XIX, tendo como palco a província do Maranhão. Em diálogo com a historiografia, o autor demonstra o quanto o otimismo presente na imprensa e nos relatórios dos presidentes de província em relação a essa inovação produtiva contrastava com as dificuldades e os obstáculos encontrados para sua realização, tais como a falta do concurso do capital externo para atender aos seus vultosos custos, o conflito de interesses entre produtores de cana e o Engenho central e a ausência de inovação na atividade agrícola.

Já o artigo Ofícios mecânicos e a câmara: regulamentação e controle na Vila Real de Sabará (1735-1829), de Ludmila Machado Pereira de Oliveira Torres, analisa a ação de reguladora exercida pela Câmara municipal de Sabará no território sub sua jurisdição e na ausência de corporações com essas funções em Minas Gerais, em fins do período colonial e início do Imperial. Nessa direção, a autora procede à verificação da eficiência deste poder público em regulamentar o trabalho mecânico por meio da realização de exames dos candidatos aos ofícios, proceder às eleições de juízes de ofício, tabelar preços e conceder licenças à categoria. Por outro lado, o texto ainda se detém no universo dos ofícios mecânicos na região, na maior ou menor presença de escravizados no seu meio e na relação desses trabalhadores com a instituição que os fiscalizava e regulava.

No texto de Jeffrey Aislan de Souza Silva, “Nunca pode, um sequer, ser preso pela ativa guarda”: a Guarda Cívica do Recife e as críticas ao policiamento urbano no século XIX (1876-1889), temos a abordagem de um aparato policial criado na capital de Pernambuco com a dupla função de combater a criminalidade e disciplinar a população. Nele é investigada a lei que criou essa força pública em seus diversos aspectos, como também a sua estrutura hierárquica, funções e os requisitos para o ingresso na corporação Além disso, o autor discute a eficácia e comportamento desse aparato de segurança, que mereceu uma avaliação nada lisonjeira dos seus contemporâneos na imprensa.

Com o título Gênero, raça e classe no Oitocentos: os casos da Assembleia do Bello Sexo e do Congresso Feminino, Laura Junqueira de Mello Reis pesquisa dois jornais na Corte, A Marmota na Corte e O Periódico dos Pobres, que possuíam seções especificamente dedicas às mulheres, e que tinham como seus principais colaboradores homens. Ao longo do artigo discutem-se os assuntos e as abordagens constantes nesses impressos do interesse de suas leitoras, como matrimônio, adultério, maternidade e emancipação feminina, entre outros. A perspectiva teórico-metodológica da autora busca realçar a questão de gênero sempre levando em conta a condição racial e de classe das mulheres a que os dois periódicos almejavam cativar e orientar, no caso as mulheres brancas, alfabetizadas e da elite.

O trabalho Arranjos eleitorais no processo de eleições em Minas Gerais na década de 1860, de Michel Saldanha, versa sobre importante temática política que cada vez mais vem merecendo a atenção da historiografia: as eleições. Embora as eleições sejam um assunto sempre referido nos trabalhos sobre a histórica política do Império, só recentemente vimos surgir inúmeras pesquisas que têm como seu objetivo particular o processo e a dinâmica eleitoral em diversos momentos e espaços do Brasil oitocentista. A autora se debruça sobre as eleições em Minas Gerais, na década de 1860, com um intuito de discutir as estratégias informais e formais utilizadas pelos candidatos e partidos para obtenção de sucesso nas urnas. Neste sentido, a difícil feitura da chapa de candidatos, a busca de aproximação dos dirigentes políticos com o seu eleitorado e a qualificação dos votantes estão entre as práticas eleitorais analisadas.

Educação e trabalho: a função “regeneradora” das escolas nas cadeias da Parahyba Norte é o título do artigo Suênya do Nascimento Costa. Nas suas páginas, são abordadas as práticas pedagógicas no Brasil do século XIX direcionadas à população carcerária, em sua maioria constituída de pessoas de origem humilde, no intuito não só de discipliná-las, mas também instruí-las sobre os valores dominantes que deveriam reabilitar os indivíduos criminosos para o convívio social, especialmente através do trabalho, em conformidade as ideias em voga no século XIX.

O artigo de Paulo de Oliveira Nascimento, intitulado Até onde mandam os delegados: limites e possibilidades do poder dos presidentes de província no Grão-Pará e Amazonas (1849 – 1856), versa sobre o executivo provincial cujos titulares, na qualidade de representantes do governo central, buscavam impor a orientação dos gabinetes às diversas partes do Império nem sempre com sucesso. No território do Amazonas o autor explora as dificuldades enfrentadas pelos presidentes para administrar um conflito antigo em particular, o que envolvia o religioso e diretor da Missão de Andiras e as autoridades locais pelo controle dos indígenas.

O estudo sobre a instância de poder provincial é também o assunto do artigo Instituições entre disputas de poder e a remoção dos párocos em Minas Gerais, de Júlia Lopes Viana lazzarine, que aborda a interferência dos presidentes de província no Padroado Régio, tida como supostamente prevista no Ato Adicional. Como aconteceu frequentemente por todo o país à época da Regência, a extrapolação das atribuições de poder na esfera províncias, prevista naquela lei descentralizadora, terminou por conflitar diversas instâncias político-administrativas. Em Minas Gerais não foi diferente. No caso discutido, ocorreu o embate, de um lado, entre o governo provincial e a Igreja; e de outro, entre a Assembleia Provincial e a Câmara dos deputados.

O artigo de Rafhaela Ferreira Gonçalves, Contornos políticos em torno dos processos cíveis de liberdade na zona da mata pernambucana: a denúncia de Florinda Maria e o caso dos pardos Antônio Gonçalves e Bellarmino José (1860-1870), discuti como base documental os processos cíveis, que constam na atualidade como fontes valiosas para a compreensão da luta dos escravizados pela liberdade. Por meio da análise de um deles, a autora consegue muito bem desvendar as estratégias encontradas pelos escravizados para se valerem do sistema normativo dominante a seu favor nos tribunais. A ação de liberdade escolhida pela autora para apreciação não poderia ser melhor. Trata-se do caso de uma liberta que engravidou de seu antigo senhor e depois viu seus filhos, nascidos do ventre livre, serem vendidos pelo pai como se fossem cativos.

Manoel Nunes Cavalcanti Junior, em A Revolta dos Matutos: entre o medo da escravização e a ameaça dos “republiqueiros” (Pernambuco-1838), investiga uma revolta da população livre e pobre do interior, na região da Zona da Mata e Agreste, que teve como estopim um decreto do governo interpretado pelos populares como uma medida visando escravizá-los. Na sua abordagem o autor investiga o levante em dupla perspectiva. Primeiro, no contexto do conflito intra-elite no período regencial , quando a boataria sobre o cativeiro da população foi atribuída pelas autoridades aos inimigos do governo, os chamados Exaltados, os quais procuraram aliciar para o seu lado os habitantes do interior tidos à época como “ignorantes” e de fácil sedução. Segundo, procurando compreender a revolta a partir das motivações próprias da gente livre e pobre do campo, que era a que mais penava com o recrutamento militar e tinha razões de sobra para desconfiar de tudo que vinha das elites e do Estado.

O trabalho O julgamento do patacho Nova Granada: embates diplomáticos entre Brasil e Inglaterra no auge do tráfico atlântico de escravizados nos anos de 1840, de Aline Emanuelle De Biase Albuquerque, nos remete à questão da repressão ao comércio negreiro e dos envolvidos nesse negócio ilícito, arriscado e lucrativo. Por meio de um processo crime que durou anos e que não condenou ninguém, a autora desvenda o conluio entre o governo brasileiro e os traficantes, os desacordos entre as autoridades britânicas e brasileiras no caso, assim como quem eram os integrantes dessa atividade mercantil proibida desde 1831. Na sua apreciação, aspectos interessantes da logística e da organização do tráfico são também revelados, como o tipo de equipamento encontrado nas naus que seguiam para África ou de lá retornavam, e que era considerado prova da atividade negreira, independe da presença de cativos na embarcação.

A imprensa no período de emancipação do Brasil de Portugal, no momento de definição dos rumos da nação que se pretendia construir, consta como temática do artigo O Reverbero Constitucional Fluminense e as interpretações do tempo no contexto da Independência (1821-1822), de João Carlos Escosteguy Filho. Nesse sentido, o autor expõe e problematiza a compreensão do tempo e da trajetória histórica do Brasil e das Américas presentes nas páginas da folha em tela, cujos propósitos eram o de influenciar o debate público e os rumos políticos do país.

Amanda Chiamenti Both, em seu trabalho Imediatos auxiliares da administração: o papel da secretaria de governo na administração da província do Rio Grande do Sul, estuda a secretaria de governo provincial, de grande importância para as presidências, mas ainda pouco explorada pela historiografia. Em meio à substituição frequente de presidentes, o artigo demonstra a relativa permanência dos indivíduos indicados para o posto de secretário da presidência no Rio Grande do Sul, além de explorar quem eram seus titulares, como se dava sua escolha e quais as suas atribuições. Suas conclusões apontam para a posição estratégica desse funcionário para o desejado entrosamento entre os presidentes e a sociedade local.

O texto de Ivan Soares dos Santos encerra o dossiê, intitulado Uma trama de fios discretos: alianças interprovinciais das sociedades públicas de Pernambuco (1831-1832). Ele retoma os estudos de duas importantes associações federais por um viés diferenciado daquele geralmente presente na historiografia sobre o período regencial. Neste sentido, o autor procura explorar e realçar as estratégias políticas construídas pelos liberais federalistas de Pernambuco para além das fronteiras da sua província, no intuito de fortalecê-los como grupo em luta pelo o poder.

Em vista dessas considerações, convidamos todos os interessados na produção histórica recente, inédita e de qualidade à leitura deste dossiê dedicado ao Brasil oitocentista.

Cristiano Luis Cristillino

Suzana Cavani Rosas

Maria Sarita Cristina Mota


CRISTILINO, Cristiano Luís; ROSAS, Suzana Cavani; MOTA, Maria Sarita Cristina. Apresentação. CLIO: Revista de Pesquisa Histórica. Recife, v.39, p.1-6, jan./jun. 2021. Acessar publicação original [IF].

Acessar dossiê

Fronteiras Étnicas e Conflitos Sociais no Rio Madeira / Canoa do Tempo / 2021

Filosofia e Historia da Biologia 29 Rural e Urbano
Rio Madeira | Foto: Santo Antônio Energia |

Os artigos que compõem o presente dossiê articulam-se a partir de duas dimensões: o eixo dos encontros e confrontos entre grupos étnicos distintos em um contexto de avanço do extrativismo da borracha no sentido dos altos rios; a dimensão conflitiva, marcada por estratégias de resistências e formas de agenciamento que permeavam a vida dos múltiplos agentes envolvidos.

São investigações sobre a história social na região do rio Madeira, área situada ao Sul do Estado do Amazonas, que abarcam um período que vai de meados do século XIX a meados do século XX. Todos os textos vinculam-se a ideia de construção de uma fronteira étnica1 reveladora das complexas teias de alianças e das múltiplas relações de conflito que atravessaram as histórias dos grupos sociais envolvidos. Destaca-se ainda o fato de que as mais recentes pesquisas no campo da história e das ciências sociais na Amazônia têm adotado como eixo articulador de temas e problemas de investigação os rios2 que compõem a bacia hidrográfica da região. Aparentemente, não há distinção entre as novas pesquisas e o clássico trabalho de Leandro Tocantins. Entretanto, hoje os rios emergem como uma unidade política de reflexão e mobilização, marcada por situações sociais que redefinem as modalidades de percepção, pois estão relacionadas a uma tomada de consciência ambiental.3

Embora esteja ligado a um dado natural, o que está em jogo na atualidade é a compreensão sócio-histórica das transformações pelas quais os povos que vivem nesses rios vêm passando, certamente como resultado de suas próprias ações, bem como a busca do entendimento das estratégias de dominação desenvolvidas pelos aparelhos burocráticos de poder ligados a contextos mais amplos. Trata-se de se estabelecer relações entre contextos locais e as dinâmicas mais ampliadas do capitalismo global, evitando-se, portanto, abordagens de caráter regional, desvinculadas dos elementos transnacionais que ligam a história da Amazônia ao sistema mundo.

Essa é abordagem proposta por Antônio Alexandre Isídio Cardoso ao problematizar as relações que se estabelecem na fronteira étnica formada por povos indígenas, operários e engenheiros de diversas origens étnicas e sociais no contexto de construção da rodovia Madeira-Mamoré. Recuperando os relatos de Ernesto Matoso Maia Forte, secretário da Comissão Morsing, Cardoso situa os diversos momentos em que os encontros de alteridade entre Mundurucu, Mura, Acanga-Piranga e os adventícios exploradores do rio, se deram. Tensões, conflitos e também múltiplas possibilidades de agência permeavam as relações sociais entre esses múltiplos agentes.

Essa vertente analítica também foi explorada pelo texto de Jorge Oliveira Campos ao investigar o avanço da frente de expansão de comerciantes e seringalistas sobre os territórios étnicos dos índios Parintintin desde meados do século XIX. A sanha capitalista de acesso aos recursos naturais que estão dentro dos caminhos da guerra dos Kawaiba, transforma esses povos indígenas e alvos privilegiados de ataques e correrias. A estratégia Parintintin de fazer a guerra mantem-se intacta por toda segunda metade do Oitocentos e adentra os anos iniciais do século XX.

Conforme demonstrado por Jordeanes Araújo, os Parintintin passaram a adotar uma nova estratégia etnopolítica a partir dos movimentos de aproximação e “pacificação” entabuladas pelo Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionais” (SPILTN), tendo como principal mediador o mais conhecido e respeitado indigenista atuando no Brasil à época, Curt Nimuendajú. A parir de 1921, pequenos grupos foram se aproximando dos barracões de Manoel de Souza Lobo, um dos mais destacados seringalistas da região do médio e alto Madeira, e estabelecendo relações de trabalho e sociabilidades com os moradores do seringal Três Casas.

Vanice Siqueira, Alik Nascimento e Letícia Pereira abordam as dinâmicas históricas e territoriais dos índios Mura na região do médio e baixo Madeira. Remontando aos conflitos do século XVIII, as autoras(es) recuperam a forma como para os índios Mura a fronteira étnica foi sendo redefinida. Das guerras contra a dominação europeia na região do interflúvio, passando pela debatida redução dos Mura e o processo de “pacificação” até o retorno dos conflitos já contra as forças imperiais no período da cabanagem, os Mura foram historicamente definindo espaços de resistências e formas de apropriação das relações étnicas.

O processo de esbulho e intrusão dos territórios étnicos no rio Madeira segue no século XX, gerando tensões e conflitos nas áreas de coleta de castanha. Dário Duarte e Davi Leal recuperam essa dimensão para o rio Anitinga, município de Manicoré, a partir da reveladora trajetória de Carolina Rosalina de Oliveira, índia Mundurucu, que liderou uma revolta contra Hélio Rego e Raimundo Avelino, dois comerciantes locais que intentaram intrusar as terras da comunidade. A disputar ganhou as páginas dos grandes jornais do Estado, gerou uma interessante documentação no SPI e chegou ao conhecimento do presidente Juscelino Kubitscheck quando da sua passagem por Manaus em 1956.

Os textos confluem, portanto, para desvelar aspectos muitas vezes insuspeitos do processo de construção política das relações de alteridade, em um contexto histórico fortemente impactado por forças econômicas exógenas que haviam se vinculados às correntes mercantis e que passaram a adentrar a região do rio Madeira em meados do Oitocentos.

Referências

ALBUQUERQUE, Gerson Rodrigues de. Seringueiros, Caçadores e Agricultores: trabalhadores do rio Muru (1970-1990). São Paulo: PUC-Dissertação de Mestrado, 1995.

BARAÚNA, Gláucia Maria Quintino. As políticas governamentais que afetam as “comunidades ribeirinhas” no municipio de Humaitá- Am, rio Madeira. In: ALMEIDA, Alfredo W. B. de. Conflitos Sociais no Complexo Madeira. Manaus: UEA edições, 2009.

BARTH, Fredrik. Os grupos étnicos e suas fronteiras. In: O Guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Rio de Janeiro: ContraCapa, 2000.

DAVIDSON, David M. “Rivers and Empires: The Madeira Route and the Incorporation of the Brazilian Far West, 1737-1808, Ph.D. diss, Yale Univ. 1979;

MENEZES, Elieyd. Conflitos socioambientais e transformações sociais em Novo Airão. In: ALMEIDA, Alfredo W. B. de. (Org). Mobilizações Étnicas e Transformações Sociais no Rio Negro. Manaus, UEA edições, 2010.

TOCANTINS, Leandro. O rio comanda a vida: uma interpretação da Amazônia. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1973.

Davi Avelino Leal


LEAL, Davi Avelino Apresentação. Canoa do Tempo. Manaus, v.13, n.1, p.3-6, jan./abr. 2021. Acessar publicação original [IF]. Acessar publicação original [IF].

Clio – Revista de Pesquisa Histórica. Recife, v. 39, n. 1, jan./jun, 2021. (S)

Dossiê: Política e sociedade no Brasil oitocentista: história e historiografia – Parte 2

Apresentação

  • Apresentação | Suzana Cavani Rosas, Cristiano Luís Christilino, Maria Sarita Cristina Mota | PDF | 01-05

Dossiê

Artigos Livres

Resenhas

Antígona | UFT | 2021

Antigona Rural e Urbano

A revista Antígona (Porto Nacional, 2021-) destina-se a publicações no campo de História, Educação e Áreas afins, prezando pela produção, pelo ineditismo e pela inovação. Visando difundir as pesquisas dos professores e dos alunos e, assim, ampliando a visibilidade do Curso de História e do PPGHispam.

Antígona, de Sófocles, coloca-se no espaço público como expoente e defensora dos direitos individuais e coletivos, heroína do direito natural, da ética, do desejo, da resistência e da subversão. Por seu nome e sua inspiração, a Revista Antígona deve vivificar propostas que questionam doutrinas pré-estabelecidas, levantando novas problematizações, novas abordagens, novos temas e novas metodologias.

Seus dossiês, artigos, resenhas e traduções devem contribuir para o aprofundamento e consistência da História e da Historiografia, da Licenciatura em História, das Ciências Humanas e Áreas afins, bem como para o debate sobre o Direito dos Povos, desenvolvidos nesse campus. Seu candelabro simboliza a inspiração da chama do conhecimento, da solidão do trabalho intelectual e da luz regeneradora que atravessa caminhos na escuridão.

Periodicidade semestral.

Acesso livre.

Acessar resenhas [Não publicou resenhas em 2021]

Acessar dossiês [Não publicou resenhas em 2021]

Acessar sumários

Acessar arquivos

Filosofia e História da Biologia | USP | 2006

Filosofia e Historia da Biologia 39 Rural e Urbano

Filosofia e História da Biologia (São Paulo, 2006-) é uma revista da USP com a parceria da Associação Brasileira de Filosofia e História da Biologia (ABFHiB). Ela integra as publicações do Centro Interunidades de História da Ciência (CHC) da Universidade de São Paulo. Criada em 2006, passou a ter periodicidade semestral a partir de 2010.

Publica artigos resultantes de pesquisas originais referentes a filosofia e/ou história da biologia e suas interfaces epistêmicas, como história e filosofia da biologia e educação científica.

[Periodização semestral].

Acesso livre.

ISSN 1983-053X (Impressa)

ISSN 2178-6224 (Online)

Acessar resenhas [Ainda não publicou resenhas]

Acessar dossiês [Ainda não publicou dossiês]

Acessar sumários [Disponível somente a partir de 2020]

Acessar arquivos

El pueblo contra la democracia: por qué nuestra libertad está em peligro y cómo salvarla | Yascha Mounk

A onda de recessão democrática global gerou outra onda: a de livros teóricos sobre o tema, que surgiram aos montes em tempos recentes. Um desses é El pubelo contra la democracia, de Yascha Mounk, professor de Harvard. Yascha, como grande parte dos pesquisadores do Norte, prefere trabalhar com o conceito de populismo, evitando outras noções também em voga como fascismo, democratura e afins. Independente do rótulo utilizado, Yascha prossegue com a discussão que se tornou em voga: por que a democracia liberal passou a dar sinais de decadência após décadas de estabilidade?

Enquanto autores como Steven Levitsky e Daniel Ziblatt (2018, p. 33-34) preferiram focar sua obra, na fragilização das instituições através de um processo de autoritarismo gradual, Mounk direciona o seu livro para uma visão menos institucional e mais “popular”. Isto é, busca compreender menos os líderes por trás desses movimentos anti- democráticos, e mais a base que os sustentam: o povo, conforme até mesmo o título deixa claro. Para isso, se propõe a debater os motivos que levaram parte da população mundial a rejeitar a democracia, que, outrora com apoio majoritário, atualmente encontra-se, na melhor das hipóteses, desacreditada (MOUNK, 2018, p. 64).

A surpreendente vitória de Donald Trump em 2016 serviu para evidenciar um tumor no âmago da democracia liberal (MOUNK, 2018, p. 10): se a suposta democracia mais estável e poderosa do planeta pode eleger um demagogo, o que será das outras? Previsível, portanto, que essa eleição tenha acabado por impulsionar também a eleição de outros demagogos ao redor do planeta (MOUNK, 2018, p. 10). Apesar de suas idiossincrasias variáveis de nação para nação, todos esses “homens fortes” (MOUNK, 2018, p. 13) possuem características interseccionais entre si: os ataques à mídia livre; a perseguição à oposição; a existência de inimigos invisíveis, dentro e fora de seus países; e, mais notável, a simplicidade com que tratam a democracia, interpretando a realidade como crianças mimadas, se propondo a solucionar todos os problemas possíveis (apenas para suas seitas), mas sem propostas reais de como fazê-lo (MOUNK, 2018, p. 12-16). Mas o que leva as pessoas desejarem isso, almejarem trocar a estabilidade da democracia liberal por um movimento populista autoritário, quando não fascista?

Para Mounk (2018, p. 159) o primeiro motivo é pragmático: estagnação econômica. Crises e estagnações historicamente sempre favoreceram o surgimento ou ascensão de regimes autoritários, principalmente quando aliadas a altos índices de corrupção. A crise de 2008 e as medidas de austeridade que se seguiram a ela, adicionaram ainda mais caldo ao ressentimento criado pela estagnação. Na impossibilidade de prover a família ou de desfrutar do mesmo conforto que outrora possuíra, as pessoas direcionam o seu ressentimento e frustração para a política e para bodes expiatórios conforme a necessidade: alguém precisa ser culpabilizado pelo fracasso. No caso europeu e estadunidense, os imigrantes; no caso brasileiro, a corrupção e o fantasma invisível e onipresente de um comunismo inexistente.

Segundo Mounk (2018, p. 172), a segunda razão, principalmente na Europa e na América do Norte, é a imigração. A presença do alien, do desconhecido, o contato com novas culturas, principalmente em momentos de crise, é um ingrediente importante para o bolo do nacionalismo populista. Como efeito, Mounk também constata que homens são mais suscetíveis a sucumbir à hipnose populista pela perda de autoridade masculina conforme, nas últimas décadas, a tradição de poder é progressivamente questionada. Da mesma forma, o Partido Republicano, nos EUA, é particularmente forte entre os homens brancos, o maior eleitorado de Donald Trump, dado que sentem um esvaziamento de seu poder e se colocam, eles próprios, como vítimas (STANLEY, 2018, p. 98, 104-105). Assim, surgem narrativas que apontam mulheres independentes, negros, judeus, árabes, homossexuais, ou qualquer desviante da tradição, como responsáveis por um suposto declínio da nação.

O terceiro motivo, o grande diferencial dos populismos contemporâneos, é a ascensão da internet e das redes sociais como ferramenta de comunicação em massa (MOUNK, 2018, p. 152-153). Ao passo que fenômenos como a tão em voga fake news pouco têm de novo, as redes sociais ajudaram na disseminação da mentira, bem como na organização de grupos de ódio e na padronização dos pensamentos através de algoritmos. Se na realidade somos constantemente expostos ao outro, a uma alteridade forçada, na internet podemos facilmente nos fechar em pequenos grupos, repetindo mentiras até que se tornem verdades. Como Orwell (2009, p. 338) já mostrava, 2 + 2 passa a ser 5 se assim for conveniente, e quem mostrar que é 4 é obviamente um (insira aqui o rótulo do inimigo objetivo do movimento).

Foucault (1979, p. 77) já dizia que “as massas, no momento do fascismo desejam que alguns exerçam o poder, alguns que, no entanto, não se confundem com elas, visto que o poder se exercerá sobre elas […]; e, no entanto, elas desejam este poder, desejam que esse poder seja exercido.” Embora Mounk evite trabalhar com a ideia de fascismo, conforme já foi aventado, o conceito de populismo que desenvolve lida com a mesma ideia: a necessidade das pessoas, em um momento de frustração e desilusão com o establishment político, desejarem avidamente por um “homem forte”, pouco importando seu preparo para o cargo. A capa da edição espanhola, edição que aqui está sendo resenhada, um rebanho de ovelhas, ilustra justamente a submissão do homem-massa ao messias, ao líder.

O modus operandi desses populistas autoritários é padrão e já foi bastante relatado nos últimos anos: a classificação maniqueísta do mundo em uma oposição binária. Consequentemente, todos aqueles que não apoiam esses grupos, são automaticamente classificados como “malignos”. Os meios de comunicação, a oposição e as universidades são alvos preferenciais, e inimigos invisíveis aparecem por todos os lugares. Se há uma característica em comum, a despeito de todas as diferenças, entre esses grupos, essa é o conspiracionismo paranoico.

Um dos exemplos mais mencionados por Mounk (2018, p. 17) é a Hungria de Orbán, sugerida por politólogos após a queda da União Soviética como um dos antigos satélites com mais chances de consolidar uma democracia liberal. Mounk (2018, p. 18) aponta alguns dos pontos que indicavam que a democracia iria se tornar resiliente na Hungria: experiência democrática no passado; legado autoritário mais frágil do que os demais ex- satélites soviéticos; país fronteiriço com outras democracias estáveis; crescimento econômico; mídia, ONGs e universidades fortes. Trinta anos depois, verifica-se justamente o contrário: após anos gradualmente dissolvendo as instituições do país, aparelhando a corte, perseguindo jornalistas e acadêmicos, Viktor Orbán conseguiu, no escopo da crise do coronavírus, enorme poderes (O GLOBO, 2020) e poucos discordariam que a Hungria é, hoje, autoritária.

Outra força importante da obra de Mounk é ressaltar a diferença entre liberalismo e democracia, discussão pouco levantada por outros autores sobre a temática. Com a queda do Muro de Berlim, e o suposto fim da história, o homem se acostumou à falácia de que democracia e liberalismo são sinônimos, de que não há democracia sem liberdade individual, e que não há liberdade individual sem democracia. Viktor Orbán classifica o seu regime como uma “democracia iliberal”, nome orwelliano que, em última análise, sintetiza o seu autoritarismo e o de tantos outros atuais: uma ditadura velada, com uma democracia de fachada, inexistente na prática, com restrição de liberdades individuais e do livre-pensamento (MOUNK, 2018, p. 18). Um método eficiente de “democratura” desenvolvida pela escola Putin de governar.

Mounk divide essas “democraturas” em dois tipos: liberalismo antidemocrático e democracia iliberal. Em outras palavras, uma cisão na noção de democracia liberal, que se parte em duas. A primeira é caracterizada por um sistema fechado, que exclui a população, através do representativismo, da participação política, concentrando o poder nas mãos de uma elite oligárquica. Ou, como Robert Dahl (2005, p. 31) já havia apontado quase 50 anos atrás em Poliarquia, uma hegemonia ou uma semi-poliarquia, considerando que, para Dahl, somente um regime inclusivo e igualitário poderia ser classificado como poliarquia, isto é, o mais próximo possível de uma democracia, esta um ideal utópico a ser perseguido mas nunca alcançado. Entrementes, o liberalismo antidemocrático de Mounk, assim como a hegemonia ou semi-poliarquia de Dahl, é marcado pela concentração de poder e limitação da liberdade apenas para a elite, enquanto o restante da população é progressivamente excluído. O segundo sistema, a democracia iliberal, é uma consequência do primeiro. A população politicamente invisível acaba por ser presa fácil de movimentos populistas anti-democráticos, que supostamente visam subjugar o primeiro sistema, embora, muitas vezes, como ocorreu no Brasil de 2018, sejam parte dessa própria elite. Conforme aponta Jason Stanley (2018, p. 82), “a democracia não pode florescer em terreno envenenado pela desigualdade”. O povo é, assim, capturado pelo discurso do “homem forte”, que retomará o país aos tempos de glória, não importando se a morte da democracia real é uma consequência inevitável desse processo. Soma-se a isso a diminuição da representatividade na democracia representativa. Embora, por sua própria definição, a democracia representativa implica em certo afastamento do povo em relação ao político, dado que o primeiro fica, em grande parte, impossibilitado de tomar decisões diretas, há uma ascensão no sentimento desse afastamento. Isto é, a democracia está supostamente cada vez menos representativa, e os políticos profissionais progressivamente mais afastados da opinião popular (MOUNK, 2018, p. 64).

Talvez o maior defeito da obra de Mounk – um defeito que não é exclusivo seu, mas sim de grande parte dos livros sobre movimentos anti-democráticos contemporâneos -, é vender suas ideias como se fossem novidades, quando Robert Dahl, meio século atrás, já apontava as mesmas questões com nomenclaturas distintas, ressaltando ainda a importância de perceber que a democracia plena é impossível e utópica. Tanto mais, a insistência de Mounk com o rótulo de populismo autoritário recusa, possivelmente para evitar utilizar um termo tão desgastado, a ideia de que parte desses movimentos anti-democráticos sejam de fato movimentos fascistas. Entretanto, se por um lado é realmente necessário evitar elasticizar o conceito de fascismo para não englobar tudo, por outro somente com malabarismo intelectual é possível classificar um Jair Bolsonaro, para usar um exemplo de nosso país, como apenas um “populista de extrema-direita, ultraconservador e nacionalista”. Mesmo porque um populista de extrema-direita, ultraconservador e nacionalista é justamente um fascista.

Referências

DAHL, Robert. Poliarquia: participação e oposição. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2005.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.

O GLOBO. Parlamento da Hungria aprova lei de emergência que dá a Orbán poderes quase ilimitados. O Globo, Rio de Janeiro, 01 abr. 2020. Disponível em: https://oglobo.globo.com/mundo/parlamento-da-hungria-aprova-lei-de-emergencia-que-da-orban-poderes-quase-ilimitados-24338118 . Acesso em: 15 ago. 2020.

ORWELL, George. 1984. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as democracias morrem. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.

MOUNK, Yascha. El pueblo contra la democracia: por qué nuestra libertad está em peligro y cómo salvarla. Espasa Libros: Barcelona, 2018.

STANLEY, Jason. Como funciona o fascismo: a política do “nós” e “eles”. Porto Alegre: L&PM, 2018.

