Sociedade e cultura na África romana: oito ensaios e duas traduções | Julio Cesar Magalhães Oliveira

A produção Sociedade e cultura na África romana de Julio Cesar Magalhães de Oliveira, faz parte da coleção Entr(H)istória da editora Intermeios que populariza trabalhos de historiadores do programa de pós-graduação da USP, existente desde a década de 1970. Seguindo o exemplo de outras publicações da coleção, a produção de Oliveira nos brinda com um texto rico em análises profundas e discursos atuais, inovando em sua abordagem do Norte da África numa antiguidade predominantemente romana e com investigação arqueológica necessariamente plural.

A Arqueologia da África Romana teve início em territórios colonizados, usada estritamente para a reafirmação da superioridade européia por meio da identificação dessas nações com o próprio Império Romano. O paradigma da romanização e a visão eurocêntrica da história do continente africano nortearam as investigações arqueológicas e a historiografia até o início dos trabalhos dos historiadores que propunham descolonizar a história do continente africano. A História da Arqueologia desvela um processo de rupturas e transformações que compreendem a construção de uma disciplina como autônoma e influente como conhecimento científico. A historiografia, desde o spatial turn do século XX, reformulou a compreensão que possuía acerca da realidade social, sendo o advento da New Archaeology, ou da arqueologia processual, responsável por desenvolver técnicas de análises propriamente arqueológicas e transformar o lugar da análise sociológica da realidade material. Leia Mais

Tacky’s revolt: the story of an Atlantic slave war | Vincent Brown

Na esteira de seus outros trabalhos sobre escravidão e diáspora africana Vicent Brown2, professor da Universidade de Harvard, publicou em janeiro de 2020, Tacky’s Revolt: The Story of an Atlantic Slave War para debater de uma maneira revisionista três revoltas de escravos da Jamaica, dando a elas, especialmente a segunda, liderada por Apongo (nome africano do escravo Wager), que estourou na freguesia de Westmoreland, localizada no ocidente da ilha, uma importância histórica bem mais definida e profunda. A “Rebelião de Tacky”, em St. Mary também na região leste e a “Marcha de Simon”, que se desenvolveu nas regiões centrais da colônia, completam os eventos analisados. Leia Mais

Oil Palm: A Global History | Jonathan E. Robins

The two main fields of reference of Jonathon Robins’ new book, Oil palm: a global history, are immediately revealed in its title: the history of commodities and global history. This work fits within the historiographical genre famously inaugurated by Sydney W. Mintz in 1985 1. It is not by chance that Robins, associate professor of History at the Michigan Technological University, investigated the history of another commodity, cotton (in the British Empire), before dealing with palm oil. Furthermore, the title indicates that the main character of the book is not the commodity itself but the tree producing it. In sum, it tells «the story of how humans used and lived with oil palms» 2. Surely this choice is also due to the fact that the oil palm tree, differently from the cotton plant for example, gives birth to more than one commodity: indeed, palm kernel oil played almost as fundamental a role in the globalization of palm products as the much more renowned palm oil (palm wine, on the other hand, never developed an appeal outside of African domestic markets). Leia Mais

Uma história feita por mãos negras | Beatriz Nascimento, organizado por Alex Ratts

Beatriz Nascimento Imagem AdUFRJ 2
Beatriz Nascimento | Imagem: AdUFRJ

Nascida em Aracaju (SE), Maria Beatriz Nascimento (1942-1995)[1] produziu reflexões diversas e dispersas em artigos, entrevistas, roteiros cinematográficos sobre a história do negro no Brasil, ganhando visibilidade no debate historiográfico no país, nos últimos anos, por conta da publicação de seus textos em livros (Ratts, 2006; 2021), reveladores da atualidade de suas ideias sobre as relações raciais e de gênero. Graduada em História, em 1971, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ela contribuiu, decisivamente, para a rearticulação do movimento negro no Rio de Janeiro, seja “participando das reuniões no Centro de Estudos Afro-Asiáticos (CEAA), situado na Universidade Cândido Mendes (UCAM)”, seja criando coletivos como o Grupo de Estudos André Rebouças (GTAR), na Universidade Federal Fluminense (UFF). Ela cursou especialização em História do Brasil, na Universidade Federal Fluminense, ingressando no Mestrado Acadêmico, sem concluí-lo (Pinn; Reis, 2021, p. 3). Em 1995, o curso de Mestrado na Escola de Comunicação, na UFRJ, sob a orientação de Muniz Sodré, foi interrompido, abruptamente, por sua morte prematura. Grande parte dessa experiência de vida e trajetória acadêmica está no livro Uma história feita por mãos negras, organizado por Alex Ratts, e lançado em 2021.

Beatriz Nascimento Uma historiaA recuperação de suas ideias está vinculada à emergência das perspectivas decoloniais dos estudos de gênero e de raça no contexto da presença de governos de centro-esquerda no Brasil, entre 2003-2016, haja vista que os atuais “estudos sobre escravidão, o movimento social e operário, o tempo presente, a memória, a história da historiografia, dentre outras”, estão em conexão, consciente ou não, com as “pautas que emergiram da luta pela redemocratização no país, desde a década de 1970” (Pereira, 2022, p.31). Leia Mais

A História Global e as fronteiras na Antiguidade | Fronteiras – Revista Catarinense de História | 2022

Detalhe da Estela de um mercenario em Patiris 2134–2040 a.C. Imagem Wikipedia
Detalhe da Estela de um mercenário em Pátiris (2134–2040 a.C.) | Imagem: Wikipédia

Entre as grandes rupturas culturais do final do século XX, a crise do eurocentrismo – entendido como a cosmovisão que situa a modernidade ocidental como modelo e destino da história universal – foi a que teve mais efeitos no campo historiográfico global. As diferentes áreas do campo reagiram de modos particulares: enquanto a História Econômica e comparada reviu a centralidade da Europa na história mundial (revisão exemplificada na corrente intelectual do ReOrient), a História Social buscou ressaltar a imbricação entre estruturas e agência dos grupos subalternos tanto nas sociedades, quanto nas memórias ocidentais. A História Cultural, por sua vez, ressaltou as tensões implicadas na construção de identidades e representações sociais tais como “civilizado” ou “colonial” (como nas abordagens pós- e decolonial), e a História Ambiental reelaborou as relações entre sociedade e ambiente para além do discurso da “conquista da natureza” ou do “lamento da degradação”.

Neste contexto, novas áreas emergiram, como a História Global, cuja missão de criticar o eurocentrismo e o internalismo metodológico orienta os mais diversos estudos, das macro comparações ao estudo das “micro globalizações”, das redes aos sistemas-mundo, dos impérios em contato aos viajantes, dos processos transnacionais aos fenômenos ambientais globais. Central no projeto da História Global é a crítica das fronteiras projetadas pelas sociedades contemporâneas sobre o passado, sob o efeito dos estados nacionais e suas comunidades imaginadas, o que desvinculou as sociedades de seus contextos concretos. A História Antiga dialogou com estas perspectivas, resultando na promoção de três abordagens significativas: a história dos grupos subalternos antigos, a história da recepção e usos da Antiguidade no mundo contemporâneo, e a história das conexões e contatos entre as várias sociedades antigas em seus contextos mais amplos. Nestas três abordagens, o problema das fronteiras é central e se desdobra em múltiplos aspectos, fronteiras sociais e espaciais, internas e externas, trazendo a necessidade de se revisitar conceitos e metodologias que tomavam este termo como dado. Assim, é preciso refletir como definir as fronteiras entre grupos sociais, como dominantes e subalternos, por exemplo, ou entre segmentos de grupos subalternos. De que maneira Antiguidade foi utilizada em contextos de fronteira no Ocidente, como a América Latina contemporânea? Em relação à História Global, fronteiras como “mundo romano”, “Egito”, “mundo grego”, “África”, estão além da projeção dos estados nacionais sobre o passado antigo, mas de que maneira podemos entender esses limites tendo em vista uma visão êmica de fronteira? Quais eram os contextos nos quais as sociedades se interagiam? Qual era a relação entre fronteiras internas e externas às sociedades? A integração a contextos maiores potencialmente eliminava as fronteiras? O objetivo deste dossiê é refletir sobre os problemas associados aos conceitos de fronteira na Antiguidade. Leia Mais

Antigas sociedades da África Negra | José Rivair Macedo

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José Rivair Macedo | Imagem: UFRGS

A obra Antigas sociedades da África Negra, de José Rivair Macedo, professor do Departamento de História e do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, foi publicada no ano de 2021 pela Editora Contexto e já é considerada um clássico e uma leitura recomendada para todos que se interessam pelos estudos africanos, sejam estrangeiros, brasileiros, professores do ensino básico ou superior e público em geral.

Embora Rivair mencione o fato de o texto não possuir uma linguagem didática, mas uma proposta acadêmica com ampla pesquisa bibliográfica e documental, as salas de aula brasileiras, especialmente as localizadas nas periferias, com a maior parte do seu alunado afro-brasileiro, estão prontas para receber esse tipo de trabalho, obviamente quando intermediado pelo docente de educação básica. Os saberes ancestrais, as histórias dos negros na cultura brasileira, como quer o prefácio da obra – que traz inclusive uma canção de Eugênio Alencar, sambista gaúcho e conhecedor das tradições africanas (Rivair, 2021, p. 10) -, estão nesses lugares em que as comunidades afro-brasileiras habitam e aos quais a ciência costuma não olhar. Leia Mais

Fighting the Last War: Confusion, Partisanship, and Alarmism in the Literature on the Radical Right | Jeffrey M. Bale e Tamir Bar-On

Estado Islamico BBC News
Estado Islâmico | Imagem: BBC News

Tudo parece tranquilo entre os investigadores das novas direitas do eixo Europa-América nos últimos cinco anos. Eles divergem conceitualmente (fascismo, neofascismo, posfascismo, ultradireita, nova direita etc.), ocupam-se de objetos distintos (ideologias, partidos, eleições, movimentos, redes, subculturas, líderes, programas, eleições e ações de governo), mas convergem na ideia de que a maior parte dos seus fenômenos-objeto representa ameaças à democracia liberal. Não sem razão, parte deles encerra os seus ensaios ou teses com a clássica alusão ao “que fazer?”, de Vladmir Lênin. Essa harmonia tem chance de ser abalada após a publicação de Fighting the Last War: Confusion, Partisanship, and Alarmism in the Literature on the Radical Right (2022). Nesse ensaio estendido, Jeffrey M. Bale e Tamir Bar-On denunciam a incompetência dos acadêmicos e jornalistas para interpretar fenômenos designados como “direita radical”, “extrema direita” ou “nova direita radical”, e a esperteza de políticos, empresários e oligarcas das Big Tech que tiram proveito dessa espécie de “histeria” intelectual para “deslegitimar e demonizar virtualmente todos os oponentes da atual ideologia ocidental reinante do globalismo progressista” (p.xvi).

Fighting the Last WarJeffrey Bale e Tamir Bar-On são dois experimentados professores universitários e investigadores de movimentos extremistas há décadas. Bale é historiador e especialista em movimentos religiosos e políticos “propensos à violência” e docente no Nonproliferation and Terrorism Studies (NPTS) e no Program at the Middlebury Institute of International Studies at Monterey (MIIS). O sociólogo Bar-On estuda ideologias políticas e novas direitas e é professor na School of Social Sciences and Government e do Monterrey Institute of Technology and Higher Education, no México. Para chamar os colegas às falas, eles apontam preconceitos acadêmicos, uso equivocado de conceitos, desinformação sobre o imperialismo islâmico, sobre seus traços teocrático, fundamentalista e (no caso dos jihadistas) violento.

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Memórias ancoradas em corpos negros | Maria Antonieta Antonacci

Espetaculo Imalẹ Inu Iyagba mergulha na ancestralidade de um universo experimentado pela artista Foto Thais Andressa G1
Espetáculo “Imalẹ̀ Inú Ìyágbà” mergulha na ancestralidade de um universo experimentado pela artista | Foto: Thais Andressa / G1

Maria Antonieta Antonacci possui graduação em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, além de ser mestra em História Econômica pela Universidade de São Paulo e pósdoutora em Antropologia Social pela École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), da França. Atualmente é professora associada da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo demonstrando maestria em História da África, Culturas Africanas, Afro-Brasileiras e também em História do Brasil.

É imprescindível citar que em 2003, quando promulgada a Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Africana e Afro-brasileira nas escolas do Brasil, Antonacci posicionou-se veementemente contra o ensino, no curso de História da PUC-SP, de uma História Africana contada sob a ótica de historiadores europeus. A partir dessa justa militância, a professora intensifica seus estudos acerca da temática supracitada, dando vida a sua obra mais famosa, o livro Memórias Ancoradas em Corpos Negros. Leia Mais

Banzo | Roger Silva, Marcela Bonfim, Nego Júnior Wilson Smith, Felipe Santos e Pedro Paulo.

Banzo Foto DivulgacaoTNH1
[Banzo] | Foto: Divulgação/TNH1

Narra a mitologia romana (e a Wikipédia) que na região que hoje é a Itália, havia um homem que tinha trazido riqueza e prosperidade a partir da agricultura e do comércio. Janus era um homem de fisionomia curiosa, pois em sua única cabeça habitavam duas faces, cada uma olhando para lados opostos. Não tardou muito e os romanos logo o alçaram a categoria de deus, impondo a ele diversas manifestações, sendo a mais conhecida a sua relação com as mudanças e transições.

Por ser comumente reproduzido como um homem cuja cabeça tem duas faces em direções opostas, seu poder serviu de alegoria para diversas representações, sendo uma de interesse aqui: a questão do resguardo, enquanto sentinela, de alguma porta ou passagem, em especial a que liga o passado ao futuro e vice-versa. Leia Mais

A invenção das mulheres: construindo um sentido africano para os discursos ocidentais de gênero | Oyèrónke Oyëwümí

Oyeronke´ Oyewumi Imagem Facebook
Oyèrónkẹ´ Oyěwùmí | Imagem: Facebook

A obra “A invenção das mulheres – Construindo um sentido africano para os discursos ocidentais de gênero” foi publicada no Brasil pela Editora Bazar do Tempo no primeiro semestre de 2021. Tal publicação é derivada de seu original em inglês “The Invention of Women: Making an African Sense of Western Gender Discourse” (1997) sob autoria da professora e socióloga nigeriana de origem iorubá, Oyèrónkẹ´ Oyěwùmí. A autora busca compreender a maneira pela qual o gênero foi construído na sociedade iorubá, levando em consideração toda a interferência ocidental nas produções de conhecimento africanas sob histórico de dominação europeia naquele continente, investigando principalmente o contexto da pré-colonização na iorubalândia.

Um dos apontamentos da autora em relação aos Estudos Africanos foi a de que diversos esquemas, teorias e conhecimentos acadêmicos de origem ocidental foram apropriados e utilizados como maneira de compreender o continente africano. Tais compreensões foram comumente impostas pelo domínio estrangeiro (nos processos colonizatórios e tráficos escravagistas do atlântico, por exemplo) às sociedades africanas. Leia Mais

Narrativas sobre África(s) a partir do Brasil | Aedos |2022

Boi Caprichoso Foto Bianca PaivaAgencia Brasil
Boi Caprichoso | Foto: Bianca Paiva/Agência Brasil

Em toda a sua história, este é o primeiro dossiê da revista Aedos dedicado exclusivamente aos estudos relacionados ao continente africano e/ou às populações, culturas e tradições deste espaço geopolítico. Desde o final do século XX, muitas narrativas acadêmicas sobre a(s) África(s) têm sido produzidas a partir do Brasil, tendo um papel relevante na divulgação desses conhecimentos as revistas: ABPN, África e Africanidades, AbeÁfrica (UFRJ), Afro-Ásia (UFBA), África (USP), África(s) (UNEB), Dados de África(s) (UNILAB/UNEB), Cadernos de África Contemporânea (UNILAB), Kwanissa (UFMA) e a Revista Brasileira de Estudos Africanos (UFRGS). Contudo, tais divulgações ainda ocorrem em periódicos específicos e especializados nos estudos africanos, quando o almejado é que tais comunicações circulem também em revistas não especializadas, garantindo assim maior difusão e visibilidade dos vários espaços, tempos e povos no curso da história, associando os conhecimentos sem fundi-los, distinguindo-os sem separá-los (MANFREDO, 2012, p. 1-3).

