Devagar e simples: Economia, Estado e vida contemporânea / André L. Resente

“Devagar e simples: Economia, Estado e vida contemporânea” é a obra do economista neoclássico André Lara Rezende, publicada em 2015 pela editora Companhia das Letras. O filho do escritor Otto Lara Rezende participou da elaboração do Plano Real, foi presidente do BNDES no governo FHC e fez parte da última campanha de Marina Silva à presidência da República. O livro dispõe de uma coletânea de trabalhos selecionados ao longo dos últimos anos distribuído em três capítulos, tendo como eixo central a desvalorização da política e a necessidade de repensar o Estado em prol da revalorização da vida pública. Entrelaçada com esta questão o leitor encontra uma aguda discussão sobre o crescimento econômico enquanto elemento associativo ao bem-estar social.

Para o autor o Estado precisa urgentemente caminhar devagar e (re) pensar os seus ápices de crescimento acelerado, porque talvez a simplicidade de dar um passo de cada vez possibilite o caminho mais seguro para uma sociedade cujo bem-estar seja ao menos vislumbrado para todos. Dentro deste escopo indica ainda a necessidade de usarmos da lógica cartesiana, não para sabermos o que é real, mas por meio da experimentação racional descobrirmos o que é falso: que o avanço científico aliado a um crescimento econômico acelerado não se apresenta como o único caminho para o bem-estar da civilização.

Observamos que a política econômica, pautada por uma obsessão pelo crescimento material, resulta no endividamento público e privado excessivos, estimulando assim graves crises financeiras. Tais argumentações geram uma série de inquietações no que diz respeito à necessidade de repensar o Estado e a revalorização da vida pública. Bem como ao contínuo descaso quanto aos riscos ecológicos, em um mundo que nos últimos três séculos apresentou um aumento demográfico de 500 milhões para 7 bilhões de pessoas.

As “obsessões pelo crescimento material” fazem parte do processo reflexivo do autor; a intenção de entender porque apresentamos tantos obstáculos para direcionarmos medidas concretas no tocante ao desenvolvimento consciente, mesmo diante de um eminente desastre ambiental. O autor propõe que, a consciência não é uma instância deliberativa, mas sim uma realidade simbólica, em que desenvolvemos fórmulas a serem introjetadas e automatizadas para aprimorarmos nossa adaptação ao ambiente. A consciência nos faz cientes de nossos limites e de nossa irracionalidade, capaz de compreendermos nossa insensatez, mas não de agirmos antes da materialização dos desastres.

As estatísticas indicam sinais de estabilidade e decréscimo a partir da segunda metade do século XXI. Sem o crescimento demográfico, o que se espera, será necessário contar com o avanço da tecnologia para garantir o desenvolvimento da produção e da renda. O problema deixaria de ser a busca de promover o crescimento, para a complexa tentativa de aceleração do ritmo do progresso tecnológico, o que se daria primordialmente através da educação.

Resende endossa sua argumentação com a ideia de que o crescimento econômico como o conhecemos foi um fenômeno do século XX, possível devido a Revolução Industrial do século XIX. Infere que o progresso tecnológico mais recente, embora impressionante, não tenha a mesma capacidade transformadora da Revolução Industrial. Outrossim, como a população mundial deverá se estabilizar em algumas décadas, o mesmo ocorrerá com o crescimento da renda e do consumo, uma desaceleração que vai alterar o PIB.

Na perspectiva do autor a política econômica e por assim dizer os governos continuam a serem avaliados pelo crescimento da economia. Pontua que “as recessões e os períodos de estagnação estão empiricamente muito mais correlacionadas com a má política econômica que os períodos de aceleração do crescimento estão associados à boa política”. Neste caso, muitas vezes na ânsia de não se interromper uma carreira política iniciada sob bons auspícios, e de fazer durar mais tempo o surto de crescimento acelerado, se aumente a probabilidade de se fazer má política, o que resulta em crise e recessão seguida de estagnação.

Resende ilustra o exemplo brasileiro, vivenciado durante o milagre do crescimento acelerado no período do “Regime Civil Militar”. O resultado é sabido, entre 1980 e 2002 ocorreram as crises da dívida externa e da inflação, e a renda per capta praticamente não se alterou por 22 anos. No cenário mundial ilustra suas argumentações com a crise financeira de 2008, salientando que, a nova concentração de renda e da riqueza nos países avançados, mudou a forma de analisar o quadro do fracasso das experiências socialistas e do otimismo provocado pelo rápido crescimento econômico mundial.

Importante destacar que, segundo Resende, o crescimento econômico não será mais o mesmo daqui para frente. No século passado as tensões criadas pelo rápido processo de mecanização da agricultura foram amenizadas pelo crescimento industrial; hoje não existe um setor em agudo crescimento que compense a redução do emprego industrial. A revolução da informática somada ao decréscimo populacional findará numa dramática queda da empregabilidade, a tecnologia produzirá mais em menor tempo e a sociedade intuitivamente vai se afastando do modelo consumista.