Sergio Schargel – Mestrando em Literatura, Cultura e Contemporaneidade pela PUC-Rio, mestrando em Ciência Política pela UNIRIO. Bolsista CNPq. E-mail: sergioschargel_maia@hotmail.com


MOUNK, Yascha. El pueblo contra la democracia: por qué nuestra libertad está em peligro y cómo salvarla. Barcelona: Espasa Libros, 2018. Resenha de: SCHARGEL, Sergio. Velhas ideias sob novas roupagens. Albuquerque – Revista de História. Campo Grande, v. 12, n. 24, p. 220-224, jul./dez., 2020.

Acessar publicação original [DR]

Rock cá/ rock lá: a produção roqueira no Brasil e em Portugal na imprensa – 1970/1985 | Paulo Gustavo da Encarnação

Bichos escrotos saiam dos esgotos

Bichos escrotos venham enfeitar […]

Bichos, saiam dos lixos

Baratas me deixem ver suas patas

Ratos entrem nos sapatos

Do cidadão civilizado

(TITÃS, 1986).

Nas favelas, no Senado

Sujeira pra todo lado

Ninguém respeita a Constituição

Mas todos acreditam no futuro da Nação

(LEGIÃO URBANA, 1987)

O primeiro fragmento citado compõe a letra da música “Bichos escrotos”, do álbum Cabeça Dinossauro da banda Titãs. Ainda que apresentada em shows desde o começo da década de 1980, a música foi gravada apenas em 1986. O motivo: a censura imposta no regime militar. Já o segundo excerto compõe o disco Que país é este, da banda Legião Urbana. Lançado no álbum de 1987, a música, igualmente intitulada “Que país é este”, rapidamente se transformou num hit da banda e embalou gerações. Ambas foram oficialmente lançadas nos anos iniciais do processo de redemocratização do Brasil. Contêm críticas profundas ao período e aos fundamentos da Nova República, denominação cunhada para tratar do período iniciado com o fim da ditadura militar (FERREIRA; DELGADO, 2018).

Elas foram (e são) entoadas por jovens de diferentes gerações como canções de protesto e contestação à ordem política vigente e à estrutura social. Embora trintonas, são extremamente atuais para pensarmos o cenário político brasileiro, as relações entre Executivo e Legislativo e, principalmente, as práticas políticas adotadas. Afinal, atualmente ainda sobram “bichos escrotos” que desrespeitam a Constituição, mas, apesar da dura realidade enfrentada pelo cidadão brasileiro, entoam fábulas encantadoras sobre o “futuro da Nação”.

Não obstante, as canções também possibilitam aprofundar a discussão acerca das complexas relações entre história, rock, mídia e política. E suscitam outras importantes indagações, tais como: O que é rock? É um gênero nacional ou estrangeiro? É popular ou elitista? É música de caráter alienante ou música de protesto? É expressão de posturas progressistas ou conservadoras? Como é comumente classificado por agentes do campo midiático?

Esses são alguns dos problemas argutamente debatidos pelo trabalho recém-publicado por Paulo Gustavo da Encarnação, doutor em história pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e com estágio pós-doutoral realizado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Fruto da sua tese de doutorado, sob a orientação do professor doutor Áureo Busetto, e com estágio de pesquisa em Portugal, o historiador publicou o livro intitulado Rock cá, rock lá: a produção roqueira no Brasil e em Portugal na imprensa (1970-1985).

A obra apresentada se inscreve no horizonte da chamada “história política renovada”, que, como formulado por René Rémond (1996), concebe a amplitude dos objetos enfocados pela história política. Toma o rock como objeto com potencial para o conhecimento de práticas políticas diversas e múltiplas dimensões da identidade coletiva — perspectiva que possibilita adentramos “terrenos que, mesmo aparentemente apresentados como paisagens desérticas e estéreis, são searas para serem trilhadas pelo historiador do contemporâneo” (ENCARNAÇÃO, 2018, p. 32). O autor do livro observa a “relação rock/política como resultado de um feixe de relações sociais, cujos subsídios principais podem ser percebidos em discursos, nos comportamentos e, inclusive, nas aparentes ausências de elementos e ingredientes da política” (ENCARNAÇÃO, 2018, p. 32).

Com tais preocupações, Paulo Gustavo da Encarnação procura demonstrar as proximidades entre o rock brasileiro e o lusitano entre as décadas de 1970 e 1980. Aponta semelhanças entre os países; por exemplo, os períodos de ditadura. Mas também cuida das particularidades. Munido de uma perspectiva comparativa, afasta-se de visões totalizantes, hegemônicas e uniformes para pensar os agentes e expedientes dos universos roqueiros brasileiro e português. Como bem lembrou Marc Bloch sobre o trabalho do historiador (2001, p. 112), “no final das contas, a crítica do testemunho apóia- se numa instintiva metafísica do semelhante e do dessemelhante, do Uno e do Múltiplo”.

Assim, o livro busca refletir comparativamente acerca das características do rock lusitano e do brasileiro. Para tanto, leva em conta parâmetros linguístico-poéticos e musicais na análise de canções com críticas sociais e políticas. Procura demonstrar como o gênero foi classificado, respectivamente, por agentes brasileiros e portugueses, ocupando-se especialmente das definições e dos estereótipos formulados pelos integrantes do universo midiático, assim como da constituição e atuação da crítica musical veiculada em cadernos jornalísticos específicos e/ou em revistas especializadas. Portanto, historiciza o rock e o modo como o gênero foi tomado pela imprensa nos universos brasileiro e português.

Com relação à imprensa, concebe as diferentes e, por vezes, antagônicas facetas que conferem existência a uma empresa midiática. Compreende o estatuto das suas fontes e explica, detalhadamente, os passos trilhados para a realização do estudo. Apresenta, por exemplo, o modo como constituiu quadros temáticos para realização da pesquisa documental e para o trabalho com a bibliografia — expediente que possibilitou estruturar uma narrativa fluente e pouco afeita apenas à exposição cronológica e linear dos fatos.

Com base nos dados obtidos em pesquisa documental de fôlego e a partir da consulta crítica e assertiva à ampla e diversificada bibliografia, o pesquisador expõe consistente tese sobre o tema:

O rock produzido em língua portuguesa, no Brasil e em Portugal, desde os anos 1950 vinha num processo de nacionalização que culminaria, a partir da década de 1970 e, com especial destaque, para os anos 1980, no denominado rock nacional. […] defendemos a tese de que o rock produzido durante o período de 1970-1985 expressou e lançou mensagens musicais e críticas políticas. Ele se tornou, por conseguinte, um catalisador e um difusor de anseios e visões de mundo de uma parcela da juventude que não estava disposta a ver suas expectativas com relação à vida cultural e à política encerradas nas dicotomias: nacional/ estrangeiro, popular/elitista, capitalismo/socialismo (ENCARNAÇÃO, 2018, p. 25).

Além de fértil e sólida tese, o leitor terá a oportunidade de conhecer o trabalho de um pesquisador incansável que minerou e lapidou dados e elementos históricos. Ademais, o livro de Paulo Gustavo da Encarnação é leitura obrigatória para pesquisadores que apreciam a constituição de séries no trabalho de pesquisa documental, a organização do material e sua exposição numa narrativa envolvente, sem, contudo, renunciar ao enfretamento de densas e qualificadas questões teórico-metodológicas. Ao longo dos quatro capítulos, o leitor terá a chance de conhecer a história do rock e, também, uma potente análise sobre as relações desse gênero musical com a mídia e a política no Brasil e em Portugal.

Se, por um lado, o trabalho de Paulo Gustavo nos ensina sobre um objeto específico e a operação do historiador num recorte temporal definido, comparando práticas em dois espaços distintos, por outro lado, chama atenção para a importância de entendermos o universo político para além das leituras simplistas sustentadas por visões duais e dicotômicas de mundo. Essa não seria, aliás, uma necessidade da nossa frágil democracia? Que a leitura de Rock cá, rock lá fomente a reflexão e o debate. E que os leitores experimentem mais do que visões binárias e esquemáticas de mundo. Afinal, como o autor colocou, o rock “é uma miscelânea de difícil definição”, mas como “posicionamentos que buscam criticar os pilares da sociedade”, expressando, “muitas vezes, elementos, mensagens e linguagem contestadoras” (ENCARNAÇÃO, 2018, p. 267-8).

Referências

BLOCH, Marc. Apologia da história ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

ENCARNAÇÃO, Paulo Gustavo da. Rock cá, rock lá: a produção roqueira no Brasil e em Portugal na imprensa – 1970/1985. São Paulo: Intermeios; Fapesp, 2018.

FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucila de Almeida Neves (Org.). O tempo da Nova República: da transição democrática à crise política de 2016 – Quinta República (1985-2016). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018. v. 5.

LEGIÃO URBANA. Que país é este. In: LEGIÃO URBANA. Que país é este. Rio de Janeiro: EMI-Odeon Brasil, 1987. 1 áudio (2 min. 57).

RÉMOND, René. Por uma história política. Rio de Janeiro: UFRJ/FGV, 1996.

TITÃS. Bichos escrotos. In: TITÃS. Cabeça Dinossauro. Rio de Janeiro: Warner, 1986. 1 áudio (3 min. 17).

Edvaldo Correa Sotana – Mestre e doutor em História pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP/Assis). Professor da Graduação e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). E-mail: edsotana11@gmail.com


ENCARNAÇÃO, Paulo Gustavo da. Rock cá, rock lá: a produção roqueira no Brasil e em Portugal na imprensa – 1970/1985. São Paulo: Intermeios/Fapesp, 2018. Resenha de: SOTANA, Edvaldo Correa. Rock, mídia e política: história numa perspectiva comparada. Albuquerque – Revista de História. Campo Grande, v. 12, n. 24, p. 225-228, jul./dez., 2020.

Acessar publicação original [DR]

Revista do Arquivo Público do Espírito Santo. Vitória, v.4 n.8, 2020.

Editorial

Apresentação

Entrevista

Dossiê: Justiça, Cidadania e Direito na História do Espírito Santo

Artigos

Colaborações especiais

Resenhas

Justiça, Cidadania e Direito na História do Espírito Santo | Revista do Arquivo Público do Estado do Espirito Santo | 2020

Justiça, Cidadania e Direito são temas de longa tradição no campo da História que contemplam fenômenos jurídicos e políticos numa perspectiva ampla e interdisciplinar. Recentes estudos e abordagens têm evidenciado o papel relevante das culturas jurídicas e políticas para a compreensão das ideias, instituições, comportamentos e relações de poder nos mais variados contextos históricos. Em consonância com as tendências historiográficas dos últimos decênios, que indagam as interpretações generalizantes e, por vezes, reducionistas, o dossiê objetivou congregar estudos que se dedicam ao exame das práticas e do pensamento no âmbito político-jurídico e suas transformações ao longo da História. Abre-se, assim, uma série de problemas ligados às práticas judiciárias e políticas, construção da cidadania, garantia de direitos, acesso à justiça e à informação. Para essa edição da Revista do Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, o dossiê procurou incorporar pesquisas que tratam a temática no âmbito do Espírito Santo, perpassando os diversos regimes políticos e jurídicos, desde o processo de independência do Brasil até a República e suas diversas temporalidades. Leia Mais

Cultura e democracia: convergências, conflitos e interesses públicos / Albuquerque: revista de história / 2020

Até ontem a palavra do alto César podia resistir ao mundo inteiro. Hoje, ei-lo aí, sem que ante o seu cadáver se curve o mais humilde. Ó cidadãos! Se eu disposto estivesse a rebelar-vos o coração e a mente, espicaçando-os para a revolta, ofenderia Bruto, ofenderia Cássio, que são homens honrados, como vós bem os sabeis. Não pretendo ofendê-los; antes quero ofender o defunto, a mim e a vós, do que ofender pessoas tão honradas. (Marco Antônio, em Júlio César de William Shakespeare)

O dossiê Cultura e Democracia: convergências, conflitos e interesses públicos, ainda que esteja ligado a temas e problemas temporais próximos ao que estamos vivendo no imediato presente, abrange uma temporalidade mais ampla que envolve os diversos meandros que compõe a estrutura do mundo e do Estado modernos. Desde as revoluções burguesas, que marcaram o surgimento de uma nova sociedade, homens e mulheres em vários espaços geográficos passaram por diferentes tipos de instabilidades políticas, o que gerou muitos debates intelectuais além de lutas e disputas frequentes pelas formas de entendimento sobre o poder de atuação das pessoas no espaço público.

O século XIX, por exemplo, é caracterizado no âmbito do continente europeu por numerosas lutas de trabalhadores que perceberam as possibilidades de transformação de suas condições de sobrevivência e de atuação política inaugurada pelo enredo liberal no final do século anterior. Um dos exemplos mais importantes nesse sentido ocorreu em Paris em 1848 quando a utopia da transformação atingiu inúmeras pessoas que incendiaram e subverteram as ruas da capital. A população invadiu e saqueou o Palácio das Tulherias, então residência do rei Luís Felipe. E antes que um governo provisório fosse formado e a Dinastia dos Orleans perdesse o poder, populares arrastaram o trono pelas ruas e o incendiaram na Bastilha. A força política e simbólica do que ocorreu a partir desse acontecimento foi retratada por imagens e palavras, mas nada mais forte que a análise produzida por Karl Marx em O 18 de Brumário de Luís Bonaparte.

Escrito entre dezembro de 1851 e fevereiro de 1852, Marx elaborou no calor dos acontecimentos uma análise cortante sobre a amplitude da atuação política de setores sociais explorados na vida democrática da França à época. O mesmo país que poucos anos antes havia legado ao mundo o lema “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” e a “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão” utilizou o discurso da democracia para que as subversões e lutas de 1848 fossem acalmadas e conformadas. A derrota imediata dos trabalhadores que ocupavam as ruas de Paris ocorreu a partir de junho de 1848, quando a Assembleia Nacional Constituinte foi formada e começou a elaboração das bases da Segunda República Francesa. O trono queimado de 1848 foi calmamente reconstruído até que, em 1851, o sobrinho imitou o tio e fez do dia 2 dezembro o seu 18 de Brumário.

Esse é apenas um exemplo onde os temas da democracia e da cultura estiveram fortemente imbricados em um “momento de perigo” do século XIX. Nele podemos observar muitas coisas e tirar diversas conclusões, mas o mais importante é perceber que o discurso democrático, por si mesmo, não garante a ampla e profunda participação política de diferentes estratos sociais. Aqui é desnecessário realçar a habilidade de Marx em tratar desse tema, inclusive porque O 18 de Brumário é inquestionavelmente um clássico, mas é impressionante perceber que desde 1852, quando ele foi publicado, temos condições de desdobrar essa discussão principalmente para entender que a democracia não é um bem em si, mas um constructo social que depende de variáveis históricas e, portanto, de condições sociais que precisam ser cotidianamente pensadas e, claro, reescritas. Inclusive o próprio Marx nas linhas iniciais de seu texto chama a atenção para o fato de que “Os homens fazem a sua própria história; contudo, não a fazem de livre e espontânea vontade, pois não são eles quem escolhem as circunstâncias sob as quais ela é feita, mas estas lhes foram transmitidas assim como se encontram” (MARX, 2001, p. 25). A participação política requer responsabilidade de todos. As noções de cidadania, igualdade e direitos, entre outros, como todos os aparatos discursivos, possuem correspondentes na prática. O autor alemão nos mostrou no século XIX, que quando alguns grupos colocam em prática a igualdade, outros reagem, inclusive no campo do discurso lançando mão do vocabulário de participação política inaugurado pelas revoluções burguesas.

Tomando essa reminiscência do século XIX como referência, podemos buscar outras no século posterior. O que nos motiva nesse caminhar é o vocabulário político do Estado Moderno, lembrando sempre que nosso escopo são as convergências entre democracia e cultura.

Ao longo do século XX, as duas guerras mundiais foram acontecimentos que alteraram profundamente os debates sobre democracia. Se antes de começar, o primeiro conflito fora saudado em prosa e verso por inúmeras pessoas embaladas pelo nacionalismo e o imperialismo de fins de século na Europa, 1918 apresentou um quadro muito distinto. Além dos problemas econômicos decorrentes da guerra e do novo quadro de forças políticas mundiais, o nacionalismo adquiriu cada vez mais traços xenófobos e chauvinistas. Isso sem contar o peso que a Revolução Russa de 1917 teve para os debates ideológicos da época bem como a acentuada gravidade do processo de exploração do continente africano para a política internacional. Não por acaso, as derrotas mais duras para o campo democrático não tardaram a chegar. Em 1922, Benito Mussolini promoveu a conhecida Marcha sobre Roma, com isso o fascismo entrava triunfal na cena pública contemporânea e, em 1933, Adolf Hitler foi nomeado chanceler da Alemanha pelo presidente Paul von Hindenburg. Daí até a Segunda Guerra Mundial foi uma questão de tempo e novamente o mundo se viu diante de inúmeros debates sobre a questão democrática.

Muitos autores se dedicaram à discussão sobre democracia e espaço público nesse amplo contexto que abarca também o período posterior a 1945, quando inclusive se coloca em prática no ambiente europeu o Estado de bem estar social. Uma das reflexões mais marcantes da época surge das letras da filósofa Hannah Arendt, em especial por ela entender que o espaço da ação política é o espaço da ação pública por excelência. A política se efetiva onde os Homens se unem aos seus iguais, são capazes de assumir posicionamentos, persuadem, sofrem e aceitam derrotas.

Arendt se dedicou, desde As Origens do Totalitarismo (1951), amplamente às reflexões que envolvem “ação” e “pensamento” no ambiente dos autoritarismos inaugurados no século XX. Os leitores atentos encontram nos seus livros análises primorosas sobre as incongruências que o tema da democracia carrega, entre eles Sobre Revolução (1963), Entre o passado e o futuro (1968) e Crises da República (1969). Nesse último, tratando especificamente da realidade dos Estados Unidos, país que acolheu a autora quando ela fugira do Nazismo, a análise se volta para a revisão da ideia de representatividade política frente às questões da liberdade pública:

Queremos participar, queremos debater, queremos que nossas vozes sejam ouvidas em público, e queremos ter uma possibilidade de determinar o curso político do nosso país. Já que o país é grande demais para que todos nós nos unamos para determinar nosso destino, precisamos de um certo número de espaços públicos dentro dele. As cabines em que depositamos as cédulas são, sem sombra de dúvida, muito pequenas, pois só têm lugar para um. Os partidos são completamente impróprios; lá somos, quase todos nós, nada mais que o eleitorado manipulado. Mas se apenas dez de nós estivermos sentados em volta de uma mesa, cada um expressando a sua opinião, cada um ouvindo a opinião dos outros, então uma formação racional de opinião pode ter lugar através da troca de opiniões. (ARENDT, 2010, p. 200)

É perceptível pela ótica da autora, entre outras coisas, que a participação democrática ampla depende de fatores que vão além do depósito do voto nas urnas e inclui a ampliação dos espaços públicos, a capacidade de diálogo, o processo formativo cultural e educacional, daí a importância do ambiente escolar e da escolarização, discutidos de maneira tão contundente no texto A Crise na Educação. Ninguém nasce em um mundo livre de construções humanas, por isso cada nova geração tem responsabilidade com o passado e com o futuro. Portanto, sem o processo educacional, corremos o risco de ignorar o que as gerações anteriores construíram e, com isso, desprezamos os perigos autoritários inaugurados no passado. E isso, infelizmente, é possível sem o diálogo frequente e a expansão da esfera pública.

Com tantos e profundos autoritarismos no século XX percebemos, lendo autores diferentes e refletindo sobre momentos e sociedades distintas, que é impossível não ser constantemente vigilantes com o processo formativo das pessoas. É ele que minimamente pode garantir um debate mais consistente sobre os meandros democráticos e, principalmente, condições de sobrevivência onde existam conflitos e convergências de interesses públicos.

Apesar de termos percorrido apenas vinte anos do século XXI, está claro que a força autoritária recrudesce imensamente no mundo e no Brasil nos últimos anos. Há inclusive uma extensa bibliografia sobre o tema que vem colocando acentos interpretativos distintos e importantes sobre a ideia de democracia. Desde a publicação de Como as democracias morrem (2018), de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, temos acesso no Brasil aos livros Como a democracia chega ao fim (2018), de David Runciman; O povo contra a democracia (2019), de Yascha Mounk; Na contramão da liberdade (2019), de Timothy Snyder, entre outros. Já entre autores e pesquisadores brasileiros a situação não é diferente e merece destaque o livro do sociólogo Leonardo Avritzer, O pêndulo da democracia (2019).

Levando em conta toda essa discussão e entendendo, desde os escritos mais contundentes do século XIX, que a democracia é um tema sempre a ser discutido, construído e cultivado que estruturamos a proposição deste dossiê. Assim, a articulação entre Cultura e Democracia não é apenas um jogo de palavras que diz respeito às urgências intelectuais da época em que vivemos, mas é um retorno ao passado carregado de historicidade e de respeito aos contínuos movimentos das lutas de homens e mulheres que formaram nossa sociedade ao longo do tempo. Está também relacionada à constatação de que o conhecimento acadêmico é fundamental para uma época que despreza a ciência e a racionalidade como sintoma de autoritarismos políticos e sociais que desprezam a vida e a multiplicidade humana.

Abrindo o dossiê, Durval Muniz de Albuquerque Júnior no texto Narrar vidas, sem pudor e sem pecado: as carnes como espaço de inscrição do texto biográfico ou como uma biografia ganha corpo problematiza a noção de biografia histórica, trazendo à tona como o ato de escrever biografias maneja a dimensão temporal e carnal da existência. Para tanto, o historiador lança mão da obra Roland Barthes por Roland Barthes (2017) e permite que os leitores compreendam que o ato de narrar e ler sobre vidas é carregado de significados variados. No campo do debate sobre democracia, o texto adquire singularidade por nos permitir compreender que quando lidamos com agentes do passado por meio de biografias estamos diante de uma “potência carnal que corporifica a escrita biográfica”.

Na sequência, disponibilizamos as reflexões de Rosangela Patriota sobre as incertezas contemporâneas em torno de práticas democráticas, por meio do artigo A questão democrática em tempos de incertezas. Com essa preocupação, a autora realiza um mergulho no cenário político internacional das últimas décadas para, posteriormente, discutir o tema do antissemitismo em sociedades contemporâneas, a partir do revisionismo na historiografia do Holocausto e por intermédio da peça teatral Praça dos Heróis de Thomas Bernhard. Articulando diálogos entre passado / presente, Patriota problematiza dúvidas e impasses de nossa história imediata.

Ainda no contexto de elaboração de narrativas históricas, cabe destacar o artigo do historiador Antonio de Pádua Bosi, Trabalho, Imigrantes e Política em “Greve na Fábrica”: o maio de 68 para Robert Linhart. Homem público francês, que viveu um dos momentos mais intensos dos debates democráticos da segunda metade do século XX, Linhart produziu um texto revelador sobre identidades culturais e experiência de trabalho industrial a partir da vivência de operários de diferentes nacionalidades na linha de montagem da Citroën, em 1969. Bosi recupera esses escritos e dá dimensão histórica e crítica ao livro do autor francês. Ler o artigo nos ajuda a perceber o quanto a dinâmica do trabalho e o debate sobre democracia se alterou ao longo do tempo, ao mesmo tempo que trouxe consequências marcantes para a vida e a luta dos operários.

Caminhando para a compreensão das discussões da democracia no Brasil, o artigo Paulo Freire: el método de la concientización, em la educación, para analizar y compreender el contexto actual de la Globalización, escrito por José Marin Gonzáles, traz para o debate sobre democracia o tema da educação por meio do método de Paulo Freire no atual contexto de Globalização. O texto é fundamental para um momento em que muito se critica o educador brasileiro sem nenhum tipo de fundamentação acadêmica e mais ainda quando o processo educacional é pensado prioritariamente como corpo que oferece aos sujeitos, desvinculados de quaisquer coletividades, ferramentas exclusivas para o mercado de trabalho. Freire é um chamamento à coletividade, à noção de educação voltada para o bem comum e principalmente para a justiça social, temas caros às experiências democráticas.

Entrando especificamente no diálogo com linguagens artísticas no Brasil dos últimos anos, o dossiê conta com quatro artigos. Em O homem de La Mancha: aspectos da utopia no teatro musical brasileiro da década de 1970, André Luis Bertelli Duarte promove importantes discussões sobre o teatro brasileiro nos duros anos da repressão política brasileira, com destaque para as possibilidades do debate democrático promovido pela encenação musical de O homem de la mancha (Dale Wasserman, 1965), produzido por Paulo Pontes, sob a direção de Flávio Rangel, em 1972-1973. No ambiente de autoritarismos diversos e em especial contra a figura de artistas e intelectuais, a releitura de Quixote se apresentava como ideal de justiça e liberdade.

Ainda dialogando com o campo teatral, Rodrigo de Freitas Costa promove no artigo O teatro de rua e sua expressão política: os primeiros anos do Grupo Galpão de Belo Horizonte (1982-1990) reflexões sobre o teatro de rua no período logo após o processo de abertura política, tendo por referência o trabalho desenvolvido pelo conhecido grupo teatral da capital mineira. O texto contribui para a discussão sobre democracia e cultura no Brasil especialmente por problematizar e questionar a ideia de “vazio cultural” desenvolvida por inúmeros críticos teatrais que tratam da produção nacional pós Estado Autoritário. Nesse sentido, as primeiras peças escritas e encenadas pelo Galpão são o mote para compreender parte da complexidade do processo cultural brasileiro e a amplitude do teatro político nos anos 1980.

Já sobre a relação entre Cinema, Democracia e História, o artigo de Rodrigo Francisco Dias, Autoritarismo e democracia nos filmes “Jânio a 24 Quadros” (1981, de Luís Alberto Pereira) e “Jango” (1984, de Silvio Tendler), permite ao leitor compreender como os temas do autoritarismo e da democracia são reelaborados nos documentários de Luís Alberto Pereira e Silvio Tendler no início da década de 1980. Abordando aspectos formais, o autor mostra como as configurações estéticas carregam posicionamentos históricos e políticos. Com isso, une forma e conteúdo por meio da historicidade e promove considerações importantes capazes de elucidar as dinâmicas do debate democrático dos anos finais da Ditadura Militar.

Por fim, o dossiê se encerra com uma discussão sobre financiamento cultural nos dias atuais. Essa discussão é fundamental para o Brasil de hoje, onde a arte é menosprezada e diversos artistas e intelectuais são hostilizados publicamente. Em um país que investe pouco em educação e cultura, sabemos que as discussões democráticas são frágeis e que os espaços públicos são minados por discursos surdos e preconceituosos. O artigo Democracia e Arte: as percepções da Lei Rouanet e o financiamento da cultura de Jacqueline Siqueira Vigário e Anna Paula Teixeira Daher promove reflexões importantes recolocando essa discussão em bases acadêmicas inicialmente analisando a lei de incentivo à cultura e, por fim, utilizando como exemplo o caso da exposição “Queermuseu: Cartografia da diferença na arte brasileira” (2017).

Como parte do dossiê para este este número de albuquerque: revista de história, há uma entrevista da Professora Doutora Maria Helena Rolim Capelato. Historiadora atuante na esfera pública, árdua defensora do conhecimento histórico cientificamente elaborado e produtora de reflexões importantes sobre História e Imprensa no Brasil do século XX. Na entrevista, a professora fala de sua formação ainda na Ditadura Militar, destaca os principais debates que dizem respeito à sua pesquisa sobre imprensa no Brasil e na América Latina e, por fim, reflete sobre temas políticos brasileiros contemporâneos.

Esperamos que os leitores aproveitem as reflexões que o dossiê traz e que possam cada vez mais entender e divulgar que a democracia não é um bem em si, mas um processo que precisa constantemente ser reelaborado, inclusive quando o objetivo é favorecer o humanismo em tempos sombrios.

Referências

ARENDT, Hannah. Crises na República. Tradução de José Volkmann. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2010.

AVRITZER, Leonardo. O pêndulo da democracia. São Paulo: Todavia, 2019.

LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as democracias morrem. Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.

MARX, Karl. O 18 de Brumário de Luís Bonaparte. Tradução de Nélio Schneider. São Paulo: Boitempo, 2011.

MOUNK, Yascha. O povo contra a democracia. Tradução de Cássio de Arantes Leite e Débora Landsberg. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

RUNCIMAN, David. Como a democracia chega ao fim. Tradução de Sérgio Flaksman. São Paulo: Todavia, 2018.

SNYDER, Timothy. Na contramão da liberdade: a guinada autoritária nas democracias contemporâneas. Tradução de Berilo Vargas. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

Rosangela Patriota (Universidade Presbiteriana Mackenzie / CNPq)

Rodrigo de Freitas Costa (Universidade Federal do Triângulo Mineiro)

Thaís Leão Vieira (Universidade Federal de Mato Grosso)

Organizadores


PATRIOTA, Rosangela; COSTA, Rodrigo de Freitas; VIEIRA, Thaís Leão. Apresentação. Albuquerque: revista de história, Mato Grosso do Sul, v.12, n.24, 2020. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

História da Arte e da Cultura | Unicamp | 2020

Historia da Arte e da Cultura Rural e Urbano

Revista de História da Arte e da Cultura (Campinas, 2020-) é uma publicação vinculada ao Programa de Pós-Graduação em História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas e uma iniciativa do Centro de História da Arte e Arqueologia (CHAA), desta universidade. Seu principal objetivo é promover um contínuo desenvolvimento da História da Arte e da Cultura no Brasil, relacionando-as com a produção internacional da área.

Revista de História da Arte e da Cultura é a continuação natural da Revista de História da Arte e Arqueologia (RHAA), que em seus 24 números, entre 1994 e 2015, tornou-se referência das revistas científicas brasileiras na área, além de ser a primeira a tratar as duas disciplinas de modo correlato. O objetivo da nova RHAC é continuar com excelência o trabalho, adequando-se às novas necessidades e determinações dos padrões internacionais das revistas acadêmicas.

Primeiro a Revista de História da Arte e Arqueologia e agora a Revista de História da Arte e da Cultura são partícipes do crescente interesse na disciplina, que no departamento de História da Universidade Estadual de Campinas cristaliza-se com a área de concentração em História da Arte e suas linhas de pesquisas. Este periódico afirma o compromisso com a área e sua divulgação em um cenário internacional. Sua publicação online garante uma irrestrita visualização a todos os interessados na disciplina.

A RHAC tem por objetivo a publicação e divulgação da produção acadêmica na área de História da Arte e da Cultura. Abrange textos voltados particularmente à reflexão sobre a visualidade, em suas conexões com o campo cultural. A publicação de trabalhos em português, inglês, francês, italiano e espanhol facilita o acesso a leitores brasileiros e estrangeiros. Publica inéditos de especialistas nacionais e estrangeiros nas seguintes modalidades: artigos, resenhas, entrevistas e transcrições de documentos. Propostas para dossiês podem ser encaminhadas para aprovação no conselho.

Periodicidade semestral.

Acesso livre.