Nesse sentido, o presente dossiê objetiva construir novos espaços de divulgação de saberes em relação às Áfricas, reunindo produções acadêmicas geradas no Brasil que lançam seus olhares para as múltiplas formas existenciais da África e dos(as) africanos(as), contribuindo para a descentralização acadêmica dos debates sobre essas temáticas. Leia Mais

Sociedade e cultura na África romana: oito ensaios e duas traduçõe | Júlio César Magalhães de Oliveira

Júlio César Magalhães de Oliveira, professor do Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP), apresenta uma original coletânea de ensaios sobre a sociedade e a cultura na África romana, após sua tese já clássica Potestas populi: participation populaire et action collective dans les villes de l’Afrique romaine tardive (vers 300-430 apr. J.-C.), de 2012, coincidindo com a publicação de Late antiquity: the age of crowds?, um artigo que, apesar de recém-divulgado – 2020 – no periódico Past & Present, já repercute. O aparecimento do volume em português deve ser saudado por permitir o acesso de um público mais amplo ao tema, em particular de estudantes ávidos de leituras recentes, inovadoras e produzidas aqui mesmo, no Brasil. Neste aspecto, convém enfatizar a clareza e a facilidade da leitura, assim como o seu estilo envolvente. Mapas, plantas, imagens de época e fotos completam a preocupação de Oliveira com a fácil compreensão do leitor, assim como o uso de notas de pé de página, que apresentam referências e comentários de aprofundamento, mas podemos ler o texto principal de forma direta para melhor aprendermos os argumentos. Tais recursos incentivam a tão necessária segunda leitura, que possibilita o aproveitamento pleno das informações e discussões trabalhadas pelo autor.

Em termos teóricos ou de perspectiva, são discutidas seis polaridades, que estão disseminadas por todo o volume:

  • Resistência/integração;
  • Estudo da tradição textual/cultura material (Arqueologia);
  • Modelos normativos/teoria pós-colonial (conflitos);
  • Restrição às elites/subalternos vistos de baixo;
  • Historiografia: produção mais antiga/recente;
  • Modelos baseados em dicotomias/ênfase na interação.

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Vedere l’impero. L’Istituto Luce e il colonialismo fascista | Gianmarco Mancosu

Nel corso degli ultimi anni la storia del colonialismo ha riscosso un particolare interesse all’interno della comunità scientifica, essendo oggi evidente il suo protagonismo nell’ambito della storiografia nazionale ed internazionale. L’esperienza coloniale è stata oggetto di una profonda riflessione in tutto il continente europeo, approdando anche in Italia grazie agli studi, fra gli altri, di Angelo del Boca1. In tempi più recenti, oltre a ricostruire modalità, processi e sviluppi del colonialismo italiano all’interno del continente africano – spesso frammentando questo studio in base al luogo specifico di occupazione – è sorta anche la necessità di riscoprire aspetti poco o per nulla conosciuti dell’esperienza italiana, favorendo in questo modo una riflessione che accomuni tutti i territori coloniali: dalla Cirenaica e Tripolitania fino al Corno d’Africa e all’oltre Giuba. Il lavoro che ci propone Gianmarco Mancosu, assegnista di ricerca in Storia Contemporanea presso l’Università degli Studi di Cagliari2, si sviluppa seguendo proprio questo paradigma: l’analisi delle pratiche culturali e gli aspetti più o meno conosciuti della politica espansionistica italiana attraverso l’occhio della cinepresa – e cioè dell’Istituto Luce – quale interlocutore privilegiato nella travagliata storia coloniale italiana3. Leia Mais

Em busca da África: pretitude e modernidade | Manthia Diawara

O livro de Manthia Diawara tece uma instigante investigação sobre algumas das tensões que explodem em países africanos após sua independência dos países europeus, remetendo-nos aos debates de ideias que motivavam, na segunda metade do século XX, algumas das principais querelas que então se produziam em torno do ideal de modernidade que ali se alçava, anelando a história pessoal do autor à do próprio continente: Leia Mais

Navigating Socialist Encounters: Moorings and (Dis)Entanglements between Africa and East Germany during the Cold War | Eric Burton, Anne Dietrich, Immanuel R. Harisch, Marcia C. Schenck

A consolidação da História Global como um campo historiográfico, que ganhou força a partir dos anos 2000, esteve relacionada a intensos debates sobre ausências e silêncios que o campo parecia perpetuar. Atualmente, é consensual nos estudos africanos que uma escrita da história tendo como base a perspectiva da “virada global” não deu a devida atenção para o lugar que a África ocupou – e ocupa – nas dinâmicas de interconexões e interrelações mundiais que buscavam ser evidenciadas. A esse propósito, como recorda o historiador Andreas Eckert, desde a década de 1950 o senegalês Cheikh Anta Diop, um dos intelectuais africanos mais conhecido e pioneiro na promoção de uma história da África fora de balizas europeias coloniais, tinha como uma de suas principais prerrogativas “reconfigurar o lugar da África no Mundo”.1 Leia Mais

Estudantes africanos e africanas no Brasil (Anos 1960) | Luiza Nascimento dos Reis

O lançamento do livro Estudantes africanos e africanas no Brasil (Anos 1960) provoca a necessidade de relembrar que, nos séculos XVII, XVIII e até meados do XIX, o Brasil mantinha relações estreitas com o continente africano. Nesse período, África e Brasil formavam um espaço relativamente interligado, em razão do tráfico negreiro, que produzia um volumoso comércio de mercadorias e de pessoas. O fim do tráfico, em 1850, silenciou essas relações e, por praticamente um século, o continente esteve ignorado nas relações internacionais do país. A África não constava nos discursos oficiais, tampouco nos conteúdos escolares, causando aos brasileiros o desconhecimento da realidade africana, e deixando marcas profundas na memória nacional. Leia Mais

África/margens e oceanos: perspectivas de história social | Lucilene Reginaldo, Roquinaldo Ferreira

Resenhar coletâneas é sempre uma tarefa difícil devido à multiplicidade de temáticas e argumentos, e ainda mais quando a obra em questão se insere em um campo fora da especialidade do resenhista. A importância do livro África, margens e oceanos me impôs, porém, o abandono da cautela, justificada pelo fato de que ele não interessa apenas aos africanistas. Publicada como parte da coleção Várias Histórias ― uma das mais tradicionais da historiografia brasileira ― e inserida na renomada tradição da história social da Unicamp, esta obra oferece ao leitor uma saborosa seleção da produção brasileira sobre a história da África entre os séculos XVI e XX, com participação ainda de estudiosos dos EUA e de Portugal. Leia Mais

Repensando o tráfico transatlântico de africanos escravizados na era da ilegalidade/Afro-Ásia/2022

Às vezes te sinto como avó,

outras vezes te sinto como mãe.

Quando te sinto como neto

me sinto como sou.

Quando te sinto como filho

não estou me sentindo bem eu,

estou me sentindo aquele

que arrancaram de dentro de ti.

À Africa – Oliveira Silveira Leia Mais

Historia de la Legión española. La infantería legendaria. De África a Afganistán | Luis Eugenio Togores

En ¡A mí la Legión!, película de 1942, lo primero que ve el espectador después de los créditos de producción es una placa que dice lo siguiente: “Sea esta película un homenaje a todos los que dieron su vida por la Patria al grito de ¡¡Viva la Legión!!”. 1 Este mismo espíritu parece adoptar Luis Eugenio Togores en su Historia de la Legión española. La infantería legendaria. De África a Afganistán, una auténtica apología sobre los hechos de armas, el carácter y las formas de vida de la Legión Española. Curiosamente, el libro no tiene introducción. En ningún momento el autor presenta sus objetivos, el estado de la cuestión o las preguntas que lo motivaron a escribir sobre el tema. Los giros literarios predominan en la profusión de anécdotas que introduce, relatando los hechos con la soltura del corresponsal de guerra, en lugar de intentar un enfoque más analítico. De hecho, el libro no presenta problemas a explicar, sino que parte de una serie de convicciones que quiere plasmar de manera rotunda. Su gran objetivo no declarado es convencer al lector que la Legión ha sido una de las mejores unidades militares de todos los tiempos. Las fuentes que expone son, casi enteramente, provenientes de la propia Legión: cartas de legionarios, documentos del Ejército y memorias de oficiales. Además, utiliza los lemas del Credo Revolucionario como si fuesen una representación pura de la realidad. Raramente cita libros o fuentes alternativas, y cuando lo hace, no es para hacer un contraste o generar preguntas, sino para confirmar sus conclusiones o destruir argumentos contrarios a ellas. El inconveniente que Togores parece no advertir es que su procedimiento perjudica su credibilidad. Ante el elogio constante de las virtudes legionarias, sin contraste o moderación algunos, el lector termina por perder la medida de lo verosímil y puede dudar de todas las afirmaciones del historiador. Leia Mais

Leituras de Áfricas: epistemologias, ancestralidades, corporiedades e processos educativos em tempos pandêmicos | Perspectivas e Diálogos: Revista de História Social e Práticas de Ensino | 2021

2021 foi um ano de muitos enfrentamentos. Até o momento, 619.065 mil pessoas morreram de COVID-19. Um número assustador e motivo de indignação em qualquer país. O Brasil, no entanto, não se configura como qualquer país. Todo e qualquer indicador social necessita ser atravessado pela questão étnica e de gênero para se atingir as camadas mais profundas da realidade e o problema ser desnudado.

Estudo realizado pela Rede de Pesquisa Solidária (Jornal da USP, 2021) apontou que as desigualdades raciais e de gênero aumentam a mortalidade da COVID-19 no mesmo grupo ocupacional, sendo que as mulheres negras morrem mais que homens negros, homens brancos e mulheres brancas na base do mercado de trabalho. Leia Mais

África: saberes, pesquisas e aprendizagens | Crítica Histórica | 2021

African roots. Dahomey amazonen
African roots. Dahomey amazonen | Imagem: DW

É com muita alegria que apresentamos aos leitores o presente Dossiê dedicado às Histórias das Áfricas, inspiradas na desconstrução de narrativas pautadas no que a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie definiu como o “perigo de uma história única”. As pesquisas históricas sobre o continente africano vêm crescendo de forma significativa nas últimas décadas. Muitas dessas novas abordagens derivam de novas propostas metodológicas, da formação de professores especialistas e da implementação da Lei 10.639/03, que tornou obrigatório o ensino das Histórias africanas. Acreditamos que compreender a pluralidade do continente africano e suas representações seja fundamental para entendermos os processos de formação de nossas identidades e que essas análises podem contribuir na construção de uma educação antirracista. Leia Mais

Produção da Licenciatura em Estudos Africanos e Afro-brasileiros | Kwanissa | 2021

Mocambicana
Moçambicana. País deve crescer quase tanto como a China | ImagemGetty/Getty/Exame, 2020

Há, constantemente, a necessidade de avaliação daquilo que nos foi contado como “História” e que preenche os currículos, livros e salas de aula, pois corre-se o risco de assumir uma única versão da mesma, limitando as possibilidades de compreensão das manifestações ao redor, inibindo vozes e projetando apenas as mesmas personagens, ideologias e visões de mundo. Foi com a proposta de revisitar, ampliar e problematizar a produção uma história, ciência e saber únicos que nasceu (por meio de processos intensos de luta e reafirmação política) o curso de Licenciatura Interdisciplinar em Estudos Africanos e Afro-brasileiros, vinculado à Universidade Federal do Maranhão (LIESAFRO/UFMA).

O curso se configura como interdisciplinar porque promove diálogo, pesquisa e estudos nas diversas áreas do saber como a Filosofia, Sociologia, Educação, História e Geografia, promovendo geração e divulgação de conhecimentos que revisitem os modos fixos de saber, que por tanto tempo foram consagrados na academia e nas escolas, e que também problematizem e apresentem olhares múltiplos sobre histórias e culturas que não são unas. Tais saberes evocam, principalmente, para a questão étnico-racial que por séculos foi politicamente negligenciada nas pesquisas acadêmicas, resultando em ensinos de história, geografia, filosofia e sociologia que desprivilegiassem vivências e historicidades gerados por populações do eixo sul, resultando em um epistemicídio historicamente reforçado. Leia Mais

Tecnologías Ancestrales: Arqueología de la Diáspora Africana en Sudamérica | Revista de Arqueología Histórica Argentina y Latinoamericana | 2021

Es por esto que, mientras han intentado quitarnos nuestra lengua, nuestras costumbres, no quitaron nuestra relación con el cosmos. No quitaron nuestra sabiduría (…). Mismo que nos quemen lo escrito, no queman la oralidad, mismo que quemen los símbolos, no queman los significados, mismo que quemen los cuerpos, no queman la ancestralidad. Pues nuestras imágenes son también ancestrales (Antônio Bispo dos Santos, 2018)

La idea de organizar un dossier con dos volúmenes sobre arqueología de la diáspora africana en Sudamérica surgió en 2017. No lo hicimos antes debido a los muchos compromisos de docencia e investigación que nos imponen el mundo burocrático y rutinario (desencantado, lo diría Weber) de las universidades. Lo que motivó a mí y a los editores de la RAHAYL fue la consciencia de que, no obstante el rol central que la diáspora africana ha tenido en la vida sudamericana, las investigaciones arqueológicas sobre el tema son todavía escasas. Brasil es hoy el país que más concentra investigaciones en el área. Esto se refleja en el primero volumen de nuestro dossier, compuesto por cuatro artículos de arqueólogos y arqueólogas de Brasil. El segundo volumen, con todo, traerá una mayor diversidad continental, contemplando investigaciones de otros países de Sudamérica. Leia Mais

Vozes, vivências e significados. Mulheres africanas e perspectivas de gênero | AbeÁfrica – Revista da Associação Brasileira de Estudos Africanos | 2021

A ideia que esteve na origem do dossiê que aqui apresentamos foi gestada a partir de uma mesa coordenada por uma das coorganizadoras deste volume, Andréa Lobo, do título “Mulheres africanas vistas por mulheres brasileiras”, tendo integrado algumas das contribuidoras4 . A proposta da mesa foi a de reunir e confrontar experiências empíricas de estudiosas brasileiras e africanas, no continente africano, tendo como foco principal destacar os processos de produção e reprodução social efetivado por mulheres no cotidiano de suas sociedades, bem como refletir sobre a produção de conhecimento de mulheres (e homens) africanos/as sobre suas próprias dinâmicas sociais. Nesse sentido, o nosso objetivo foi o de debater sobre o “feminino”5 a partir das perspectivas das mulheres, tanto no ambiente doméstico quanto no espaço público e comunitário. Foi possível vislumbrar, a partir das discussões, a forma como se configuram as relações sociais e de poder a partir de dinâmicas de gênero em contextos específicos africanos, ressaltando dimensões importantes como a da emancipação, a da autoconsciência e a da capacidade de agenciamento das mulheres africanas.

Cabe salientar que as percepções e abordagens trazidas por essa mesa permitiram aprofundar a compreensão não apenas da complexidade que caracteriza o campo dos estudos africanos e de gênero, que envolvem vidas, cotidianos e o imaginário de mulheres e homens africanas/os, pelo olhar delxs própri@s e/ou de outr@s. A partir de uma perspectiva comparada, foi-nos possível estabelecer algumas conexões interessantes bem como vislumbrar possibilidades de agendas comuns e experiências partilhadas: questões como a construção da autonomia no espaço público, a luta antirracista e a participação histórica das mulheres nas construções dos estados africanos independentes, tendo em conta as narrativas das mulheres e suas experiências e trajetórias, nos demonstraram que existem diálogos possíveis e utopias que poderão se transformar em realidades, ainda que precisemos aprofundar amplamente nossos conhecimentos sobre as tantas histórias das mulheres e suas vivências, a partir de suas próprias vozes. Leia Mais

Pensamentos Geográficos Africanos e Indígenas | Kwanissa | 2021

Quilombolas em Jacobina
Os municípios chapadeiros com maior número de comunidades quilombolas são Bonito, com 15, Mulungu do Morro, com 12, e Cafarnaum, com 10 | Foto: Reprodução/Aratu Online

Nomeamos este número especial como “Pensamentos Geográficos Africanos e Indígenas”. O título pode provocar diferentes deslocamentos. Afinal, para muitos, ele pode configurar uma combinação de palavras de sentido opostos que se anulam entre si. Isso porque, na tradição ocidental, “pensamento” está estritamente vinculado a uma dada forma específica de elaboração do conhecimento, que, por muito tempo fora atribuída como sendo uma invenção específica do Ocidente.