Sendo assim, “não há lugares para velhos remédios”, as propostas de como impulsionar o crescimento se agrupam a saber em três campos: os que acreditam que o mesmo experimento monetário que foi capaz de evitar o colapso conseguirá também motivar a recuperação. Os neokeynesianos, cuja defesa é o uso da política de taxas de juros negativas, além do chamado limite inferior, baseando-se na hipótese implícita de que taxas de juros reais mais baixas continuem a estimular a demanda, mesmo depois de ficarem negativas. Por último os keynesianos clássicos, defendendo que o melhor caminho para sair da atual estagnação é aumentar os gastos do governo.

No caso do Brasil, Resende elenca propostas para restaurar o crescimento e o desenvolvimento, indicando a necessidade de uma regulamentação inteligente como um dos elementos que podem ajudar a estimular decisões mais pertinentes. Sendo defensor de uma descentralização associada ao aperfeiçoamento dos mecanismos de avaliação de desempenho, especificamente com relação ao desenvolvimento, a resposta a este desafio passa pela valorização da cidadania e do espírito público. O desenvolvimento como um processo de expansão das liberdades substantivas e da cidadania que devem ser fomentadas, fortalecidas e protegidas não por “empatia” (quando fazemos porque nos sentimos melhor ou mais felizes quando minoramos as dificuldades dos excluídos) mas pela ação de um Estado “comprometido” (quando procuramos atacar as causas da desigualdade e da exclusão).

Encontramos ainda o apelo às cidades pensadas como ambientes vivos, necessitadas de um processo de resgate à sua essência, como lugar de interação entre pessoas, que mesmo na era on-line se faz substancial para a civilidade e imprescindível no estimulo à criatividade. Nesta cidade, pensada como lugar de civilidade, apresentou-se o “mal-estar contemporâneo” que extravasou da internet e levou a população às ruas, os protestos ocorridos no Brasil nos últimos meses denunciam uma crise de representação. A sociedade já não se reconhece nos poderes constituídos (Executivo, Legislativo e Judiciário), nem o Estado brasileiro se adequa mais aos anseios da população.

Para Resende, o Estado brasileiro tornou-se um “sorvedouro de recursos cujo o principal objetivo é financiar a si mesmo”. O projeto nacional-desenvolvimentista, fermentado nos anos de 1950 e impulsionado pelo PT a partir do governo Lula, através da ampliação de proteção social com o Bolsa Família e o loteamento do estado como moeda de troca para apoio político de sustentação, pressupõe que o crescimento material é o objetivo final da atividade humana. A civilização parece ter pressentido a exaustão do modelo consumista do século XX, pois o que importa são questões concretas do nosso dia-a-dia, queremos um Estado com capacidade de administrar questões que nos garantam qualidade de vida. Questões fundamentais em um mundo superpovoado, interligado e complexo. Complexidade de um Estado que “passa a ser um fator destruidor de sua qualidade e eficiência”.

A obra também aborda a evidente deterioração da situação fiscal no Brasil, o que em 2013 levou o mundo exterior a mudar o sentimento de confiança em relação ao Estado brasileiro. A herança patrimonialista, misturada aos desafios de um país de proporção gigantesca e de culturas tão diferenciadas, criou um Estado “caro, ineficiente e, sobretudo, disfuncional”. Não há como governar algo que não funciona, assim se faz urgente reconstruir o Estado, experimentar a descentralização, buscar mudanças ao invés de protestos. “Viver é ser surpreendido”, superar a surpresa com racionalidade é o que nos torna efetivamente humanos. Segundo André Lara Resende a crise sempre existirá, ela é cíclica, o diferencial é a criatividade da busca humana para sair de estagnação causada por ela.

Tendo como aporte A Condição Humana, obra de Hannah Arendt, participa ao seu leitor que a desvalorização da vida pública está enraizada no avanço do capitalismo industrial no século XIX, que se consolida no capitalismo de massa do século XX, um sistema que se revelou de forma imbatível como produção de riqueza.

É nesse contexto que se dá o grande impasse da modernidade: a incompatibilidade entre o sistema mais eficiente na geração da riqueza, o capitalismo, e a valorização da cidadania, que perpassa pelo descrédito da política, uma vez que a vida pública perdeu a sua significância. A tecnologia, o avanço científico, que deveria minimizar as horas de trabalho humano, contraditoriamente, na sociedade moderna, nos transformou em uma “sociedade de trabalhadores”. De tal forma que, a remuneração financeira tornou-se o único veículo pelo qual somos dignos de admiração pública, o que só aumenta a alienação do homem em relação ao mundo frente aos enormes desafios que se configuram neste início do século XXI.

Em um momento de significativa crise da economia e da política brasileira, Devagar e simples: Economia, Estado e vida contemporânea chega ao público em tempo oportuno. As reflexões postas pelo autor são elementos norteadores na busca de possíveis caminhos para a valorização da política e da vida pública enquanto princípios que permitam o crescimento econômico associativo ao bem-estar social.

Resenhista

Helena Albuquerque – Mestranda em Educação pela Universidade de Pernambuco. E-mail: [email protected].


Referências desta resenha

RESENDE, André Lara. Devagar e simples: Economia, Estado e vida contemporânea. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2015. Resenha de: ALBUQUERQUE, Helena. Boletim do Tempo Presente, Rio de Janeiro, n.11, p.1-5, 2016. Acessar publicação original. [IF].

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