ISSN 2675-9829

Acessar resenhas

Acessar dossiês

Acessar sumários

Acessar arquivos

Mulheres e Gênero na Historiografia Capixaba | Revista do Arquivo Público do Estado do Espirito Santo | 2020

O presente dossiê é fruto de reflexões que vêm ocorrendo há quase duas décadas no âmbito do Programa de Pós-Graduação em História Social das Relações Políticas, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), notadamente a partir da criação do Laboratório de Estudos de Gênero, Poder e Violência (LEG). A institucionalização desse campo de estudos, em especial com pesquisas sobre mulheres, tem contribuído para promover na historiografia capixaba novas perspectivas e novos objetos. Este é um movimento de renovação devedor de muitas fontes. Está atrelado tanto a mudanças de paradigmas nas Ciências Humanas, quanto a uma tradição capixaba de memória e história que começou a ser repensada a partir da publicação de obras pioneiras, como A mulher na História do Espírito Santo, de Maria Stella de Novaes.

Escrito nos idos dos anos 1950, mas publicado somente em fins da década de 1990, a obra de Novaes pode ser lida em diálogo com uma vertente mais testemunhal e memorialística, mas que indica uma busca de espaço pouco discutida até então sobre a urgente necessidade de se narrar as experiências marginalizadas de mulheres. De lá para cá, a historiografia produzida no Espírito Santo vem trilhando um longo caminho, no esforço por consolidar os estudos sobre mulheres e relações de gênero. Nesse ponto, uma crítica é pertinente, pois se houve avanços incontestáveis de abordagem e método, ainda estamos longe de ter uma extensa produção acadêmica pautada nas temáticas de gênero, com pesquisas que privilegiem o enfoque regional. Leia Mais

O Tecelão dos tempos: novos ensaios de teoria da história | Durval Muniz de Albuquerque Júnior

ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz. O Tecelão dos tempos: novos ensaios de teoria da história. São Paulo: Intermeios, 2019. Resenha de: MAYER, Milena Santos. Revista Expedições, Morrinhos, v. 11, jan./dez. 2020.

“Os textos aqui reunidos formam uma constelação simultaneamente erudita e polêmica, ferina e generosa, que pode ser lida de trás para frente, de frente para trás, com pés calçados no presente, com olhos no passado ou como um projeto de história futura” (CEZAR, 2019, p.12). É assim que o historiador Temístocles Cezar apresenta o livro “O Tecelão dos Tempos “publicado no ano de 2019 pela Editora Intermeios. Publicados anteriormente em outros livros ou revistas acadêmicas, os escritos são frutos de análises, pesquisas e apresentações do historiador Durval Muniz Albuquerque Junior em conferências, aulas magnas ou seminários. O autor de “A Invenção do Nordeste e Outras Artes” (1999), “Nordestino: Uma Invenção do Falo – Uma História do Gênero Masculino” (2003) e “História: A Arte de Inventar o Passado” (2007), dentre outros, apresenta a nova publicação rebatendo críticas e comentando a repercussão que o livro de 2007, dedicado também à teoria, que causou entre os colegas da academia.

Segundo Durval, as críticas iniciaram pelo próprio título, uma vez que os termos arte e invenção sugerem um debate polêmico e recorrente no campo da história diante da busca por uma cientificidade. Além das questões teóricas, o autor foi avaliado em relação a forma em que o texto foi construído e apresentado. Por esse motivo, o historiador dedica a apresentação do novo livro para rebater as críticas, justificar e argumentar o uso do ensaio como gênero de escrita. Para ele é possível produzir conhecimento histórico preocupando-se também com a forma e com a estética da narrativa. No decorrer da leitura é possível perceber a intenção em reforçar o entendimento de que o trabalho do historiador é um trabalho de escrita e que, portanto, a forma dessa escrita é essencial e um desafio constante. “Sem a reflexão crítica sobre a arte da narrativa não há ciência possível na historiografia” (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2019, p. 16). Leia Mais

Lenguaje, autoridad e historia – ZAMORA (A-EN)

ZAMORRA M e1594431802301 Rural e Urbano

ZAMORA M Lenguage autoridad e historia indígena Rural e UrbanoZAMORA, Margarita. Lenguaje, autoridad e historia en Los comentarios reales de los Incas. Lima: Editora Latinoamericana, 2018. Tradução de Juan Rodríguez Piñero y Vanina M. Teglia. Resenha de: AIZENBERG, Nicolas. About Language, Authority, and Indigenous History in the Comentarios Reales de los Incas by Margarita Zamora. Alea, v.22 n.1 Rio de Janeiro, Jan./Apr. 2020.

La obra del Inca Garcilaso de la Vega, por su extensión y complejidad, ha dado lugar a múltiples debates para su exégesis. Al escritor se le ha considerado desde un cronista fiable hasta un fabulador, desde un humanista aculturado hasta “Un humanista inca” (David Brading), desde un escritor que buscaba la reconciliación entre etnias hasta alguien que fue leído por Tupac Amaru II como estímulo para su revolución, desde un hacedor de una utopía imposible hasta un promotor de un gobierno viable para el Perú. Margarita Zamora, en su libro Lenguaje, autoridad e historia indígena en los Comentarios de los Incas, de reciente publicación en español gracias a la traducción de Juan Rodríguez Piñero y Vanina M. Teglia, retoma y reelabora estas polémicas y profundiza algunos tópicos mencionados pero no profundizados por diversos estudios sobre la obra del gran cronista peruano.

Usos de la tradición

En este libro, Zamora aborda los Comentarios reales desde la filología como construcción de autoridad y como llave de la historia. Para esto, la especialista realiza un exhaustivo racconto de la tradición humanista europea de la que se nutre el Inca Garcilaso, partiendo de figuras tales como Antonio de Nebrija, Lorenzo Valla, Erasmo y Fray Luis de León. En cuanto a Valla, en los escritos de la Antigüedad, se cifra el anhelo de la recuperación de un orden perdido, “en consecuencia, el mal uso del lenguaje o la traducción errónea constituían un ataque a ese orden” (ZAMORA, 2018, p. 44). En Erasmo, hay un deseo de volver a las fuentes cristianas a través de una purga y su correspondiente comentario. Y, por último, en Fray Luis, también se encuentra el proyecto de purificar dichas fuentes, pero teniendo en cuenta las potencialidades y limitaciones de la lengua en la que serán traducidas. A través de la contextualización, la autora demuestra los usos que hace Garcilaso de la tradición europea, es decir, cómo se nutre de ella para crear su propia autoridad: si con la conquista gana prestigio el punto de vista del testigo, el Inca deberá crear otros recursos de validación para su autoría teniendo en cuenta que su nacimiento es posterior y que el punto de vista de los cronistas suele ser el del conquistador. Si el cronista insiste en que los españoles todo lo corrompen, y que los infortunios del virreinato se debían a una falta de comprensión lingüística, entonces los europeos carecerían de las competencias necesarias para una cabal comprensión de los nativos, sus costumbres y su pasado. Así, el cronista parte de la idea de que el trauma de la conquista no fue fruto de los deseos de posesión y dominio por parte de los españoles -como podría argumentar un Fray Bartolomé de Las Casas- sino de la falta de comprensión entre lenguas y culturas tan diversas entre sí. Pero si el problema del primer encuentro entre los representantes de España y los del Incario fue de corte lingüístico, esto le permite al autor posicionarse mejor que un testigo: con Los comentarios reales pasamos del paradigma del punto de vista al paradigma filológico con el que se obtendría un acceso más verdadero, tanto a los sucesos precolombinos como a los de la conquista, gracias al conocimiento de las lenguas de los sectores en pugna y no gracias a una experiencia de primera mano. A su vez, a través de la comparación entre Las Casas y el Inca, Zamora demuestra que, al correr el eje de la crítica a los españoles (de ambiciosos a ignorantes), la crítica de Garcilaso es más sutil, al mismo tiempo que más vehemente: la cultura letrada y la cultura del libro poseen un límite epistemológico.

En busca del origen perdido

La autora recuerda la concepción de Nebrija: la filología como forma de recuperar el origen perdido. Con este método, las palabras recobrarían un significado esencial y arrojarían luz sobre el pasado de una cultura otra o propia, actual o perdida. Este clima intelectual de época avala que el Inca Garcilaso asegure que la confusión lingüística de los españoles conlleva errores múltiples. De esta manera, la filología es una llave al pasado: a través de un estudio de la lengua, se pueden establecer períodos históricos. Esto va a sostener Garcilaso para defender al gobierno incaico de acusaciones tales como tiranías o sacrificios humanos ante sus detractores. Al confundir las palabras quechuas, el europeo mezcló y, según el Inca Garcilaso, malinterpretó la teología incaica. De esta manera, confundieron las dos etapas precolombinas, la pre-incaica y la incaica (ZAMORA, 2018, p. 88). Esta torre de Babel llevó a que los españoles confundieran a los Incas y los interpretaran como hacedores de los actos barbáricos antes señalados. El autor de los Los comentarios sostendría que los españoles no serían buenos conocedores de la religión e historia incaicas sino, más bien, que habrían carecido de los conocimientos para comprenderlas. Las consecuencias de esta afirmación de Garcilaso se vuelven preocupantes para la España católica e imperialista: al no poder conocer bien a otras culturas, la labor evangélica se dificulta, con lo que se corre el riesgo de que los nativos vuelvan a los cultos pre-incaicos, según demuestra Zamora.

Providencia y mundo andino

¿Cuáles serían los riesgos de una vuelta a las creencias pre-incaicas, además de los sacrificios humanos o de la antropofagia? Al establecer su rol como “traductor” entre culturas, Garcilaso establece una cronología que comienza con aquellos pueblos barbáricos, seguida por la expansión de la civilización cusqueña como foco que irradia un proto-cristianismo y, por último, la venida del cristianismo propiamente dicho. La diferenciación entre etapas en el período precolombino ya había sido llevada a cabo por otros cronistas. La sagacidad garciliana se funda en conectar esas etapas con la actual, la cristiana. Estas tres fases se encuentran unidas gracias a la providencia divina, es decir, hay una intervención divina para arrancar a los indígenas de su período desgraciado hacia uno civilizado. De esta forma, el período incaico no es algo anecdótico sino crucial para la pacificación de los indígenas y su preparación para el evangelio. Ahora bien, los españoles, al confundir ambas etapas, persiguen las costumbres incaicas y terminan erosionando el eslabón de esa cadena que conectaría al cristianismo. Como indica Zamora, “para Garcilaso la idea de una teología monoteísta inca está unida a su presentación del Tahuantinsuyu como praeparatio evangelica, lo que le garantiza, a la civilización inca, un lugar de privilegio en la historia cristiana” (ZAMORA, 2018, p. 137). La autora explica que la presentación de una religión amerindia proto-cristiana o proto-monoteísta es una estrategia de Garcilaso para presentar, al Cuzco y a sus gobernantes, como piezas importantes de la historia universal y como propagadores del monoteísmo y no como idólatras y tiranos. De esta manera, lo que han perdido los españoles es la posibilidad de cristianizar por métodos pacíficos a los indígenas, porque no han comprendido el rol del Cuzco como foco civilizador ni que Pachacámac, en realidad, no haya sido el diablo sino una intuición racional del verdadero Dios cristiano. Al perseguir el culto inca en vez de guiarlo hacia el cristiano, los indígenas se refugian en viejos dioses. Esto indica dos cosas: un atraso para los planes evangelizadores (los cristianos sabotean su propia misión), pero, además, según Zamora demuestra de manera lúcida, el hecho de que Garcilaso da a entender que los Incas civilizaban sin perseguir otros cultos, es decir, la autora evidencia una de las tantas críticas veladas hechas por el cronista.

Utopía pero con topos

Uno de los puntos más fuertes del libro Lenguaje, autoridad e historia indígena en los Comentarios de los Incas radica en la profundización del concepto de utopía en el Inca Garcilaso, mencionado por varios estudios pero no profundizado. Para comprender los alcances de este concepto, Zamora desarrollará la propuesta de Tomás Moro y su Utopía para luego mostrar su articulación en los Comentarios reales. Como ella señala, Utopía es un “modelo político de una civilización americana imaginaria” (ZAMORA, 2018, p. 149). De esta forma, el gobierno perfecto que diseñó el inglés sirve como modelo para el Inca. La diferencia está en que, para el primero, era una proyección mientras que, para el segundo, algo real y concreto, anclado en la historia. Pero el uso que hará el cronista peruano irá más allá. Según Zamora, el Inca realizó una traducción, pero no en el sentido que habitualmente se le da. Ella citará al lingüista y crítico literario Roman Jakobson, quien propone una traducción intersemiótica, es decir, un concepto que sea común a ambas culturas (la utopía, en este caso), a fin de poder explicar a los europeos lo que fue el Tahuantinsuyu (ZAMORA, 2018, p. 154-155). De esta forma, Zamora no se contenta con señalar que estamos ante un discurso utópico sino que explica cómo opera este concepto renacentista en la crónica y con qué fines es utilizado.

Para concluir, la traducción de Lenguaje, autoridad e historia indígena en los Comentarios de los Incas, realizada por Juan Rodríguez Piñero y Vanina Teglia, acerca, al mundo hispanohablante, un libro necesario para seguir pensando la obra garciliana y para cuestionar y profundizar algunas perspectivas trabajadas por otros críticos, centrándose en las estrategias discursivas que realizara Garcilaso para construir su autoridad ante los cronistas con los que está polemizando. Un libro que reabre nuevas discusiones sobre el cronista mestizo en cuanto a los usos de las tradiciones humanista y cristiana.

Referências

LA VEGA, Garcilaso de. Comentarios Reales. Lima: Editorial Mercurio, 1970 [ Links ]

ZAMORA, Margarita. Lenguaje, identidad e historia en Los comentarios reales de los Incas. Lima: Latinoamericana Editores, 2018. [ Links ]

ZAMORA, Margarita. Language, Authority, and Indigenous History in the Comentarios reales de los Incas. Cambridge: Cambridge University Press, 1988. [ Links ]

1Traducción al español de la edición de Cambridge: Language, Authority, and Indigenous History in the Comentarios reales de los Incas, Cambridge University Press, 1988

Nicolás Aizenberg. Estudiante de la carrera de Letras de la Universidad de Buenos Aires y adscripto a la cátedra Literatura latinoamericana I (cátedra Colombi) de la misma universidad con un proyecto de investigación sobre “El Inca Garcilaso de la Vega y su visión pesimista del Perú colonial”, dirigido por Vanina Teglia. Ha participado como expositor de varios congresos de literatura colonial. E-mail nicolasaizen@gmail.com.

 

História do Direito | UFPR/IBHD | 2020

HISTORIA DO DIREITO Rural e Urbano

A Revista História do Direito – Revista do Instituto Brasileiro de História do Direito (Curitiba, 2020), publicada pela Universidade Federal do Paraná em conjunto com o Instituto Brasileiro de História do Direito, é um periódico científico semestral destinado à publicação de textos de excelência na área de História do Direito e ao aprofundamento do diálogo com áreas afins.

Periodicidade semestral.

Acesso livre.

ISSN 2675-9284

Acessar resenhas

Acessar dossiês

Acessar sumários

Acessar arquivos

Ideias para adiar o fim do mundo / Ailton Krenak

KRENAK Ailton Rural e Urbano
KRENAK A Ideias para adiar o fim do Mundo Rural e UrbanoAilton Krenak / Foto: Fondation Cartier  /

O livro de Ailton Krenak, estruturado em três capítulos referente a palestras e adaptação de uma entrevista realizada em Lisboa – Portugal, configura-se enquanto uma excelente ferramenta de auxílio para o questionamento do desenvolvimento moderno e a sua humanidade. O autor indígena, oriundo do povo Krenak que se territorializou na região do Vale do Rio Doce, além de produtor gráfico e jornalista dedicou-se ao ativismo do movimento socioambiental e dos direitos dos povos indígenas, sendo lembrado muitas vezes pelo seu discurso proferido na Assembleia Constituinte de 1987, aonde, protestando pintou seu rosto com tinta de jenipapo como expressão do luto ao massacre dos povos indígenas legitimado pelo retrocesso dos direitos das comunidades tradicionais.

Seu livro “Ideias para adiar o fim do mundo” objetiva realizar uma discussão sobre os impactos das ações que imprimimos no planeta terra orientados pela cosmovisão de que somos seres separados da natureza, retroalimentando uma autodestruição, que não é compreendida pela ideia de humanidade construída pela modernidade eurocêntrica. Sendo assim, os povos tradicionais, compreendidos como sub-humanos pela modernidade, são compreendidos pelo autor como uma alternativa a lógica de autodestruição e exploração excessiva da natureza. Leia Mais

Alteridades em tempos de (in)certezas / Miriam Hermeto, Gabriel Amato e Carolina Dellamore

A história imediata nos ajuda a pensar algumas razões do estado atual das coisas. Tenho pesquisado, desde dezembro de 2019, o fenômeno da emergência e organização de policiais organizados em um movimento antifascismo, acompanhando debates públicos e realizando entrevistas com os sujeitos envolvidos. Para executar essa tarefa é preciso uma postura sensível aos anseios desses profissionais da segurança pública (policiais militares, civis e federais, guardas municipais, bombeiros, agentes penitenciários, peritos, etc.), expressos nos seus posicionamentos públicos sobre os rumos das polícias e das políticas de segurança pública no Brasil e sobre o avanço de estruturas políticas que favorecem a disseminação de práticas fascistas. Refletir sobre o tempo presente e sobre as dinâmicas que contribuíram para a configuração política do presente, disso que Wendy Brown (2019) chamou de Frankenstein gerido pelo neoliberalismo, é uma tarefa que demanda uma escuta sensível, um olhar sensível, uma atenção com o mundo. Escutar o outro em tempos dissonantes e incertos como o nosso, demanda um trabalho de reconfiguração das nossas certezas e de nossas incertezas epistemológicas.

É exatamente este o convite dos organizadores do livro Alteridades em tempos de (in)certezas: escutas sensíveis, Miram Hermeto, Gabriel Amato e Carolina Dellamore, na introdução à coletânea. Os autores são, respectivamente, coordenadora e membros do Núcleo de História Oral da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (FAFICH-UFMG) e são pesquisadores de temas caros ao tempo presente: sindicalismo industrial, políticas públicas para a juventude, teatro e arte no período da ditadura civil-militar. A organização do livro se deu pela participação dos autores na comissão local do XII Encontro Regional Sudeste de História Oral – Alteridade em tempos de (in)certeza: escutas sensíveis, em Belo Horizonte, no ano de 2017, ocasião em que foram responsáveis pelo planejamento da programação das mesas redondas, conferências e atividades ao longo do evento.

A coletânea é a reunião dessas falas pronunciadas por pesquisadores, de formação múltipla, nos auditórios da UFMG, mas também em outros espaços públicos, como o Museu de Arte da Pampulha e a Casa de Referência da Mulher Tina Martins. A história oral e, especialmente, o problema da escuta sensível, nos são apresentados de modos distintos nesse livro: reflexão sobre acervos, memória e identidade, alteridade e espaço urbano, a entrevista como prática social e coletiva, as estratégias de organização individuais e coletivas, o oral e o audiovisual na construção de sentidos, a urgência da participação da história e das(os) historiadoras (es) no debate público, a publicização de experiências de vidas que demandam cuidado e atenção e a reflexão sobre percursos biográficos ligados à própria história da pesquisa em história oral.

Na introdução, o livro é dividido em três grandes conjuntos de textos: alteridade como marcador das possibilidades da entrevista de história oral; “problematizações de identidades de minorias políticas”; e “escutas sensíveis diante das diferenças”. Ana Maria Mauad abre o primeiro grupo de texto com um artigo que analisa a questão indígena na obra fotográfica de Claudia Andujar, analisando seu trabalho a partir da categoria de fotografia pública, associando-a com “uma dimensão crítica e (…) dialética” (p. 25). O engajamento público de Andujar na causa indígena se deu, também, pelo movimento de inclusão da comunidade Yanomami como parte desse público e também como partícipe da narrativa pública sobre os sentidos das imagens. A confiança é a base dessa relação pública com a questão indígena, assim como a relação entrevistador-entrevistado.

O segundo texto, de Mario Brum, aprofunda o problema da relação entre fatos e representações, abordado por Alessandro Portelli, ao analisar as representações sociais e as identidades em torno da construção da favela da Cidade Alta (e seus entornos) na cidade do Rio de Janeiro. O estigma dos “removidos” da região central para a Cidade Alta, marcou “toda a trajetória posterior do conjunto” habitacional, seja a partir do silenciamento, seja pela diferenciação social com outra categoria, a dos “inseridos”. Em seguida, Luciana Kine e Emilene Souza apresentam reflexões metodológicas para lidar com narrativas de vida ligadas a “tópicos sensíveis”, em especial jovens vivendo com HIV/aids. A multiplicidade das experiências de vida que giram em torno de “temas delicados”, remonta à ideia de calidoscópio narrativos e conduz a uma reflexão ética sobre a relação entrevistado-entrevistador e a condução partilhada do processo de narrar e da elaboração do produto final da pesquisa. No caso, as autoras exploraram uma metodologia de embaralhamento das histórias, “estratégia ética, estética e política” que possibilitou a discussão de “experiências do cotidiano” (p. 50) e criou uma alternativa para superar os limites do sigilo, e do constrangimento. Os diálogos possibilitados por essa metodologia reafirmam um posicionamento epistemológico da “pesquisa como prática social [e] ação coletiva” (p. 54).

Abrindo o segundo conjunto de textos, Valéria Barbosa de Magalhães e Luiz Morando, apresentam, respectivamente, duas reflexões sobre migração e sociabilidade da comunidade LGBT(QIA) em espaços e situações distintas. O primeiro texto apresenta pouca reflexão propriamente dita em relação às entrevistas, mas propõe uma indagação fundamental sobre a relação entre sexualidade e migrações em contextos políticos conturbados, como a eleição de um governo autoritário no Brasil. Magalhães apresenta, muito atenta aos anseios e às experiências de migrantes brasileiros LGBT na Flórida (EUA) na última década, a mudança das “estratégias de legalização no exterior” e a apreensão que o cenário político produziu nas expectativas de vidas desses sujeitos. Seu trabalho desloca o objeto da pesquisa sobre imigração e sexualidade do campo dos problemas de saúde e da exploração sexual, interrogando outros modos pelos quais a imigração relaciona-se com a sexualidade para além do negativo.

Já Morando, apresenta uma reflexão sobre identidade e diferença, analisando representações identitárias de homens gays em relação à memória e à suas experiências em espaços de sociabilidade LGBT em Belo Horizonte, entre 1960 e 1980. O texto faz uma divisão analítica de duas formas imbricadas de lidar com essa memória, percebidas pelo pesquisador em suas entrevistas: a romantização do passado e o ceticismo em relação à experiência dos clubes noturnos da capital mineira. O gozo e a descrença apresentaram-se como faces do mesmo problema: o prazer e o desconforto de lembrar as vivências do passado. Se o estabelecimento da diferença e da identidade implica em distanciamentos temporais, tricotar – “fazer um tricô”, ou seja, estabelecer um diálogo – figura como uma alternativa para o isolamento social de gerações mais novas em relação à vivência de gerações anteriores.

O historiador Amilcar Araújo Pereira, apresenta um belo estudo sobre a luta e a formação dos movimentos negros no Brasil, organizados durante a ditadura militar. Surgida a partir de reuniões em bairros, universidades, ou grupos de teatro, no Nordeste e no Sudeste, a militância negra brasileira se caracterizou pela pluralidade de perspectiva, pelas diferenças regionais, geracionais e ideológicas. Apesar dessas diferenças, Amílcar Pereira, buscou demonstrar a importância das redes estabelecidas pelos militantes, que criaram conexões e espaços de experiência compartilhadas por diferentes grupos. A proposição no final da década de 1970, de organização do movimento por rede, teve como norte o fortalecimento e o estímulo de formação de lideranças. Já o artigo de Samuel Silva Rodrigues de Oliveira e Roberto Carlos da Silva Borges aborda o problema do audiovisual como parte do projeto de construção narrativa sobre o passado e o imaginário da cultura negra, contribuindo para uma educação antirracista no Brasil. Os autores estão interessados em investigar o “estatuto de testemunho” em torno da produção audiovisual sobre e da cultura negra, no sentido de problematizar o “funcionamento da memória” que funda “imaginários individuais e coletivos” (p. 106). Os vídeos analisados, produzidos em diferentes instâncias, representam formas heterogêneas de “contraponto à ideologia da branquitude” que sustenta as relações étnico-raciais no Brasil (p. 118).

Finalmente, o terceiro grupo de artigos apresenta diferentes abordagens metodológicas da pesquisa com a alteridade. As demandas dos policiais militares contidas no acervo “Tropas em Protesto”, que reúne narrativas de policiais, tendo como ponto de partida o movimento das praças das polícias desde 1997, ficaram silenciadas na década de 2010, especialmente após o arquivamento da PEC 21/2005, que previa a desmilitarização das polícias estaduais. Juniele Almeida argumenta a necessidade urgente de retomar o debate público em torno da desmilitarização das polícias. As “tensões históricas”, que esse debate faz emergir, correspondem à ideia de pertencimento à corporação e, ao mesmo tempo, aos movimentos contestatórios da estrutura militarizada das polícias brasileiras. Até hoje, essas tensões podem ser representadas a partir de três grandes dimensões que norteiam a urgência da redefinição do papel da polícia em um estado democrático: “o discurso institucional militarista, os problemas em segurança pública [da sociedade brasileira] e as questões trabalhistas dos servidores públicos” da segurança (p. 122).

A historiadora Marta Gouveia de Oliveira Rovai, com sua sensibilidade ímpar, tece uma reflexão muito provocativa sobre um conjunto de memórias de mulheres que nos ensinam novas “formas de entrevistar e de registrar narrativas” (p. 141) e nos impulsionam para uma nova concepção de conhecimento histórico, compromissado com uma “escuta atenta” (p. 151). Em atenção às vidas que pedem cuidado e reparação, a autora propõe uma postura de amorosidade do pesquisador diante da “intolerância” e dos silenciamentos que atravessam as vidas de mulheres. A história oral como espaço de reinvenção da existência, como espaço de audiência – e não de análise – segue sendo uma possibilidade de compromisso ético do pesquisador, uma “escuta atenta” – e não promessa de remissão – capaz de intermediar outras possibilidades de construção de um mundo mais humano.

Rodrigo Patto Sá Motta nos brinda com uma reflexão sobre o uso de fontes orais em suas pesquisas sobre as universidades durante a ditadura e as surpresas advindas desse processo, contribuindo, inclusive, para incorporação do conceito de acomodação para leitura dos arranjos sócio-políticos no período (p. 158). A emoção do pesquisador ao entrevistar intelectuais importantes para o campo das ciências no Brasil, em especial na área de Ciências Humanas, e a emoção dos indivíduos ao receber informações pessoais por parte do pesquisador, contribuíram para mudanças dos sentidos da pesquisa. Proporcionando o redimensionamento dos problemas de pesquisa a partir do confronto entre diferentes documentos, por um lado, e a reapropriação e ressignificação dos objetivos da pesquisa por parte dos sujeitos entrevistados. O conceito de acomodação, como lembra Motta, não se pretendeu um modelo perfeito, mas visou apresentar uma explicação aos eventos da ditadura a partir de evidências que emergiram na pesquisa em história oral, aprofundando o debate e nos convidando para possibilidade de transformação, criando e mobilizando outros jogos que não o das acomodações (p. 162-163).

Encerrando o volume, o pesquisador Ricardo Santhiago apresenta uma reflexão sobre a trajetória biobibliográfica de Ecléa Bosi e sua contribuição para a formação do campo da história oral no Brasil. A trajetória intelectual de Bosi nos convida a uma reflexão sobre “a capacidade humana e humanizadora do exercício da escuta” como prática de formação dos jovens pesquisadores (p. 175). Os conselhos, as indicações e as sugestões de Ecléa Bosi emergem como elementos metodológicos. Ao invés da rigidez das normas, a atenção, a afetividade, a criatividade, a sensibilidade. A partir das reflexões iniciais em sua tese de doutorado, o autor argumenta a importância seminal do trabalho de Bosi para o campo da história oral brasileira, de onde se desabrocharam diferentes frutos, com pesquisas atentas “à memória, à linguagem”, a partir da “empatia, curiosidade e pluralismo” (p. 177).

Gostaria de ressaltar que há uma dissonância no ritmo de leitura do livro, pois cada capítulo corresponde a uma dimensão da pluralidade da pesquisa em história oral. Levando em consideração os itinerários formativos das(os) pesquisadoras(es), essa dissonância longe de significar um problema, torna-se potência para o contato do leitor com uma gama de leitura polissêmica sobre as possibilidades de escutar o outro de modo sensível sem abandonar o rigor metodológico. Miriam Hermeto, Gabriel Amato e Carolina Dellamore nos brindam com um livro plural que retoma o antigo problema da relação pesquisador-entrevistado, apresentando contribuições proveitosas e polêmicas para a pesquisa em história oral (que por sua vez, é preciso dizer, não é metodologia, campo ou área exclusivos de historiadores).

A multiplicidade de abordagens e perspectivas dos artigos do livro, que se configura como um desafio para toda coletânea, funciona como uma postura necessária diante do desafio de se produzir conhecimento sobre o tempo presente. Mais do que mera alegoria, essa multiplicidade é, ao mesmo tempo, unidade em diferença e múltiplo nas identidades. As bases epistemológicas para imaginar outras formas de relação de poder, implicam em diálogos mais profundos e em escutas mais sinceras entre diferentes áreas do conhecimento. O livro em questão é resultado de um refinado trabalho de seleção e de enfrentamento de questões políticas e epistemológicas desse tempo imediato. De tudo ficam algumas questões: Estamos preparados para escutar o outro? Até que ponto conseguimos realizar a escuta do diferente? Em tempos de monstruosidades políticas típicas do fascismo, ou do que Traverso (2019, p. 19) chama de pós-fascismo – enfatizando as continuidades e transformações históricas do fenômeno – até quando teremos forças e disposição para ouvir quem não admite escutar? Como restabelecer o diálogo – em que a arte da escuta (PORTELLI, 2016) é o centro dessa relação – em um mundo que nasceu e da implosão das noções do “comum” e da “democracia”, das próprias “ruínas do neoliberalismo” (BROWN, 2019)?

Referências

BROWN, Wendy. Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no Ocidente. São Paulo: Politeia, 2019.

PORTELLI, Alessandro. História oral como arte da escuta. São Paulo: Letra e Voz, 2016. (Coleção Ideias).

TRAVERSO, Enzo. The New Faces of Fascism: Populism and the Far Right. Translation David Broder. New York/London: Verso., 2019.

Lucas Carvalho Soares de Aguiar Pereira – Doutor em História Social (UFRJ). É professor do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de Minas Gerais, Campus Betim. Atualmente, faz residência pós-doutoral na UFF, investigando o debate público promovido por e em torno dos policiais antifascismo. E-mail: lucas.pereira@ifmg.edu.br.