As linhas argumentativas pelas quais fazemos objeções a tal pressuposto estão sistematizadas nos artigos e no relato de experiência, presentes neste dossiê especial da Revista Kwanissa – Revista de Estudos Africanos e Afro-brasileiros. No título, qualificamos de forma distintas dois tipos de pensamentos: africanos e indígenas. Este seria um outro deslocamento: assumir sua pluralidade, desfocando-o do monismo que marcou um certo momento da elaboração moderna da Razão. No título, há também o qualificativo “Geográficos” para tais pensamentos, embora esta não seja uma revista especializada em Geografia. Afinal, por que propusemos este número especial para seus(as) editores(as) e, por que eles(as) o aceitaram com entusiasmo? Vamos oferecer, de forma breve, duas linhas complementares para responder. Uma que mostra como o geográfico está no fundo do temário da Kwanissa, e outra que expressa o temário da Kwanissa em nosso trabalho na Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e nas articulações que nos trouxeram aqui. Leia Mais

Leão, o Africano. A África e o Renascimento vistos por um árabe | Murilo Sebe Bom Meihy

Com um título que nos remete ao celebrado trabalho do escritor Amin Maalouf (As cruzadas vistas pelos árabes, 1988, ed. Brasiliense), segundo o autor, esta obra traz como uma das propostas analisar o ambiente cultural do Mediterrâneo do princípio da era moderna, ainda que aborde situações aproximadas em períodos anteriores. Neste cenário Meihy se debruça na surpreendente jornada de uma figura singular em suas diversas vidas que incluem eventos comuns às populações do entorno: o exílio, a experiência de viagens como modo de vida, a privação de liberdade, a escravização, a conversão forçada ao cristianismo, a trajetória de erudito, professor de árabe, tradutor, e, sobretudo, a atividade de escrita em meio a uma incessante circulação cultural, acompanhada inevitavelmente pelo protagonista e documentada em seu escrito Della descrittione dell’Africa e dele cose notabli che ivi sono. Leia Mais

Afro-Clio: direitos humanos, história da África e outras artesanias | Elio Chaves Flores

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Lélia Gonzalez (acima) e Elio Flores (abaixo) | Fotos: Divulgação / Brasil de Fato

Afro ClioO livro Afro-Clio: direitos humanos, história da África e outras artesanias, de Elio Chaves Flores (2019), que ora se resenha é resultado do texto apresentado em formato de Memorial para requisito de aprovação no concurso público para a função de professor Titular na Universidade Federal da Paraíba, campus de João Pessoa, no ano de 2018.

Flores é professor Titular do Departamento de História da UFPB, pesquisador na área de História Moderna e Contemporânea e atua nas áreas de Cultura Histórica, Ensino de História, História da África, Educação das Relações Étnico-raciais, Direitos Humanos e Saberes Históricos.

O livro está organizado em quatro capítulos: o primeiro deles intitula-se “Sair da história: direitos humanos, tempo presente”; o capítulo 2, “Mergulhar na história: viradas, ventanias”. No capítulo 3 o autor reflete sobre o “Fazer-se professor (e historiador) de História da África – Licenciaturas”; e no quarto capítulo apresenta a “A tal tese e outras tensões (ou doutoristicamente falando?)”. Aos capítulos apresentados seguem-se as “Considerações Finais: à guisa do Posfácio” e a sua produção intelectual bibliográfica. Leia Mais

Doenças e cativeiro: um estudo sobre mortalidade e sociabilidades escravas no Rio de Janeiro, 1809-1831 | Keith Valéria de Oliveira Barbosa

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Keith Barbosa | Foto: ufam.edu.br/notícias

BARBOSA K Doenca e catieiroO livro de Keith Valéria de Oliveira Barbosa, pesquisadora e professora da Universidade Federal do Amazonas, é fruto de sua pesquisa desenvolvida no seu mestrado na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

A obra é dividia em quatro capítulos, no primeiro, “Escravidão e doenças: historiografia, fontes e métodos”, a autora buscou analisar como a mortalidade escrava não estava ligada apenas ao contato entre pessoas de diferentes continentes e, portanto, que o tráfico atlântico em si não dá conta de explicar a mortalidade escrava. Em outras palavras, embora o contato entre indivíduos de espaços geográficos distantes inevitavelmente tenha colocado patógenos em condições de causar doenças que eram desconhecidas para os africanos, a questão não pode ser analisada apenas por esse prisma.

As condições de vida da população cativa propiciavam “ambientes” para que enfermidades matassem muito. A falta de alimentos, os maus tratos, a insalubridade do trabalho, as condições higiênicas inadequadas das senzalas, entre outros aspectos, faziam com que a vida de escravo fosse abreviada muitas vezes pela morte. Leia Mais

Leituras de Áfricas: epistemologias, ancestralidades, corporiedades e processos educativos em tempos pandêmicos | Perspectivas e Diálogos – Revista de História Social e Práticas de Ensino | 2021

2021 foi um ano de muitos enfrentamentos. Até o momento, 619.065 mil pessoas morreram de COVID-19. Um número assustador e motivo de indignação em qualquer país. O Brasil, no entanto, não se configura como qualquer país. Todo e qualquer indicador social necessita ser atravessado pela questão étnica e de gênero para se atingir as camadas mais profundas da realidade e o problema ser desnudado.

Estudo realizado pela Rede de Pesquisa Solidária (Jornal da USP, 2021) apontou que as desigualdades raciais e de gênero aumentam a mortalidade da COVID-19 no mesmo grupo ocupacional, sendo que as mulheres negras morrem mais que homens negros, homens brancos e mulheres brancas na base do mercado de trabalho. Leia Mais

Mobilidade e desenraizamento no Mediterrâneo: introdução | Ler História | 2021

Mapa do Mar Mediterraneo

This paper was financially supported by the COST ACTION project People in Motion: Entangled Histories of Displacement Across the Mediterranean (1492-1923) (PIMo) as a result of the PIMo workshop “Movement and Displacement”, Centro de História, University of Lisbon, 9-10 March 2020.

1 Mobility, immobility and displacement appear as frequent phenomena in the history of the Mediterranean. The twenty-first century has witnessed an increase in public interest in these themes, with the Mediterranean continuing to be a vehicle of mobility for peoples from around the world, in what the scholarly debate and public discourse have often labelled as a “refugee crisis” or “migratory flood”. Growing societal apprehension about mobility in and around the Mediterranean has been at the very core of the Cost Action project People in Motion: Entangled Histories of Displacement across the Mediterranean (1492-1923) (PIMo).[1] This interdisciplinary historical project aims to problematise current views of mobility around the Mediterranean by regarding mobility, immobility and displacement as part of the Braudelian structures of the Mediterranean (Braudel 1949). As a structure, people in motion across the Mediterranean’s liquid space and its extended hinterlands should not be perceived as problematic, but rather as a historical phenomenon substantially impacting on the personal and communal lives of those located in the orbit of this “great sea” (Abulafia 2011).

2 The “refugee crisis” in 2015 has expanded the boundaries of Mediterranean mobility and has affected even countries not traditionally considered to be part of it or in its orbit. Under the emergency relocation scheme initiated by the European Commission, the EU Member States have committed to expressing their solidarity with the frontline Member States (Italy, Greece, Spain and Malta) by agreeing to accommodate asylum seekers whose first step on European soil was in these countries.[2] While the initial plan was for a two-year commitment, this has since been extended multiple times. But as these extensions have, in practice, failed to increase, increment or intensify intra-European solidarity, new policy instruments have been created to further this cause. The “Pact on Migration and Asylum” has been particularly insistent in establishing mechanisms aimed at promoting continuing solidarity among EU Member States on matters of relocation.[3] The changing patterns of mobility in many EU Member States, particularly those further removed from the Mediterranean’s historical paths, have mostly been “welcomed” with ignorance and resistance. Acceptance has been particularly challenging in those states without a long tradition and experience of mobile resettlement and hosting of international migrants. Indeed, recent studies in some of these states suggest an essential need to raise awareness and inform local communities of the “facts about migrants and refugees in order to be persuaded away from anti-immigrants’ attitudes, prejudices, and stereotypes” (Blažytė, Frėjutė-Rakauskienė and Pilinkaitė-Sotirovič 2020, 15).

3 PIMo connects the past and the present, and individual and community experiences, in seeking to understand which factors have contributed to shaping contemporary representation of migration in the Mediterranean region and beyond, as well as explaining similarities and differences in the experiences and emotional expressions of human movement between the fifteenth century and today. In this way, PIMo has been designed to follow the historiographical premises first proposed by Fernand Braudel (1949) and later amplified and diversified by David Abulafia (2011). However, it also innovates through its perspective and framing. The starting point of the project is that individuals departing from their places of origin become uprooted after a specific window of absence. During their journey, they engage in mobility and, as such, contribute to defining their communities of origin as immobile. In this context, reconstructing the departure of one individual or one community translates into three research axes: mobility (of the individual or community moving), immobility (of the community of origin) and displacement (integration of the individual into the host society). This three-dimensional approach thus introduces an individual and communal-centred focus to a theme often portrayed as a collective abstraction.

4 Individual and communal mobilities have an equally transformative effect on their societies of origin as on their host societies. Upon arrival, individuals, even when transient, fit in and integrate through complex processes of adaptation, inclusion and exclusion. In these processes, three elements are crucial for framing the place that individuals assume in the new society. The first of these is the personal experience of mobility as voluntary, forced or traumatic, with this experience formatting the way individuals perceive their own existence. The second reflects the emotions surrounding the experience of mobility (of the self) and immobility (of the group of origin), given that emotions define the extent of tolerance and acceptance of and in the new society (O’Loughlin 2017). The third and final element entails reconstructing a memory of displacement, whereby new identities are forged and belonging is redefined. The ultimate result of this process is the development of construed ergo- and exo-identities, the former referring to the identity conceived of by the “self”, and the latter to the identity assigned by host societies to the individuals or groups (Hoppenbrouwers 2010).

5 For historians, exo-identities can be found in institutional archives (of states, towns, religious institutions and so on). Ergo-identities, by contrast, are more difficult to pinpoint, given that ergo-documents (such as diaries, personal descriptions, personal correspondence and novels) for the period before the eighteenth century do not abound (Antunes 2014). However, the combination of institutional archives and ergo-documents offers a unique window for understanding the emotions individuals experienced while moving, while their feelings of displacement, integration and mobility shed unique light on the human experience of the multiple Mediterranean crossings (Tarantino 2020). In the case of this special issue, religious minorities, maritime groups, diplomats, merchants and writers take centre stage. Even though other groups deserve particular attention, as is the case of armies, captives, refugees or intellectuals, the allotted space of reflection (a total of four articles) imposes some unavoidable analytical constraints.

6 This special issue provides insight into the way different individuals and communities moved and circulated in and around the Mediterranean from the Middle Ages up until the early nineteenth century. It unites four complementary and innovative ways of looking at Mediterranean mobility, immobility and displacement. In the first place, it covers a geographical space that includes the Eastern, Central and Western Mediterranean in its internal dynamics and connections to worlds beyond the “great sea”. This approach highlights the importance of not limiting studies of the Mediterranean to its geographical constraints. The work by Barros and Tavim privileges the circulations between Morocco, Portugal and, to a lesser extent, Spain, with a particular focus on the Moorish and Jewish communities on both sides of the Mediterranean and the way these communities reacted, dealt with and responded to the mobility of specific individuals. Hugo Martins, on the other hand, looks at Mediterranean mobility as a consequence of communal customs and needs of Jewish groups located primarily outside the direct scope of the Mediterranean and, as such, redefines a geographical conceptualisation of the “great sea” well beyond the boundaries imposed by its shores. David do Paço, meanwhile, combines the centrality of the Mediterranean as a space of circulation and connection between empires (Ottoman and Habsburg) in seeking to conceptualise the importance of the sea as a means of imperial integration of political entities perceived as socially and geographically distant. Lastly, Katrina O’Loughlin analyses how the Mediterranean geography was paramount in defining an abstract space for incorporating displacement and establishing who may be perceived as “the other”.

7 Secondly, the authors rethink the Mediterranean geography through the lens of mobility and as a result these articles provide innovative insights into the human experience of motion. All the authors reflect on how historical actors’ mobility determined their fate (historically or fictionally), but also on how the same mobility condemned communities and families left in places of origin to immobility. The articles reflect the many ways in which this dichotomy seems to have weighed heavy in how people perceived, felt and communicated their sense of displacement and, in so doing, greatly influenced the forming of individual and communal identities in the host society. It was this latter process that ultimately determined the levels of integration into, adaptation to or rejection of people’s new social context, thus influencing the core of their identity transformation and reshaping of belonging (Antunes 2014).

8 The third way in which these articles advance scholarly understanding of human motion in and around the greater Mediterranean is by examining how specific individuals framed their mobility as a life experience and, as such, re-created, construed and shaped what Pierre Nora (1984-1992) has long associated with the lieux de mémoire. The articles demonstrate how spaces that Nora would readily associate with a lieu de mémoire were shaped and imagined by the individual and communal experiences of the few and entered the collective memory of the many as truisms. This insight is particularly helpful for historians as the often almost emotional relationship that scholars develop with their historical actors can endanger the neutrality that historians have been required to contemplate ever since Marc Bloch (1949) defined the major principles of the profession.

9 The fourth and final way in which these articles contribute to a new understanding represents a direct response to three historiographical challenges posed by Maria Fusaro, Rogers Brubaker and Joep Leerssen. In revising Braudel’s oeuvre, Fusaro (2010) calls on historians to view the mobility of goods (trade) as being inherent and concomitant to human mobility. This revisionist approach thus envisages a Mediterranean playing its part in a global world of human and material exchanges extending from China to Scandinavia. Although less geographically extensive, the articles in this issue translate the human geography of Mediterranean mobility well beyond the constraints of its shores and, as such, highlight the need to include the Mediterranean in the current historiographical turn towards global history. In adopting this global approach to Mediterranean mobility (here understood as motion, displacement and immobility), the authors reflect on the crucial problem of identity formation and identification. In doing so, they replicate the call by Rogers Brubaker (2004) to rethink and reconceptualise ethnicity as a social phenomenon outside the group and not necessarily aligned with it. The consequence of such realisation is that labelling human mobility as diasporic or communally based falls short when seeking to explain the development of construed identities, identity hybridity and, ultimately, alterity as postulated by Joep Leerssen (2007).

10 The solution that this special issue found for resolving the apparent paradox between answering Brubaker’s call and responding to Leerssen’s premises is to offer a multidisciplinary approach to the identity/hybridity/alterity problem by combining methodologies and scientific queries well known to historians and complementing them with the enriching analytical views of anthropologists and creative writers. This collaboration represents a first step towards rethinking the meaning and impact of mobility in the Mediterranean in both the past and the present. One final note is in order. While preparing this special issue, we learned, discussed and reconceptualised our approaches and the interpretation of the respective primary sources. This was an enjoyable and fruitful exchange that we will cherish moving forward. However, we faced a great loss during the last phase of this project. The sudden passing of Filomena Barros, co-author of one of the articles, left us shocked and stunned, leaving Medieval and Early Modern historiography on mourisco communities in Portugal and elsewhere poorer. This special issue stands partially as a celebration of her work on mobility, displacement and identification of religious minorities.

Notas

1. See www.peopleinmotion-costaction.org.

2. The Council of the European Union. Council Decision (EU) 2015/1523, dated 14 September 2015 (https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/?uri=CELEX:32015D1523).

3. The European Commission. Migration and Asylum Package: New Pact on Migration and Asylum, dated 23 September 2020 (https://ec.europa.eu/info/publications/migration-and-asylum-package-new-pact-migration-and-asylum-documents-adopted-23-september-2020_en).

Cátia AntunesLeiden University, The Netherlands. E-mail: [email protected]

Giedrė Blažytė – Diversity Development Group, Lithuanian Centre for Social Sciences, Lithuania. E-mail: [email protected]


ANTUNES, Cátia e BLAZYTÊ, Giedré. Mobilidade e desenraizamento no Mediterrâneo: Introdução. Mobility and Displacement in and around the Mediterranean: An Introduction. Ler História, Lisboa, n.78, p.9-15, 2021. Acessar publicação original [IF]

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Mulheres por dentro e por fora de África: caminhos e possibilidades no debate de gênero | AbeÁfrica | 2021

A ideia que esteve na origem do dossiê que aqui apresentamos foi gestada a partir de uma mesa coordenada por uma das coorganizadoras deste volume, Andréa Lobo, do título “Mulheres africanas vistas por mulheres brasileiras”, tendo integrado algumas das contribuidoras4. A proposta da mesa foi a de reunir e confrontar experiências empíricas de estudiosas brasileiras e africanas, no continente africano, tendo como foco principal destacar os processos de produção e reprodução social efetivado por mulheres no cotidiano de suas sociedades, bem como refletir sobre a produção de conhecimento de mulheres (e homens) africanos/as sobre suas próprias dinâmicas sociais. Nesse sentido, o nosso objetivo foi o de debater sobre o “feminino”5 a partir das perspectivas das mulheres, tanto no ambiente doméstico quanto no espaço público e comunitário. Foi possível vislumbrar, a partir das discussões, a forma como se configuram as relações sociais e de poder a partir de dinâmicas de gênero em contextos específicos africanos, ressaltando dimensões importantes como a da emancipação, a da autoconsciência e a da capacidade de agenciamento das mulheres africanas.