HERMETO, Miriam; AMATO, Gabriel; DELLAMORE, Carolina (Org). Alteridades em tempos de (in)certezas: escutas sensíveis. São Paulo: Letra e Voz, 2019. 180p. Resenha de: PEREIRA, Lucas Carvalho Soares de Aquiar. A escuta do outro em tempos dissonantes. Canoa do Tempo, Manaus, v.12, n.1, p.457-463, 2020. Acessar publicação original. [IF].

Sobre a tirania: vinte lições do século XX para o presente / Timothy Snyder

No pensamento político moderno, coube a Nicolau Maquiavel expor a importância de compreender a natureza da tirania. O pensador florentino desferiu suas argutas críticas ao príncipe bárbaro, inimigo das artes, destruidor das religiões, inimigo das letras e da virtù. Nesta análise, Maquiavel prorrompeu seu julgamento ao qualificar o tirano numa espécie de licencioso, oposto ao homem político, em que a virtù opera nele práticas violentas, mas ele não se deixa cegar pelo poder ao ponto de perder de vista a glória e o reconhecimento dos homens. Não me parece distante pensar nas questões da tirania contemporânea aos problemas diagnosticados pelo autor de O príncipe.

Daí a importância da reflexão do historiador Timothy David Snyder, a respeito da tirania no século XX como lição para o presente. Assim, pensar o impacto histórico dos regimes tirânicos ao longo do último século, tornou-se um ato ético, pois os inúmeros revisionismos historiográficos dos regimes de exceção, sinalizam para a urgência inequívoca deste objeto de estudo. Inclusive ao pensar “o longo século XX”, que inaugurou aquilo que Walter Benjamin denominou de “estado de exceção” permanente. E que também, Hannah Arendt ao tratar dos totalitarismos, vinculou as violações aos direitos humanos enquanto instrumentos de violência onipresentes; estes totalitarismos também foram utilizados, com frequência e insistência, na modernidade nas irrupções das guerras mundiais e revoluções (ARENDT, 2013, P. 11-13). Aqui seria oportuno pensar e atualizar as sincronias inferida por Arendt no prefácio do livro Origens do Totalitarismo (1950), em que denominou de “otimismo temerário” e, também, no “desespero temerário, os seus sentimentos políticos do mundo pós totalitarismo. Leia Mais

Rhetoric turn and medieval history: a look into europe and usa / Brathair / 2020

That historiography is indebted to a «linguistic turn» may today be taken for granted, and appears to be almost banal. Historiographic essays, methodological introductions, disciplinary discussions describing the developments of European and American historiography in the second half of the twentieth century, all of them agree in identifying an important turning point in the 1960s, the time when research began to be increasingly influenced by linguistic and language studies. The same thing is true in practice, given that no good research today would be conceivable without a thorough analysis of textual construction of its written sources1. Instead, less well known and therefore less obvious is to affirm that between that «linguistic turn» and today‘s research there have been further moments of development and reflection, which have led to refine methodologies, rethink some basic assumptions, extend the scope of some acquisitions to disciplines so far remained at the margins of those developments. This is the case of the intellectual phenomenon known to various scholars as the «rhetorical turn».

What is the «rhetorical turn»? Basically, it is an awareness of the limits of objectivism and materialism that, starting from the Enlightenment, influenced, and in some cases structured, many scientific, social and humanistic disciplines. Some scholars, mostly American social scientists strongly influenced by European intellectuals such as Jacques Derrida and Roland Barthes, realized that scientific communities are influenced by appeals to auctoritates, traditions, conventions, intuitions, anecdotes and aesthetic care no less than by those rigid formal and deductive logics and by those sets of impartial data that we are still used to associating with scientists today. Following Thomas Kuhn in his The Structure of Scientific Revolutions, they realized that very often those scientific communities look much more like religious groups than detached intellectuals with brilliant minds; likewise, those scientific revolutions and paradigm shifts are much more like religious conversions than carefully considered and well-reasoned shift in scientific practices2. Such an awareness has thus generated particular attention to mechanisms of persuasion that make knowledge changes possible. In other words, it put rhetoric at the center of the debate. «What can rhetorical theory teach us about how to adjudicate among competing values, or prescriptions, or knowledge claims?». This is the question those scholars have posed to themselves and to their colleagues, near and far. Guided by Herbert W. Simons, they were thus able to identify a real «rhetorical turn» in the «growing recognition of rhetoric in contemporary thought, especially among the special substantive sciences. It means that the special sciences are becoming increasingly rhetorically self-conscious»3.

As they matured such reflections, which came together in a volume published in 1990, those scholars were well aware that they had not created that phenomenon but, more simply, they realized that they had revealed an intellectual movement that had begun some time earlier but was particularly evident at that moment. One of them, Dilip Parameshwar Gaonkar, has effectively identified a double dimension in this turn. On the one hand, an explicit dimension coincides with the work of those who have explicitly recognized the relevance of rhetoric for contemporary thought and have used rhetoric as a critical and interpretative tool. On the other hand, an implicit dimension concerns production and reflection of all those who were little aware of the rhetorical lexicon and on disciplines inherent in communication, but even so recognized the importance of formal and persuasive aspects of the discourse starting from problems internal to their specific disciplines, no matter whether scientific or humanistic. According to Gaonkar, the internal dimension is much more important than the external one, due to the empirical processes that characterize it and involve, not only philosophers and experts in literary theory and criticism, but also scholars like Walter J. Ong and Tzvetan Todorov: perhaps not all will agree in defining them as historians à part entière but, of course, all will agree in affirming that they have practiced historical research4.

The presence of history in the «rhetorical turn» is not surprising for two reasons. The first reason is that the vast majority of sources that historians have to deal with are usually elaborated by one or more senders for one or more recipients, with the aim of persuading the latter to do or to accept something. This persuasive dimension is clearly present in written sources, but it is also present in the visual ones, which in fact have been well valued from this point of view by many scholars, on top of which is Peter Burke5. The second reason is that rhetoric, i.e. «the study and practices of persuasion»6, «l‘art de persuader et la science du bien dire»7, often tends to have parasitic relations with other disciplines. It therefore finds a particularly suitable host in the prismatic and multidisciplinary dimension of history.

But what exactly did the «rhetorical turn» mean for historians and particularly for historians of the Middle Ages? One could speak in general of a double movement, which became evident starting from the early 1990s and decidedly accelerated in the last ten years. On the one hand, rhetoric has acquired a deeper and a more concrete temporal and contextual dimension thanks to a new narrative: it is no longer a technique promoted by the Greeks in Antiquity, interrupted during the Middle Ages and recovered by Humanism, but a discipline that has transformed from Antiquity to present day according to a continuum rich in nuance and to temporal, cultural and social variations. On the other hand, like other disciplines, even as history, after having long despised rhetoric, because it is opposed to the Enlightenment scientific methodologies, research has returned to dialogue with it by acquiring new research tools useful both for analyzing and questioning sources and for constructing its own discourses. Medieval history, and medieval history of Europe in particular, played an important role in this evaluation. Given the intense relations between history and diplomatics, i.e. the discipline that studies historical documents from a formal point of view, it could be said that in a certain sense medieval history was more ready than other disciplines to accept rhetoric. In addition to this, medieval European history has played a pivotal role in ‗unlocking‘ the historical dimension of rhetoric. As I said, until the last quarter of the twentieth century the dominant narrative was that of an «art of persuasion» very widespread in Antiquity, but which vanished in the Middle Ages and was rediscovered by humanists at the beginning of the Modern Era. Nothing could be a greater falsehood, and historians have well noticed it: in the Middle Ages, rhetoric pervaded many areas of human action, starting from the teaching of systems of rhetoric, passing through the writing of documents and literary works up to liturgy, preaching, assemblies and so on. After all, the articles published in this dossier of Brathair are all indebted to this revaluation, and on their own make a significant contribution to it. Since – except for my mistake – a reflection on these developments in European and American medieval history has not yet been produced, I believe it is useful in these pages to propose a brief illustration. It could constitute a first historiographic orientation on the subject. I need to anticipate that it is not possible, in this case, to establish a direct derivation of these researches from the explicit awareness summarized in the American volume published in 1990. We deal, rather, with a complex, composite process, rich in nuances and also developed, in many cases, from reflections internal to the discipline or to a single research itinerary. Nevertheless, the spread of historiographic topics appears to be coherent to the point of suggesting a real cultural movement. Given their international dimension, I will focus on historiographical fields rather than on individual national historiographies.

A point that is common to all areas, with USA in advance compared to Europe, is the extension of the rhetoric object to historical disciplines starting from literary, philosophical and social disciplines. The first historiographical areas that have benefited from this extension are Renaissance Italy and Byzantium. The reason is quite clear: Renaissance Italy explicitly recovered the rhetoric of the Greco-Roman period, whereas Byzantium is the direct heir of the Greco-Roman structures from which rhetoric was born. But, from there, its extension covered several other areas of Europe, in particular France, Germany, England and Spain — first in the late medieval period, more recently in the early and high medieval ones. In most of these researches, rhetoric was part of a binomial, that is, it was observed in relation to other aspects of human action, but one can also observe a development of rhetoric as a specific object of historical research.

Among the more in-depth topics there is undoubtedly the relationship between rhetoric and politics, directly derived from the late twentieth-century research on ideologies and propaganda in the Middle Ages. Beyond Byzantium, the research focused mainly on communal Italy and on the struggle between the German empire and the papacy in the thirteenth century. The studies on communal Italy were inaugurated by Enrico Artifoni, who, in the 1990s, sparked the attention of political historians towards characters and texts that had been totally ignored until that moment, as is the case of Boncompagno da Signa, Albertano da Brescia and their works. At the same time, Artifoni showed that political practices of thirteenth-century Italy were pervaded by the art of the word, to which Italians were educated through handbooks of ars dictandi and ars arengandi. After him, Enrico Faini, Lorenzo Tanzini and Florian Hartmann further articulated the reflections by extending them to the entire communal period (twelfthfourteenth centuries) and bringing a magnifying glass closer to the specific relationships between city assemblies, rhetorical education of participants, epistolary and historiographical production. Research on empire and papacy also used similar methodologies: after reflecting at length on ars dictaminis, Peter Herde, Laurie Shepard and Benoît Grévin showed that from the thirteenth century the rhetorical dimension of public epistolary production, i.e., the production of documents that were read aloud in assemblies, was at the center of ideological and political constructions of the two institutions and more generally of the greater European monarchies. More recently, Mayke de Jong has explored France during the Carolingian era, drawing attention to the relationship between the polemical intellectual production of the monk Radbert, his rhetorical strategies, his audience, and the consent towards sovereigns during the ninth century8.

A topic closely linked to the political one is the relationship between rhetoric and documentary production. Reflections on rhetorical aspects of medieval documents took shape even before the «rhetorical turn», thanks to diplomatic studies that started with Heinrich Fichtenau, if not earlier, focused on the more literary sections of public documents such as the arengae. The intersection between these older studies and the new rhetorical awareness has meant that, from around 2000, not only researchers in diplomatics but also historians dealt more systematically with the persuasive dimension of medieval written sources. Starting from a complete re-evaluation of sources such as the epistles, these scholars have understood that, within medieval chanceries, notaries and officers sought the maximum effect of rhetoric for their texts, with the help of tools such as literary manuscripts of classical authors and, above all, model-letter collections. Furthermore, that rhetoric effect found its raison d‘être in the public reading of documents in highly ritualized contexts, such as assemblies. The ancient and resistant barrier between diplomatics / history and literature has thus begun to crumble. At the heart of these reassessments are the studies of Benoît Grévin and Fulvio Delle Donne, but important steps have also been produced thanks to collective works, such as a French one on the language of Western and Byzantine acts or an Italian one on epistolary correspondence in Italy. The most investigated documentary productions are those of the papacy and the empire between the twelfth and fifteenth centuries, but recently there have been many new openings: Maria Isabel Alfonso Anton and David Aller Soriano have studied the Spanish fueros between the eleventh and thirteenth centuries, Brigitte Resl the twelfth-century Italian cartularies, Adele di Lorenzo the Italian Greek acts of the Norman period, Dario Internullo the communal epistles of Rome, Pierre Chastang and François Otchakovsky-Laurens the thirteenth-century statutes of Marseille, Adrien Roguet the French and German documents of the twelfth century, Thomas W. Smith, Matthew Phillips, Helen Killick, Linda Clark and others the English petitions and documents of the thirteenth-fifteenth centuries, Benoît Grévin and Sébastien Barret the French royal acts in the fourteenth century9.

Moving on the relationship between rhetoric and groups, first of all, one should note that already in the early 1980s there was in Italy a conference on the relationship between rhetoric and social classes. Since the 1990s the discourses have developed further, on the one hand around the formation of ethnic-religious groups, as is the case of the early medieval Bulgarians studied by Lilia Metodieva, or the late medieval Georgian church studied by Barbara Schellewald; on the other hand, around the construction of social groups or genders. Vincent Serverat, in the footsteps of Georges Duby, has studied the rhetorical construction of social classes in Castile, Catalonia and Portugal through a corpus of over 400 texts; François Menant and Enrico Faini explored the concept of populus in Italy and Europe between the eleventh and thirteenth centuries, coming to the conclusion that, even before a social class, populus designates a political program aimed at framing urban and rural communities within precise institutional frameworks, first episcopal and then municipal; Francesco Stella revealed a cultural circuit between teachers of rhetoric, hagiographic production and the emergence of civic identity in the communal cities of Bologna and Arezzo between the twelfth and thirteenth centuries. As far as genres are concerned, the development of research around late medieval women, especially those of higher social level, is truly remarkable: this is the case for instance of the studies led by Liz Oakley Brown and Louise J. Wilkinson on the rituals and rhetoric of queenship between the Middle Ages and the Modern Era, those of Rüdiger Schnell on the relationship between gender and rhetoric in the Middle Ages and in the early Modern Era, or those of Nuria Gonzalez Sanchez, Jane Couchman, Ann Crabb on the rhetoric, persuasion, and female epistolography at the end of the Middle Ages10.

Another particularly practiced theme concerns the relationship between rhetoric and images. Although already practiced by Jacob Burckhardt and Johan Huizinga, historical studies on images have greatly benefited from the twentieth-century reflections on photography, more generally on images, creating in the 1990s a fruitful field of study. I refer here to the works that explicitly use the concept of rhetoric in their research on images: Suzanne Lewis studied the narrative rhetoric of Norman Bayeux tapestries; Thomas Dittelbach and Beat Brenk studied paintings and sculptures of the palatine chapel in Palermo during the Norman period; Nirit Ben-Aryeh Debby and Marco Folin focused respectively on the persuasive aspects of the «images of the Saracens» and on the civic functions of buildings an monuments in Florence in the late Middle Ages; Olga Perez Monzon, Matilde Miquel Juan and Maria Martin Gil have contextualized and unveiled the rhetorical construction of the funeral monument of Alvaro de Luna (†1453) in the cathedral of Toledo, a monument aimed at redeeming the memory of a Spanish officer who was publicly killed under the accusation of sorcery; Mary Carruthers led a collective work on medieval artistic production (lato sensu) aimed at applying the concept of performance to authors and public, as well as at reflecting on the persuasion strategies implemented by ‗non-verbal‘ enterprises such as the architectural, figurative, musical and liturgical ones, with particular attention to late medieval France and England. As I said, these are the most aware studies of the rhetorical dimensions of images and monuments, but there are many researchers who have used similar methodologies. In addition, especially in Germany and France, there have been several collective reflections on the «rhetoric of images» in the Middle Ages11.

The encounter between rhetoric and religious history was fruitful as well. In this sense, the research focused above all on the relationship between rhetoric and preaching. Some seminal ideas seem to have come from French historiography around Jacques Le Goff between the late 1970s and the 1980s: a collective work published in 1980 focused on the rhetorical exemplum as a basis for investigating the histoire des mentalités between Antiquity and the Middle Ages, which was followed by a work by Le Goff himself on the relationship between exemplum and the rhetoric of preaching. Also in this case the 1990s witnessed to a growth in intensity of such research: starting from those early French works Nicole Bériou explored the persuasion of late medieval preaching in France with dozens of articles, recently collected in a volume; Bériou led together with Jean-Patrice Boudet and Irène Rosier-Catach a collective research on Le pouvoir des mots au Moyen Âge, focused on virtus verborum in the most diverse cultural practices of the Middle Ages, from preaching to theological writing, from miracles to curses up to magic; Michael Menzel has published a book focusing on the rhetoric of historical exemplum in late medieval artes praedicandi and sermons; Carlo Delcorno concentrated on medieval Italian preaching from many points of view, from exemplum to ecclesiastical politics, from the literary dimension to the linguistic one; Nicolangelo D‘Acunto investigated the political rhetoric of the main actors in the Investiture Conflict, as well as in religious order in the thirteenth century; Gian Luca Potestà studied the prophetic rhetoric of the Minor Friars in relation to Gioachimism; Francesca Romoli explored the communication strategies of Slavic preachers between the eleventh and thirteenth centuries, adopting a comparative perspective that took into account both the Western world of artes praedicandi and Byzantium; Antonio Sennis dealt with the persuasion strategies of monastic supernatural visions in Italy in the eleventh and twelfth centuries; in the wake of Bériou, Christian Grasso illustrated the relationship between papal politics, preaching and the crusades in the thirteenth century; Victoria Smirnova and Marie-Anne Polo de Beaulieu reflected on the Cistercian collections of exempla in Germany during the fifteenth century12.

Such rhetorical and discursive dimensions — not only of medieval texts themselves, but also pertaining to our historiographic operation — have not passed unheeded by in the studies of scholars not strictly bound to rhetorical studies or approach. It is, par excellence, the case of Joseph Morsel, professor and researcher at the University of Paris-1 – Panthéon Sorbonne, whose theoretical reflections recover a great range of intellectual interests and topics. We should like to highlight some of his writings, specially his Le diable est-il dans les détails? L‘historien, l‘indice et le cas particulier (―Is the devil in the details? The historian, the signal and the particular case‖, 2019) and Traces, quelles traces? Réflexions pour une Histoire non passéiste (―Traces, what traces? Reflections for a non-backward-looking History‖, 2016), among many other pieces of work. Morsel is also a strong interlocutor of Flavio de Campos and Hilário Franco Júnior, along with Eliana Magnani, Daniel Russo and Dominique IognaPrat. He also has valuable essays on the matter of archives and diplomatics, in the light of historical theory, here we will mention Histoire, Archives et Documents – vieux problèmes, nouvelles perspectives (―History, Archives and Documents – old problems, new perspectives‖, 2020), but there are many others.

Although emerged from the traditional narrative (see above) the studies that have dealt with the relationship between rhetoric and Humanism are decidedly important from a historiographical point of view. Thanks to a greater awareness of the ‗historicity‘ of rhetoric, they have managed to rethink deeply that cultural movement. Among the main players in this renewal are Marc Fumaroli, Ronald Witt and Clémence Revest. Fumaroli has the merit of placing the debates on style and forms of speech, promoted by the humanists themselves in the fifteenth and sixteenth centuries, in a more concrete perspective, thus raising the awareness of many historians towards the subject. In the wake of Paul Oskar Kristeller, Ronald Witt then has rediscovered the links between medieval and humanistic culture, identifying their trait d‘union in the rhetorical style of ars dictaminis practiced by Italian notaries and teachers of rhetoric, especially those who lived in Florence and Padua. Lastly, Clémence Revest was able to retrace ex novo the entire humanist movement, using public and private letter sources and observing its expansion through stylistic networks that not only from Florence, but also from papal Rome spread first in Italy and then pervaded whole Europe, inducing intellectuals to abandon ars dictaminis for a new classicizing style based on Cicero. That style in turn would have influenced the ways of thinking culture to the point of profoundly modifying educational programs of Europe13.

Those illustrated here are of course not all the historiographical fields that were formed through the «rhetorical turn», but they are certainly the most practiced. Rather than dwelling on other developing topics, such as the relationship between rhetoric and judicial practices, rhetoric and music and rhetoric and medicine, I find it more useful to conclude on rhetoric as a historiographical theme in itself. There are two trends that can be detected in the studies of the last three decades. On the one hand, the ancient binary of rhetoric as an argument and as a method of literary disciplines has by no means vanished after the «rhetorical turn» in history. Indeed, it seems that the «rhetorical turn» has also refreshed literary studies with a new strength, as it is demonstrated by a recent volume on Dante and rhetoric, edited by Luca Marcozzi. The same can be said for studies on medieval education: given that rhetoric was part of the arts of trivium since the early Middle Ages, there are countless researches that have deepened the mechanism of learning transmission of the «science du bien dire». We should mention the most recent collective studies on medieval universities, in particular those promoted by Joël Chandelier and Robert Aurélien, involving scholars such as Benoît Grévin and Clémence Revest: they have well incorporated the most recent contributions of French historiography on rhetoric. Similarly, the most recent studies on the so-called artes poetriae, promoted by Gian Carlo Alessio and Domenico Losappio, have clearly identified the schooling and rhetoric dimension of these manuals, long neglected by research, providing further insights for eliminating the border between history and literature. On the other hand, and I come here to the second trend, rhetoric as a scientific object has not only entered with new vigor in numerous historical researches, ranging once more from Byzantium to Europe, but has also undergone an interesting transformation: research has passed from the study of the theory of rhetoric to the study of rhetoric in practice, according to a process similar to that which led political history to pass from institutions to the relationship between rulers and ruled. Particularly indicative, in this sense, are the studies promoted by Floriam Hartmann on the functions of eloquence in communal Italy; the ones by Georg Strack and Julia Knödler on concepts, practices and diversity of medieval and Renaissance rhetoric; by Benoît Grévin and Anne-Marie Turcan-Verkerk on ars dictaminis in all its forms; those by Irene van Renswoude on rhetoric of free speech from the second to the tenth century – the latter also being effective in breaking down the disciplinary barrier between Late Antiquity and the Middle Ages, highlighting historical and cultural consistency of the «first millennium» well illustrated by Garth Fowden. If we adopt this broader chronological perspective, it is finally worth mentioning the ERC-funded project coordinated by Peter Riedlberger on the late antique conciliar proceedings: being focused on rhetorical and communicative aspects that lie behind the complex manuscript tradition of the proceedings, it could provide many methodological insights to the study of political and judicial acts and speeches of the Middle Ages14.

Rhetoric Turn and Medieval History. A look into Brazil.

Notwithstanding the fact that some really good researches on Rhetoric have been carried out in Brazil in the last decades, which gave rise to some mandatory readings for students and postgraduate researchers, the field is still to be deepened. As a matter of fact, should we set up a brief archeology of Brazilian pieces of work on Rhetoric and Human Sciences, we would necessarily come across initial writings in legal and literary studies.

Indeed, the first major influences from the Linguistic Turn of the 1980s was exerted in all areas of Human and Social Sciences, especially Anthropology and Law, yet the properly called Rhetoric Turn came about recently and found a large critical fortune in Philosophy of Law. In this ballast, we can mention a prime book by Professor Tércio Sampaio Ferraz Júnior, Law, Rhetoric and Communication (Direito, Retórica e Comunicação, 1979), which features a thought-provoking dialogue with his former mentor at the University of Mainz (Germany), Theodor Viehweg (1907-1988). Actually, Viehweg was responsible for this inaugural approach to Legal Philosophy in Topics and Jurisprudence (Topik und Jurisprudenz, 1953), by linking up Rhetoric, Dialectics and Law in a very original reflection.

Sampaio Júnior‘s work has also brought about an entire ―rhetorical‖ tradition in Legal Studies in Brazil, particularly at the University of São Paulo (USP), for which the Faculty of Law – Faculdade de Direito do Largo de São Francisco – has proved to be an actual hatchery. For instance, some significant writing on Law and Rhetoric have been put forth by José Eduardo Faria – Political Rhetoric and Democratic Ideology (Retórica Polìtica e Ideologia Democrática, 1982)

A first and not unimportant binding with History was to be perceived in Sampaio Júnior‘s work, mainly concerning the idea of History, Crisis and Politics by Hannah Arendt in her The Human Condition of 1958. Viehweg also temporally precedes all the New Rhetoric (Nouvelle Rhétorique) championed by Chaïm Perelment (1912-1984) and Lucie Olbrechts-Tyteca (1899-1987) in Treatise of Argumentation – The New Rhetoric (Traité de l‘Argumentation – La Nouvelle Rhétorique), Law and Anthropology have preceded History in terms of adopting the rhetorical method. Henceforth, the first attempts to provide History and Literary Theory with an innovative method couched in rhetorical formulation has come from Legal Philosophy.

Nevertheless, it seems that legal-philosophical and sociological approaches have been prone to reduce the manifold dimensions of Rhetoric to the sense of Forensic Oratory, which draws roots in Cicero‘s De Oratore, with few regards to Aristotle.

Soon there will be a book by Professor José Reinaldo de Lima Lopes (University of São Paulo), named Course of Philosophy of Law: Law as Practice, expected for 2021, where an entire chapter is devoted to Rhetoric. Lima Lopes‘ great merit, in our view, is his sensibility and sensitiveness to realize that Aristotle must still be looked upon as the most important auctoritas in the field of Philosophy and History. For Professor Lopes, Rhetoric could not be reduced, at all, to its oratory dimension. It is a matter of urgently retrieving its contents as the ars of producing veracity in social relationships and providing legal practice with rational and reasonable arguments and mostly the capacity to formulate truthful judgements and assertions.

Thus, his book is going to endow us with reflections that are vital both to the realms of Cultural History and History of Law, which confirms the author‘s primacy in History and Philosophy of Law in terms of Brazil and internationally. It is not at all by chance that one of the very leading historians of our time takes exactly the same pathway. In fact, in his History, Rhetoric, and Proof (The Menahem Stern Jerusalem Lectures) (Rapporti di Forza – Storia, Retorica, Prova, 1999), Ginzburg tells of the trend to approach Rhetoric through a Ciceronian view. It hinders historians and other researchers to unfold the huge heuristic potential of Aristotle‘s doctrine of Rhetoric as the art (in the sense of τέχνη) that grants us the ways to formulate proof to our speeches, i.e., the way to elaborate truthful reasoning.

Before making its way towards History in Brazil, Rhetoric were also widely influenced by Literary Studies. However, this time, the linkage to History turned out to be much more profound and fruitful. There are, to our mind, two founding names for these studies, especially regarding the medieval period, who are Professor Márcia Mongelli and Professor Yara Frateschi Vieira.

First comes a book, organized by Professor Mongelli (University of São Paulo), called Trivium and Quadrivium – The Liberal Arts in Middle Ages (Trivium e Quadrivium – As Artes Liberais na Idade Média, 1999), wherein Mongelli has written a chapter herself, entitled ―Rhetoric: the virtuous elegance of well sayinging” (“Retórica: a virtuosa elegância do bem dizer”).

Moreover, in her turn, Professor Frateschi Vieira has composed an already classic article drawing attention to the rhetorical dimensions of narrative, ―‗A Bee in the Rain‘: rhetorical proceedings of narrative‖, which was published in Alfa – Revista de Linguìstica, 16th volume, 1970.

Both scholars organized a collection of medieval writings and narratives featuring rhetorical motives and topics ranging from the 11th to the 15th century and entailing auctoritates both from Islam and Latin Christendom. Their excellent Introduction to the collection itself can perfectly act out as a detailed guidebook for rhetorical studies and maiden researches in the area, as was our own case. The collection book is nominated Medieval Aesthetics (Estética Medieval, 2001).

A colleague and friend of Mongelli and Frateschi Vieira, Professor Maria do Amparo Tavares Maleval, is as well to be regarded as a major researcher on Medieval Rhetoric, which we can promptly infer from her book Fernão Lopes and Medieval Rhetoric (Fernão Lopes e a Retórica Medieval, 2010). The three of them, Mongelli, Frateschi Vieira and Maleval, with the support of the Brazilian historian Hilário Franco Júnior, stand for the very idealizers and founding members of the Brazilian Association of Medieval Studies (ABREM), which has existed since 1996.

One specific citation is as well mandatory: a very recent piece of work by Dante Tringali (University of São Paulo), Ancient Rhetoric and Other Rhetorics (A Retórica Antiga e Outras Retóricas, 2013), which stands for a culminating moment of his research career, having succeed two other masterpieces in Brazil, i.e. The Poetics of Horace (A Arte Poética de Horácio, 1983) and Introduction to Rhetoric: rhetoric as literary criticism (Introdução à Retórica: a retórica como crìtica literária, 1988).

Furthermore, it is relevant to point out the works, specifically dedicated to Rhetoric, by José Luiz Fiorin (University of São Paulo), with his recent Rhetorical Figures (Figuras de Retórica, 2014), and Luiz Rohden (UNISINOS), with The Power of Language: The Rhetoric of Aristotle (O Poder da Linguagem: a Arte Retórica de Aristóteles, 1997).

Recently, much attention is drawn to the researches of Artur Costrino (UFOP), whose main subject is the rhetorical production of Alcuin of York (c.735-804), principally couched in his De Rhetorica from around the year 790, drawing its roots to the Palatine Court of Charlemagne.

Nonetheless, the very ground of Rhetorical Studies in nowadays Brazil definitely lies upon two major authors, João Adolfo Hansen (University of São Paulo) and Alcir Pécora (University of Campinas). They respectively wrote The Satire and the Spirit: Gregório de Matos and 17th century Bahia (A Sátira e o Engenho: Gregório de Matos e a Bahia do século XVII, 1989) and The Machine of Genders (Máquina de Gêneros, 2001), both having given rise to a huge number of studies, monographic pieces of work, dissertations and books on Rhetorics and Belles Lettres.

Their great influence has not been restricted to the field of Literary Theory or Critics. The domain of Cultural History has gained a great deal from it in Brazil, as we can prove by resorting to the great work of Alìrio Carvalho Cardoso (Federal University of Maranhão) on Rhetorics and Epistolography, mainly pointing out to his article, composed in partnership with Alcir Pécora, ―An art lost in the Tropics: Jesuit‘s Epistolography in Maranhão and Grão-Pará (17th-18th centuries)‖ (―Uma arte perdida nos Trópicos: a epistolografia jesuìta no Maranhão e Grão-Pará, Séculos XVII-XVIII‖), published in the 8th volume of the Revista de Estudos Amazônicos (2012).

Although not a tout court historian, we should like to mention the writing of Fábio Palácio (Federal University of Maranhão) on Rhetorics and Economics, in partnership with Cristiano Capovilla, named ―We are, in fact, hell: on method and rhetoric in Economics‖ (―Somos, de fato, o inferno: sobre método e retórica na Economia‖), published in Revista Princìpios, 8th volume, 2016. This piece of critical work draws an important interface with Economic History and has proved much influential in our Northeast part of Brazil, especially in Maranhão, where Brathair is officially held.

At last, directly pertaining to the realm of Medieval History, there are the researches by Professor Flavio de Campos (University of São Paulo), which encompass the theme of games and ludic modalities, wherein he handles Aquinas‘ retrieval of the Aristotelean virtue named eutrapely (ST. II-IIae, q.168), also appearing in the Comments to Aristotle‘s Ethics (IV,16). It is indeed the virtue ordaining and balancing human appetite to experience fun.

It is certainly worthy catching a glimpse of the work of Ricardo da Costa (Federal University of Espìrito Santo), specially The Rhetoric in Antiquity and the Middle Ages from the perspective of eleven philosophers (2019) and his painstaking translation of Ramon Llull‘s New Rhetoric (1301).

Finally, there has been the recent work by Marcus Baccega (Federal University of Maranhão) addressing the rhetorical and sacramental dimensions of chivalric romans from the Central Middle Ages in the German regions of Central Europe. We should like to mention his book The Sacrament of the Holy Grail (2020), in which a reflection on medieval sacramentology and rhetoric is developed by leading off from German Arthurian narratives of the 13th century.

Baccega‘s researches are deeply influenced by the French medievalist Professor Joseph Morsel (University of Paris-1 – Panthéon Sorbonne), whose theoretical reflection on reading and interpreting medieval writings and also on Methodology and Theory of History have turned out to be a great source of scientific inspiration. The first wave of inspiration and enthusiasm for the rhetorical approach to medieval romans and chivalric novels has come from Professor Flavio de Campos, who has permanently been sensitive to the need of defining other ways of focusing medieval narratives. A great influence is also exerted by the work of the aforementioned Professor Benoît Grévin (University of Paris-1 – Panthéon Sorbonne), whose researches deal directly with Rhetorics in Middle Ages, as already explained in the first part of this Editorial.

Contributions to this Edition

It is actually on this ballast that the articles found in this edition of Brathair explore the manifold relationships between the Rhetoric Turn and Human Sciences, evincing all its heuristic potential to Medieval History.

Therefore, our edition, nominated Rhetoric in Middle Ages, features at first the dense article by Professor Benoît Grévin (LAMOP / University Paris I), L‘ars dictaminis et la poésie: questions théoriques et pratiques (XIe-XIVe s.) (The ars dictaminis and poetry: theoretical and practical questions), which lays emphasis on the epistolographic character of medieval rhetorics, thus stressing a major dissemblance to ancient rhetoric. Very relevant for both personal and political purposes, letters were the sources of rhetorical expression. From the 11th to the 15th centuries. This is why the so-called Artes Poetriae and Artes Dictaminis feature so many intersections and convergences, being one of their functions the teaching on how to compose decorous pieces of writing for communication. The article explores as well the metrical and properly poetical traits of these letters, gracing our Edition with a true Lectio on the subject, as the readers shall certainly remark.

Our second article is by Professor Alberto Cotza (University of Florence), Le orazioni nel Liber Maiorichinus (Prayers in the Liber Maiorichinus), which poses very pertinent questions on language and speech in the 12th century Pisan society through a truly exegetical approach of a text barely known to Brazilian scholars. It is the Liber Maiorichinus, an epic poem dealing with the history of the Balearic war, which the Pisans and other Christians conducted against the Muslims in Ibiza, Minorca, and Mallorca (1113-1115), as the author lectures.

Such a sophisticated exegesis, in terms of Linguistics and Rhetoric is to be found as well in Professor Clara Barros‘ (University of Porto) reflection entitled A construção da imagem do poder em textos jurìdicos da Idade Média peninsular (The construction of the image of power in legal texts of the Middle Ages). Drawing precisely upon the theoretical and methodological interface between Discourse Pragmatics and the multiple versions pertaining to the Theories of Argumentation, Barros seeks to analyze some strategies of the persuasion characteristic of Afonso X – the Wise‘s legislative work which reveal a certain relationship between rhetorical construction and political power in the Peninsular Middle Ages (in the 13th and 14th centuries). Focus is here laid upon the argumentum ab auctoritate in the Primeyra Partida (1265) and the Foro Real (c.1280), which allows the author to explain in detail and by means of graphs the ideological structure of Iberian medieval societies in the 13th and 14th centuries.

By dint of his expertise in the field of Rhetorics and Historiography, the Italian researcher Dario Internullo (University of Rome-3) proposes a dense reflection about the links between Historical Theory, Diplomatics and Rhetorics regarding the legal practice of process citation in the commune of Rome during the Late Middle Ages. His article is called A citação na chancelaria – a comuna de Roma no Medievo (Citation in Chancellery – The commune of Rome in Middle Ages) and presents the very potential of rhetorical analysis not only to the sciences of language and to interpreting documents and testimonies (in this case, sources contrived and made circulate by lay and clerical authorities), but to casting a complex historiographical problem to hard political and legal documentation in order to achieve what we would dare to call a Total History.

Providing very qualified concreteness to our purpose of an interdisciplinary dialogue, and once again exposing how Historiography owns much to Literary Theory in terms of rhetorical studies, we present the text by Professor Márcia Mongelli (University of São Paulo), which analyses the connection between Rhetoric and Poetry in the troubadours‘ and trouvères‘ love songs from Central Middle Ages. The poem chosen in her A ―retórica cortês‖ e suas sutilezas (Courtly Rhetoric and its subtleties) is Senhor Genta (―Gentle Lady‖), composed by the Galician-Portuguese troubadour Joan Lobeyra (c. 1233-1285), which would grant the poetic matter and topics to the notorious 16th century chivalric novel Amadis de Gaula (1508), by Garci Rodrìguez de Montalvo.

This early 16th century Portuguese edition was preceded by a Castilian one from 1496, yet both of them take roots in an original Portuguese version that would have been conceived by Vasco Lobeira during the reign of Dom Fernando I (1367-1383). Mongelli‘s piece of work actually acquires poetic tones and builds up a past-present analysis by resorting to the poems of Amor em Leonoreta (1951) by the major neosymbolist Brazilian poet Cecìlia Meireles, who devoted part of her poetic production to retrieving our medieval roots.

In the present edition of Brathair, we are also graced at the presence of an article by a much prominent scholar in the domain of Medieval Rhetoric, Professor Maria do Amparo Tavares Maleval (State University of Rio de Janeiro), whose contribution is dedicated to a rhetorical analysis of the great figure of Portuguese drama in Late Middle Ages. The article is entitled A Retórica no Purgatório de Gil Vicente (Rhetoric in the Purgatory of Gil Vicente). It is certainly a discussion on the playwright Gil Vicente, whose play Auto da Barca do Purgatório (―Purgatory barge auto‖, 1518) is here the theme for manifold perceptions concerning the classical parts of rhetoric, mainly the elocutio, dispositio and inventio. Thus, traits of humor, comic scenes and strict morality and virtues are interlarded in the plot, along with the threefold conception of the Other World. For historians interested in unravelling the late medieval imaginary about death and afterlife, this text is definitely a must.

Appealing to the Early Middle Ages – or Late Antiquity, as the author advocates – Professor Ana Paula Tavares Magalhães (University of São Paulo) brings us a reflection about the conversion itinerary pertaining to Saint Augustin, from 382 to 386. Her piece of work could not have been nominated in a different manner: A Ars Rhetorica de Agostinho de Hipona na narrativa das Confissões (The Rhetoric Art of Augustine of Hyppo in the narrative of The Confessions). Such testimony is couched in the most well-known opusculum by the Doctor Gratiae, The Confessions, written between 397 and 400, which poses the many pathways and drawbacks of a former Roman pagan from the classis senatorialis in his, so to say, ―itinerarium mentis in Deum‖. Our present comparison takes roots forward to Saint Bonaventure‘s treatise of the year 1259, as a way to highlight the role played by Magalhães as a specialist in Franciscan studies, whose highbrow qualities allow her to identify and dissect Saint Augustine‘s work itself and his huge theological and philosophical influence over the Franciscan writers. This is precisely the reason why the author resorts to the mystic of conversion regarding Augustine, as a manner to uncover a meaningful pattern for the studies on Augustin‘s Rhetoric techniques, as well as it provides a paradigm of symmetry between Augustin‘s life and the History of the Church, her specialty.

Also dealing with the erudite culture layers in Central Middle Ages, Professor Sérgio Feldman (Federal University of Espìrito Santo), a highlighted specialist for Jewish history in the Middle Ages proposes a reflection on a wise Jew from the Hispania of the three religions. As a matter of fact, the article Yehuda Ha-Levi: a retórica na polêmica religiosa no século XI-XII – O Livro de Cuzari (Iehudá Ha-Levi: rhetoric in the religious polemics in the 11th-12th centuries – The Book of Cuzari) portrays and dissect the many rhetoric disputationes in Iberia on the ―true‖ or ―best‖ religion. This way, Feldman narrates and casts a historiographical problem on the Book of Cuzari, the narrative of the conversion of the Khazars to Judaism. So, a literary work that endeavors to demonstrate that the Jewish religion is superior to that of its competitors, even if the Jewish people were subject to an oppressed minority condition.

At this moment of our edition, we come across a very original reflection by Professor Terezinha Oliveira (State University of Maringá) about the statute of language as a subject and the philosophy of language in Aquinas, by making use of the Summa Theologiae: Quaestiones 176 and 177 – IIa-IIae . The article A Retórica como Princìpio do Intelecto e da Linguagem em Tomás de Aquino (Rhetoric as principle of the Intellect and Language in Thomas Aquinas). Having been a profound specialist in the thought – both theological and philosophical – of Aquinas for decades, Oliveira poses herself the challenge of dissecting the role and philosophical locus of Rhetoric as a grounding pillar of his reasoning on language and the unity of the human intellect. This papers also handles Aquinas‘ reading of Aristotle as a rhetoric auctoritas, basically by leading off from Aquinas‘ Commentary on Aristotle’s On Interpretation very well, which demonstrates the connection between language and the intellective appetite of human beings.

Further reflection on highbrow culture in High Middle Ages is provided by a young and much talented scholar from the Federal University of Ouro Preto, Professor Artur Costrino, who has spent many years investigating the work of Alcuin of York De Rhetorica (c.790). As the author pinpoints in his Disputatio de rhetorica et virtutibus de Alcuìno de York: crìtica às recepções modernas e hipótese sobre a organização dos dois assuntos do diálogo (Alcuin‘s of York Disputatio de rhetorica et virtutibus: criticism of modern receptions and a hypothesis about the organization of the two subjects of the dialogue), this dialogue by Charlemagne‘s most famous teacher had a huge favourable acceptance and circulation in its period. Nonetheless, De Rhetorica seems to have been forgotten by scholarly research in our time. Therefore, Costrino‘s piece of work shall surely open up new investigation lines in Medieval Rhetorics and the practices of power by the time of first Renovatio Imperii under Charlemagne and in the aftermath.

In contrast to Costrino‘s analysis of De Rhetorica as an ars of prudence and exercising virtues, Professor Leandro Rust (University of Brasìlia) stresses warfare and violence in Middle Ages, attempting to think the theme of bloodshed over. His article Retórica Sangrenta: pensar a comunidade na Idade Média (Bloody Rhetoric: thinking Community in Middle Ages) challenges the reader to rethink and cast doubt on the common images we all would, almost automatically, associate with our period of study and research. It is not a matter of whittling down that violence and bloodshed were ubiquitous, yet rather of spelling out its significance in terms of medieval communities. Such is the aim of Rust in this reflection, which leads off from a crime that took place in England in the 13th century, which sets bloodshed, authority, power and crime together as signs to be deciphered.

We have in this edition a text that merges History, Literary Theory and Philosophy, approaching a female voice of wisdom in the Late Middle Ages, Christine de Pizan. The Book of the City of Ladies (1405) is probably her most celebrated piece of work and here stirs up a reflection on Education, on women‘s condition in our own time and in Middle Ages. This is why Professor Luciana Eleonora Deplagne (Federal University of Paraìba) endeavors to formulate a hermeneutic exercise regarding the Socratic idea of maieutic applied to the struggle of women for more autonomy and rights to perform tasks usually thought of as masculine. Therefore, the idea of knowledge being born in a metaphorical scene with three « midwifes » and the « parturient » apprentice is here presented as a Platonic dialogue between Lady Reason, Lady Justice and Lady Righteousness and the narrative persona of Christine de Pizan.

The following article can be properly situated in the typically medieval intertextuality drawn between hagiographic narratives (Vitae), rhetorical topics and homiletics in Early Middle Ages / Late Antiquity. Called Retórica e Hagiografia: a Vita Martini (Rhetorics and Hagiography: the Vita Martini), by post-doctoral researcher Glìcia Campos (State University of Rio de Janeiro), the text bethinks the rhetorical aspects of Christian persuasion and exemplarity of conduct by the saints. The basic dialogue of the main part of the corpus is held – and it could not be any different – with the auctoritas of Aristotle and his Rhetorical Art. The writing of Campos bears resemblance, concerning its aims, to Grévin‘s contribution, since the scope of language analysis ranges from Rhetorics to Hagiography, having the idea of conversio morum as a common trait, just like the dictamina.

Moreover, in a sort of dialogue with Mongelli‘s writing, Doctor Ana Luiza Mendes aims at investigating the rhetorical traits of King Dom Dinis‘s poetry. The author regards him as the greatest Portuguese troubadour and a hugely erudite man of his days. Though not intended to be any ―biography‖ of Dom Dinis, this A retórica trovadoresca de Dom Dinis, o rei que não tira a coroa ao trovar (The troubadours‘ rhetoric of Dom Dinis, the king who did not take out the crown to composse troves) features a kind of historiographic individual inquiry that can be sorted out and demonstrated by the traces and indices left by Dom Dinis in his love songs. Our readers shall find it amusing to uncover this enormous cultural heritage hidden in the royal figure, who gives way to catching a glimpse of all the social structures and processes.

A thought-provoking reflection on the relationships between History and Rhetoric, having the Regnum Francorum and the transition from the Carolingian to the Capetians, is adduced by Professor Bruno Casseb Pessoti (Federal University of Western Bahia). Addressing the Historiarum Libri Quatuor by the monk Richer of Saint-Rémi, A retórica como suporte da ‗verdade‘ em um livro de História do século X (The rhetoric as support for ‗truth‘ in a 10th century History book) explores the close bonds between the activity of writing History and persuasive topics handled to legitimate the new dynasty. In this sense, Pessoti achieves a refined combination of Rhetorics and Political History, without renouncing to ensemble view, thus being able to fathom social sensibilities related to Frankish monarchy at the passing of the millennium.

The last thematic article was written by Professor Marcus Baccega (Federal University of Maranhão). Named A Demanda do Santo Graal: Retórica e Poder no Milênio (The Quest of the Holy Grail: Rhetoric and Power in the millennium), the paper aims at proposing a Total History of the passage of the first millennium of the Common Era, by resorting to the Holy Grail as a metaphor, at the level of the ideological representation, of such moving totality. By the way, the Holy Grail purports many dimensions, even heretic ones, of the central-medieval imaginary, defined by the theological concepts of sacraments and sacramentals, point out to a trace of mentality ranging from the Cathars and Templar Knights to the so-called erudite culture. The basic idea is that the Holy Grail acts out (in the sense of having social agency) as a strong symptom of the Immitatio Christi and the Vita vere apostolica as mental traces which are set into dispute both by the Pontifical Reform and by the centralizing attempts of the Holy Roman Empire.

In the section reserved to articles with free choice themes, we also begin with a medievalist of value, Professor Carlile Lanzieri Júnior (Federal University of Mato Grosso). His piece of work, called O lugar da infância medieval nos escritos dos mestres Alain de Lille (1128-1203), João de Salisbury (c.1115-1180) e Adelardo de Bath (1080-1152) (The place of the medieval childhood in the writings of the masters Alain of Lille (1128-1203), John of Salisbury (ca.1115-1180) and Adelard of Bath (1080- 1152), is much thought-provoking as well. Lanzieri draws upon the lectiones of the aforementioned masters and the emphasis they used to lay on Grammar, in order to demonstrate that there was a specific social locus for children and teenagers during the Middle Ages. Therefore, it is a challenging writing in terms of the traditional historiography of the 20th century and even most historians nowadays.

The second article of free choice subject is a contribution by Professor João Batista Bitencourt (Federal University of Maranhão), who lectures Theory of History and History of Historiography at UFMA. The writing deals with a theoretical reflection about History as a scientific discipline and the historiographical operation, by leading off from a famous and intriguing film of the year 1995, nominated Se7en, shot by David Fincher. The author resorts to the philosophy of History of Walter Benjamin in order to weave a joint reasoning about time, event and narrative and to think the implications of the past we retrieve to the present of the historian.

We should also like to offer a very good translation of The New Rhetoric (1301) by Ramon Llull, composed by a major specialist in the life, thought and relationships of the Mallorcan philosopher. It is here a very well carried out and painstaking translation that will certainly give rise to and assist a great number of new researches on the life and work of Llull. The choice could not have been better and we thank Professor Ricardo da Costa for this gift granted to Brathair.

Last, but not least, there is the recension written by a junior researcher of Brathair, Thaìs dos Santos, about the recent book Les Gaulois. Variétés et Légende (2018) de Jean-Louis Brunaux which matches the initial and permanent thematic scope of our journal. There are still very few researches on Celts in terms of Historiography, being the Celtic culture more widely known to Literary Theory and Archeology. This well contrived recension – we do hope – is going to wake up new professional callings to such studies.

Notas

1. For the linguistic turn see Yilmaz 2007.

2. Kuhn 1962; Gaonkar 1990, 354.

3. Simons 1990.

4. Gaonkar 1990.

5. Burke 2001.

6. Simons 1990, 5.

7. Hostein 2003, 2.

8. For Byzantium see Koutrakou 1994; Dostalova 1995; Hilsdale 2003. For communal Italy see Artifoni 1993, 2002, 2011; Cirier 2007; Tanzini 2014; Faini 2015, 2018; Hartmann 2013, 2019. For empire and papacy see Shepard 1999; Herde 2008; Grévin 2008a. For the early Middle Ages see De Jong 2019.

9 For reflections on diplomatics, see Fichtenau 1957 and Winau 1965. The above-mentioned studies, well contextualized also in the so-called «archeology of medieval text» (Chastang 2008), are: Delle Donne 2003, 2004, 2016; Alfonso Anton 2007 and Aller Soriano 2009; Grévin 2008a and 2008b; Resl 2008; Di Lorenzo 2009; Dodd et al. 2014; Barret-Grévin 2014; Clark 2017; Chastang-Otchakovsky 2017; Roguet 2017; Smith-Killick 2018; Internullo 2019. For papacy and empire see, beyond Grévin: Hold 2001 and 2006, Holzapfl 2008. Collective works are Guyotjeannin 2004; Gioanni-Cammarosano 2013; Cammarosano et al. 2016 and now also Grévin-Hartmann 2020.

10 Cortelazzo 1983; Metodieva 1993; Schellewald 2012; Serverat 1997; Menant 2019; Faini c.d.s.; Stella 2009; Oakley Brown-Wilkinson 2009; Schnell 2010; Gonzalez Sanchez 2013; Couchman-Morton Crabb 2005. For women‘s writing in the Middle Ages and the Renaissance see also Zarri 1999; Miglio 2008; Lazzarini 2018.

11 For the reconsideration of images see Burke 2001. The here mentioned researches are Lewis 1999; Dittelbach 2006; Brenk 2011; Debby 2012; Folin 2013; Perez Monzon et al. 2018; Carruthers 2010. For some collective reflections see Kapp 1990; Brassat 2005 e Knape 2007; Vuilleumier Laurens-Laurens 2010; Fricke-Krass 2015.

12 David-Berlioz 1980; Le Goff 1988; Bériou 2018; Bériou et al. 2014; Menzel 1998; Delcorno 1974, 1989, 2009, 2015a, 2015b; Potestà 2007; D‘Acunto 2009, 2012, 2018; Romoli 2009; Sennis 2013; Grasso 2010, 2013, 2014; Smirnova-Polo de Beaulieu 2019.

13 Fumaroli 1980; Kristeller 1969, 1981; Witt 2000, 2012; Revest 2013a, 2013b; Delle Donne-Revest 2016. Other important works are Murphy 1983; Rubinstein 1990; Plett 1993; Vasoli 1999; Vaillancourt 2003; Helmrath 2011; Mack 2011; Delle Donne-Santi 2013; Russo 2019.

14 Marcozzi 2017; Chandelier-Robert 2015; Alessio-Losappio 2018; Hartmann 2011; Strack-Knödler 2011; Grévin-Turcan-Verkerk 2015; van Renswoude 2019. For Riedlberger‘s project and the conciliar proceedings see and Mari 2019. See also Acerbi 2011. For further recent studies on medieval rhetoric see Fried 1997, Carracedo Fraga 2002, Jeffreys 2003, Borch 2004, Kofler-Töchterle 2005, von Moos-Melville 2006; Romano 2007; Struever 2009; Maldina 2011; Camargo 2012; Kraus 2015; Ward 2019; Burkard 2019. For the «first millennium» see Fowden 2014.

Referências

Acerbi 2011: S. Acerbi, Concilios y propaganda eclesiastica en el siglo V. Estrategias de persuasion y adquisicion del consenso al servicio del poder episcopal, in Propaganda y persuasion en el mundo romano. Actas del VIII Coloquio de la Asociacion Interdisciplinar de Estudios Romanos, Madrid 1-2 diciembre 2010, ed. by. Bravo Castaneda, R. Gonzalez Salinero, Madrid 2011, 295-308

Alessio-Losappio 2018: Le «poetriae» del medioevo latino. Modelli, fortuna, commenti, ed. by G.C. Alessio, D. Losappio, Venezia 2018 Alfonso Anton 2007: M.I.

Alfonso Antón, La rhétorique de légitimation seigneuriale dans les fueros de León (XIe -XIIIe siècles), in Pour une anthropologie du prélèvement seigneurial dans les campagnes médiévales (XIe -XIVe siècles). Les mots, les temps, les lieux. Colloque tenu à Jaca du 5 au 9 juin 2002, ed. by M. Bourin, P. Martinez Sopena, Paris 2007, 229-252

Aller Soriano 2009: D. Aller Soriano, El fuero como retorica. De religquia positiva a canon identitario, «Sancho el Sabio» 31 (2009), 55-80

Artifoni 1993: E. Artifoni, Sull’eloquenza politica nel Duecento italiano, «Quaderni medievali» 35 (1993), 57-78

Artifoni 1994: E. Artifoni, Retorica e organizzazione del linguaggio politico nel Duecento italiano, in Le forme della propaganda politica nel Due e nel Trecento, ed. by P. Cammarosano, Roma 1994, 157-182

Artifoni 2002: E. Artifoni, Boncompagno da Signa, i maestri di retorica e le città comunali nella prima metà del Duecento, in Il pensiero e l’opera di Boncompagno da Signa, ed. by M. Baldini, Signa 2002, 23-36

Artifoni 2011: E. Artifoni, L’oratoria politica comunale e i «laici rudes et modice literati», in Zwischen Pragmatik und Performanz. Dimensionen mittelalterliche Schriftkultur, ed. by C. Dartmann, T. Scharff, C.F. Weber, Turnhout 2011, 237-262

Barret-Grévin 2014: S. Barret, B. Grévin, Regalis excellentia. Les préambules des actes des rois de France au XIVe siècle (1300-1380), Paris 2014

Bartuschat 2004: La Persuasion, ed. by J. Bartuschat, Grénoble 2004

Bériou et al. 2014: Le pouvoir des mots au Moyen Âge, ed. by N. Bériou, J.-P. Boudet, I. Rosier-Catach, Turnhout 2014

Bériou 2018: N. Bériou, Religion et communication. Un autre regard sur la prédication au Moyen Âge, Genève 2018

Borch 2004: Text and Voice. The Rhetoric of Authority in the Middle Ages, ed. by M. Borch, Odense 2004

Brenk 2011: B. Brenk, Rhetorik, Anspruch und Funktion der Cappella Palatina in Palermo, in Die Cappella Palatina in Palermo. Geschichte, Kunst, Funktionen, ed. by T. Dittelbach, Künzelsau 2011, 242-271

Brassat 2005: Bild-Rhetorik, ed. by W. Brassat, Tübingen 2005

Burkard 2019: T. Burkard, Rhetorik im Mittelalter und im Humanismus, in Handbuch Antike Rhetorik, ed. by M. Erler, C. Tornau, Berlin, 2019, 697-760

Burke 2001: P. Burke, Eyewitnessing. The Uses of Images as Historical Evidence, London 2001

Camargo 2012: M. Camargo, Essays on Medieval Rhetoric, Farnham 2012

Cammarosano et al. 2016: Art de la lettre et lettre d’art. Epistolaire politique III, ed. by P. Cammarosano, B. Dumézil, S. Giovanni, L. Vissière, Trieste 2016

Carracedo Fraga 2002: J. Carracedo Fraga, La retorica en la Hispania visigotica, «Euphrosyne» 30 (2002), 115-130

Carruthers 2010: M.J. Carruthers, Rhetoric beyond words. Delight and Persuasion in the arts of the Middle Ages, New York 2010

Chandelier-Robert 2015: Frontières des savoirs en Italie à l’époque des premières universités (XIIIe -XVe siècles), ed. by J. Chandelier, A. Robert, Roma 2015

Chastang 2008: P. Chastang, L’archéologie du texte médiéval, «Annales. Histoire, Sciences Sociales 63 / 2 (2008), 245-269

Chastang-Otchakovsy-Laurens 2017: P. Chastang, F. Otchakovsy-Laurens, Les statuts urbains de Marseille. Acteurs, rhétorique et mise par écrit de la norme, in La confection des statuts dans les sociétés méditerranéennes de l’Occident (XIIe -XVe siècle), Paris 2017, 15-40

Cirier 2007: A. Cirier, Diplomazia e retorica comunale. La comunicazione attraverso lo spionaggio politico nell’Italia medievale (secc. XII-XIII), in Comunicazione e propaganda nei secoli XII e XIII. Atti del Convegno internazionale (Messina, 24- 26 maggio 2007), ed. by R. Castano, F. Latella, T. Sorrenti, Roma 2007, 199-216

Civra 2009: F. Civra, Musica poetica. Retorica e musica nel periodo della Riforma, Lucca 2009

Clark 2017: The Fifteenth Century. Writing, Records and Rhetoric, ed. by L. Clark, Woodbridge 2017

Cortelazzo 1983: Retorica e classi sociali. Atti del IX Convegno internuniversitario di studi, Bressanone 1981, ed. by M.A. Cortelazzo, Padova 1983

Coste et al. 2012: La rhétorique médicale à travers les siècles. Actes du colloque international de Paris, 9 et 10 octobre 2008, ed. by J. Coste, D. Jacquart, J. Pigeaud, Genève 2012

Couchmann-Morton Crabb 2005: Women’s Letters Across Europe (1400-1700). Form and Persuasion, ed. by J. Couchman, A. Morton Crabb, Burlington 2005

D‘Acunto 2009: N. D‘Acunto, Pier Damiani fra retorica e tensione eremitica, in Sassoferrato. Alla memoria del professor Alberto Grilli, ed. by F. Bertini, Sassoferrato 2009, 35-45

D‘Acunto 2012: N. D‘Acunto, Le forme della comunicazione negli ordini religiosi del XII e XIII secolo. Il centro, in Die Ordnung der Kommunikation und die Kommunikation der Ordnungen, I, Netzwerke: Klöster und Ordnen im Europa des 12. und 13. Jahrhunderts, ed. by C. Andenna, K. Herbers, G. Melvile, Stuttgart 2012, 253-260

D‘Acunto 2018: Argomenti di natura giuridica e strumenti della comuicazione pubblica durante la lotta per le investiture, in Verbum e ius. Predicazione e sistemi giuridici nell’occidente medievale = Preaching and Legal Frameworks in the Middle Ages, ed. by L. Gaffuri, R.M. Parrinello, Firenze 2018, 89-108

David-Berlioz 1980: Rhétorique et histoire. L’«exemplum» et le modèle de comportement dans le discours antique et médiéval, ed. by J.-M. David, J. Berlioz, «Mélanges de l‘École Française de Rome» 92 / 1 (1980), 1-179

De Jong 2019: M. De Jong, Epitaph for an Era. Politics and Rhetoric in the Carolingian World, Cambridge 2019

Delcorno 1974: C. Delcorno, La predicazione in età comunale, Firenze 1975

Delcorno 1989: C. Delcorno, Exemplum e letteratura. Tra Medioevo e Rinascimento, Bologna 1989

Delcorno 2009: C. Delcorno, «Quasi quidam cantus». Studi sulla predicazione medievale, Firenze 2009

Delcorno 2015a: C. Delcorno, Comunicare dal pulpito (sec. XIII-XV), in Comunicare nel Medioevo. La conoscenza e l’uso delle lingue nei secoli XII-XV. Atti del convegno di studio, Ascoli Piceno, 28-30 novembre 2013, ed. by I. Lori Sanfilippo, G. Pinto, 183-208

Delcorno 2015b: C. Delcorno, Apogeo e crisi della predicazione francescana tra Quattro e Cinqucento, «Studi Francescani» 112 (2015), 399-440

Delle Donne 2003: Nicola da Rocca, Epistolae, ed. by F. Delle Donne, Firenze 2003

Delle Donne 2004: F. Delle Donne, Una «costellazione» di epistolari del secolo XIII. Tommaso di Capua, Pier della Vigna, Nicola da Rocca, «Filologia Mediolatina» 11 (2004), 143-160

Delle Donne-Santi 2013: Dall’«ars dictaminis» al preumanesimo? Per un profilo letterario del secolo XIII, ed. by F. Delle Donne, F. Santi, Firenze 2013

Delle Donne 2016: Le parole del potere e il potere delle parole. Le epistole della cancelleria sveva, in Art de la lettre et lettre d’art. Epistolaire politique III, ed. by P. Cammarosano, B. Dumézil, S. Giovanni, L. Vissière, Trieste 2016, 161-174

Delle Donne-Revest 2016: – L’essor de la rhétorique humaniste. Réseaux, modèles et vecteurs, ed. by F. Delle Donne e C. Revest, «Mélanges de l‘École Française de Rome. Moyen Âge» 128 / 1 (2016)

Debbyt 2012: N.B.-A. Debby, Retorica visual. Imagenes de sarracenos en iglesias florentinas, «Anuario de estudios medievales» 42 (2012), 7-28

Di Lorenzo 2009: A. Di Lorenzo, Tra retorica e formularità. Le arenghe degli atti di donazione italo-greci di età normanna nel Mezzogiorno, «Medioevo Greco» 9 (2009), 107-178

Dittelbach 2006: T. Dittelbach, Rhetorik in Stein. Der normannische Osterleuchter der Cappella Palatina in Palermo, in Visualisierungen von Herrschaft. Frühmittelalterliche Residenzen, Gestalt und Zeremoniell, ed. by F. Alto Bauer, Istanbul 2006, 329-351

Dodd et al. 2014: G. Dodd, M. Phillips, H. Killick, Multiple-clause Petitions to the English Parliament in the Later Middle Ages. Instruments of Pragmatism or Persuasion?, «Journal of Medieval History» 40 (2014), 176-194

Dostalova 1995: R. Dostalova, Der Einfluss der Rhetorik auf die Objektivität der historische Information in den Werken byzantinischen Historiker, «Byzantinoslavica» 56 (1995), 291-303