Cabe salientar que as percepções e abordagens trazidas por essa mesa permitiram aprofundar a compreensão não apenas da complexidade que caracteriza o campo dos estudos africanos e de gênero, que envolvem vidas, cotidianos e o imaginário de mulheres e homens africanas/os, pelo olhar delxs própri@s e/ou de outr@s. A partir de uma perspectiva comparada, foi-nos possível estabelecer algumas conexões interessantes bem como vislumbrar possibilidades de agendas comuns e experiências partilhadas: questões como a construção da autonomia no espaço público, a luta antirracista e a participação histórica das mulheres nas construções dos estados africanos independentes, tendo em conta as narrativas das mulheres e suas experiências e trajetórias, nos demonstraram que existem diálogos possíveis e utopias que poderão se transformar em realidades, ainda que precisemos aprofundar amplamente nossos conhecimentos sobre as tantas histórias das mulheres e suas vivências, a partir de suas próprias vozes. Leia Mais

Um oceano, dois mares, três continentes | Wilfried N’Sondé

Sem fôlego! É assim que ficamos quando lemos, analisamos e refletimos sobre uma obra tão intensa e cativante como Um oceano, dois mares, três continentes, um romance histórico que nos transporta numa viagem ao século XVII, para o epicentro da maior catástrofe da humanidade: o comércio transatlântico. Ao narrar, embora de forma romanceada, a viagem do primeiro “embaixador do Reino do Kongo no vaticano” (p. 44), Wilfried Nsondé mostra, uma vez mais, que muito ainda está por descortinar não só em relação a essa figura emblemática da história do Kongo, mas sobretudo, em relação ao tráfico de escravos. A obra resulta da imaginação do autor para tecer as malhas do romance (histórico, porém romance), bem como do seu domínio histórico-científico na contextualização dos diferentes acontecimentos que, acreditamos, está assente num extenso e profundo trabalho de pesquisa em arquivos e literatura especializada.

Numa análise sócio-histórica completa, Nsondé apresenta o padre Nsaku ne Vunda, bacongo2,  nascido na aldeia de Boko, batizado António Manuel que, seduzido pelo catolicismo alimentado pelos missionários, envereda pela vida religiosa. É nessa condição, e enquanto pároco na sua aldeia natal, que é mandado chamar por sua majestade “Manzou a Nimi, rei dos Bakongo de ontem, hoje e amanhã, chamado também Álvaro II3 pelos seus irmãos cristãos desde o batismo” (p. 39), dando assim início à ação que se desenrola ao longo de toda a obra, numa concatenação perfeita de acontecimentos históricos devidamente referenciados e explorados. É esse descortinar de acontecimentos que nos permite dividir a obra em duas partes: a primeira, corresponde ao início da viagem de Nsaku ne Vunda do Kongo para o Novo Mundo (continente americano) e, a segunda, do Novo Mundo para o continente europeu. Leia Mais

África, Literatura e Cinema em Língua Portuguesa: Direito a um Olhar Descolonizado | AbeÁfrica – Revista da Associação Brasileira de Estudos Africanos | 2021

É com satisfação que apresentamos o quinto número da revista da Associação Brasileira de Estudos Africanos, no qual se insere um dossiê sobre o cinema em países africanos de língua oficial portuguesa. Intitulado “África, Literatura e Cinema em Língua Portuguesa: Direito a um Olhar Descolonizado”, o dossiê teve como ponto de partida o simpósio “Literatura e Cinema”, realizado por via remota, nos dias 16, 17 e 18 de novembro de 2020, no âmbito do I Congresso Internacional do Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ: Vozes e Escritas nos Diferentes Espaços da Língua Portuguesa.

Concebendo literatura e cinema como artes críticas e transformadoras, nosso simpósio pretendeu efetuar discussões a partir de comunicações que tecessem diálogos com a história, de modo a investigar como a literatura e o cinema de países africanos de língua oficial portuguesa pensavam a nação, após suas respectivas independências. Leia Mais

Diásporas imaginadas: Atlântico Negro e histórias afro-brasileiras | Kim D. Butler e Petrônio Domingues

Os temas relacionados ao período pós-abolição abarcam um campo de pesquisa que tem se consolidado vigorosamente na historiografia brasileira nas últimas décadas. Em trabalho publicado recentemente, o historiador Petrônio Domingues – um dos principais especialistas – apresentou um importante balanço acerca das novas abordagens, problemas, perspectivas teóricas e metodológicas abrangendo esse ascendente ramo da historiografia. Domingues evidenciou que – nesse amplo e diversificado campo temático – uma das principais tendências é composta pelos estudos das experiências da comunidade negra dentro de uma configuração transnacional. (DOMINGUES, 2019, p.119).

Desse modo, na esteira dessas pesquisas em desenvolvimento, a obra Diásporas imaginadas: Atlântico Negro e histórias afro-brasileiras oferece um valioso panorama das novas perspectivas analíticas. Petrônio Domingues e Kim D. Butler começaram a idealizar essa obra em conjunto, por volta de 2012, quando o historiador brasileiro realizou estágios de pós-doutoramento na Universidade de Rutgers, em Nova Jersey (Estados Unidos). A partir dos contatos no Departamento de Estudos Africanos, Domingues e a prestigiada historiadora estadunidense iniciaram uma fecunda interlocução intelectual, ensejando uma colaboração acadêmica que resultaria nessa obra recentemente publicada. Leia Mais

A adivinhação na antiga Costa dos Escravos | Bernard Maupoil

A tradução de uma obra pioneira de etno-história africana implica também em fazer um trabalho de confronto com a versão original. No presente caso, a segunda edição em português do livro, originalmente publicado em francês, é uma tradução da obra La Géomancie à l´ancienne Côte des Esclaves, do etnólogo francês Bernard Maupoil. A primeira edição foi publicada pelo Instituto de Etnologia de Paris, em 1943. A segunda, muito provavelmente, em 1961. A terceira, segundo informa o tradutor Carlos Eugênio Marcondes de Moura (p. 12), é de 1981, com um posfácio de Claude Rivière. Algumas fontes falam de um total de 24 edições entre 1943 e 1988. O cotejo entre a obra original e sua tradução é uma das metas desta resenha. Cabe destacar o trabalho sério e paciente de tradução feito por Carlos Eugênio Marcondes de Moura, uma das autoridades mais dedicadas ao legado multifacetado da África no Brasil. Leia Mais

Razão Africana: Breve História do Pensamento Africano Contemporâneo | Muryatan Barbosa

No ano de 2021 saudamos a maioridade da Lei 10.639/03 (seus dezoito anos), conquistada através de uma luta histórica do Movimento Negro Brasileiro, pela inclusão dos conteúdos das histórias e culturas das/os afrobrasileiras/os, das/os africanas/os e de África. O livro “Razão Africana: Breve História do Pensamento Africano Contemporâneo” de Muryatan Barbosa, sem dúvida faz parte deste legado. Publicado em 2020 pela Editora Todavia em São Paulo, teve o lançamento feito online por conta do atual momento de orientação para o isolamento social, devido à pandemia da Covid-19. Foram feitas três lives com o autor para o seu lançamento no Youtube nos canais do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP, da Todavia e no Programa de Pós-Graduação em Economia Política Mundial da UFABC; juntas contabilizam até a escrita desta resenha mais de 1400 visualizações. Leia Mais

Lutas pela memória em África | Cláudio Alves Furtado, Lívio Sansone

Durante o ano de 2015, eclodiu na Cidade do Cabo, na África do Sul, uma onda de protestos estudantis que procurou denunciar os resquícios de colonialismo que percorriam o currículo da Universidade da Cidade do Cabo e, o que ganhou mais visibilidade, atacou diretamente a estátua de Cecil Rhodes situada nas dependências da instituição.1 O personagem, que esteve inegavelmente envolvido na colonização de diversas regiões da África e foi autor de várias declarações acerca do direito inglês ao governo e exploração de povos e territórios africanos, era representado nesse monumento de maneira imponente. A estátua lá estava porque Rhodes fora um dos financiadores da universidade, em tempos outros, com uma fortuna, muitos disseram, obtida graças à espoliação colonial. Leia Mais

Crítica da Razão Negra | Achille Mbembe (R)

O camaronês Achille Mbembe obteve seu doutorado na Universidade de Sorbonne em 1989 e posteriormente obteve o DEA em Ciência Política no Instituto de Estudos Políticos de Paris. Atua como professor e pesquisador de História e Política no Instituto Wits para Pesquisa Social e Econômica em Joanesburgo, África do Sul, e no Departamento de Estudos Românticos do Instituto de Humanidades Franklin, Duke University. Ele também ocupou cargos na Columbia University, Berkeley, Yale University, na University of California e Harvard.

As obras de Mbembe publicadas no Brasil são: Sair da grande noite: Ensaio sobre a África descolonizada (2019); Necropolítica (2018); Crítica da Razão Negra (2018) e Políticas da Inimizade (2017). A sua produção acadêmica ganhou destaque no campo de estudos pós-coloniais e contribuiu para a abertura de uma nova discussão epistemológica sobre a categoria negro.

Para além de sistematizar conceitos e categorias interpretativas, os estudos pós-coloniais, mas recentemente a decolonialidade, consiste também numa prática de oposição e intervenção contra os desígnios imperialistas. Esse projeto é aquele que, ao identificar a relação antagônica entre colonizador e colonizado, busca denunciar as diferentes formas de dominação e opressão dos povos.

De acordo com o antropólogo venezuelano Fernando Coronil1, é possível afirmar que o pós-colonialismo como termo apareceu nas discussões sobre a decolonização2 de colônias africanas e asiáticas depois da Segunda Guerra Mundial, tendo sido produzido, principalmente, por intelectuais do Terceiro Mundo que estavam radicados nos departamentos de estudos culturais, de língua inglesa, antropologia das universidades inglesas e posteriormente das universidades norte-americanas.

A professora Larissa Rosevics explica que a maior parte das pesquisas pós-coloniais seguiu a trajetória dos estudos literários e culturais, através da crítica a modernidade eurocentrada, da análise da construção discursiva e representacional do ocidente e do oriente, e das suas consequências para a construção das identidades pós-independência.

A preocupação dos estudos pós-coloniais esteve centrada nas décadas de 1970 e 1980 em entender como o mundo colonizado é construído discursivamente a partir do olhar do colonizador, e como o colonizado se constrói tendo por base o discurso do colonizador.3

Achille Mbembe considera urgente debater a razão negra e retomar o diálogo sobre o conjunto de disputas acerca das regras de definição do negro e da problemática da raça. Para o autor, não há colonialismo que não esteja vinculado a uma forte dose de racismo estrutural. Nesse sentido, interessa compreender que, como consequência direta desta lógica dominante, o negro e a raça viraram sinônimos no imaginário das sociedades europeias.

Seguindo o pensamento do psiquiatra martiniquense Frantz Fanon, Mbembe declara que a ideia de raça começa a ser construída a partir da modernidade burguesa com processos de colonização da América e o tráfico de pessoas escravizadas e arrancadas do continente africano. Essa construção da raça se consolida no século XIX, com a hegemonia do capitalismo, e está vigente com algumas transformações na contemporaneidade.

Fanon compreende que a ideia de raça esteve como uma das formas de legitimação das relações de poder e o racismo como um elemento que tem consequência direta na destruição dos valores culturais do grupo colonizado. O autor acredita na necessidade de destruir o signo do negro e do branco para construir uma sociedade onde a cor da pele, o fenótipo, não constituí marcador social estruturante das relações sociais.4

Entretanto, Mbembe tenta renovar e reinterpretar nossa compreensão de poder e subjetividade na África contemporânea e subverter alguns pressupostos dos estudos pós-coloniais. Ele afirma que a África não é mais a colônia que Frantz Fanon descreveu em sua obra Os condenados da Terra. O objetivo do seu trabalho é construir uma forma mais dinâmica de pensar que leve em consideração as complexidades dos povos africanos que emergiram recentemente da experiência da colonização e da violência.

Seguindo a linha de outros pensadores pós-coloniais, Mbembe dialoga com a o conceito de Négritude, de Aimé Césaire5 e de Movimento Pan-Africano de Marcus Garvey. Contudo, o autor acredita que, assim como Frantz Fanon, esses intelectuais resgatam o negro da subalternidade dando-lhe uma identidade própria, mas continuam a manter a raça enquanto conceito diferenciador.

Debater a razão negra é, portanto, retomar o conjunto de disputas acerca das regras de definição do negro na contemporaneidade. Para o historiador indiano Sanjay Seth, a própria ideia de razão se constituiu, em parte, por meio de uma série de exclusões. Assim como a modernidade europeia se consagrou como o futuro de todos, também as tradições intelectuais não-europeias se tornaram antecipações inferiores da Razão universal. O autor argumenta que:

Pluralizar a razão não significa abandonar o raciocínio; negar que existe um ponto arquimédico, a partir do qual é possível exercer a crítica, não é defender o fim da crítica. Mas é, sim, defender uma reconsideração daquilo que pensamos estar fazendo quando redescrevemos o(s) passado(s) dos povos em termos que lhes são alheios. Se o que existe é não a Razão, e sim tradições de raciocínio; não a História e suas representações na escrita da história, e sim muitos passados re-presentados de muitas formas, então não podemos escrever com qualquer presunção de privilégio epistêmico.6

Em defesa à razão negra, Mbembe demonstra a ligação que existe entre a razão kantiana e os conceitos de modernidade e de colonialidade. O autor declara que a razão universal supõe a existência de um sujeito igual, cuja universalidade é incorporada pela sua humanidade. Encontramos o mesmo projeto de universalização na colonização. Esta apresenta-se, pelo menos no plano retórico, como resultado do Iluminismo. Assim, segundo Mbembe, os negros tinham desenvolvido concepções da sociedade que não contribuíam para o poder dessa invenção da razão universal.

É também a razão que faz com que, desde o início, o discurso sobre a identidade negra esteja cativo de uma tensão, da qual tem ainda dificuldade de libertar-se. Daí o autor questionar se o negro faria parte da identidade humana em geral ou deveria antes, em nome da diferença e da singularidade, insistir na possibilidade de figuras culturais diversas de uma mesma humanidade, figuras culturais de vocação não autossuficiente, e cujo destino final é universal.

A formação das identidades africanas contemporâneas não se faz de todo em referência a um passado vivido como um destino lançado, mas a partir da capacidade de colocar o passado entre parênteses, condição de abertura ao presente e à vida em curso. Ao levar em consideração esse conceito, Mbembe menciona a identidade em devir, que se alimenta simultaneamente de diferenças entre os Negros, tanto do ponto de vista étnico, geográfico, como linguístico, e de tradições herdeiras do encontro com Todo o Mundo.

Dessa maneira, a identidade em devir é um processo dinâmico, contínuo e inacabado. Achille Mbembe refere-se a um “devir-negro do mundo”, em que toda a Humanidade subalterna corre o risco de se tornar negra, e em que as desigualdades em que todo o processo assenta correm o risco de se disseminarem rapidamente. O autor amplia a categoria de negro a uma condição universal a que todos estarão sujeitos pelo fato do neoliberalismo,7 na sequência dos novos modelos de exploração que o caracterizam, olhar para todos enquanto negros, com a consequente ideia de submissão associada.

Essa identidade não é fruto da consciência individual. Ela é uma relação social estruturante que transcende o nível do indivíduo. É construída historicamente e concretamente. A identidade parece construir-se no cruzamento entre este ritual de enraizamento e o ritmo de afastamento, na constante passagem do espacial ao temporal e do imaginário ao órfico. O segundo revela uma prática de fronteira determinante entre as identidades itinerantes, de circulação.

Historicamente, Mbembe menciona que a ligação ao território e ao solo em África sempre dependeu do contexto. Em alguns casos, as entidades políticas tinham como delimitação não as fronteiras, no sentido clássico do termo, mas uma imbricação de espaços múltiplos, constantemente feitos, desfeitos e refeitos tanto pelas guerras e conquistas como devido à mobilidade de bens e pessoas.

Escalas muito complexas permitem estabelecer correspondências produtivas entre as pessoas e as coisas, podendo ser convertidas umas nas outras, como aconteceu durante o tráfico de escravos. Poderíamos dizer que, operando por empurrões, destacamentos e cisões, a territorialidade pré-colonial é uma territorialidade itinerante. Da mesma maneira, esta era uma das modalidades de constituição de identidades.

Tudo começa, para Mbembe, por um ato de identificação: «Eu sou um negro». O ato de identificação constitui a resposta a uma pergunta que se faz: «Quem sou eu, portanto?»; ou que nos é feita: «Quem são vocês?». No segundo caso, trata-se de uma resposta a uma intimidação. Trata-se, em ambos os casos, de revelar a sua identidade, de a tornar pública. Mas revelar a sua identidade é também reconhecer- se, é saber quem se é e dizê-lo ou, melhor, proclamá-lo, ou também dizê-lo a si mesmo. O ato de identificação é igualmente uma afirmação de existência. «Eu sou» significa, desde logo, eu existo.

A própria raça é entendida como um conjunto de propriedades fisiológicas visíveis e de características morais discerníveis em Crítica da Razão Negra. São estas propriedades e características que, pensa-se, distinguem as espécies humanas entre si. As propriedades fisiológicas e as características morais permitem, por outro lado, classificar as espécies dentro de uma hierarquia na qual os efeitos da violência são ao mesmo tempo políticos e culturais. É esta negação de humanidade (ou este estatuto de inferioridade) que obriga o discurso dos Negros a inscrever-se, desde as suas origens, numa tautologia: também somos seres humanos.

Notas

1 CORONIL, Fernando. Elephants in the Americas? Latin American pós-colonial studies and global decolinization. In: MORAÑA, Mabel; DUSSEL, Enrique; JÁUREGUI, Carlos (Eds.). Coloniality at large: latin american and poscolonial debate, p. 396-416. Durhan; London: Duke University Press, 2008.

2 O uso do termo “decolonial” ao invés de “descolonial” é uma indicação de Walter Mignolo para diferenciar os propósitos do Grupo Modernidade/Colonialidade e da luta por descolonização do pós-Guerra Fria, bem como dos estudos pós-coloniais asiáticos. Cf.: MIGNOLO, Walter. Cambiando las éticas y las políticas del conocimiento: lógicas de la colonialidad y poscolonialidad imperial. Tabula Rasa, n.3, 2005, pp.47-72.

3 ROSEVICS, Larissa. Do pós-colonial à decolonialidade. In: CARVALHO, Glauber. ROSEVICS, Larissa (Orgs.). Diálogos internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Perse, 2017.

4 FANON, Frantz. Os condenados da terra. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2005.

5 CÉSAIRE, Aimé. Discurso sobre o colonialismo. Lisboa: Sá da Costa, 1978.

6 SETH, Sanjay. Razão ou Raciocínio? Clio ou Shiva? História da Historiografia, Ouro Preto, no. 11, abril 2013, p. 173-189.

7 Por neoliberalismo o autor entende como uma fase da história da Humanidade dominada pelas indústrias do silício e pelas tecnologias digitais. O neoliberalismo é a época ao longo da qual o tempo (curto) se presta a ser convertido em força reprodutiva da forma-dinheiro. Tendo o capital atingido o seu ponto de fuga máximo, desencadeou-se um movimento de escalada. O neoliberalismo baseia-se na visão segundo a qual «todos os acontecimentos e todas as situações do mundo vivo (podem) deter um valor no mercado.

Ana Luiza Rios Martins – Doutora em História pela Universidade Federal de Pernambuco. Atualmente é professora do curso de Licenciatura em História da Universidade Aberta do Brasil/ Universidade Estadual do Ceará. E-mail: [email protected]  ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2627-5144


MBEMBE, Achille. Crítica da Razão Negra. Tradução de Sebastião Nascimento. São Paulo: n-1 edições, 2018. Resenha de: MARTINS, Ana Luiza Rios. Crítica da razão negra e a introdução ao pensamento decolonial. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.39, n.1, p.514-518, jan./jun. 2021. Acessar publicação original [DR]

Mulheres e caça às bruxas: da Idade Média aos dias atuais | Silvia Federici

Silvia Federici nasceu em Parma, Itália, em 1942 e vem ganhando cada vez mais leitores e leitoras no Brasil. Em seus trabalhos discute sobre mulheres, gênero, trabalho e como a reprodução – e o trabalho doméstico/reprodutivo – são as chaves para compreender a desvalorização das mulheres na sociedade capitalista.

No livro “Mulheres e caça às bruxas”, lançado no Brasil em 2019, Federici faz uma retomada da discussão desenvolvida no livro “O Calibã e a Bruxa” de 2004, traduzido para o português pelo Coletivo Sycorax e publicado pela Editora Elefante em 2017. Naquele momento, Federici (2017) se preocupava em demonstrar como o processo de acumulação primitiva do capital foi alcançado também a partir da caça às bruxas da era moderna, num amplo e profundo processo de perseguição e disciplinarização dos corpos femininos, da sociabilidade e da reprodução, a incidir sobre a divisão sexual e na desvalorização (e não remuneração) do trabalho doméstico e reprodutivo. A proposta dela era alçar a caça às bruxas ao hall de elementos expostos por Marx sobre a acumulação primitiva, tais como a expropriação agrária dos cercamentos ingleses, o colonialismo, a pirataria e a usura (MARX, 1985). Apesar da centralidade nas relações sociais e no trabalho, não há um consenso se Federici efetivamente avança com as teses de Marx , porém, n’O Calibã, o acúmulo de fontes e experiências daquele processo extensamente analisado revelam, no mínimo, que o capital não teria tamanha força social sem a diminuição proporcional do poder horizontal e comunitário das mulheres. Leia Mais

Encontros e desencontros de lá e de cá do Atlântico: mulheres Africanas e Afro-brasileiras em perspectiva de gênero / Patrícia G. Gomes e Claudio A. Furtado

GOMES Patricia Godinho
Patrícia Godinho Gomes / Foto: Elaine Schmitt – UFSC Notícias /

GOMES P e FURTADO C Encontros e desencontros de la e de ca do AtlanticoEm um breve ensaio na introdução é apresentada a ideia de modernidade, acentuada no desenvolvimento do capitalismo e na industrialização. Esta faz com que transformações socioculturais e de categorias como as de gênero e raça derivem de fundamentos sociais euro-peus, influenciando em desigualdades e estratificações sociais. Destaca-se uma cronologia dos estudos e temas publicados sobre mulheres e relações de gênero, representando seus impasses, como a predominância de textos escritos por homens e a partir de seus olhares, mas também o crescimento significativo da produção literária sobre mulheres africanas e a partir de suas perspectivas. Quanto ao Brasil, mostra-se dados em relação ao período da escravidão e o peso da visão machista e eurocêntrica sobre eles, como o ideal do colonizador sobre o colonizado. Por isso, a importância de uma literatura produzida sobre as lutas das mulheres negras no Bra-sil, fazendo com que conceitos de raça e gênero sejam considerados intrínsecos, “insepará-veis”.

No primeiro capítulo, “De emancipadas a invisíveis: as mulheres guineenses na produ-ção intelectual do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas”, a autora Patrícia Godinho Go-mes apresenta um breve excursus teórico de Houtondji e Oyèwùmi e a questão dos estudos sobre mulheres e gênero, no qual destaca a origem da produção deste conhecimento e seus principais destinatários. No processo de independência de Guiné-Bissau, em 1973, a partici-pação das mulheres constituiu-se em um elemento-chave para seu desenvolvimento do pro-cesso, tanto externo como interno. Porém, a importância das mesmas é inviabilizada nos dis-cursos, como discutido no diálogo apresentado entre dois intelectuais guineenses- Carlos Lo-pes e Diana Lima Handem, que debatem temas como patriarcado, subalternização e relações de gênero e mercado de trabalho. É abordada a ausência de mulheres na produção intelectual do INEP, juntamente com a de temas sobre as mesmas, dando destaque às atitudes de alguns órgãos como A União Democrática das Mulheres Guineenses (Udemu) em relação a isto. Leia Mais

Arroz, tráfico e escravidão: repensando a importância da contribuição africana no mundo Atlântico | Judith Carney

Os grandes historiadores franceses Lucien Febvre e Marc Bloch, em diversos momentos, na primeira metade do século XX, já tinham postulado a importância da interdisciplinaridade e diálogos entre as diversas ciências com a História. Já é deveras conhecida a recomendação de Febvre de que para ser historiador era preciso ser geógrafo, sociólogo e assim por diante. Bloch, por sua vez, não discordaria, pelo contrário. A geógrafa Judith Carney, vindo ao encontro da História, da Sociologia, da Agronomia, da Linguística, da Arqueologia, da Biologia e da Botânica, fazendo de certa forma o caminho inverso ao proposto pelos já citados fundadores da Escola dos Annales, publicou um excelente e instigante livro, resultado de um trabalho minucioso e competente de pesquisas documentais e bibliográficas: Black Rice. The African Origins of Rice Cultivation in the Americas (Massachussets: Havard University Press, 2001).

Black Rice, posteriormente, foi traduzido para o português por José Filipe Fonseca, com a colaboração de Gaston Fonseca, Ernesto Fonseca e Nivaldina Fonseca, sendo publicado em Bissau, na Guiné Bissau, pelo Instituto da Biodiversidade e das Áreas Protegidas/IBAP, com patrocínio do banco da África Ocidental/BAO. Publicado em 2018, assim suponho, com prefácio à edição portuguesa datado de novembro/dezembro de 2017, escrito pelo historiador Leopoldo Amado, manteve em português o título traduzido do inglês: Arroz Negro. As origens africanas do cultivo do arroz nas Américas. Neste momento cabe dizer que, sendo o livro escrito com afetividade, não menos apaixonada e comprometida com a história do protagonismo africano, apesar do tráfico e da escravidão, foi a edição guineense. Gosto de livros com marcas de afetividade, sem a aridez impessoal de alguns trabalhos acadêmicos ainda que competentes. Leia Mais

Cooperação Sul-Sul/ Democracia e Decolonialidade: estudos sobre os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOPs) | AbeÁfrica – Revista da Associação Brasileira de Estudos Africanos | 2020

O presente Dossiê surgiu a partir do contato dos organizadores com a discussão sobre a realidade social, cultural, econômica e política dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, os PALOPs, no âmbito da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), que completou dez anos em 2020, e cujo projeto se relaciona à cooperação solidária para o desenvolvimento entre o Brasil países de África e Ásia através da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). A pluralidade cultural e social destes países, suas trajetórias políticas de independência e transição democrática, somada aos laços históricos e políticos de cooperação cultural, educacional e econômica com a sociedade brasileira vem alimentando uma rede de estudos, de pesquisas e de mobilidade que consolidam o destaque destas sociedades na área de Estudos Africanos no Brasil.

Com base nesta experiência, pautamos a necessidade de congregar reflexões teóricas e estudos empíricos considerando dois aspectos: 1. as diversas disciplinas das Humanidades (Antropologia, Ciência Política, História, Relações Internacionais e Sociologia, Geografia, Filosofia), em uma perspectiva que relacione Cooperação Sul-Sul, Democracia e Decolonialidade, no sentido de um fazer acadêmico crítico e de qualidade, tendo em vista um desenvolvimento emancipatório; 2. a maior diversidade possível de nacionalidade, etnia/raça e gênero nas contribuições recebidas. Nesse sentido, embora não tenhamos conseguido contemplar todos os PALOPs, o presente número reúne reflexões e estudos de brasileiros(as) e africanos(as) de/sobre Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau e Moçambique, sem perder de vista possibilidades de comparações com o Brasil e visadas mais amplas sobre o conhecimento produzido sobre África. Leia Mais

Reversed Gaze: An African Ethnography of American Anthropology | Mwenda Ntarangwi

Quão diferente é a vida do antropólogo “em casa”, se comparada à compartilhada por ele nas etnografias e memórias de campo? Como estudantes de antropologia navegam pelos desafios da etnografia durante o treinamento que precede a ida ao campo? Como os antropólogos interagem nas reuniões anuais de trabalho? Seriam eles tão alienados e hostis com relação às suas culturas ocidentais que compensam pela idealização de outras culturas? Essas são algumas das questões que animam o queniano Mwenda Ntarangwi – Professor Associado de Antropologia na Calvin College, EUA – em sua jornada ao “coração da antropologia”.

Em Reversed Gaze: an African Ethnography of American Anthropology o enfoque é dirigido às subjetividades de antropólogas e antropólogos, bem como suas práticas nos departamentos de antropologia, encontros profissionais, salas de aula e na escrita etnográfica, em uma tentativa de etnografar a prática antropológica “em casa”. Essa abordagem é justificada como forma de revelar o “outro lado” da antropologia, usualmente invisível nos artigos científicos, etnografias e memórias de campo. É nesse sentido que Ntarangwi propõe uma “reversão do olhar”, utilizando as ferramentas da antropologia para, do ponto de vista de um africano treinado nos EUA, realizar uma análise da antropologia e da cultura ocidental. Leia Mais

Arroz negro: as origens africanas do cultivo de arroz nas Américas | Judith Carney

Finalmente é publicada em língua portuguesa a obra Arroz negro: as origens africanas do cultivo de arroz nas Américas , de Judith Carney (2018) . A versão editada em inglês ( Carney, 2001 ) atraiu a atenção de leitores mundo afora pela originalidade e abrangência multidisciplinar na mais clara representação da tradição na qual a autora se insere. Seu trabalho reflete a tradição da geografia cultural de Carl Sauer em Berkeley. Esse background pode ser percebido de forma significativa na transposição de barreiras disciplinares e na utilização de modelos metodológicos que hoje são norteadores de muitas práticas investigativas no campo das humanidades ambientais ( Carney, 2016 , 2017 ). Nessa obra, Carney revive essa importante tradição ao transitar com fluidez e pertinência científica em diferentes campos do conhecimento.

O leitor atento perceberá a forma confortável como a autora utiliza as explicações culturalistas e a interação entre sociedade e natureza. Dessa forma, a interação entre os ambientes sociais e naturais foi fortemente considerada na produção de manifestações e patrimônios culturais. No caso específico de Arroz negro , destacamos a forma como a autora aborda as evidências de uma cultura específica, que ela chama de “cultura do arroz”, fundamentada em relação a um contexto geográfico distinto na África Ocidental e sua transposição para outros territórios e paisagens nas Américas. O roteiro metodológico em construir a “cultura do arroz” e suas origens africanas nas Américas, sobretudo na região da Carolina do Sul, revela práticas e processos históricos do comércio atlântico e do complexo intercâmbio colombiano ( Crosby, 1972 , 2009 ), que envolvia uma troca biológica e cultural de sementes, culturas, etnias e saberes, entre outras. Nesse sentido, a autora procura dar ênfase a essa faceta do intercâmbio colombiano nas Américas, abordando, além dos EUA, exemplos na América Central e no Brasil. Leia Mais

Moçambique em perspectiva. Histórias conectadas, interdisciplinaridade e novos sujeitos históricos | Revista de História | 2019

Uma possível perspectiva analítica para o devir dos estudos africanos no Brasil é pensá-los a partir de suas inflexões, uma vez que o desenvolvimento do campo parece ter dado saltos qualitativos nos últimos anos. Nessa direção, a configuração e a própria concepção do dossiê Moçambique em perspectiva: histórias conectadas, interdisciplinaridade e novos sujeitos históricos, desde o diálogo estabelecido entre as organizadoras até a publicação dos artigos, estão relacionadas à trajetória de implantação e consolidação da área cujos marcos políticos, legais e institucionais são retomados no escopo desta apresentação.

Um marco relevante para os estudos africanos no Brasil foi a aprovação da Lei 10.639/2003 que reformou a Lei de Diretrizes e Bases, introduzindo a obrigatoriedade do ensino da história e cultura da África e afro-brasileira nos currículos escolares.1 Fruto da intensa luta dos movimentos negros de nosso país, e contando com a liderança de figuras expressivas do meio intelectual negro brasileiro, a começar por sua relatora,2 a lei significou um momento de inflexão na maneira pela qual se contava nas instituições de ensino brasileiras a história social, política e econômica do Brasil. Leia Mais

Olhar sobre a história das Áfricas: religião, educação e sociedade | Thiago Henrique Sampaio e Patrícia Teixeira Santos

A obra Olhar sobre a História das Áfricas: religião, educação e sociedade aqui resenhada é resultado de reflexões desenvolvidas pelo grupo internacional de pesquisa Fontes e Pesquisas sobre as missões Cristãs na África, arquivos e acervos, cuja coordenação no Brasil se dá pelas Professoras Patrícia Teixeira Santos (UNIFESP) e Lucia Helena Oliveira Silva (UNESP) e na parte internacional, pela Professora Elvira Cunha Azevedo Mea (CITCEM Universidade do Porto).

A coletânea foi publicada em 2019 pela Editora Prismas e organizada por Thiago Henrique Sampaio (UNESP), Patrícia Teixeira Santos (UNIFESP) e Lucia Helena Oliveira Silva (UNESP), agregando 17 artigos agrupados em duas partes: a primeira intitulada Missões e missionários no continente africano, a qual trata da história das missões dentro do continente africano e a segunda Patrimônio, Acervos e Religiosidade: práticas e representações das missões, que aborda as possibilidades de pesquisas com acervos, documentos, patrimônios e instituições missionárias. Leia Mais

As voltas do passado. A Guerra Colonial e as lutas de libertação | Miguel Cardina

Existem livros que surpreendem pela originalidade do título; outros surpreendem pela qualidade do conteúdo ou pela lógica de organização dos textos. A obra organizada por Miguel Cardina e Bruno Sena Martins surpreende nos três aspectos. Na obra intitulada “As voltas do passado: a Guerra Colonial as lutas de libertação”, Cardina e Martins reúnem um expressivo conjunto de 51 pesquisadores de diferentes nacionalidades e apresentam aos leitores um livro fracionado em 46 textos. Acionando uma ampla rede de pesquisadores e de instituições acadêmicas da África e da Europa, os organizadores apresentam ao leitor uma amostra qualificada das interpretações que a Guerra Colonial produziu na historiografia portuguesa e na historiografia dos países africanos que outrora foram colônias de Portugal.