Faini 2015: E. Faini, Annali cittadini, memoria pubblica ed eloquenza civile in età comunale, «Storica» 60-61 (2015), 109-142

Faini 2018: E. Faini, Italica gens. Memoria e immaginario politico dei cavaliericittadini (secoli XII-XIII), Roma 2018

Faini [forthcoming]: E. Faini, Il Comune e il suo contrario. Assenza, presenza, scelta nel lessico politico (secolo XII), forthcoming

Fichtenau 1957: H. Fichtenau, Arenga. Spätantike und Mittelalter im Spiegel von Urkundenformeln, Graz 1957

Folin 2013: M. Folin, Edifici comunali e retorica civica a Firenze (secoli XII-XV), in Dal giglio a David. Arte civica a Firenze fra Medioevo e Rinascimento, ed. by M.M. Donato, D. Parenti, Firenze 2013, 56-65

Fowden 2014: G. Fowden, Before and after Muhammad. The First Millennium Refocused, Princeton 2014

Fried 1997: Dialektik und Rhetorik im früheren und hohen Mittelalter. Rezeption, Überlieferung und gesellschaftliche Wirkung antiker Gelehrsamkeit vornehmlich im 9. und 12. Jahrhundert, ed. by J. Fried, München 1997

Fricke-Krass 2015: The public in the Picture. Involving the Beholder in Antique, Islamic, Byzantine and Western Medieval and Renaissance Art, ed. by B. Fricke, U. Krass, Zürich 2015, 205-230

Fumaroli 1980: M. Fumaroli, L’âge de l’éloquence. Rhétorique et «res literaria» de la Renaissance au seuil de l’époque classique, Paris 1980

Gadebusch Bondio-Ricklin 2008: Exempla medicorum. Die Ärzte und ihre Beispiele (14.-18. Jahrhundert), ed. by M. Gadebusch Bondio, T. Ricklin, Firenze 2008

Gaonkar 1990: D.P. Gaonkar, Rhetoric and Its Double. Reflections on the Rhetorical Turn in the Human Sciences, in The Rhetorical Turn. Invention and Persuasion in the Conduct of Inquiry, ed. by H.W. Simons, Chicago 1990, 341-366

Gioanni-Cammarosano 2013: La corrispondenza epistolare in Italia, ed. by S. Gioanni, P. Cammarosano, Trieste 2013

Gonzalez Sanchez 2013: N. Gonzalez Sanchez, Mujeres y retorica latina. Aproximacion, analisis y estudio de los epistolarios latinos medievales femininos, in Ser mujer en la ciudad medieval europea, ed. by B. Arizaga Bolumburu, A.A.A. de Andrade, J.A. Solorzano Telechea, Logrono 2013, 491-514

Grasso 2010: C. Grasso, Ars Praedicandi e crociata nella predicazione dei magistri parigini, in Come l’orco della fiaba. Studi per Franco Cardini, ed. by M. Montesano, Firenze 2010, 141-150

Grasso 2013: C. Grasso, La delega papale alla predicazione della crociata al tempo del IV concilio Lateranense, «Rivista di Storia della Chiesa in Italia» 67 (2013), 37-54

Grasso 2014: C. Grasso, Legati papali e predicatori della quinta crociata, in Legati, delegati e l’impresa d’Oltremare (secoli XII-XIII), ed. by M.P. Alberzoni, P. Montaubin, Turnhout 2014, 262-282

Grévin 2008a: B. Grévin, Rhétorique du pouvoir médiéval. Les «Lettres» de Pierre de la Vigne et la formation du langage politique européen (XIIIe -XVe siècle), Roma 2008

Grévin 2008b: B. Grévin, Les mystères rhétoriques de l’État médiéval. L’écriture du pouvoir en Europe occidentale (XIIIe -XVe siècle), «Annales. Histoire, Sciences Sociales» 63 / 2 (2008), 271-300

Grévin-Turcan-Verkerk 2015: Le dictamen dans tout ses états. Perspectives de recherche sur la théorie et la pratique de l’«ars dictaminis», ed. by B. Grévin, A.- M. Turcan-Verkerk, Turnhout 2015

Grévin-Hartmann 2020: – Der mittelalterliche Brief zwischen Norm und Praxis, ed. by B. Grévin, F. Hartmann, Köln 2020

Guyotjeannin 2004: La langue des actes. Actes du XIe Congrès international de diplomatique (Troyes, 11-13 septembre 2003), ed. by O. Guyotjeannin, Paris 2004

Hartmann 2011: Funktionen der Beredsamkeit = Funzioni dell’eloquenza nell’Italia comunale, ed. by F. Hartmann, Göttingen 2011

Hartmann 2013: F. Hartmann, Ars dictaminis. Briefsteller und verbale Kommunikation in den italienischen Stadtkommunen des 11. bis 13. Jahrhunderts, Ostfildern 2013

Hartmann 2019: F. Hartmann, Il linguaggio del consenso nell’elaborazione della retorica comunale, in Costruire consenso. Modelli, pratiche, linguaggi tra Medioevo ed età moderna, ed. by di M.P. Alberzoni, R. Lambertini, Milano 2019, 145-158

Helmrat 2006: J. Helmrath, Der europäische Humanismus und die Funktion der Rhetorik, in Funktionen des Humanismus. Studien zum Nutzen des Neuen in der humanistischen Kultur, ed. by T. Maissen, G. Walther, Göttingen 2006, 18-49

Herde 2008: P. Herde, Friedrich II. und das Papsttum. Politik und Rhetorik, in Kaiser Friedrich II. (1194-1250). Welt und Kultur des Mittelmeerraums, ed. by M. Fansa, Mainz 2008, 52-65

Hilsdale 2003: C.J. Hilsdale, Diplomacy by design. Rhetorical strategies of the Byzantine gift, Chicago 2003

Hohmann 1998: H. Hohmann, Logic and Rhetoric in Legal Argumentation. Some Medieval Perspectives, «Argumentation» 12 (1998), 39-55

Hold 2001: H. Hold, Cural- und Gratial-Rhetorik. Untersuchungen an Arengen in Schreiben des Avignoneser Papsttums, 2 voll., Wien 2001

Hold 2006: H. Hold, Päpstliche Arengen-Rhetorik zur Avignoneser Zeit. Integralistisch angelegte Kultur-Manipulation?, in Inkulturation. Historische Beispiele und theologische Reflexionen zur Flexibilität und Widerständigkeit des Christlichen, ed. by R. Klieber, M. Stowasser, Wien 2006, 129-139

Holzapfl 2008: J. Holzapfl, Kanzleikorrespondenz des späten Mittelalters in Bayern. Schriftlichkeit, Sprache und politische Rhetorik, München 2008

Hostein 2003: A. Hostein, Histoire et rhétorique. Rappels historiographiques et états des lieux, «Hypothèses» 6 (2003), 219-234

Internullo 2019: D. Internullo, La citazione in cancelleria. Il comune di Roma nel Medioevo, «Parole Rubate» 19 (2019), 55-79

Jeffreys 2003: Rhetoric in Byzantium. Papers from the thirty-fifth Spring Symposium of Byzantine Studies, Exeter College, University of Oxford, March 2001, ed. by E.M. Jeffreys, Aldershot 2003

Kapp 1990: Die Sprache der Zeichen und Bilder. Rhetorik und nonverbale Kommunikation in der frühen Neuzeit, ed. by V. Kapp, Marburg 1990

Knape 207: Bildrhetorik. Zweites Tübinger Rhetorikgespräch am 4. und 6. Oktober 2002, ed. by J. Knape, Baden 2007

Kofler-Töchterle 2005: Die antike Rhetorik in der europäischen Geistesgeschichte, ed. by W. Kofler, K. Töchterle, Innsbruck 2005

Koutrakou 1994: N. Koutrakou, La propagande impériale byzantine. Persuasion et réaction (VIIIe -X e siècles), Athene 1994

Kraus 2015: J. Kraus, Rhetoric in European Culture and Beyond, Praha 2015 Kristeller 1969: P.O. Kristeller, Der italienische Humanismus und seine Bedeutung, Basel 1969

Kristeller 1981: – P.O. Kristeller, Studien zur Geschichte der Rhetorik und zum Begriff des Menschen in der Renaissance, Göttingen 1981

Kuhn 1962: T. Kuhn, The Structure of Scientific Revolution, Chicago 1962

Lazzarini 2018: I. Lazzarini, Epistolarità dinastica e autografia femminile. La corrispondenza delle principesse di casa Gonzaga (fine XIV-primo XVI secolo) in Donne Gonzaga a corte. Reti istituzionali, pratiche culturali e affari di governo, ed. by C. Continisio, R. Tamalio, Roma 2018, 49-62

Le Goff 1988: J. Le Goff, L’exemplum et la rhétorique de la prédication aux XIIIe et XIVe siècles, in Retorica e poetica tra i secoli XII e XIV. Atti del secondo convegno internazionale di studi sull’Associazione per il Medioevo e l’Umanesimo Latini (AMUL) in onore e memoria di Ezio Franceschini (Trento e Rovereto 2-5 ottobre 1985), ed. by C. Leonardi, E. Menestò, Perugia-Firenze 1988, 3-29

Lewis 1999: S. Lewis, The Rhetoric of Power in the Bayeux Tapestry, Cambridge 1999

Mack 2011: P. Mack, A History of Renaissance Rhetoric (1380-1620), Oxford 2011

Maldina 2011: N. Maldina, La retorica dalle università alle città, in Il Medioevo. Castelli, mercanti, poeti, ed. by U. Eco, Milano 2011, 387-351

Marcozzi 2017: Dante e la retorica, ed. by L. Marcozzi, Ravenna 2017

Mari 2019: T. Mari, Working on the Minuts of Late Antique Church Councils. A Methodological Framework, «Journal for Late Antique Religion and Culture» 13 (2019), 42-59

Marietti 2002: La science du bien dire. Rhétorique et rhétoriciens au Moyen Âge, ed. by M. Marietti, Paris 2002

Menant 2019: Qu’est-ce que le peuple au Moyen Âge?, «Mélanges de l‘École Française de Rome» 131 / 1 (2019)

Menzel 1998: M. Menzel, Predigt und Geschichte. Historische Exempel in der geistlichen Rhetorik des Mittelalters, Köln 1998

Metodieva 1993: L. Metodieva, La naissance de la rhétorique bulgare. L’influence de l’oeuvre de Jean Chrysostome et des grands cappadociens sur le développement de la prose rhétorique bulgare ancienne aux IXe et Xe siècles, «Rhetorica» 11 (1993), 27-41

Miglio 2008: L. Miglio, Governare l’alfabeto. Donne, scrittura e libri nel Medioevo, Roma 2008

Morsel 2019: J. Morsel, Le diable est-il dans les détails? L’historien, l’indice et le cas particulier, Paris 2019

Morsel 2016: J. Morsel, Traces, quelles traces? Réflexions pour une Histoire non passéiste, Paris 2016

Morsel 2007: J. Morsel, L’Histoire (du Moyen Âge) est un sport de combat, Paris, LAMOP, 2007

Murphy 1983: Renaissance Eloquence. Studies in the Theory and Practice of Renaissance Rhetoric, ed. by J.J. Murphy, Berkeley 1983

Nicoud 2013: M. Nicoud, Medici, lettere e pazienti. Pratica medica e retorica nella corrispondenza della cancelleria sforzesca, in Étre médecin à la cour (Italie, France, Espagne, XIIIe -XVIIIe siècle), ed. by E. Andretta, M. Nicoud, Firenze 2013, 213-233

Noille 2018: – C. Noille, La narration dans la rhétorique judiciaire. Formes possibles et usages modélisés, in Les recueils de plaidoyez à la Renaissance, ed. by G. Cazals, Genève 2018, 21-38

Oakley Brown-Wilkinson 2009: The Rituals and Rhetoric of Queenship. Medieval to early Modern, ed. by L. Oakley-Brown, L.J. Wilkinson, Dublin 2009

Perez Monzon et al. 2018: Retorica artistica en el tardogotico castellano. La capilla funebre de Alvaro de Luna en contexto, ed. by O. Pérez Monzon, M. Miquel Juan, M. Martin Gil, Madrid 2018

Potestà 2007: G.L. Potestà, Le forme di una retorica profetica e apocalittica. I Frati Minori e il Gioachimismo (secoli XIII-XIV), in El fuego y la palabra. San Vincente Ferrer en el 550 aniversario. Actas del Ier Simposium Internacional Vicentino, Valencia, 26-29 de abril 2005, ed. by E. Callado Estela, Valencia 2007, 233-256

Plett 1993: Renaissance-Rhetorik = Renaissance Rhetoric, ed. by H.F. Plett, Berlin 1993

Resl 2008: B. Resl, Illustration and Persuasion in Southern Italian Cartularies (c. 1100), in Strategies of Writing. Studies on Text and Trust in the Middle Ages. Papers from «Trust in Writing in the Middle Ages, Utrecht 28-29 november 2002», ed. by P. Schulte, M. Mostert, I. van Renswoude, Turnhout 2008, 95-110

Revest 2013a: C. Revest, La naissance de l’humanisme comme mouvement au tournant du XVe siècle, «Annales. Histoire, Sciences Sociales» 68 / 3 (2013), 665-696

Revest 2013b: C. Revest, Naissance du cicéronianisme et émergence de l’humanisme comme culture dominante. Réflexions pour une histoire de la rhétorique humaniste comme pratique sociale, «Mélanges de l‘École Française de Rome. Moyen Âge» 125 / 2 (2013)

Roguet 2017: A. Roguet, Rhétorique et pouvoir. Les chancelleries française et allemande sous les règnes de Louis VII et Frédéric Barberousse, in Aux sources du pouvoir. Voir, approcher, comprendre le pouvoir politique au Moyen Âge, ed. by S. Gouguenheim, Paris 2017, 223-244

Romano 2007: R. Romano, La teoria della retorica a Bisanzio dal tardoantico alla rinascenza macedone, «Porphyra» 9 (2007), 107-125

Romoli 2009: F. Romoli, Predicatori nelle terre slavo-orientali (XI-XIII sec.). Retorica e strategie comunicative, Firenze 2009

Rubinstein 1990: N. Rubinstein, Il Bruni a Firenze. Retorica e politica, in Leonardo Bruni. Cancelliere della Repubblica di Firenze. Convegno di studi, Firenze 27-29 ottobre 1987, ed. by P. Viti, Firenze 1990, 15-28

Russo 2019: – C. Russo, Firenze nuova Roma. Arte retorica e impegno civile nelle miscellanee di prose del primo Rinascimento, Firenze 2019

Schellewald 2012: B.M. Schellewald, Rhetorik um 1200. Die Ausmalung der Kirche von Kintsvisi (Georgien) und Byzanz, in Schnittpunkt Slavistik. Ost und West im wissenschaftlichen Dialog. Festgabe für Helmut Keipert zum 70. Geburtstag, ed. by I. Podtergera, Bonn 2012, II, 363-374

Schnell 2010: R. Schnell, Gender und Rhetorik in Mittelalter und Früher Neuzeit. Zur Kommunikation der Geschlechter, in Rhetoric und Gender, ed. by D. Bischoff, M. Wagner-Egelhaaf, Berlin 2010, 1-18

Sennis 2013: – Sennis, Linguaggi della persuasione. Le visioni soprannaturali nel mondo monastico medievale, in Ricerca come incontro. Archeologi, paleografi e storici per Paolo Delogu, ed. by G. Barone, A. Esposito, C. Frova, Roma 2013, 227-243

Senséby 2004: C. Senséby, Pratiques judiciaires et rhétorique monastique à la lumière de notices ligériennes (fin XIe siècle), «Revue Historique» 306 (2004), 3-47

Serverat 1997: V. Serverat, La Pourpre et la glèbe. Rhétorique des états de la société dans l’Espagne médiévale, Grénoble 1997

Shepard 1999: L.A. Shepard, Courting Power. Persuasion and Politics in the early Thirteenth Century, New York 1999

Simons 1990: The Rhetorical Turn. Invention and Persuasion in the Conduct of Inquiry, ed. by H.W. Simons, Chicago 1990

Smirnova-Polo de Beaulieu 2019: – V. Smirnova, M.-A. Polo de Beaulieu, Lire et faire lire des recueils d’exempla. Entre persuasion cistercienne et efficace dominicaine, in Le texte médiéval dans le processus de communication, ed. by L.V. Evdokimova, A. Marchandisse, Paris 2019, 133-154

Smith-Killick 2018: Petitions and strategies of persuasion in the Middle Ages. The English crown and the church (1200-1550), ed. by T.W. Smith, H. Killick, Woodbridge 2018

Stella 2009: F. Stella, Retorica e agiografia come strumenti per la costruzione dell’identità civica. Arezzo e Bologna fra Chiesa e Studium, in Civis – Civitas. Cittadinanza politico-istituzionale e identità socio-culturale da Roma alla prima età moderna. Atti del seminario internazionale, Siena-Montepulciano, 10-13 luglio 2008, Montepulciano 2009, 265-284

Strack-Knödler 2011: Rhetorik in Mittelalter und Renaissance. Konzepte – PraxisDiversität, ed. by G. Strack, J. Knödler, München 2011

Struever 2009: – N.S. Struever, The History of Rhetoric and the Rhetoric of History, Aldershot 2009

Sultan 2005: A. Sultan, «En conjunction de science». Musique et rhétorique à la fin du Moyen Âge, Paris 2005

Tanzini 2014: L. Tanzini, A consiglio. La vita politica nell’Italia dei comuni, RomaBari 2014

Vaillancourt 2003: L. Vaillancourt, La lettre familière au XVIe siècle. Rhétorique humaniste de l’épistolaire, Paris 2003

van Renswoude 2019: I. van Renswoude, The Rhetoric of Free Speech in Late Antiquity and the Early Middle Ages, Cambridge 2019

Vasoli 1999: C. Vasoli, L’humanisme rhétorique en Italie au XVe siècle, in Histoire de la rhétorique dans l’Europe moderne (1450-1950), ed. by M. Fumaroli, Paris 1999, 45-129

von Moo-Melville 2006: Gesammelte Schriften zum Mittelalter Bd. 2. Rhetorik, Kommunikation und Medialität, ed. by P. von Moos, G. Melville, Berlin 2006

Vuilleumier Laurens-Laurens 2010: F. Vuilleumier Laurens, P. Laurens, L’âge de l’inscription. La rhétorique du monument en Europe du XVe au XVIIe siècle, Paris 2010

Ward 2019: J.O. Ward, Classical Rhetoric in the Middle Ages. The Medieval Rhetors and their Art (400-1300), with Manuscript Survey to 1500 CE, Leiden 2019

Winau 1965: R. Winau, Formular und Rhetorik in den Urkunden Kaiser Ludwigs II, Bamberg 1965

Witt 2000: R. G. Witt, «In the Footsteps of the Ancients». The Origins of Humanism from Lovato to Bruni, Leiden 2000

Witt 2012: – R.G. Witt, The Two Latin Cultures and the Foundation of Renaissance Humanism in Medieval Italy, Cambridge 2012

Yilmaz 2007: K. Yilmaz, Introducing the «Linguistic Turn» to History Education, «International Education Journal» 8 / 1 (2007), 270-278

Zarri 1999: Per lettera. La scrittura epistolare femminile tra archivio e tipografia secoli XV-XVII, ed. by G. Zarri, Roma 1999

Dario Internullo (University of Rome-3). E-mail: dario.internullo@virgilio.it

Marcus Baccega (Federal University of Maranhão). E-mail: marcusbaccega@uol.com.br


INTERNULLO, Dario; BACCEGA, Marcus. Editorial. Brathair, São Luís, v.20, n.1, 2020. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

 

Corpos em trânsito: existências, subjetividades e representatividades | Aguinaldo Rodrigues Gomes

A obra Corpos em trânsito: existências, subjetividades e representatividades, sob organização de Antonio Ricardo Calori de Lion e Aguinaldo Rodrigues Gomes, nos apresenta, em suas 408 páginas, uma sequência de vinte artigos, divididos em três partes distintas: Existências/Resistências; Subjetividades e as reinvenções de si; e (In)visibilidades e representatividades. Pontuando variados períodos da história humana, o conjunto de textos englobados na obra nos fornece um interessante panorama acerca do corpo e de suas subjetividades desde a antiguidade romana até a contemporaneidade.

Ao considerarmos o atual momento histórico-social brasileiro, no qual a invisibilidade e a marginalização da comunidade LGBT+ [2] aparenta ser uma questão à qual os poderes governamentais gradativamente parecem se afeiçoar, principalmente através de discursos de ódio voltados ao “diferente”, o conteúdo disposto em Corpos em trânsito: existências, subjetividades e representatividades apresenta-se como uma leitura fundamental para entendermos não apenas as transmutações históricas da mentalidade, corporalidade e sexualidade LGBT+, mas também como uma maneira de compreendermos a vivência desses sujeitos frente às violências quotidianas a que são submetidos.

Embora o foco da maioria dos textos que a compõem seja voltado para experiências de travestis e mulheres transexuais, a obra mostra-se uma prolífica mina de conhecimento ao englobar ideias de importantes pensadores como Judith Butler, Paul Beatriz Preciado, Angela Davis e Michel Foucault, entre outras/os, além de entrevistas com sujeitas/os cujas vivências foram e ainda são marcadas por experiências corporais tidas como desviantes dentro de um contexto patriarcal cis- heteronormativo.

A obra inicia na antiguidade romana, ao examinar a corporeidade masculina em contraste com a idealização quase utópica acerca do conceito de masculinidade e feminilidade da época. Ao explorar a relação do imperador Nero e do escravo Esporo em Um eunuco e um imperador: o discurso literário sobre casamento, corpo e gênero no Império Romano, o autor do texto, Benedito Inácio Ribeiro Júnior, traça uma importante análise sobre o corpo masculino e as funções sociais de homens e mulheres no Império Romano. Ao explorar as relações de poder que permeavam os estratos sociais mais altos da sociedade romana da época, o autor nos convida a questionar como são construídas as identidades de sexo, gênero e corpo, bem como os papéis atribuídos socialmente ao masculino e feminino na sociedade antiga – um questionamento que nos causa também uma reflexão sobre esses mesmos elementos na sociedade contemporânea.

Corpos e comportamentos em desconformidade às regras socialmente estabelecidas também são abordadas no texto Efeminados, travestis, transexuais e hermafroditas luso-afro-brasileiras nas garras da inquisição, de Luiz Mott. Nele, o autor comenta acerca do modo como sujeitos biologicamente identificados como sendo do sexo masculino eram levados aos tribunais inquisitoriais devido a comportamentos desviantes dos padrões patriarcais do período. Para a realização de seu estudo, Mott reúne registros da Torre do Tombo e traça um panorama não apenas do pensamento e valores da época sobre o “ser” masculino, mas também uma visão do feminino enquanto um elemento depreciativo na conduta de homens e rapazes. Nesse contexto, a transexualidade e a travestilidade são empurrados para a margem social como condutas consideradas violações sérias aos olhos da sociedade e da religião, punidas com a prisão, degredo ou mesmo a morte.

Ao pensarmos a realidade brasileira desses indivíduos marginalizados, um ponto bastante complexo e muitas vezes ignorado pelos poderes governamentais é a situação dessas pessoas quando parte da população carcerária. É essa realidade que Aguinaldo Rodrigues Gomes e Josimara Aparecida Magnani exploram em seu texto Travas e Trans – abjetificação e precarização de vidas no cárcere brasileiro. O capítulo traça um retrato da precarização e do desrespeito aos direitos humanos dentro do sistema penal, bem como da violência reservada a esses corpos dentro das instituições carcerárias no Brasil, dando-nos uma visão bastante ampla acerca da virilidade inserida no sistema penal como um instrumento de dominação e uma forma de subjugar corporalidades consideradas abjetas, excluídas do ideário machista.

A questão da corporalidade é também trabalhada lançando-se um olhar para a área da saúde. Nos textos Cada cicatriz conta uma história: corpos doloridos, de Regiane Corrêa de Oliveira Ramos e Frida Pascio Monteiro; Paradoxos discursivos na luta pela inserção social das brésiliennes em Paris, de Marina Duarte e Daniel Wanderson Ferreira; e Despatologização das identidades trans desde os transativismos na Abya Yala: notas sobre uma experiência acadêmica-ativista avaliativa e participativa, de Fran Demétrio, vemos as relações estabelecidas entre o discurso médico e a “criação”, manutenção e (des)patologização dos corpos em transição.

Ramos e Monteiro conectam a vivência de homens e mulheres transexuais no Brasil e na Índia ao discorrer sobre a insubmissão dos corpos frente ao sistema patriarcal, e sobre a violência sofrida por esses corpos em trânsito em suas buscas pela adequação corporal à sua subjetividade. Aqui, nos é exposto também um panorama relativo à lida médica diante de indivíduos transexuais que desejam intervenções cirúrgicas em sua construção corporal.

Duarte e Ferreira comentam sobre a migração de travestis brasileiras para Paris, principalmente com o objetivo de trabalhar no mercado sexual. Também nos é apresentada a figura de Camille Cabral, ativista brasileira trabalhando em território francês em prol da saúde das prostitutas travestis e transexuais. O texto conta com um extenso trabalho de pesquisa relativo à trajetória dos projetos de saúde desenvolvidos por Cabral e associações que trabalham em parceria com esta, em um esforço para a visibilidade e manutenção da saúde dessa população, principalmente em relação ao vírus do HIV/AIDS.

Demétrio, por sua vez, traz a discussão desses corpos em trânsito para o âmbito da América Latina. Em seu texto a autora analisa a situação cultural e sociopolítica de pessoas trans em vários países latino-americanos, além de refletir sobre o papel da justiça, da medicina e da psicologia no tratamento dispensado às comunidades transexuais.

A corporalidade como instrumento da expressão da subjetividade e como fazer artístico é assaz visível nos textos Reflexões transversais sobre o corpo de Hija de Perra (1980-2014), de Thiago Henrique Ribeiro dos Santos; “Com a sobrancelha lá na puta que pariu”: a arte de ser drag em Belém do Pará – a NoiteSuja e as drags Themônias (2014-2018), de Ana Paulo Gomes Barbosa; “Não quero ouvir falar em outro transformista, o que não for Olga del Volga é vigarista”: o nonsense debochado de Patrício Bisso na década de 1980, de Robson Pereira da Silva; DZI Croquettes e os corpos em trânsito, de Natanael de Freitas Silva; e Identidades em trânsito: revisitações acerca da arte da montação, de Juliana Bentes Nascimento.

Em sua análise sobre a trajetória de Hija de Perra, Santos vale-se de conceitos como o de corpo falante, o de máscara e mascaramento, e o de rostilidade, para traçar um esboço sobre a construção corporal de Hija de Perra, em um estudo que mistura fragmentos de dados biográficos e ficcionais do que Santos nos apresenta como uma “poética abjeta e marginal”, um corpo monstruoso e indisciplinado. Colocando-se fora de uma lógica colonial binária, que admite apenas “homem” e “mulher” como construções sociais e sexuais cujas existências são autorizadas, Hija de Perra inventa outros modos de existir, surgindo como uma subversão do sistema, um indivíduo incompreensível pela mentalidade patriarcal hegemônica.

A fuga da normatividade é também explorada por Barbosa ao dissertar acerca das drags Themônias, um grupo que se diferencia das drags “convencionais” a partir, entre outros pontos, da criação de novos conceitos estéticos. É nesse contexto que Barbosa questiona o que é ser drag, além de comentar sobre o pensamento binário ainda existente em meio à comunidade LGBT+ que privilegia as drag queens aos drag kings. A autora também reflete a respeito dos elementos que caracterizam um gênero e quais os limites, se é que existem, entre sexo, gênero e sexualidade dentro de uma lógica heterossexual compulsória. Em sua análise, Barbosa discorre sobre indivíduos que, ao se montarem, são identificados com o gênero masculino, feminino ou nenhum dos dois.

Robson Pereira da Silva, por sua vez, investiga a performance artística de Patricio Bisso como a sexóloga russa Olga del Volga. Em seu texto, o autor explora a performatividade da linguagem da personagem de Bisso de forma a dar vazão a uma subjetividade de gênero que não seria, dado o momento histórico no qual o artista viveu, benquisto frente à sociedade. A mistura de dualidades na figura de Olga del Volga e de Histeria (outra personagem tratada no texto), como o belo, o feio, assim como a fuga aos padrões de beleza e o discurso enviesado por absurdos, unem-se na criação do nonsense utilizado por Bisso em sua arte. Silva defende que ambas as personagens apresentadas no capítulo seriam elas próprias afrontas aos padrões de beleza e comportamento impostos às mulheres.

No âmbito desses questionamentos acerca dos padrões decretados pela lógica cis-heteronormativa, Natanael de Freitas Silva explora a problematização da virilidade e das atribuições de gênero socialmente construídas ao comentar sobre os DZI Croquettes. O autor reflete sobre o período ditatorial brasileiro e como a homossexualidade foi associada a uma doença social, uma degenerescência e um grave pecado aos olhos de setores sociais conservadores. Nesse panorama, a negação de traços tidos como femininos era vista como uma necessidade, uma vez que o feminino era uma mácula na utopia cis-heteronormativa. Em seu texto, Silva comenta também sobre o corpo não mais como uma ferramenta de adequação, mas sim de aperfeiçoamento da performance artística em constante diálogo entre a corporalidade masculina e feminina, uma ambiguidade subversiva e perigosa à “moral e os bons costumes”.

Na discussão relativa à quebra desses parâmetros cis-heteronormativos, Nascimento contribui ao enviesar seus comentários em direção à montação. Ligada ao conceito de mascaramento, a autora trabalha a ideia de montar-se para uma ação em busca não apenas de um efeito estético, mas também de uma nova percepção corporal. Ao comentar sobre formas de montação, como drag queen, drag king, transformismo, cross-dressing e drag queer, incluindo também as drags Themônias, Nascimento monta um panorama sobre esse processo identitário e artístico, em constante diálogo com a performatividade de gênero.

Em alguns capítulos o corpo em trânsito é observado a partir das vivências da infância. Em Vidas dissonantes em memórias de infância: as artes de existência como resistência ao desaparecimento social, de Raquel Gonçalves Salgado e Bruno do Prado Alexandre; e Traíd@s pela verdade: análise cinematográfica sobre a infância trans nas obras francesas Ma vie em rose (1997) e Tomboy (2011), de Márcio Alessandro Neman do Nascimento, Eloize Marianny Bonfim da Silva, Jefferson Adriã Reis e Jéssica Matos Cardoso, nos é exposto um panorama sobre a vivência e construção da identidade sexual e de gênero de crianças em meio a um ambiente adultocêntrico e LGBTfóbico.

Salgado e Alexandre exploram as bagagens memorialísticas de infância de travestis durante suas passagens por instituições escolares. Um fato que torna-se bastante evidente nas narrativas apresentadas é o despreparo da escola para lidar com experiências de gênero dissonantes dentro do sistema de heteronormatividade compulsória. São vivências rechaçadas e desprezadas, mas também rebeldes frente às convenções de gênero e sexualidade.