Neste sentido, o livro pode ser considerado um projeto editorial ousado, por dois motivos: primeiro porque buscou incorporar os significados da Guerra Colonial para Portugal e para os povos africanos que desafiaram a política colonial lusitana; e, segundo, porque transitou entre os fatos da Guerra Colonial e as memórias construídas a partir destes fatos. Na Introdução os organizadores ressaltam que a problematização da memória é um dos objetivos da obra e afirmam que As voltas do passado é um livro que se preocupa com “o regresso da guerra aos sucessivos presentes, em combinações irregulares entre a evocação de um passado constitutivo e os usos seletivos da memória.” Leia Mais

African Kings and Black Slaves: Sovereignty and Dispossession in the Early Modern Atlantic | Herman L. Bennett

Em sua introdução a este importante livro, Herman Bennett começa explicando como ele próprio foi levado ao tema da soberania africana no início do mundo atlântico moderno. Como estudante de pós-graduação que fazia pesquisa no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa, Bennett cruzou com uma coleção de mapas e documentos comemorativos dos quinhentos anos de contorno do Cabo da Boa Esperança (1488) por uma esquadra sob o comando de Bartolomeu Dias. Bennett observou que esses velhos documentos revelavam uma história específica da diplomacia renascentista, na medida em que os portugueses receberam como seus iguais emissários de toda a África e Ásia; algo que falava sobre uma história do poder e da soberania que, como Bennett aponta, tem sido pouco abordada pela bibliografia sobre as relações mais remotas entre a África e a Europa. Leia Mais

Slave Traders by Invitation: West Africa’s Slave Coast in the Precolonial Era | Finn Fuglestad

“Traficantes de escravos por convite”: esse é o título do livro de Finn Fuglestad, professor da Universidade de Oslo. Antes desse trabalho, Fuglestad era mais conhecido por seu livro A History of Niger, publicado em 1983.1 Entre as duas obras, o autor publicou diversos capítulos de livros e textos de referência sobre história africana. Ou seja, estamos falando de alguém bastante experimentado nos meandros desse campo de estudos. Leia Mais

An African Slaving Port and the Atlantic World: Benguela and its Hinterland | Mariana P. Candido || The Atlantic Slave Trade from West Central Africa/1780-1867 | Daniel B. Domingues da Silva

O comércio transatlântico de escravos é um campo de estudos já bastante desenvolvido, e de crescente interesse, pelo menos nas últimas três décadas. Um número significativo de pesquisadores tem enfatizado o papel dos comerciantes de escravos do Atlântico Norte no tráfico de seres humanos, do século XVII ao XIX, bem como o impacto da escravização e exportação de cativos sobre as sociedades africanas. No entanto, o tráfico no Atlântico Sul, principalmente entre o Brasil e a África Central – nomeadamente Congo e Angola – atraiu menos atenção do que merece, dado que quase a metade dos escravos deportados através do Atlântico para as Américas veio daquela região, nos cerca de cem anos entre meados do século XVIII até a abolição do tráfico escravista, em meados do século seguinte. Leia Mais

Afro-Américas | Revista Eletrônica da ANPHLAC | 2019

Os estudos sobre as experiências e contextos históricos que envolveram os povos de ascendência africana nas Américas constituem um campo de pesquisa potente desde a primeira metade do século XX. A crescente demanda tanto na academia quanto dos movimentos sociais por pesquisas e reflexões sobre a história de homens e mulheres afrodescendentes na Era das Emancipações e após a Abolição da escravidão, ao longo de todo o continente americano, nos impulsionou a propor esse dossiê. Nada mais apropriado que a coletânea de artigos aqui reunida fosse ofertada pela Revista Eletrônica da ANPHLAC, cujo objetivo é publicar estudos sobre a história e o ensino de história das Américas.

Embora os estudos sobre a escravização dos africanos e seus descendentes no Brasil, no Caribe e nos Estados Unidos tenham concretizado uma importante área de pesquisas historiográficas desde a década de 1960, apenas recentemente observamos uma ampliação das investigações sobre o impacto da racialização da escravidão negra e as consequentes relações raciais no Pós-Abolição nas Américas, sobretudo na América Latina. Nas últimas décadas, este campo vem se definindo como estudos afro-americanos ou, ainda, estudos afro-latinoamericanos. Leia Mais

Água: uma novela rural | João Paulo Borges Coelho

Água, uma novela rural é o décimo primeiro livro de João Paulo Borges Coelho (JPBC), nome que vem ganhando notoriedade tanto na literatura africana quanto nos estudos literários. Evidência neste sentido é a crescente produção crítica de sua obra, a exemplo do congresso intitulado: O cartógrafo da Memória: A poética de João Paulo Borges Coelho, realizado na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, em julho de 2017, a publicação da coletânea de artigos: Visitas a João Paulo Borges Coelho: leituras, diálogos e futuros (Editora Colibri, 2017) e o Dossiê: Passados antecipados, futuros empoeirados: os caminhos da ficção de João Paulo Borges Coelho, da Revista Mulemba (UFRJ, 2018) . Importa situar que os prêmios José Craveirinha da Literatura (2004) pelo romance As Visitas do Dr. Valdez, o Leya de romance histórico (2010) com O Olho de Hertzog contribuíram para o reconhecimento de sua obra literária composta por dois livros de contos, três novelas e sete romances.

Além de escritor, JPBC é historiador e professor no Departamento de História da Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo, Moçambique. Sua produção acadêmica é constante, sendo sua tese de doutorado, até hoje, uma das principais referências no tocante aos processos de deslocamento na região de Tete1. Em outra ocasião, argumentei que o aprofundamento de sua contundente experiência acadêmica incentivou sua escrita literária pois foi precisamente em Tete, província central circundada pela Zâmbia, Zimbábue e Malaui, o cenário escolhido para sua primeira obra literária, As duas sombras do rio (2003), que versou sobre a guerra civil moçambicana (1976-1992)2. Contudo, vale ressaltar, que os dois espaços de produção textual, a literatura e a história, são para JPBC complementares, segundo suas próprias palavras: “Assumo-me como eu próprio, uno e indivisível, embora com as contradições e conflitos que, de uma maneira ou de outra, nos atravessam a todos. Não estou dentro do acadêmico ou do escritor, eles é que estão dentro de mim”3. Leia Mais

Africanos e seus descendentes no Brasil | Laboratórios de História | 2018

É com imensa alegria que apresentamos a nossa segunda edição da Revista Laboratórios de História, com o dossiê “Africanos e seus descendentes no Brasil”. Nessa nova edição abrimos espaço para publicação de trabalhos acadêmicos elaborados por graduandos do curso de História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e demais instituições de ensino superior, a fim de dar maior visibilidade à produção discente sobre o tema.

Para o segundo número da Revista, convidamos a Professora Maria Regina Candido, Doutora em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), coordenadora do Núcleo de Estudos da Antiguidade (NEA-UERJ) e docente da cadeira de História da Antiguidade Ocidental da mesma instituição, para uma entrevista sobre o tema da África Antiga e o Ensino de História. Nela, buscamos conhecer os caminhos trilhados pela docente na articulação do ensino de história antiga ocidental às sociedades africanas do mesmo período. Também buscamos saber sua opinião sobre a iniciação em pesquisas sobre história da África antiga, especialmente no Brasil, onde a disseminação de trabalhos acadêmicos e materiais didáticos sobre o continente africano é recente numa sociedade fortemente vinculada a perspectivas historiográficas ocidentais. Leia Mais

A Família Chermont. Memória histórica e genealógica | Victorino Coutinho Chermont de Miranda

Trinta e quatro anos passados, em revisão revisada e ampliada, pelo autor, Victorino Coutinho Chermont de Miranda, em magnífico livro sobre a família Chermont torna a nos encantar com os estudos genealógicos.

O livro possui XIII capítulos, três Anexos, índice onomástico da família Chermont e índice onomástico de litógrafos, pintores, fotógrafos e ateliês fotográficos. São 355 páginas em bela impressão. Leia Mais

África e Brasil. História e Cultura | Eduardo D’Amorim

Passados quinze anos da lei nº 10.639/2003, que tornou obrigatório o ensino sobre a história e a cultura afrobrasileira, a questão ainda é tida como desafiadora por muitos professores e gestores escolares. Um dos principais motivos relatados pelos profissionais das áreas de educação é a ausência de materiais que abordem a temática com a qualidade esperada, e que privilegiem com correção as múltiplas dimensões socioculturais africanas, assim como as conexões entre esse continente e o Brasil.

O livro África e Brasil. História e Cultura, de Eduardo D’Amorim, está comprometido em suprir uma importante carência do mercado editorial brasileiro. A publicação, que recebeu a primeira colocação na 59º edição do Prêmio Jabuti, categoria Didático e Paradidático (2017), tem escrita clara, apurada organização dos capítulos e trabalho gráfico e editorial de altíssima qualidade. Tais elementos contribuem para uma leitura prazerosa e muito esclarecedora sobre a temática. Sendo útil para aos mais variados tipos de leitores que desejem debruçar-se sobre o assunto, e que tenha interesse em conhecer mais sobre a importância da história da África e da contribuição dos africanos na formação da cultura e da sociedade brasileira. Leia Mais

Áfricas: um continente, múltiplos olhares | Ars Historica | 2018

A área de História da África cresceu muito nos últimos anos no Brasil. Aqueles que, como eu, pesquisam e são docentes nesse campo há mais de duas décadas podem com certeza reconhecer a expansão vivida e o adensamento das pesquisas e debates. A legislação incidindo sobre o currículo de História na Educação Básica e nos cursos de formação de professores contribuiu de forma inegável, com a lei 10.639/2003 e as diretrizes curriculares originadas no parecer do Conselho Nacional de Educação (2004). Mas, também concorreu para tal a ampliação das demandas e interesses do público estudantil, reivindicando cursos menos eurocêntricos e a inserção de temas e discussões que trouxessem referências sobre a história da África e da diáspora africana, bem como leituras da produção intelectual daquele continente. O movimento negro, em suas diversas formas de expressão, agente fundamental nesse processo, junto aos NEAB (Núcleos de Estudos Afro-brasileiros) e, em tempos mais recentes, os coletivos negros estudantis, se tornaram uma força de pressão positiva que veio a intensificar esse crescimento. E a continuidade dessa demanda, com a consequente sofisticação e diversificação do universo temático das pesquisas, a qualidade da produção científica no campo e o vigor dos debates, fizeram com que o campo de estudos se afirmasse e se consolidasse cada vez mais no nosso espaço acadêmico. Leia Mais

When christians first met muslims: a sourcebook of the earliest syriac writings on Islam | Philip Michael Penn

Ao contrário do que sugeriram alguns analistas em momento anterior, a religião não desapareceu do horizonte nestas primeiras décadas do século XXI. Ao contrário, o revival da militância religiosa, que não cessa de se fazer presente de diversas formas nos projetos e preocupações contemporâneas, constitui-se em um importante desafio às análises sobre as crises contemporâneas que nos afligem. Esses fenômenos de efervescência religiosa de amplas consequências sociopolíticas e culturais, contudo, não são desconhecidos dos historiadores. Talvez um dos mais importantes deles tenha sido o que se alastrou pelo Oriente Médio do primeira metade do século VII, onde se verificou o embate entre o cristianismo bizantino e o zoroastrianismo sassânida, o recrudescimento das disputas cristológicas que já dividiam as comunidades cristãs há duzentos anos, e o surgimento do Islã, que se apresentou ao mundo a um só tempo como religião e como projeto imperial. O espetacular ressurgimento do islamismo político em nossos noticiários faz com que olhemos para esses eventos de modo assustadiço e anacrônico, como se sementes ou prefigurações. As realidades que nos são apresentadas pela documentação de época, porém, são bastante mais complexas.

Infelizmente, nosso olhar para esta realidade ainda é míope. De acordo com o Anonymi auctoris Chronicon ad annum Christi 1234 pertinens, importante texto siríaco medieval, em 636, depois de vencer os persas e assistir às primeiras vitórias árabes a expensas de seus domínios, o imperador bizantino Heráclio abandonou Antioquia aos apetites de seus soldados e à iminente conquista muçulmana. A partir deste ponto, o Império Romano do Oriente perderia suas possessões no Oriente Médio e na África, passando geralmente a um combate defensivo contra o jovem Califado. Trata-se, no entanto, de uma virada não só na história da região e da humanidade, mas igualmente da historiografia. A maior parte dos historiadores interessados na história do cristianismo, ao se deparar com a década de 630, faz o mesmo que Heráclio e diz “Sozou, Síria!” O mais comum é que, em suas reconstituições e análises, o cristianismo médio-oriental, que durante séculos constituiu o coração pulsante do ecúmeno cristão, desapareça subitamente a partir daí; seus objetos de reflexão passam a ser, preferencialmente, os documentos e questões dos cristianismos latino e (em proporção muito menor) bizantino. Por outro lado, em uma pragmática divisão do trabalho intelectual, historiadores interessados na ascensão do Islã e na formação do ecúmeno muçulmano fazem o caminho inverso e se dedicam ao estudo intensivo dos textos em árabe e em persa referentes a tais fenômenos. Ambas as abordagens sobre esse período de crise, contudo, são problemáticas e, como se afirmou antes, míopes. Se não mais, porque ignoram as condições e perspectivas da maior parte da população então submetida ao domínio islâmico: cristãos não bizantinos e não latinos, que permaneceram por séculos sob o domínio do Califado sem passarem de modo necessário pelo processo de islamização.

Os membros das antigas Igrejas apostólicas do Oriente, que compunham talvez três quartos do número total de cristãos da segunda metade do primeiro milênio da Era Comum, assim marginalizados pela historiografia, o são por razões diversas. Duas são particularmente notáveis: o fato de serem sistematicamente ignorados – quando não deliberadamente silenciados – pelos historiadores da Igreja de matriz latina (católicos ou protestantes) e bizantina (gregos, russos, entre outros) como heterodoxos, cismáticos e, por consequência, supostamente menores; e, a dificuldade de acesso aos documentos por eles produzidos, em função de barreiras linguísticas e editoriais. Tal cenário é bastante trágico ao se considerar de uma só vista o crescente interesse pela história do Islã inicial e a precariedade ainda vigente dos estudos referentes aos textos escritos no âmbito das Igrejas de matriz siríaca. Ora, os escritos produzidos por cristãos sírios nos séculos VII a IX são simplesmente fundamentais para se reconstituir o processo de estabelecimento do Islã no centro daquelas partes que hoje conhecemos como sendo o mundo muçulmano. É certo que os especialistas em história islâmica dispõem de centenas de milhares de páginas de documentos de época, escritos em árabe e em persa, referentes à vida de Muhammad, ao governo dos primeiros califas e da dinastia omíada, mas a maior parte delas remonta efetivamente ao período posterior à ascensão dos abássidas, em 750, quando houve um grande investimento da parte dos novos donos do poder para sistematizar o que se conhecia sobre o passado do Califado como uma forma de corroborar suas reivindicações do exercício de uma autoridade, não apenas de fato, mas legítima. Não é fácil separar, no âmbito deste amplo acervo documental, o material realmente antigo das interpolações posteriores. Uma exceção evidente a este quadro é, sem dúvida, o Corão, mas se deve recordar que ainda há uma enorme resistência da parte de muitos pesquisadores (e não apenas entre os que são muçulmanos devotos) em submetê-lo a uma exegese histórico-crítica conveniente. Lidar com os textos siríacos da segunda metade do século VII à primeira metade do século VIII que mencionam o Islã não é, portanto, apenas se deparar com mais uma das visões cristãs sobre o movimento dos seguidores de Muhammad, mas com uma perspectiva particularmente esclarecedora para a própria história islâmica. E isso: 1) Porque se tratam de textos, em sua maior parte, contemporâneos das realidades às quais se referem; 2) Porque, ainda que seja verdade que os cristãos siríacos também compreenderam e descreveram o Islã de acordo com suas próprias formações e interesses, contudo, de um modo geral, seus escritos não foram tão profundamente marcados por um viés agressivo quanto os de autores bizantinos e latinos que produziram imediatamente diante da linha de fratura entre os Estados que os abrigavam e o Califado. Vivendo no interior da Dar alIslam, os cristãos siríacos tinham contato cotidiano e um conhecimento direto do que escreviam a respeito do Islã; se a confiabilidade histórica e o índice de distorção ideológica da realidade constante em seus testemunhos é diversa, entretanto, não se deve esquecer que eles se vinculam diretamente a um cenário onde esses cristãos comiam e negociavam com muçulmanos, casavam e trabalhavam com muçulmanos, educavam seus filhos junto com os filhos dos muçulmanos, e serviam como burocratas, soldados e diversos tipos de colaboradores no Estado Islâmico.

É no sentido de ter um primeiro contato com essa literatura que nos ajuda o When christians met muslims, de Michael Philip Penn, professor de Estudos da Religião, especialista em história do cristianismo primitivo, da Universidade de Stanford, em Palo Alto, Califórnia, EUA. Depois de estudar as interações entre rito e identidade nos textos cristãos da Antiguidade Tardia (em Kissing christians: ritual and community in Late Ancient Church, de 2005), Penn dedicou-se a investigar a presença dos cristãos siríacos no jovem mundo islâmico, projeto que rendeu a publicação simultânea, em 2015, de dois livros premiados: Envisioning Islam: syriac christians in the Early Muslim World e When christians met muslims, que é uma coletânea comentada de fontes utilizadas neste estudo. No livro sobre o qual aqui nos detemos, depois de uma breve introdução, Penn apresenta ao leitor vinte e oito escritos produzidos por cristãos siríacos nos quais está de alguma maneira tematizada a sua relação com os muçulmanos. Os textos, provenientes de diferentes nichos confessionais – miafisitas (inapropriadamente conhecidos como jacobitas), dioprosoponitas (inapropriadamente conhecidos como nestorianos), monotelitas e calcedônicos –, são dispostos em ordem cronológica e precedidos por parágrafos introdutórios nos quais se sintetiza o contexto de produção de cada escrito e o histórico de sua transmissão, desde o momento da possível composição até sua redescoberta pelos historiadores contemporâneos. Tratam-se de textos de diferentes estilos e funcionalidades (crônicas, epístolas, apocalipses, hagiografias, cânones sinodais, tratados teológicos e diálogos), dos quais, com a exceção de dois (a Controvérsia de Bēt Ḥalē e a Vida de Teódoto de Amida), omitidos por motivos não esclarecidos, Penn oferece novas versões em inglês. O conjunto é seguido por bons levantamentos bibliográficos, que encaminham eventuais interessados a estudos mais aprofundados a respeito de cada um dos documentos.

É indiscutível que é desejável que um historiador leia os documentos com os quais se propõe a lidar no idioma em que foram originalmente redigidos, assim como é preferível que, tratando-se de escritos que possuem variantes ou uma transmissão problemática, consulte diferentes manuscritos. Isso, entretanto, é virtualmente impossível aos estudantes mais jovens, não apenas os brasileiros, e por diferentes motivos. O mais importante talvez seja o fato de que ninguém se dispõe a investir horas de estudo aprendendo, digamos, o siríaco, se já não possuir um vivo interesse pelo que irá encontrar neste idioma. Nesse sentido, When christians met muslims é um manual importante, que pode despertar o interesse dos pesquisadores em exercício ou em formação para horizontes ainda muito pouco explorados, contribuindo para que, de fato, comecemos a dar passos no sentido de um estudo menos eurocêntrico de nosso passado comum. O livro é igualmente útil aos especialistas por fornecer bons levantamentos bibliográficos, material para exercícios de comparação e subsídio para uso em aulas e outras atividades de divulgação científica. Além disso, pode interessar cientistas da religião e teólogos, que ao pensar o cristianismo tardo-antigo e medieval lidam com contingências e desafios similares aos dos historiadores, assim como interessados em geral no contato entre cristãos e muçulmanos no Oriente Médio, no passado, mas também hoje. De fato, estou certo de que, ao recuperar as diferentes visões dos cristãos siríacos a respeito do Islã recém-surgido, os textos reunidos por Penn não só fornecem elementos para que entendamos melhor o desenvolvimento sociopolítico e cultural posterior da região, mas também nos ajudam no exercício, proposto em um livro de Carlo Guinzburg publicado há poucos anos em português, de “aprender a olhar o presente à distância, como se o víssemos através de uma luneta invertida”.

No caleidoscópio dos textos siríacos rememorados em When christians met muslims é inevitável que nos surja de novo a atualidade, “porém num contexto diferente, inesperado”; assim como não é possível encontrar hoje nem uma existência sempre harmoniosa entre cristãos e muçulmanos, nem um conflito permanente, necessário e inapelável entre essas partes, da mesma forma não se pode surpreender uma coisa ou outra da segunda metade do século VII à primeira metade do século VIII. A convivência entre cristãos e muçulmanos, que a tantos aflige, continua, portanto, como uma questão histórica e política reiteradamente em aberto.

Alfredo Bronzato da Costa Cruz – Doutorando em História Política pelo Programa de Pós-graduação em História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); Mestre em História Social pelo Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO); Bacharel e licenciado em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).  E-mail: [email protected]

PENN, Michael Philip. When christians first met muslims: a sourcebook of the earliest syriac writings on Islam. Oakland: University of California Press, 2015. Resenha de: CRUZ, Alfredo Bronzato da Costa. Testemunhos de um mundo partilhado. Revista Maracanan. Rio de Janeiro, n. 18, p. 277-280, jan./jun. 2018. Acessar publicação original [DR]

 

História da África e do Brasil Afrodescendente | Ynaê Lopes dos Santos

Estudar a história da África, ou melhor, algumas histórias desse vasto continente é um dos objetivos do livro História da África e do Brasil Afrodescendente de Ynaê Lopes dos Santos. A autora optou por estruturar a obra de acordo com a clássica divisão da História (Idade Antiga, Média, Moderna e Contemporânea). No decorrer do livro Ynaê procura mostrar como ao longo do tempo o continente africano se interagiu com sociedades de outros continentes, reafirmando a concepção de que havia uma rede de relações comerciais, culturais, religiosas entre os povos da antiguidade. Leia Mais

Rimbaud na África: Os últimos anos de um poeta no exilio (1880/1891) | Charles Nicholl

Pretendemos neste artigo discutir as possibilidades que tem o historiador de utilizar em suas reflexões a Literatura como fonte histórica. Trata-se de uma relação difícil, mas possível e, sobretudo, prazerosa. A historiografia apela à literatura hoje mais como um registro do real, um instrumento para sua apreensão, ou ainda como sua metáfora epistemológica. O historiador não pode encarar a obra literária apenas como veículo de conteúdo, pois, o valor do texto literário não está propriamente na confrontação que dele se pode fazer com a realidade exterior, mas na maneira como esta realidade é abordada, aprofundada, questionada, recriada. Deve encarar a literatura não como reflexo, mas como refração, como desvio. (ELEUTÉRIO, 1992)

Como produção artística que é, a arte ilustra os valores de uma cultura, e não se presta a fornecer a confirmação de um saber que poderia adquirir de outras formas, por exemplo, por uma pesquisa histórica; ela tem princípios e leis diferentes dos da realidade exterior, já inventariada. Além do mais, o artista está sempre ultrapassando os sistemas de classificação, aos quais uma sociedade confirma suas representações provisórias do mundo. A arte não reproduz a realidade exterior, mas a transforma, exprimindo o que nela está reprimido ou latente.

A obra literária eficaz, que age sobre seus leitores, é aquela que dramatiza as contradições e exacerba-as, leva-as às últimas consequências, ou seja, representa-as, e oferece assim, um princípio de respostas a perguntas ainda não claramente formuladas. Ela libera possibilidades subjacentes a certas situações, joga com essas possibilidades, dá-lhe vida, e assim, tenta explorar as virtudes inerentes a uma época. As obras literárias que melhor traduzem os movimentos sociais e históricos não são as que retratam de forma escrupulosamente exata os acontecimentos anteriores; são as que exprimem aquilo que falta a um grupo social, e não aquilo que ele possui plenamente.

A literatura fala ao historiador sobre a história que não ocorreu, sobre as possibilidades que não vingaram, sobre os planos que não se concretizaram. Pode-se, portanto, pensar numa história dos desejos não consumados, dos possíveis não realizados, das ideias não vingadas (SEVCENKO, 1995).

Ocupa-se o historiador, portanto, da realidade, enquanto o escritor é atraído pela possibilidade. Cabe, portanto, ao historiador, captar esse excedente de sentido embutido no romance. O método para Lacapra (1991) é o de se fazer uma fusão entre o texto e o contexto, ou seja, usar a linguagem para se interpretar contextos. Não contexto no sentido positivista, mas como representação de uma experiência histórica. É a tentativa de perceber como se apresentou uma dada realidade.

A história é um caleidoscópio de ações humanas, é um romance verdadeiro, simplifica, seleciona, organiza, reflete e dissemina. Portanto, para Veyne (1995), o que distingue um livro de história de um romance, isto é, a narrativa histórica da narrativa de ficção, é que o primeiro tem seu suporte na realidade exterior, que tem existência concreta e autônoma. Dispensa, portanto, artifícios discursivos e estéticos para ser valorizado. A história é assim, uma narrativa verídica, mesmo levando-se em conta que a verdade sempre é relativa, depende de quem a conta, e os acontecimentos submetem-se ao critério de verificabilidade, ao contrário do discurso ficcional, que é uma questão de verossimilhança.

Ainda nessa comparação, podemos afirmar que a história é um discurso que visa a realidade teórica e científica, não ignorando o caráter de relatividade da verdade histórica, e toda subjetividade que comporta a elaboração desse conhecimento. O texto literário tem como objetivo fundamental a produção da realidade estética, o que não exclui que ele possa ter relações com a realidade objetiva, ou seja, com tudo aquilo que lhe é exterior, e de que certa forma o envolve.

Os romances históricos transmitem

uma verdade histórica através da verossimilhança novelesca, tem o poder de fazer a carne voltar a ser verbo, sem o verbo perder o gosto, ou a cor, ou o cheiro, ou a forma da carne, imagem que nos parece bastante significativa do poder de recriação da obra literária e das suas relações com a realidade que ela representa. (FREYRE, 1961)

Assim, a transformação de elementos não-literários em expressão estética é uma outra maneira de olhar o objeto, uma nova forma de relação com o real. Discurso histórico e narrativa literária, formas distintas de narrativas, apresentam formas de contatos, relacionam-se com a realidade exterior de maneiras diferentes, porém, complementares. Tanto um como o outro, são imagens dessa realidade, que se submetem às exigências do discurso e, podem, portanto, apresentar deformações, fragmentações, ou distorções, formas parciais de conhecimento.

Dessa forma buscamos entender a figura de um poeta do século XIX nascido na França e que se tornou famoso entre seus quinze e dezoito anos. Suas poesias encantavam e disseminavam-se com facilidade pelo universo das cidades europeias que devoravam através de seus leitores o que o jovem escrevia. Falamos de Arthur Rimbaud que foi perfeitamente historicizado no livro escrito por Charles Nicholl onde o autor tem a preocupação de mostrar o poeta abandonando a Literatura e a fama para empreender um novo rumo a sua vida, iniciando uma viagem pela África. Aventureiro? Desilusão? Assumir uma nova identidade? Desejo de conhecer outras paragens? Difícil é responder. Neste artigo onde podemos ser interpretados como descritivos, queremos na realidade mostrar que na primeira parte da vida de Rimbaud a sua literatura poética nos responde, enquanto fonte, ao historiador que percorre a sua produção artística. Como comerciante outras fontes teriam que ser buriladas para que pudéssemos decodificar no conjunto dessas duas identidades, embora um e outro desafiem a vida e enfrentam a própria morte.

No mundo do conhecimento a História sempre manteve um lugar de destaque com forte identidade própria, embora modernamente tenha se moldado o seu desenvolvimento acadêmico enquanto disciplina. O pesquisador Diogo da Silva Roiz do departamento de História da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul afirma que as pesquisas nos últimos vinte anos estão concentradas em História Cultural, perfazendo um total de 80% de tudo que tem sido produzido nas universidades brasileiras, tornando-se uma temática constante no mundo inteiro.

A História Cultural se tornou, na atual conjuntura, um imenso lucro para o mercado editorial. O interesse pela História Cultural em representações dos desdobramentos das preocupações da História Social com orientação marxista e a Nova História Cultural com a virada linguística e abordagens pós-modernas. As novas tendências historiográficas inspiram-se em uma crítica, em uma releitura dos conceitos fundamentais da História Social.

Se pensarmos nas contribuições dadas por Roger Chartier (2007) dentro de uma relação Cultura/Representação que perpassa por qualquer temática de pesquisa no campo da História, pois o historiador, segundo Raymond Williams (2011) exerce um trabalho de compreensão das representações dos sujeitos sociais. Tanto Chartier quanto Williams estabelecem uma fidelidade da História Cultural com os postulados da História Social. Portanto, o historiador passou a estabelecer diálogos através da História Cultural que foi seguida de forma exemplar por Pesavento (2003) no Brasil, com outras fontes possíveis de conhecimento e relações como História e Literatura. Uma pensa o concreto e a outra a ficção, mas consegue-se interpretar sujeitos, lugares, espaços, cores publicidade, propaganda, conversas, modas e temporalidades distintas e muito mais utilizando a Literatura como fonte.

De autoria de Charles Nicholl o livro Rimbaud na África: Os últimos anos de um poeta no exílio (1880-1891), impressiona o leitor pela riqueza de detalhes e profundidade de análise. Não se trata de uma obra ficcional, mas do resultado de uma pesquisa de historiador que o autor realmente é. Escreveu nove livros e alguns com prêmios recebidos este é o segundo que leio, sendo o primeiro com o qual tomei contato com a reflexões de Nicholl foi Leonardo Da Vinci, uma de suas produções premiadas.

Interessada em produzir um artigo sobre um literato que tivesse tido contato através de suas narrativas com o cotidiano de uma cidade africana cheguei a essa obra que nos narra o autoexílio de Arthur Rimbaud, o poeta francês que nasceu no lar de uma família de classe média de Charleville em Ardenas na região nordeste da França em 1854. Era o segundo filho de Vitale Cuif e do capitão Fréderic Rimbaud que lutou na Argélia, chegando até a receber o prêmio Legion D’Onneur. Em seguida ao nascimento da quinta filha do casal que faleceu após um mês o casamento chegou ao fim, quando o pai deixou a família.

Tal acontecimento contribuiu negativamente para o jovem que cresceu mais ao lado da mãe. Pelos seus escritos nota-se um desentendimento entre ambos e ele não se senta amado pela mãe. Sempre foi um estudante brilhante, embora calado, inquieto, impaciente e nada travesso. Em torno de quinze anos ganhou prêmios pelos versos que compunha, classificados como originais, sua primeira produção publicada foi Primeira Tarde. Escrevia na sua língua de origem, entremeada por diálogos em latim.

Fugia com frequência de casa e, em 1871, uniu-se à Comuna de Paris, retratada em seu poema A Orgia Parisiense ou Paris Repovoada. Deixou levemente transparecer em Coroação Torturado ter sofrido violências sexuais por soldados embriagados da Comuna. Fato que não chegou a ser comprovado, pois ele sequer abandonou a Comuna. Escrevendo poemas sobre ela que correspondiam aos seus pensamentos e reivindicações.

Transformou-se em um anarquista, começou a beber muito e frequentemente, usava roupas pouco adequadas, deixou os cabelos crescerem, com a nítida intenção de chocar a burguesia parisiense.

Sempre inquieto, deixou Paris e as suas relações para se dedicar a criação de um método para atingir a transcendência poética ou o poder visionário através do “longo, imenso e sensato desregramento de todos os sentidos” (As Cartas Videntes).

Retornou a Paris em setembro do mesmo ano, a convite do poeta do Simbolismo Paul Verlaine, depois que Rimbaud lhe enviou uma carta contando o seu método de trabalho. Casado, Verlaine logo se apaixonou pelo adolescente calado de olhos azuis de cabelos castanhoclaros e cumpridos. Tornaram-se amantes e levaram uma vida ociosa regada a absinto e haxixe, escandalizando o círculo literário, sobretudo pelo comportamento de Rimbaud o arquétipo do enfant terrible que escrevia versos notáveis.

Envolvidos por um tempestuoso caso amoroso, viajaram para Londres no ano seguinte. Verlaine abandonou a esposa e o filho que sofriam abusos com as suas iras alcoólicas. Viveram uma vida pobre em Bloomsbury e Camdem Town, desprezando uma vida de ensino e uma pensão da mãe de Verlaine. Rimbaud frequentava o Museu Britânico, onde produzia seus versos, pois calor, luz, penas e tintas eram de graça.