Já Nascimento, Silva, Reis e Cardoso tecem uma reflexão a respeito das experiências de gênero e sexualidade na infância a partir de obras cinematográficas. Assim como no texto de Salgado e Alexandre, notamos nesse capítulo a violência direcionada à criança que de alguma maneira desvia do comportamento convencionado segundo as normas da sociedade machista. Ambos os textos trabalham em consonância, proporcionando-nos relevantes contribuições ao entendimento da vivência do indivíduo transexual na infância, um importante período de construção da individualidade.

A carga memorialística também é perscrutada por Fábio Henrique Lopes e Paulo Vitor Guedes de Souza no capítulo Suzy Parker e Yeda Brown. Amizade, modos de existência e invenções de si. Nele, por meio de entrevistas, somos apresentados à cena cultural do Rio de Janeiro da década de 1960, na qual travestis inseriam-se no entretenimento noturno da cidade e experimentavam intervenções estéticas corporais a partir de modelos de feminilidade branca e cisgênera. Nesse período notamos a formação de redes de solidariedade para com as artistas travestis que inseriam-se nesse meio.

Lopes e Souza discutem o abandono da ideia do comportamento viril como algo necessário e o autorreconhecimento dessas artistas como mulheres, numa emancipação do padrão cis-heteronormativo – um rompimento com padrões sociais de gênero artificialmente construídos e já então falidos.

A representação das incongruências corporais na mídia também é discutida por Jéfferson Balbino em Representações da transgeneridade na teledramaturgia brasileira, texto no qual o autor preza por explorar, no cenário televisivo do Brasil, a forma como personagens transexuais foram levadas à grande massa consumidora de telenovelas.

Como comenta Balbino, configurando-se enquanto veículo de grande influência cultural e política, a mídia televisiva tem capacidade de provocar reflexões em larga escala e revisões de aspectos culturais. É a partir desse pensamento que o autor analisa a figura de transexuais inseridas em três novelas, a saber: Tieta (1989), As filhas da mãe (2001) e A lua me disse (2005). Balbino pondera sobre questões de subversão de gênero, comicidade voltada ao tratamento dessas personagens e confusões comuns no tratamento dos conceitos de sexualidade e gênero.

Acerca da (in)visibilidade de subjetividades e corporalidades trans, os capítulos Da invisibilidade visível: o caso de Edmundo de Oliveira (Belo Horizonte, 1952-1981), de Luiz Morando; Travestis e transexuais brasileiras: ativismos e estratégias de resistências nos processos históricos de pessoas e coletivos organizados, de Adriana Sales, Herbert de Proença Lopes e Wiliam Siqueira Peres; e A invisibilidade das vivências não binárias das sexualidades e gêneros e a reivindicação do direito de aparecer: itinerários de uma pesquisa/viagem no cistema binário na educação, de José Augusto Gerônimo Ferreira e Leonardo Lemos de Souza, tecem reflexões sobre a forma como as manifestações de gênero e sexualidade, desviantes da norma cis-heterossexual hegemônica, são lançadas na marginalidade em uma tentativa de apagamento dessas vivências. Ao lançar foco sobre a experiência de vida de Edmundo de Oliveira, Morando traça um panorama do modo como a mentalidade patriarcal obriga Oliveira a jogar com a visibilidade e a invisibilidade de sua identidade, de modo a tentar encaixar-se na sociedade de sua época.

Da mesma maneira, Sales, Proença e Peres pintam um retrato das invisibilidades e violências que atingem as comunidades de travestis e transexuais, ao mesmo tempo em que essas coletividades resistem ao apagamento de suas histórias. O texto aponta para o fato de que, ao transitarem seus corpos, esses indivíduos tornam-se um desafio ao poder machista que deseja apagar suas histórias, negando o processo de desumanização desses corpos.

Já Ferreira e Souza lançam sua atenção para a academia ao discutirem a produção de conhecimento sobre transexualidades dentro da universidade, muitas vezes realizada através de um olhar cis-heteronormativo. A visão da academia explorada pelos autores é a de um ambiente no qual o progresso e o retrocesso de ideias comumente coexistem e acabam produzindo saberes construídos sob pontos de vista hegemônicos.

Em Ode à engenharia textual transvestigênere: uma leitura de Liberdade ainda que profana, de Ruddy Pinho, Cláudia Maria Ceneviva Nigro e Luiz Henrique Moreira Soares dissertam sobre a representação de transgeneridades e travestilidades dentro do discurso literário. A partir da escrita em tom memorialístico de Ruddy Pinho, vislumbramos o modo como a autora torna-se ela própria um sujeito de sua escrita ao desconstruir ideais de gênero, sexualidade e identidade única, reafirmando sua existência enquanto um corpo transgressor. A maneira como a escritora é retratada denuncia a instabilidade da identidade masculina e feminina dentro de um contexto sociocultural que caminha, ainda que vagarosamente, para uma configuração plural.

Por fim, em A busca pelo corpo perfeito: uma rápida autoetnografia e análise interseccional da intersexualidade, Carolina Iara de Oliveira discorre acerca das violências sofridas pelo corpo e pela subjetividade de pessoas intersexuais. No texto de Oliveira, os discursos social e médico são ponderados a partir da vivência do indivíduo, na qual misturam-se violências geradas por preconceitos não apenas relacionados à sua materialidade genital, mas também à sua sexualidade, raça e classe social. Oliveira traça assim um quadro bastante claro acerca da maneira como a interseccionalidade atua ativamente na tentativa de adequar os corpos aos padrões cis-heteronormativos.

A recolha de materiais dos mais diversos tipos e nos mais diversos meios, como documentos oficiais, novelas, vídeos de internet, livros e entrevistas, torna a coletânea uma prolífica fonte de informações e fornece uma relevante base para reflexões sobre a subjetividade e a corporalidade dentro da comunidade LGBT+, principalmente no concernente a travestis e transexuais. Os relatos que servem de base para as análises desenvolvidas nos capítulos são em algumas ocasiões apresentados pelas palavras do próprio indivíduo a vivenciar tais situações, permitindo um mergulho na subjetividade das/os entrevistadas/os e o surgimento de um sentimento de empatia por aqueles cujas experiências estão sendo tratadas.

Na obra Corpos em trânsito: existências, subjetividades e representatividades somos confrontados com corporalidades que não afirmam sua existência a partir de uma forma única de ser. Esses corpos posicionam-se enquanto elementos integrados política, social e culturalmente, ainda que empurrados à margem, em uma sociedade de base patriarcal hegemônica, na qual a valoração dos corpos dá-se através de um olhar cis-heteronormativo. Os modos artísticos de construção do corpo e de expressão do eu interior através das estruturas corporais abrem um horizonte no qual não encontramos apenas a violência comumente dispensada à comunidade LGBT+, mas também uma forma de arte e de enfrentamento do sistema limitante de binaridades homem/mulher.

Transitar, na obra, é mais do que apenas expressar uma individualidade e uma subjetividade latentes, é também transgredir as rígidas normas sociais, políticas e religiosas que vêm regulando o comportamento humano há milênios, em busca de uma expressividade sem restrições. Formada por textos de leitura acessível, diversas vezes utilizando vocabulário próximo ao comumente usado por membros das comunidades LGBT+, Corpos em trânsito: existências, subjetividades e representatividades configura-se como uma oportunidade de conhecimento e aprendizado, além de uma valiosa contribuição aos estudos corporais, aos estudos sobre gênero e sexualidade, bem como aos estudos LGBT+.

Notas

2. Utilizamos a sigla LGBT+ pelo fato de “LGBT” ser de uso mais corrente do que outras abreviações, como LGBTQI, por exemplo, e por considerar que o sinal de adição (+) indica a abrangência de todas as individualidades representadas por essa comunidade, como queer, intersexuais, assexuais etc. Dessa maneira a nomenclatura fica menos extensa.

Marco Aurelio Barsanelli deAlmeida1 – Possui graduação em Licenciatura em Letras pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2010). Desenvolveu estudo acerca do processo de adaptação fílmica de obras do escritor Neil Gaiman. Concluiu em 2015 o programa de graduação em Licenciatura em Letras com habilitação em Português-Italiano da Unesp Câmpus de São José do Rio Preto. Concluiu também em 2015 o curso de Mestrado, cujo foco de estudos foi a adaptação cinematográfica da figura do herói do romance Stardust (1999). E-mail: marcoaurelio_maba@hotmail.com


GOMES, Aguinaldo Rodrigues; LION, Antonio Ricardo Calori de (org.). Corpos em trânsito: existências, subjetividades e representatividades. Salvador: Editora Devires, 2020. Resenha de: ALMEIDA, Marco Aurelio Barsanelli de. Albuquerque – Revista de História. Campo Grande, v. 12, n. 23, p. 197-203, jan./jun., 2020.

Acessar publicação original [DR]

O tecelão dos tempos: novos ensaios de teoria da História | Durval Muniz de Albuquerque Júnior

ALBUQUERQUE Jr, Durval Muniz de. O tecelão dos tempos: novos ensaios de teoria da História. São Paulo: Intermeios, 2019. 276 p. Resenha de: SOUZA, Vitória Diniz de. A História como tecido e o historiador como tecelão das temporalidades. Faces da História, Assis, v.7, n.1, p.508-514, jan./jun., 2020.

A historiografia está em constante transformação, por isso, certas tendências foram sendo esquecidas com o tempo e outras surgiram para formular novas maneiras de produzir história. O livro do historiador Durval Albuquerque Júnior, O Tecelão dos Tempos, nos convida a refletir sobre a escrita da história e a inventar novos usos e sentidos para o passado. Essa sua obra pode ser encarada como um manifesto para os historiadores/as repensarem a sua prática e a abandonarem certos convencionalismos que marcam a tradição historiográfica.

O “Prefácio” é escrito por Temístocles Cezar, que define o livro como uma “constelação simultaneamente erudita e polêmica, ferina e generosa, que pode ser lida de trás para frente, de frente para trás, com os pés descalços no presente, com olhos no passado ou como projeto de uma história futura” (CEZAR, 2019, p. 12). Sendo essa uma boa descrição de como esses textos se entrelaçam e convidam seus leitores a mergulharem em polêmicas discussões sobre a história e o seu estatuto hoje. De fato, a escolha do estilo ensaístico na escrita desse livro é ousada, principalmente, pela liberdade que esse gênero possibilita para quem escreve. Estilo narrativo que foi preterido pela historiografia por muito tempo, em especial, no Brasil. Nesse caso, o ensaio é uma maneira interessante para se iniciar discussões, aprofundá-las, mas sem as amarras conclusivas que certos textos exigem, como os artigos.

Essa obra está dividida em três partes, a escrita da história, usos do passado e o ensino de história, que estão organizadas de maneira sistemática, a partir das temáticas discutidas nos ensaios, articulando-se em uma diversidade de discussões que se interligam em diferentes momentos. Causando uma sensação de fazerem parte de uma mesma narrativa, com início, meio e fim, mesmo que não tenham sido escritas em ordem cronológica, ou que não sejam lidas na ordem apresentada. Por outro lado, pela sua heterogeneidade, cada capítulo inicia uma discussão independente das outras e rica em si mesma. Na primeira parte, “A escrita da história”, inicia a discussão sobre o trabalho do historiador e o estatuto da história enquanto disciplina, problematizando sobre o lugar do arquivo e sobre a prática historiadora – da análise documental ao seu processo de escrita. Enquanto isso, em “Usos do passado”, propõe reflexões sobre passado, memória, patrimônio, comemorações, traumas e esquecimentos. Dessa maneira, possui um olhar criativo sobre esses conceitos tão caros a história, como também, conceitualiza-os, explicitando seus significados e usos, e propondo uma (re)apropriação deles. Na terceira parte do livro, “O ensino de história”, centraliza as discussões acerca da disciplina histórica e o ensino da história na Educação Básica. Demonstrando que além de um erudito e pesquisador, ele também é professor, defendendo a necessidade de um ensino de história que se reinvente dada a situação atual da educação escolar.

Dando início, no capítulo que dá nome ao livro, “O tecelão dos tempos: o historiador como artesão das temporalidades”, defende as razões para que o trabalho do profissional da história seja considerado como de um artesão, pois  […]a história nasce como este trabalho artesanal, paciente, meticuloso, diuturno, solitário, infindável que se faz sobre os restos, sobre os rastros, sobre os monumentos que nos legaram os homens que nos antecederam que, como esfinges, pedem deciframento, solicitam compreensão e sentido (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2019, p. 30).

As metáforas enriquecem o texto de maneira que o leitor pode compreender a atividade do historiador a partir da comparação com outros ofícios. Mas também, oferece ao profissional uma reflexão sobre a sua prática, principalmente, sobre a sua escrita que, muitas vezes, se vê enrijecida por um texto acadêmico sem vivacidade. Em certo momento, o autor compara o trabalho do historiador com o de um cozinheiro do tempo “aquele que traz para nossos lábios a possibilidade de experimentarmos, mesmo que diferencialmente, os sabores, saberes e odores de outras gentes, de outros lugares, de outras formas de vida social e cultural” (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2019, p. 32).

Em seguida, no capítulo “O passado, como falo?: o corpo sensível como um ausente na escrita da história”, ele faz uma defesa da colocação do corpo, do sensível, das dores, dos sofrimentos, dos afetos, dos sentimentos como lugares para a história. A partir dessa perspectiva, ele aponta para a necessidade de se discutir novas maneiras de expressar as sensibilidades na narrativa histórica, criando novas estratégias que possam expressar na própria pele do texto essa presença, ignorada e mutilada das narrativas acadêmicas. Um corpo que é erótico, que sente afetos, raiva, desejo, rompendo, dessa maneira, com o pudor que cerca a historiografia.

As sensibilidades é um dos temas mais recorrentes ao longo dos capítulos, sendo que em “A poética do arquivo: as múltiplas camadas semiológicas e temporais implicadas na prática da pesquisa histórica”, Durval Albuquerque Júnior critica os historiadores e sua técnica de análise, afirmando que na busca pela informação, o pesquisador pode até se emocionar, pode até ser profundamente afetado pelo contato com a materialidade, mas pouco o leva em conta na hora da sua análise. Essa repressão à dimensão artística da pesquisa histórica leva a dificuldade que os profissionais da história têm de perceber, de lidar, de incorporar, no momento da interpretação, os signos emitidos pela própria escrita do documento. Em suma, a natureza da linguagem é ignorada, seus efeitos e dimensões são apenas transformados em dados. Para o autor o “trabalho do historiador é semiológico, ou seja, constitui-se na decifração, leitura e atribuição de sentido para os signos que são emitidos por sua documentação” (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2019, p. 64). Sendo assim, é preciso enxergar no documento as camadas do tempo, suas marcas, sua historicidade, sua materialidade, significados e sentidos que perpassem não apenas o racional, mas também, o emocional, o artístico.

A questão da poética na escrita da história se destaca no capítulo “Raros e rotos, restos, rastros e rostos: os arquivos e documentos como condição de possibilidade do discurso historiográfico”, no qual Durval Albuquerque Júnior une dois campos diferentes que causam polêmicas entre os historiadores, a ficção e a escrita da história. Inspirado em uma pesquisa do biógrafo Guilherme de Castilho sobre o poeta Antônio Nobre, ele cria um conto fictício no qual personifica os documentos como personagens da história. Instigando o leitor a estar curioso sobre o destino das cartas e dos postais que esse poeta enviou para o também escritor Alberto de Oliveira. O mais interessante é como consegue articular questões teóricas e metodológicas da pesquisa histórica em uma narrativa ficcional, provocando o leitor e sensibilizando-o a imaginar as fontes e sua trajetória. Assim, a subversão do gênero que ele propõe ao construir um texto de história por meio da ficção é uma das inovações mais interessantes desse livro.

A discussão sobre história e ficção é polêmica, tendo sido abordada por uma vasta produção historiográfica. Nesse contexto, diferentes perspectivas acerca do estatuto da história enquanto uma “verdade” entram em conflito. Como é o caso emblemático do historiador Carlo Ginzburg com a historiografia considerada “pós-moderna”. No capítulo “O caçador de bruxas: Carlo Ginzburg e a análise historiográfica como inquisição e suspeição do outro”, Durval Albuquerque Júnior critica o posicionamento de Carlo Ginzburg em relação as suas discordâncias no meio acadêmico. Visto que, Ginzburg é considerado um dos maiores “inimigos” da historiografia “pós-moderna”, entrando em conflito com nomes como os de Michel Foucault e Hayden White. Sendo que, o historiador italiano chegava a transmitir, em certos momentos, xingamentos e ofensas contra aqueles de quem discordava. Durval Albuquerque Júnior critica o seu posicionamento e manifesta as razões pelas quais Carlo Ginzburg utiliza de um procedimento retórico estratégico do discurso inquisitorial e judiciário: a submissão da variedade de formas de pensar a um só conceito, em um só esquema explicativo, que simplifica, caricaturiza e estereotipa aquelas que são consideradas diferentes. Procedimento que o próprio Ginzburg criticou em seus trabalhos, como em Andarilhos do Bem (1988), O Queijo e os Vermes (1987), entre outros. É preciso reconhecer que a dita “historiografia pós-moderna” não se qualifica enquanto uma corrente de pensamento homogênea e coerente, na verdade, ela se apresenta mais como uma diversidade de perspectivas, métodos e teorias divergentes entre si que se aproximam menos pela uniformidade que pelo rompimento com a tradição moderna que marca a história. Para Durval Albuquerque Júnior, Ginzburg utilizava essa estratégia para reduzir em inimigo todos aqueles de quem discordava.

A seguir, as reflexões acerca do passado e da memória e de seus usos no presente ganham forma na segunda parte do livro. Como é o caso do oitavo capítulo, “As sombras brancas: trauma, esquecimento e usos do passado”, no qual o autor faz referência a literatura luso-africana e algumas reflexões proporcionadas pelas obras dos autores José Saramago, Eduardo Agualusa e José Gil em relação a memória, identidade e esquecimento. Com efeito, Durval Albuquerque Júnior discute sobre a questão do trauma na história portuguesa, que apesar de todo o processo de ser uma cidade histórica que constantemente exibe os símbolos e marcas do passado, ao mesmo tempo, ignora ou esquece dos traumas vivenciados, seja a experiência salazariana, como também, o processo de colonização exploratória nos países africanos, asiáticos e americano, como é o caso do Brasil. Para o autor, é função dos historiadores expor o sangue derramado e o “cheiro de carne calcinada” e clamar por justiça. Sendo assim, a história deve ser o trabalho com o trauma para que esse deixe de alimentar a paralisia e o branco psíquico e histórico, em referência a cegueira branca do livro Ensaio sobre a Cegueira (1995), de José Saramago.

Uma discussão semelhante se segue no nono capítulo, “A necessária presença do outro, mas qual outro?: reflexões acerca das relações entre história, memória e comemoração”, no qual Durval Albuquerque Júnior elabora acerca de como as comemorações e datas históricas são encaradas pela historiografia hoje, sobre as quais há um consenso de que precisam ser problematizadas, sendo as versões oficiais alvo de críticas que se transformaram em uma densa produção historiográfica. Ele conclui sobre a importância de “fazer da comemoração profanação e não culto, fazer da comemoração divertimento e não solenidade, fazer da comemoração momento de reinvenção do passado e não de cristalização e de estereotipização do que se passou” (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2019, p. 190). Seguindo essa perspectiva, no décimo capítulo, “Entregar (entregar-se ao) o passado de corpo e língua: reflexões em torno do ofício do historiador”, ele traz também para o debate a questão da “verdade” e do negacionismo histórico que tem sido uma ferramenta recorrente dos grupos de extrema direita no Brasil para desqualificar o conhecimento produzido pela história. Dessa maneira, recomenda maneiras para combatê-lo, como, por exemplo, através do uso da imaginação, da linguagem e da narrativa para emocionar, sensibilizar sobre os sofrimentos, corpos e tragédias ocorridas no passado, como é o caso do Holocausto e da Escravidão. Para o autor, esse é o meio mais eficaz para que as pessoas consigam ser afetadas pelo conhecimento histórico e possam aprender com ele.

Na terceira parte do livro, o foco da discussão foi o ensino de história. Assim, no capítulo “Regimes de historicidade: como se alimentar de narrativas temporais através do ensino de história”, o historiador paraibano estabeleceu um paralelo em termos de comparação entre regimes de historicidade e regimes alimentares. Levantando questionamentos sobre a qualidade do que os alunos estão sendo alimentados nas aulas de história e apontando para a necessidade de aulas mais atrativas, lúdicas, saborosas, sem, no entanto, perder a qualidade, a crítica e a historicidade. Nesse sentido, defende que os professores devem contar histórias que sejam realmente interessantes e que afetem, de fato, os alunos. Sendo responsabilidade dos docentes, ensiná-los a terem uma relação saudável com o tempo, com a diferença e com a alteridade. Nessa proposta de um ensino mais criativo, no décimo segundo capítulo, “Por um ensino que deforme: o futuro da prática docente no campo da história”, o autor provoca o leitor/professor a desconstruir sua visão de escola e da atividade docente, proporcionando uma prática que realmente revolucione. Ele discute sobre o estatuto da escola atualmente e sua “crise” enquanto instituição formadora. Um ensino que deforme é aquele que “investe na desconstrução do próprio ensino escolarizado, rotinizado, massificado, disciplinado, sem criatividade, monótono” (ALBUQUERQUE, 2019, p. 240).

No último capítulo, “De lagarta a borboleta: possíveis contribuições do pensamento de Michel Foucault para a pesquisa no campo do ensino da história”, tece críticas acerca do uso da obra de Michel Foucault na área da educação que se centralizam apenas na escola como instituição disciplinar e que não exploram outros olhares sobre a suas obras. Dessa maneira, ele lista uma série de recomendações para os pesquisadores na área de ensino de história para explorarem a obra de Michel Foucault de outra maneira, uma pesquisa que não repita o que já foi dito, mas que seja inventiva, ousada, evitando assim, certo dogmatismo.

Durval Albuquerque Júnior é um crítico da historiografia e tem uma extensa carreira. Em O Tecelão dos Tempos, ele reúne quatorze ensaios escritos ao longo dos anos, o que explica a variedade de discussões. Esse é um livro instigante que considero a melhor produção desse historiador até o momento. Ele possui uma escrita fluída, clara e objetiva, sendo uma preocupação recorrente a explicitação sobre o significado de conceitos e ideias discutidas, para assim evitar mal-entendidos. Esse livro deveria ser lido acompanhado de outra obra desse autor, História: a arte de inventar o passado, publicada em 2007, no qual ele faz outras duras críticas a produção histórica. Obra polêmica que causou desconforto por parte dos pares acadêmicos, questão tocada por ele na introdução.

Uma das marcas da sua escrita é a presença de inúmeros referenciais teóricos, citados e retomados em diversos momentos do texto. Pela clareza do texto, é uma obra tanto para os mais experientes em teoria da história, como também para os iniciantes. Pelo fato de serem ensaios, as discussões não se encerram nos capítulos, sendo interessante para o leitor procurar as obras citadas ao longo do texto e aprofundar esses assuntos individualmente. Assim, esse exercício contribui para a melhor compreensão dos assuntos abordados e para a visão de outras perspectivas.

De fato, o historiador é como um tecelão, que tece as tramas do tempo, compondo um tecido que, nesse caso, é a narrativa histórica. Sendo também, inclusive, cozinheiro, responsável por produzir sabores, delícias e dissabores no tempo. Portanto, fica a recomendação dessa obra tão rica de discussões pertinentes aos amantes da história e que também se dedicam a produzi-la. Durval Albuquerque Júnior além de historiador, é um poeta, que apesar de não escrever poesias, escreve uma história poética, sensível, afetiva, que emociona e nos faz relembrar dos prazeres de se produzir história.

Referências

ALBUQUERQUE Jr., Durval Muniz de. História: a arte de inventar o passado. Ensaios de teoria da História. Bauru: Edusc, 2007.

ALBUQUERQUE Jr., Durval Muniz de. O tecelão dos tempos: novos ensaios de teoria da História. São Paulo: Intermeios, 2019.

CEZAR, Temístocles. Prefácio. In: ALBUQUERQUE Jr., Durval Muniz. O tecelão dos tempos: novos ensaios de teoria da História. São Paulo: Intermeios, 2019, p. 09-12.

GINZBURG, Carlo. O Queijo e os Vermes: o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela Inquisição. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

GINZBURG, Carlo. Os Andarilhos do Bem: feitiçarias e cultos agrários nos séculos XVI e XVII. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.

SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

Vitória Diniz de Souza – Graduação em História pela UEPB, Guarabira-PB, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação UFRN, Natal-RN. Bolsista de Mestrado do CNPq. E-mail: vitoria4218@gmail.com.

Acessar publicação original

[IF]

Da Antropologia e Sociologia do corpo aos Estudos Corporais. Análise e quadro interpretativo / Albuquerque: revista de história / 2020

Estudios sociales, cuerpos y corporeidades

El cuerpo como lo que percibe, lo que toca o lo que ve, es fácil que a su vez sea lo no visto, lo rara vez tocado aunque a menudo trabajado, y como tal lo que se le ha escurrido hace tiempo a la percepción, lo no sentido. Esto llega incluso a lo normativo. La salud y el bienestar pueden definirse como el cumplimiento de la disposición de que el cuerpo no tiene que hacerse notar. Hans Blumenberg (2011)

En los últimos 30 años, y como resultado de un trabajo entrecruzado y permeable entre diferentes disciplinas (entre las cuales podemos mencionar la antropología, la comunicación, la historia, la sociología, el arte, la psicología o la educación), se ha desarrollado un amplio y novedoso campo interdisciplinario que podemos denominar con el término de habla inglesa: Body Studies (Estudios Corporales). Desde los trabajos iniciales de algunos autores que arrancaron con esta forma de investigar y de arropar el cuerpo como objeto de estudio (Marcel Mauss con su texto Techniques du corps; Michel Foucault y una amplia red de textos que han tejido escrituras corpóreas; Pierrre Bourdieu y su trabajo iniciático Remarques provisoires sur la perception sociale du corps) se creó un marco interpretativo sin la pretensión de generar un campo de estudio específico. A través de una segunda generación de investigadores dedicados todavía de forma más amplia y específica al estudio del cuerpo (Bryan Turner o David le Breton, ambos con infinidad de trabajos centrados en el cuerpo como objeto central de sus investigaciones), se han desarrollado diferentes contribuciones que, de forma casi definitiva, han permitido la posibilidad de transitar por caminos alternativos a la hermenéutica del cuerpo como algo biológico, fisiológico o biomecánico.

Es así como podemos aventurarnos a afirmar que los Body Studies nacieron, sin saberlo o sin ser plenamente conscientes de ello, como complemento o alternativa a la perspectiva anatómica y biológica del cuerpo humano. El cuerpo era (y en su esencia sigue funcionando de esta forma) asimilado a los órganos, a lo fisiológico, a lo biológico, pero muy pocas veces a su dimensión cultural o vivencial-experiencial. Desde hace más de 50 años el filósofo alemán Edmund Husserl hizo una distinción que se convirtió en algo fundamental para entender esta cuestión, y que consistió en diferenciar el concepto Leib (cuerpo vivido) de Körper (cuerpo físico).

Desde aquellos autores iniciales se ha tratado de arrojar luz sobre ciertas preguntas centrales sobre las formas de vivir la condición de humanidad. Diferentes escenarios y ubicaciones han desempeñado un papel relevante, pero de manera especial en los últimos 10 años han surgido grupos de investigación, proyectos, tesis, artículos, libros y congresos que ubican a países como México, Brasil, Colombia o Argentina como ejes globales de producción de conocimiento. El dossier que presentamos de la revista Albuquerque busca ofrecer a los lectores trabajos actuales centrados en la perspectiva de los Estudios Corporales con una amplia visión de temas y disciplinas interesados en ofrecer otras miradas sobre el cuerpo. Investigadores y académicos proponen trabajos que nos permiten seguir pensando en el ser humano y sus formas de interacción y circulación por el mundo desde su dimensión simbólica-corporal. Como hemos avanzado, se trata de un campo de intersección, de un espacio en el cual se puede discutir su ejercicio en forma de proyectos de investigación (artículos), resultados de proyectos, ensayos o artículos de revisión en los que se incorporan problemas que abordan la perspectiva de los estudios corporales desde diferentes dimensiones, inclinaciones teóricas o metodologías.

El dossier arranca con un artítulo titulado “O corpo na historia: reflexões sobre a historiografía do corpo, do gênero e das sexualidades”, que propone una profunda revisión de los estudios corporales desde la perspectiva historiográfica. El trabajo recorre distintos momentos, perspectivas, temas y metodologías que en el contexto de una disciplina como la historia han tomado forma en el cuerpo como objeto de estudio. Su propuesta consiste en analizar estos interrogantes con el telón de fondo del género y la sexualidad, verdaderos territorios de impacto social y personal del asunto corporal.

Un segundo trabajo, titulado “A morte no filme ‘Ventos de agosto’: os usos sociais do corpo”, apuesta por mostrar los estudios corporales aplicados al campo de las artes visuales. A partir de la película Ventos de agosto se despliega un conjunto de visiones sobre el cuerpo que lo trasladan hacia la muerte. ¿Qué es un cuerpo en estado final? ¿Cómo se traza una línea que separa la vida de la muerte, el cuerpo del cadáver? El trabajo apuesta por pensar y problematizar de forma dialógica la muerte como uno de los temas centrales de los Estudios Corporales. El tercer trabajo del dossier se presenta alrededor de los cuerpos que no son dóciles. Titulado “Corpos (não tão) dóceis: o rock e a juventude”, el texto transita por elementos no estándares de esta tipología de investigaciones. Se trata de pensar, o mejor dicho de repensar, los cuerpos jóvenes, productores de resistencias somáticas frente a una sociedad ultranormalizada; el rock es el hilo conductor que permite este análisis.

El cuarto trabajo lleva por título “As fronteiras de um corpo imaginário: o gênero e a identidade em ‘O menino que brincava de ser’” y propone estudiar esta obra de Georgina Martins (2000) desde la perspectiva de los estudios corporales. Ello se traduce en un recorrido analítico por las geografias del texto que confrontan las identidades, los géneros, los cuerpos y los imaginarios simbólicos que las envuelven.

Un quinto trabajo propone la recuperación de un término cada vez más en desuso frente a lo que podemos denominar “terminologías queer”. Con el título “A viacrucis do corpo travesti em ‘A Inevítavel Historia de Letícia Diniz’ (2006)”, nos adentramos en la mirada hacia la práctica del travestismo y su vinculación con la vida misma, con el dolor y el sufrimiento de las miradas y de los actos ajenos.

El sexto artículo con el título “‘Com sedas matei e com ferros morri’: o corpo em disputa (classificação, abjeção e violência no Brasil)” propone comprender la disputa de los cuerpos desarrollados a través de su clasificación, basada en la abyección y que tiene en consecuencia, la violencia dirigida a una gran parte de la población LGBT+ en Brasil.

Lo artículo “Concepciones del cuerpo en contextos multi e interculturales” habla de la importancia que reporta la multiculturalidad y la interculturalidad en el análisis de la diversidad cultural, la inclusión social, las identidades colectivas, para visibilizarlos en el cuerpo como auténtico artífice material y simbólico intercultural; el lugar de la intersección de flujos, tensiones y contradicciones del proceso intercultural, siempre precario.

El dossier cierra con un trabajo dedicado a la educación y a los estudios corporales: con el título “Los cuerpos en los procesos de formación inicial en Educación Física ¿Cómo se observan y comprenden?”, el artículo ofrece un análisis de cómo se forman, deforman o performan los cuerpos en uno de los grandes dispositivos sociales: la escuela.

Este conjunto de artículos sirve para abordar desde ángulos distintos y complementarios un marco de trabajo amplio que permite repensar un campo disciplinar todavía en proceso de construcción, y que necesita de aportes transdisciplinares que no se cierren en fronteras académicas y que fluyan por los distintos temas que forman el campo de los estudios corporales para insistir en su vigor.

Referências

BLUMENBERG, Hans. Descripción del ser humano. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2011.

Jordi Planella Ribera (Universitat Oberta de Catalunya, España)

Héctor Rolando Chaparro (Universidad de los Llanos, Colombia)

Organizadores


RIBERA, Jordi Planella; CHAPARRO, Héctor Rolando. Apresentação. Albuquerque: revista de história, Mato Grosso do Sul, v.12, n.23, 2020. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

Pós-abolição no sul do Brasil: associativismo e trajetórias negras | J. M. Mendonça, L. Teixeira e B. G. Mamigonian

MAMIGONIAN Beatriz G Rural e Urbano
Beatriz Gallotti Mamigonian. Foto: LEHMT |

MENDONCA J M N Pos abolicao no sul do Brasil Rural e UrbanoO paralelo que se faz a famosa obra de Fernando Henrique Cardoso, apesar de ser démodé, é inevitável. Muito se avançou nas pesquisas os múltiplos mundos da escravidão e da liberdade no sul do país, dando destaque para o evento que acontece bienalmente de mesmo nome. E, nesse intento que chega mais uma importante obra sobre o período pós-abolição no Brasil Meridional. O livro foi produto do seminário Negros no Sul: trajetórias e associativismo no pós-Abolição, ocorrido na UFSC em novembro de 2018, e recebeu financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) no Edital “Memórias Brasileiras: Biografias” (2017-2019). Cabe destacar que o projeto denominado Afrodescendentes no Sul do Brasil: trajetórias associativas e familiares foi desenvolvido em parceria entre as universidades UFSC e UFPel. E, busca essencialmente, discutir dois temas bem caros a historiografia recente: associativismos e trajetórias. E por que deveríamos colocar no plural no título do livro? A miríade de experiências de associativismos e de trajetórias é o grande trunfo do livro, e por isso deveria ser valorizada em seu título. Falar de uma única forma de associativismo e de trajetória não parece ser o indicado, uma vez que as múltiplas possibilidades de ação são traçadas por esse livro. Destacaria como principal qualidade do livro ir além do “apesar de”.

Convencionou-se adotar o racismo como contexto imperante, engessando as ações dos indivíduos, na qual a experiência do pós-abolição de São Paulo é imposta para as mais diversas regiões do país. Mas o livro, magistralmente, inverte a lógica. Todos os artigos se concentram nas ações desses indivíduos, no sul do país, e a partir delas que o contexto é (re)construído. São eles os balizadores das experiências limites, que ultrapassam fronteiras estruturalmente e artificialmente construídas pela historiografia, das décadas de 70 e 80. Portanto, a mudança teórica para a microanálise é o grande trunfo do livro.

Dentre os mais diversos temas de pesquisas existentes nos pós-abolição – dentre os quais destaco: saúde, migrações, expressão cultural, identidades, gênero, quilombolas, atuação política, entre outros – o livro foi certeiro em escolher dois: associativismos e trajetórias. Em primeiro lugar, encontra-se a importância de se demonstrar como a população negra não adentrou o pós-abolição de forma desorganizada, muito pelo contrário, as associações demonstraram a reunião em torno de projetos coletivos e racialmente orientados, constituindo grupos de apoio mútuo no combate ao racismo. Essa experiência compartilhada orientou e viabilizou projetos que colocavam na praça e na opinião pública a discussão sobre o processo de racialização que a sociedade passava, durante a Primeira República. A segunda grande contribuição do livro versa sobre as trajetórias. Apesar de a maior parte dos autores não realizarem uma boa discussão diferenciando trajetórias de biografias, as experiências individuais, coletivas, e, principalmente, familiares trazem uma ótima reflexão sobre o papel dessa parcela da população na construção da sociedade, do pós-abolição. A mudança de ótica da macroestrutura imobilizadora de ações individuais para a microanálise mostrou como eles usaram as incoerências dos sistemas normativos para ultrapassar as barreiras do racismo imperante para construir um novo contexto e impor também os seus projetos e desejos.

O primeiro artigo da coleção apresenta o estado da arte da discussão bibliográfica sobre os associativismos negros no período pós-abolição. Petrônio Domingues, em seu artigo, tenta atingir todas as múltiplas experiências de associativismos negros, no pós-abolição.

Verdade seja dita, os limites de páginas impostos ao autor não tiram o brilho e o trabalho empenhado para tentar acompanhar uma produção bibliográfica em ampla expansão. Petrônio elenca as associações voluntárias, tais como: agremiações beneficentes, clubes sociais, centros cívicos, sociedades carnavalescas, ligas desportivas que no seu entender são catalisadoras de laços de solidariedade e união em prol de um fim coletivo. Somado a isto também levanta a bibliografia referente as trajetórias de suas lideranças, formas de resistência, lutas, acomodações, as estratégias, as ações coletivas e o papel das mulheres. Lembra o autor que a maior parte dessas associações investiu fortemente na formação educacional de seus membros e parentes, principalmente através de cursos alfabetizantes e montando bibliotecas. Por fim, para além das atividades objetivas, muitas dessas associações foram responsáveis em oferecer uma gama importante de atividades recreativas, tais como: bailes, festas, competições, concurso de fantasias, desfiles, entre outros.

Na esteira da discussão sobre a importância dos clubes negros, uma das mais importantes contribuições do livro vem do artigo de Fernanda Oliveira. Fruto de sua Tese de Doutorado, intitulada As lutas políticas nos clubes negros: culturas negras, cidadania e racialização na fronteira Brasil-Uruguai no pós-abolição (1870-1960), o artigo condensa as principais conclusões. De longe, a mais importante foi a demonstração das trocas transnacionais de informações entre membros de clubes negros do Brasil e do Uruguai. Com isso demonstra belamente que os limites nacionais não foram impeditivos aos sujeitos de compartilharem experiências cotidianas de discriminação.

Nos capítulos seguintes conseguimos ter uma visão ampla sobre a quantidade e importância das associações negras. Racke e Luana Teixeira apresentam as agremiações em Florianópolis: o Centro Cívico e Recreativo José Arthur Boiteux (1915-1920), as Escolas de Samba “Os Protegidos da Princesa” e a “Embaixada Copa Lord”. Assim como no Paraná, Merylin Ricieli dos Santos pesquisa a existência do “Clube Treze de Maio” de Ponta Grossa, a partir de entrevistas. Em todos os trabalhos a tônica se mantêm quase a mesma, a de reforçar a existência de associações com uma identidade étnico-racial constituída e organizada politicamente com objetivos específicos.

Chegando a parte 2 do livro temos mais uma importante contribuição aos estudos do pós-abolição: as trajetórias. Nos capítulos que seguem fica claramente distinto tanto os aportes teóricos quanto a metodologia em diferenciar trajetórias individuais e coletivas.

Sobre a segunda, vale a pena reforçar nesses estudos o quanto o fortalecimento das famílias negras foi importantíssima estratégia para a manutenção da vida e consequente para a mobilidade social de seus integrantes. Logo, separaremos as pesquisas nos dois blocos: indivíduos e famílias.

São variadas e importantes trajetórias individuais externadas pelos pesquisadores. Zubaran, por exemplo, ressaltou as vidas de médicos negros, a saber: Alcides Feijó das Chagas Carvalho – graduado em 1916, defendia o “saneamento moral” obtido por meio da educação que levantaria a “moral” da comunidade negra; Arnaldo Dutra, diretor dos jornais O Imparcial, entre 1916-1918, e da Gazeta do Povo, entre 1920-1922, ambos de Porto Alegre. Assim, como o autor José Bento da Rosa que nos apresenta a belíssima trajetória de Firmino Alfredo Rosa e Manoel Ferreira de Miranda. São trabalhos aparentemente ainda em fase de execução e ao seu final com certeza serão uma ótima contribuição à historiografia.

Ao analisar as ações dos indivíduos é possível perceber as estratégias construídas ao longo de sua vida, sendo a busca pela educação uma importante engrenagem para a mobilidade social. Naomi Santos nos mostra a experiência de duas pessoas que passaram pela escravidão: Barnabé Ferreira Bello e João Baptista Gomes de Sá. O primeiro, escravizado, nasceu no ano de 1845, em Curitiba, e fora sapateiro. De acordo com a autora com o letramento e o fim do Império foi possível encontrá-lo no alistamento eleitoral de 1889. Já João matriculou-se aos 50 anos na escola noturna, sendo livre e empregado público. Essas histórias tinham por objetivo mostrar a busca por educação no processo de construção de liberdade e de lutas por cidadania, no pós-abolição. Apesar de belíssima contribuição desses trabalhos, de colocar à luz da história essas trajetórias de negros importantes, não há nesses artigos uma discussão que diferencie biografia de trajetórias, e muito menos fazem uma reflexão que diferencie “trajetórias negras” das demais.

Para além das trajetórias individuais, o livro se debruça sobre a importância das trajetórias coletivas, para ser mais preciso às famílias negras. Perussatto analisa a Família Calisto, grupo fundador do Jornal O Exemplo. Utilizando uma gama de fontes – tais como: alistamentos eleitorais, anúncios e notas diversas publicadas no jornal A Federação; habilitações e registros de casamento religioso e civil; registros de batismos e de óbitos; testamentos e inventários post-mortem; relatórios e almanaques – brilhantemente consegue traçar toda a genealogia e, principalmente, a atuação familiar na arena pública.

Calisto construiu uma ampla rede de sociabilidades entre homens de cor que lhe conferiu mobilidade e respeitabilidade, e sua atuação nos ajuda a compreender melhor o papel e a importância das famílias negras na mobilidade social, no período pós-abolição. É na trajetória familiar de Maria Teresa Joaquina que temos uma maravilhosa discussão sobre a importância das famílias negras no pós-abolição do Brasil Meridional.

Através de uma miríade de fontes, Rodrigo Weimer dá sentido e importância a trajetória da Rainha Jinga ao enfatizar o seu papel na congada e na atuação política para o reconhecimento da Comunidade Quilombola a que pertence. E sua maior contribuição é a do fortalecimento das pesquisas sobre famílias negras através de dois prismas: o primeiro se refere a percepção de que os sujeitos das famílias foram capazes de colocar suas marcas na história com autonomia superando a vitimização que normalmente lhes são imputados; e, por conseguinte; afirma ser as famílias negras a melhor unidade de observação, e não as trajetórias individuais, uma vez que as estratégias de vida não eram pensadas de forma individual, mas sim vividas e pensadas coletivamente.

Na continuidade de observar as ações coletivas e familiares de negros do pós-abolição, a História Oral se mostrou como um dos principais caminhos. Joseli Mendonça e Pamela Fabris reconstruíram as experiências das famílias Brito e Freitas, a partir da entrevista de Nei Luiz de Freitas. Descendente de escravizados, o seu depoimento abriu as portas para a realização de mais entrevistas com os seus familiares e permitiu a reconstrução de uma rede imbricada vivenciada por Vicente e Olympia. Vicente Moreira de Freitas acumulou recursos durante o período da escravidão, exercia a profissão de pedreiro, tinha instrução e obteve cargos que conferiam status e dignidade na Sociedade Protetora dos Operários –, fundada em 1883. Apesar da preocupação dos autores ser a análise das memórias e das identidades dos entrevistados, a pesquisa tem por principal contribuição a demonstração de que famílias negras, no pós-abolição, buscavam por diferentes redes de sociabilidades numa clara estratégia para diminuir as incertezas em relação ao futuro.

O último artigo dessa coletânea nos agracia com uma profunda pesquisa de microanálise em uma história de família. Henrique Espada Lima coloca em prática a redução de escala de análise de forma primorosa, buscando, ações, estratégias, incertezas e valores da família de Maria do Rosário. De acordo com a documentação, a família apostou, em primeiro lugar, na aproximação por alianças e construção de redes de solidariedade com pessoas brancas. As alianças com mulheres brancas frequentemente viúvas ou solteiras, de acordo com o autor, era conectada com “a própria vulnerabilidade a que se expunham essas mulheres – de outro modo, privilegiadas – que tentavam proteger-se de algum modo das incertezas da velhice solitária”. Mesmo que diante da possibilidade de se construir alianças, Henrique não percebe, pelo menos nesse texto, que essas relações eram construídas de modo a manter a população ex-escravizada em situação subalterna.

Em seguida, outra estratégia tomada pela família é a procura por ocupar diversos ofícios e isso permitiu o alistamento ao voto e o pertencimento à Guarda Nacional. Esses eram elementos que distinguiam homens pardos da maior parte dos seus pares, isto é, dando acesso ao exercício da cidadania. E, por último, uma das principais estratégias de mobilidade social foi a busca incessante pela educação. A trajetória da família, e principalmente de Olga Brasil, bisneta de Maria do Rosário, é marcada desde o início pelo investimento na educação formal, combinado com a participação em atividades ligadas à igreja católica. Contudo, a maior contribuição, e mais polêmica, do artigo é a de analisar uma família “parda” da escravidão ao pós-abolição. De início Henrique retoma uma discussão sobre o “silenciamento da cor” na documentação como estratégia para diminuir o horizonte de vulnerabilidade imposta aos ligados, mesmo que minimamente, à escravidão. Para o autor, à medida que a família se ascendia socialmente, a família de libertos “pardos” conseguiu se desfazer da associação com o passado escravista. E aponta, mesmo que sem aprofundamento, que o branqueamento pode ter sido um sucesso.

Verdade é que a documentação analisada não permite observar como a população ao entorno observava a família, assim como não é possível acompanhar os impedimentos de acesso a burocracias do estado ou mesmo a postos de poder. Apostar na estratégia (in)consciente de “branqueamento” da população negra, que perpassou pela escravidão e guardou em seu corpo as marcas desse passado, é muito arriscado na atual realidade da produção historiográfica a qual aposta na racialização como marco definidor dos lugares de poder e decisão, mesmo sem precisar falar de cor.

Essa é uma obra que ocupará um espaço importante na historiografia, não somente regional, do pós-abolição, mesmo que tenha altos e baixos, com artigos de historiadores ainda em formação. O livro contribui com importantes marcos, como as associações, as trajetórias individuais e familiares para a história nacional. E, desse modo, convido a todos a ler essa obra que incentivara novas pesquisas pelo Brasil todo.

Carlos Eduardo Coutinho da Costa – Professor Adjunto da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, docente do Programa de Pós-Graduação em História e do Programa de Pós-Graduação Profissional em Ensino de História da mesma instituição.


MENDONÇA, J. M. N; TEIXEIRA, L.; MAMIGONIAN, B. G. (Org.). Pós-abolição no sul do Brasil: associativismo e trajetórias negras. 1. ed. Salvador: Sagga, 2020. 293p. Resenha de: Carlos Eduardo Coutinho da. O pós-abolição no Brasil meridional. Revista Ágora. Vitória, v.31, n.2, 2020. Acessar publicação original [IF].

El continente vacío. La conquista del Nuevo Mundo y la conciencia moderna – SUBIRATS (A-EN)

SUBIRATS, Eduardo. El continente vacío. La conquista del Nuevo Mundo y la conciencia moderna. Guadalajara: Editora da Universidad de Guadalajara, 2019. Resenha de SUBIRATS, Eduardo. An intellectual journey through the Americas. Notes on El Continente Vacío. Alea, Rio de Janeiro, v.22 n.1, jan./apr. 2020.

Quiero contarles la historia sumaria de El continente vacío aprovechando su edición este año de 2019 por la Universidad de Guadalajara, México. Tratándose de un libro altamente polémico de análisis filosófico de la “conquista” española de América presentar esta cuarta edición no es un evento cualquiera. La primera, publicada en Madrid en 1993, fue destruida por la propia editorial que la publicó después de que capital ligado a la Iglesia católica española la adquiriese, destituyendo a su director Mario Muchnik. La segunda edición fue publicada, unos meses más tarde, por la editorial mexicana Siglo XXI. Su director rechazó una reedición por motivos ideológicos. La tercera edición aumentada fue publicada por la Universidad del Valle en Cali, Colombia, en 2011.

Pero también deseo aprovechar esta ocasión para explicarles lo que me indujo a escribir este libro en 1988. También deseo contarles mis andanzas por las Américas que siguieron a la primera presentación de este ensayo de interpretación del colonialismo europeo en un Madrid que celebraba el V Centenario de un Descubrimiento de América para ocultarse el continuo proceso de destrucción y decadencia de los pueblos y las civilizaciones del continente americano y de la propia metrópoli que este llamado “descubrimiento” ha traído consigo.

Yo decidí estudiar y escribir sobre el proceso de colonización de América en uno de los muchos viajes a México que entonces realizaba como joven conferenciante, profesor de estética y autor de complicados ensayos filosóficos. Llevaba tiempo vagando y morando entre New York y Cusco, Buenos Aires y Manaos, São Paulo y La Habana. A lo largo de estos viajes me iba distanciando de mis años de aprendizaje en Barcelona, París y Berlín. Yo iba ampliando el horizonte de mi conciencia. Y lo que era más importante: iba reconociendo progresivamente los límites intelectuales y las riendas mentales de una arrogante, pero decadente, conciencia europea. Y un bello día, en el Zócalo de la ciudad de México, me dije: tienes que hacer algo con esos años de aventuras y experiencias en las Américas.

Decidí comenzar por el origen y el principio del nombre y la realidad histórica de estas Américas. Es decir, decidí empezar por el largo proceso de su descubrimiento, conquista, destrucción, sometimiento y conversión, que los estructuralistas franceses habían escamoteado bajo el anodino título de una “invención de América”. El continente vacío nació de una voluntad de analizar la colonización americana a partir de sus fundamentos teológicos y teológico-políticos.

Les contaré un par de anécdotas chuscas que ponen de manifiesto el ambiente que me asediaba en el Madrid del Centenario. Un bello día, en una fiesta madrileña que ofrecía el editor de la primera edición de este libro, Mario Muchnik, la entonces ministra de educación del gobierno socialista español me espetó con una inconfundible insolencia: “¡Usted ha escrito un libro terrible, Sr. Subirats!” Meses más tarde el editor fue defenestrado y destituido. Y una de sus consecuencias fue que mi libro se liquidó por “no vender”, de acuerdo con el veredicto de los nuevos propietarios de la editorial Anaya vinculados a corporaciones nacional-católicas. Todo ese proceso estaba empañado, además, por un resentimiento antisemítico.

Este mismo año tuvo lugar la solemne presentación de la edición mexicana en la Universidad Autónoma de México bajo la presidencia de dos destacados intelectuales mexicanos: Margo Glantz y Roger Bartra. Les mencionaré uno de los temas que se debatieron en esta ocasión. Margo subrayó el punto de partida implícito en el Continente vacío: las destruidas tradiciones espirituales islámicas y hebreas de la Península ibérica. Sólo esta perspectiva histórica permite comprender el proceso colonial americano, que el intelectual judío Bartolomé Casaus o de Las Casas denominó “destruycion de las Indias”, desde sus raíces constituyentes: su principio de guerra santa cristiana y su ferocidad genocida. En otras palabras, reconstruí la eliminación sistemática de dioses, templos, ciudades y vidas, de Tenochtitlán a Cusco, a partir de las cruzadas contra las memorias, las lenguas y los pueblos hebreos e islámicos de la península ibérica.

Les contaré todavía otra anécdota que personalmente me parece curiosa. Apenas comenzando mi nueva vida estadounidense en la Universidad de Princeton, en 1994, entregué un ejemplar de El continente vacío a Princeton University Press con el objeto de su edición inglesa. Lo leyeron atentamente e hicieron elogios de su scholarship, pero dijeron que no podían publicarlo porque citaba a demasiados autores latinoamericanos, de Garcilaso y Las Casas a Bonfil Batalla, que sólo conocían aquellos lectores de habla castellana ya familiarizados con la edición mexicana del Continente vacío. Además, me señalaron explícitamente en una carta que mi punto de vista era eurocéntrico, porque partía de la lógica de las cruzadas y de la teología política del Imperio Romano y Cristiano.

No tengo que subrayarles mi opinión sobre semejante veredicto. Pero añadiré que la ignorancia y la falsificación del proceso colonial de Ibero-América sigue siendo amparado, si más no por simple omisión, limitación y pereza intelectuales, por el eje militar del Atlántico Norte en las más significativas instituciones académicas y editoriales de Berlín, Princeton o Madrid: hoy lo mismo que en el siglo dieciséis.

Con eso creo que ya puedo dar por explicado de qué trata este libro. Es la reconstrucción de la teología política de la colonización que recorre las cartas de San Pablo y los tratados de Las Casas; que recorre la destrucción sistemática de lenguas, memorias y espiritualidades a lo largo del continente americano; y que recorre la esclavitud y el genocidio de millones de seres humanos como una de sus últimas consecuencias. Pero tengo que añadir un breve comentario a esta definición minimalista del proyecto que subyace a este ensayo.

En El continente vacío seguí al pie de la letra el mantra que pronuncio el Inca Garcilaso en sus Comentarios reales: América, antes destruida que conocida y reconocida por el Occidente cristiano. Por consiguiente, decidí reconstruir la teología de la destrucción y definir la hermenéutica de restauración de las memorias y el esclarecimiento de la noche oscura de las sucesivas cruzadas de las Américas. Lo que quiere decir que es tan importante la primera parte de El continente vacío, en la que analizo desde una perspectiva netamente negativa la teología de la sujeción y subjetivación coloniales, como su segunda parte, que es afirmativa. En esta segunda parte pongo de manifiesto un vínculo ocultado entre el Inca Garcilaso y el filósofo sefardí Leone Ebreo, y señalo la alternativa hermenéutica y el nuevo humanismo que se desprende de este encuentro espiritual desde una perspectiva rigurosamente filosófica y precisamente actual; una perspectiva explícitamente crítica con la lógica del suicidio instaurado en los poderes corporativos globales.

Pero les iba a contar la historia del viaje filosófico por las Américas que siguió a la realización de este libro, y me he quedado en México. El siguiente paso, después de México, me llevó a los Estados Unidos. Y en el departamento de Literaturas Romances de Princeton University me encontré con la memoria viva de dos profesores exiliados de la dictadura española de 1939: Américo Castro y Vicente Lloréns. El título del libro que resume esta nueva aventura intelectual es Memoria y exilio, que, en su segunda edición aumentada y revisada, modifique por el de La recuperación de la memoria. En realidad, la colección de ensayos que reúnen estos libros tratan de ser ambas cosas: define la memoria exiliada como una constante del nacionalcatolicismo español hasta el día de hoy; asimismo expone una estrategia de recuperación de estas memorias impunemente negadas y clausuradas desde el siglo de la Inquisición hasta la era de Internet.

Un libro es la continuación del otro. La reconstrucción de la teología colonial en El continente vacío se abre, en Memoria y exilio, a la crítica del absolutismo monárquico, de la arrogancia nacional-católica y de los excesos doctrinarios en la historiografía moderna de la Península Ibérica e Iberoamérica. Y el análisis de la destrucción colonial de las altas civilizaciones americanas desemboca, como su última consecuencia, en una crítica de las culturas de América Latina perenemente sometidas al atraso moral, económico y político, y a la continuidad sin fisuras de las dependencias coloniales y neocoloniales. El mundo hispánico no ha tenido humanistas (los que lo fueron eran, en su mayoría, conversos, como Luis de León o los hermanos Valdés, y fueron encarcelados y exiliados, cuando no torturados y asesinados por la Inquisición). Este pequeño mundo hispánico tampoco ha tenido un pensamiento esclarecedor (los llamados “ilustrados” nunca cuestionaron el sistema autoritario que recorría la tradición escolástica ni la autoridad de la Inquisición en el Siecle des lumières); no ha conocido el liberalismo moderno (fue asesinado o exiliado con la restauración Borbónica a comienzos del siglo diecinueve); y ha cerrado sus puertas a la construcción de un pensamiento crítico en las situaciones cruciales del siglo veinte. Esos son los problemas que debatí en Memoria y exilio.

Pero quiero regresar al relato de mis viajes panamericanos. Y cerraré esta brevísima relación con un tercera y última estación. La titulé Paraíso. Esta colección de ensayos posee múltiples ediciones con títulos ligeramente diferentes, desde una optimista A penúltima visão do Paraíso, publicado en São Paulo en 2001, hasta la más sobria visión en su edición electrónica bajo el título escueto de Paraíso, en el Fondo de Cultura Económica, de 2013.

Paraíso es un cuaderno de viaje intelectual. Y, por consiguiente, es un libro más versátil que versado. Más bien me parece una rapsodia de los motivos y las motivaciones que encontraba en mi camino, guiado por la mano de andanzas y aventuras fortuitas. Y es, con todas sus torpezas, un libro de encuentros con arquitectos como Oscar Niemeyer o Lina Bo Bardi, con artistas y poetas populares, con manifiestos de la música, la pintura, la poesía y la literatura americana como los de Tarsila do Amaral, Oswald de Andrade, Villa Lobos y Mário de Andrade. Y un libro que me abrió las puertas a los estudios posteriores sobre momentos cruciales de la cultura latinoamericana moderna como el Muralismo mexicano o Yo el Supremo de Augusto Roa Bastos.

Permítanme concluir con unas palabras sobre el concepto de esclarecimiento. Su importancia en la historia moderna no puede subrayarse lo suficiente. Sin esclarecimiento no habría existido la Independencia de los Estados Unidos ni la Revolución francesa. Sin esclarecimiento tampoco hubiera tenido lugar la independencia de las naciones iberoamericanas, con todas las ambigüedades que esta translatio imperii de la escolástica y la contrarreforma españolas al esclarecimiento de Francia, los Países Bajos, Inglaterra o Alemania ha llevado consigo. Sin esclarecimiento no existirían joyas arquitectónicas y artísticas como la ciudad de San Petersburgo. Sin esclarecimiento no tendríamos una Novena Sinfonía de Beethoven. Tampoco podríamos contar con la crítica del capitalismo de Marx y la crítica del cristianismo de Nietzsche. En fin, sin esclarecimiento seriamos capaces de citar la máxima por excelencia del psicoanálisis de Freud y Jung: “Donde era Ello debe devenir Yo”, o más exactamente, donde reinaba lo inconsciente debe venir el proceso luminoso de la individuación autoconsciente. Esclarecimiento es también la finalidad suprema de la meditación en sus formas védicas, tántricas, budistas y taoístas. Y sin esclarecimiento no tendríamos el canto prometeico a un desarrollo humano en el medio de una tierra fecunda que Diego Rivera plasmó en los murales de la ex-iglesia católica de Chapingo.

A lo largo de los últimos años he organizado una serie de eventos con otros intelectuales de las Américas en torno a la idea de “esclarecimiento en una edad de destrucción”. Hemos tratado de redefinir el concepto filosófico, educativo y político de esclarecimiento desde una serie de perspectivas diferenciadas, tanto filosóficas como pragmáticas, en Sofía, Ouro Preto, Bogotá y Lima, y en New York y Santiago de Chile. Y hemos hecho público este último proyecto a lo largo de una serie de ensayos y artículos. Finalmente, también cristalizamos estas discusiones en un libro colectivo: Enlightenment in an Age of Destruction (“Esclarecimiento en una edad de destrucción”)

Pero antes de definir el significante esclarecimiento o enlightenment tengo que explicar el concepto de destrucción. Hoy vivimos amenazados bajo una gama amplia de fenómenos industriales que tienen a esta destrucción o autodestrucción como denominador común: la carrera armamentista del complejo tecnológico-industrial-militar, el envenenamiento químico de ecosistemas y el calentamiento global, y no en último lugar, los desplazamientos y el encierro en campos de concentración de decenas de millones de humanos. Paralelamente nos confrontamos con una serie de fenómenos de fragmentación política, segregación social y violencia. Y nos enfrentamos con sistemas electrónicos de manipulación y control corporativos totales sobre la vida individual de centenares de millones.

En cuanto al concepto de esclarecimiento podemos definirlo, negativamente, por lo que no es. En primer lugar, esclarecimiento no significa “ilustración”, una palabra castellana que define el lustre y el brillo de la ciudad letrada hispánica como epítome del eterno anti-esclarecimiento nacional-católico español. En segundo lugar, esclarecimiento no significa información; ni tampoco la robotización de esta información por los softwares académicos. Su fundamento es la experiencia individual de conocimiento y las posibilidades de un diálogo público sobre nuestra experiencia en el mundo. Este diálogo social esclarecedor parte de una premisa: el desarrollo de nuestras capacidades intelectuales y, por consiguiente, de los sistemas, discursos y estrategias educativas.

Nuestros sistemas educativos, en México, en Brasil o en la Península ibérica se encuentran en un estado ruinoso perfectamente administrado a través de sus salarios miserables, sus deplorables medios técnicos, la escasez de becas, y unas alternativas laborales y sociales mediocres. En los Estados Unidos las humanidades se desmoronan ostensiblemente bajo el dogmatismo antihumanista, antiestético y antifilosófico de las corporaciones académicas. Por encima de todo ello el intelectual independiente capaz de criticar, esclarecer y movilizar a una masa electrónicamente embrutecida brilla por su más obscena ausencia. Las tiranías y gobiernos corruptos dan por sentado que no es necesario investigar, ni pensar, ni esclarecer, puesto que ya tenemos smartphones.

La reivindicación del esclarecimiento y la renovación de su proyecto intelectual, referido específicamente a América Latina en la constelación del colapso completo de sus organizaciones de resistencia anticolonial, es el hilo de oro que recorre mi último ensayo Crisis y crítica. Con este proyecto, que significa revertir el proceso de regresión política y decadencia cultural impuesto por nuevas formas totalitarias de gobierno en el mundo entero, deseo poner punto final a esta presentación. A semejante tarea nos debemos todos nosotros.

Eduardo Subirats. Autor de El continente vacíoMito y LiteraturaParaíso, La existencia sitiada, entre otras decenas de libros y ensayos. Ha vivido en España, México, Brasil y en los Estados Unidos, donde fue profesor de la Universidad de Princeton. Trabaja actualmente en la New York University. E-mail: eduardosubirats@msn.com.

Acessar publicação original

[IF]