Em junho de 1873, Verlaine retornou a Paris e sofreu muito com a ausência do jovem Rimbaud e em junho o convida para ir a Bruxelas encontra-lo no Hotel Liège. Rimbaud vai e o convívio passou a não ser nada agradável, reclamações mútuas, culminando em uma fúria de bêbado, onde Verlaine disparou dois tiros contra Rimbaud, ferindo o jovem poeta no pulso. Rimbaud não acusou Verlaine que, junto com sua mãe, acompanharam o jovem a uma estação de trem em Bruxelas onde Verlaine se comportou como um louco. Essa atitude assustou Rimbaud que, amedrontado, sem nada dizer, foi embora, mas pede a um policial para prender Verlaine.

Ele foi detido por tentativa de homicídio e submetido a um humilhante exame médico. Suas correspondências foram submetidas a uma leitura policial e somadas às acusações de sua mulher. Chamado a depor, Rimbaud retirou a acusação, mas mesmo assim Verlaine foi condenado a dois anos de prisão.

Rimbaud retornou a sua casa em Charleville e completou um trabalho em prosa, Uma Estação no Inferno, considerada pioneira do Simbolismo moderno, e escreveu Farsa Doméstica, uma narrativa sobre sua vida com Verlaine que ele chamava de lamentável irmão.

Em 1874 retornou a Londres e, depois, para Stuttgart, na Alemanha, onde se encontrou novamente com Verlaine, pela última vez, depois que este saiu da prisão e se converteu ao Catolicismo.

A partir daí Rimbaud tomou uma decisão de mudança de vida. Desistiu de escrever e desejava uma vida fixa, com um trabalho rentável, queria ficar rico e independente para algum dia viver como um poeta despreocupado. Para isso continuou a viajar de forma intensa, a pé, pela Europa. Mantinha vivo ainda, embora mais contido, o seu antigo comportamento selvagem. Em maio de 1876 se alistou como soldado no Exército Colonial Holandês para poder ir livremente para Java, na Indonésia. Foi, mas depois de alguns meses desertou e retornou à França em um navio de forma clandestina.

Continuava inquieto e desejando na realidade uma vida mais tranquila o que, até então, não havia encontrado em todas essas andanças.

Seguindo essa meta, viajou para Chipre e em Lamaca trabalhou como capataz na pedreira em uma empresa de construção onde contraiu uma febre que o leva de volta à França onde foi diagnosticado com febre tifoide.

Em 1880 viajou para Áden, um protetorado britânico, um entreposto, um lugar de passagem de viajantes que seguiam para a África e para a Índia. Foi de navio/vapor, desceu pelo Canal de Suez em busca de qualquer trabalho, sem achar. Atravessou o Estreito Bab al’Mandeb, percorreu o árido litoral do Iêmen, até chegar a Áden

O rosto queimado pelo sol, os trajes de algodão sujos, a mala remendada: é o que tudo indica. Seus olhos podem sugerir outras histórias menos decifráveis. São extraordinários, de um azul pálido hipnótico e inquietante. Décadas mais tarde, um missionário francês que o conheceu na África diria: lembro de seus olhos grandes e claros. Que olhar! (NICHOLL, 2007, p.18)

Finalmente esse coração inquieto adaptou-se em Áden, como empregado na agência de Bardey. Aí teve várias relações com mulheres nativas e por um tempo viveu com uma amante da Etiópia. Ensinou-lhe a ler a falar em francês e mais tarde a abandonou, mandando-a para Obock, do outro lado do Mar Vermelho, com um pouco de dinheiro para que pudesse voltar para casa. Como testemunha Bardey em carta a Berrichon datada de 16 de julho de 1897:

Foi em Áden que aconteceu o relacionamento afetivo com a mulher Abissínia, entre 1884 e 1886. Era uma relação íntima e Rimbaud, que no início morava e fazia suas refeições conosco, alugou uma casa separada onde poderia morar com sua companheira nas horas em que não estava trabalhando em nossa firma. (NICHOLL, 2007, p.258).

O próprio Rimbaud, em uma carta para Augusto Franzoj, escrita por volta de setembro de 1885 e publicada pela primeira vez em 1949 por Enrico Emanuelle na revista literária italiana Inventário.

Caro senhor Fransoj,

Lamento, mas dispensei aquela mulher sem apelação.

Darei a ela alguns táleres e ela tomará o barco

para Obock que agora está em Rasali. De lá, ela seguirá para onde desejar.

Estou farto dessa farsa, não seria tão estúpido a ponto

de trazê-la de Choa, e também não serei para me

encarregar para leva-la de volta.

Cordialmente, Rimbaud (NICHOLL, 2007, p.258).

Em 1884, deixou o trabalho para se tornar um mercador por conta própria em Harar na Etiópia. Vendia café e armas e como teve grande sucesso nesse ramo, tornou-se grande amigo do governador de Harar, pai do futuro imperador da Etiópia Haile Selasse.

Como mercador teve uma vida de andarilho, agitada, conhecendo vários lugares e obtendo grande sucesso na nova profissão.

Foi exatamente com 25 anos que o poeta abandonou para sempre a literatura e a fama na Europa e partiu para a África, onde sobreviveu por onze anos como comerciante e contrabandista, tentando apagar seu histórico de um passado boêmio. Era outro homem, tinha outra identidade, onde só manteve os belos olhos azuis que encantavam as pessoas.

O historiador Charles Nicholl construiu um perfil fascinante dessas duas vidas e dessas duas tão distantes identidades: a do poeta reconhecido e a do aventureiro comerciante que se transformou até morrer: “Um e outro vivendo sempre no limite da existência” (NICHOLL, 2007, p. 84).

Para descortinar esse período, Charles Nicholl pesquisou em documentos históricos inéditos, burilou a vasta correspondência de seu objeto de pesquisa, em cartas enviadas da África, onde ele nunca mais falou em literatura, mas apenas sobre dinheiro, comércio, lucros e rendimentos e, descrevendo suas andanças percorridas entre as regiões da Etiópia e o Egito com altivez, não mais parecido com o jovem poeta que Verlaine tanto admirava.

Apesar de um físico frágil, andava quilômetros, percorrendo em caravanas os lugares mais perigosos do continente africano.

Amigos morreram acompanhados por familiares comandando caravanas nas rotas de Harar e da Abissínia, nas viagens a Hensa e na rota Harar-Zeila. Perigos, medo e, ao mesmo tempo coragem, o jovem Rimbaud passou nessa sua vida de comerciante de caravana. Os nativos, com imensas lanças, assaltavam esses comerciantes e os matavam para roubar, sobretudo armas.

Sente-se sozinho ao perder seus companheiros e com muito temor, mas com uma coragem maior ele seguiu em seus trajetos comerciais obtendo seus lucros, passando a ser um mercador de sucesso.

De tanto caminhar e de tanto carregar as suas mercadorias pelos caminhos vielas e cidades africanas, em péssimas condições climáticas que eram mais ásperas que as da Europa, trouxeram ao jovem literato/comerciante, consequências tristes.

Rimbaud desenvolvei sinovite em seu joelho direito que mais tarde se tornou carcinoma. Seu estado de saúde piorou, sendo obrigado a retornar a França, em maio de 1891. Foi hospitalizado em Marselha e teve sai perna amputada. Passou um rápido e curto período na casa da família para uma recuperação no pós-operatório, mas logo desejou voltar à África para cuidar de seus negócios, mas o seu estado de saúde piorou, pois sua enfermidade se agravou. Voltou para o hospital em Marselha onde sofreu muito e recebia apenas as vistas de sua irmã Isabelle. Em novembro do mesmo ano Rimbaud finalmente descansou. Morreu ainda jovem, com apenas 37 anos e seu corpo foi enterrado no jazigo da família em Charleville.

Rimbaud, que foi para a África e acabou por traficar armas de fogo no norte desse continente, mas por outro lado, tornou-se uma referência para a literatura poética do século seguinte, servindo como argumento para célebres discussões que se processaram sobre a impossibilidade de dissociação do poeta e da poesia.

Assim sendo, deixou seguidores, influenciados pela sua produção e pelo método do Simbolismo, pois sua poesia e sua vida sempre impressionaram literatos, historiadores, músicos e pintores do século XX como Pablo Picasso, Allen Guinsberg, Vladimir Nabokov, Bob Dylan, entre vários outros. Sua vida foi retratada também no cinema, em filmes do cineasta italiano Nelo Rizzi, como Uma Temporada no Inferno, de 1970 e, em 1995 a cineasta polonesa Agnieska Holland dirigiu Eclipse Total de Uma Paixão.

Referências

CHARTIER, Roger. A História ou a Leitura do Tempo. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.

ELEUTÉRIO, Maria de Lourdes, AVELINO, Yvone Dias (et. Al.). O Bosque Sagrado e o Borrador, In: Revista Projeto História. São Paulo: EDUC, nº 8/9, 1992.

FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala. Rio de Janeiro: José Olympio, 1961.

LACAPRA, Domonick. História e Romance, In: RH, Revista de História da UNICAMP, nº 2/3. Campinas: UNICAMP, 1991.

NICHOLL, Charles. Rimbaud na África: Os Últimos Anos de um Poeta no Exílio (1880-1891). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007.

PESAVENTO, Sandra Jutahy. História & História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

SEVCENKO, Nicolau. Literatura como Missão. São Paulo: Brasiliense, 1995.

VEYNE, Paul. Como se Escreve a História. Brasília: UnB, 1995.

WILLIAMS, Raymond. O Campo e a Cidade: Na história e na literatura. São Paulo: Companhia de Bolso, 2011.

Yvone Dias Avelino – Professora-titular do Departamento de História da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Coordenadora do Núcleo de Estudos e História Social da Cidade (NEHSC-PUC-SP).


NICHOLL, Charles. Rimbaud na África: Os últimos anos de um poeta no exilio (1880/1891). Trad. Mauro Pinheiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007. Resenha de: AVELINO, Yvone Dias. Rimbaud: Um Poeta perdido na Europa e que se encontrou na África (1880-1891). Cordis – Revista Eletrônica de História Social da Cidade. São Paulo, n.20, p. 424-439, jan./jun. 2018. Acessar publicação original [DR]

 

El Oriente desplazado: Los intelectuales y los orígenes del tercermundismo en la Argentina | Martín Bergel

El presente trabajo es fruto de la tesis de doctorado del historiador argentino Martín Bergel, defendida en el año 2010 y publicada bajo el formato de libro en el año 2015 por la editorial de la Universidad de Quilmes. En este libro el autor reconstruye el surgimiento y la difusión de una imagen positiva de Oriente, consolidada en la década de 1920, que invierte la visión clásica, dominante durante el siglo XIX y principios del siglo XX, según la cual el Oriente representa una serie de valores negativos como la barbarie, el atraso y la violencia. Bergel sitúa a este fenómeno intelectual y cultural, al que denomina “orientalismo invertido”, como un antecedente de lo que durante la década de 1950 se difundirá en Argentina como tercermundismo.

La particularidad del libro reside en que el autor propone una categoría histórica que supone una valoración diferente de aquel conjunto de imágenes y generalizaciones referidas al Oriente que el intelectual palestino Edward Said englobó bajo el término “orientalismo”. Este concepto supone, para Said, una proyección occidental sobre Oriente que se plasma en una serie de significados, asociaciones y connotaciones orientadas a ejercer una dominación sobre el mismo. A través del “orientalismo invertido”, Bergel logra articular un minucioso e interesante trabajo de investigación que alterna enfoques más descriptivos con otros más argumentativos y que confiere un papel fundamental a la dimensión material -libros, crónicas de viajes, revistas, correspondencias, intercambios epistolares, traducciones, fotografías, entre otras- que asiste a la circulación de ideas e imágenes sobre el Oriente generada por intelectuales de diversos lugares del campo cultural y político. Leia Mais

Escravidão, Abolição e Pós-Abolição | Revista Historiar | 2017

“Art. 3.º Empregado rural é toda pessoa física que, em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não eventual a empregador rural ou agroindustrial, sob a dependência e subordinação deste e mediante salário ou remuneração de qualquer espécie”.

Projeto de Lei N. 6442/2016 de autoria do deputado federal Nilson Leitão (PSDB-MT)

Aproximando-se do marco de 130 anos da abolição da escravatura no Brasil, a se realizar em 2018, o tema que nunca deixou de figurar entre as principais problemáticas do universo acadêmico, volta à baila do modo mais cruel possível, o da permanência que se veste de trajes de retrocesso não só social, mas também político e institucional. A proposta de lei que busca reordenar as relações de trabalho no espaço rural, prevendo a possibilidade de remuneração em forma não salarial, abrindo espaço para converter fornecimento de alimentos e moradia enquanto contrapartida ao trabalho, assustadoramente remonta ao inglório tempo da escravatura no Brasil, o que nos leva à observação do quanto nosso pacto social ainda precisa ser fortalecido para que se atinja padrões mínimos de civilidade. Leia Mais

The European Union in Africa: Incoherent policies/ asymmetrical partnership/declining relevance? | Murizio Carbone

African and European affairs are intimately and historically entwined. The twentieth first century, however, has been characterized by the ascension of a relatively new player: the European Union (EU). It was not until the 1990s, with the advent of a Common Foreign and Security Policy (CFSP) and the Common Security and Defence Policy (CSDP), which were added together with more traditional external policies, such as trade and development, that the EU acquired a “proper” foreign policy dimension.

With these characteristics in mind, “The European Union in Africa”, originally released in 2013 and re-released in paperback in 2016, is a collection of papers written by different experts on the field of European studies. It is edited by Maurizio Carbone1 and endeavours to evaluate the EU’s foreign policy in Africa in the twenty-first century. The volume aims to challenge traditional views enclosed in the subtitle: “incoherent policies, asymmetrical partnership, declining relevance?”. Leia Mais

A África que incomoda: sobre a problematização do legado africano no quotidiano brasileiro | Carlos Moore

A África que incomoda: sobre a problematização do legado africano no quotidiano brasileiro (2010) é um livro sobre uma diversidade de temas da contemporaneidade, não só brasileira, mas da totalidade dos países que se beneficiaram do tráfico de africanos escravizados e seus descendentes. Trata-se de uma obra de intervenção política que alia uma ampla fundação teórica à experiência de aproximadamente quatro décadas de observação de Carlos Moore em uma multiplicidade de ambientes sociais e no combate ao racismo, nas mais diversas partes do mundo. É um livro de fundamental importância, por trazer a contribuição do autor à compreensão da influência africana na cultura e no quotidiano sociocultural brasileiro.

O livro está dividido em três partes, sendo a primeira “África no cotidiano político: que tipo de cooperação”, a segunda, “A África no cotidiano educativo: bases práticas para o ensino da História da África”, e a terceira, “A África no cotidiano internacional: ou um governo federal continental, ou o caos”, composta por três entrevistas. Leia Mais

O Guia árabe contemporâneo sobre o Islã político | Ibrahim Abu-Rabi

Lançado em 2011 este livro vem completar duas lacunas: A primeira – existente em todo mundo euro-americano – de obras sobre o Islã e mundo árabe escritas por seus próprios interlocutores. É bem conhecida a frase de Karl Marx usada como epígrafe no clássico livro de Edward Said “Eles não podem representar a si mesmos; devem ser representados”; a segunda – a da mesma linhagem de obras publicadas em português – embora o número de obras publicadas no Brasil sobre essa temática tenha crescido desde o fatídico 11 de setembro de 2001 e trabalhos acadêmicos especializados estejam numa crescente, estudos sobre Islã e mundo árabe feitos por árabes e muçulmanos ainda são raros. Basta lembrar que entre os autores mais publicados – no Brasil sobre esta temática temos Albert Hourani e Edward Said com ascendência árabe, mas com carreiras consolidadas no Reino Unido e EUA, respectivamente, e Karen Armstrong e Bernard Lewis, sem ascendência árabe e oriundos dos mesmos países. Leia Mais

África e Brasil no Mundo Moderno | Eduardo França Paiva e Vanicléia Silva Santos

 

Resenhista

Jeocasta Oliveira Martins – Universidade Federal de Minas Gerais.


Referências desta Resenha

PAIVA, Eduardo França; SANTOS, Vanicléia Silva. (Orgs.). África e Brasil no Mundo Moderno. São Paulo: Annablume. Belo Horizonte: PPGH-UFMG, 2012. Resenha de: MARTINS, Jeocasta Oliveira. Uma história de conexões: África e Brasil. Escrita da História, v.1, n.1, p.144-149, abr./set. 2014. Acesso apenas pelo link original [DR]

A Primavera Árabe: entre a democracia e a geopolítica do petróleo | Paulo Fagundes Visentini

A Primavera Árabe tornou-se, a partir de 2010, tema recorrente nos grandes debates das Relações Internacionais. O movimento tem início cronológico marcado pelo ato desesperado de um jovem de 26 anos que, enquanto vendia legumes na rua, foi humilhado e impedido de realizar sua atividade, ateou fogo ao próprio corpo no dia 17 de dezembro de 2010, falecendo em 4 de janeiro de 2011. Tal fato desencadeou uma onda de protestos e manifestações contrárias aos regimes autoritários existentes na região do Oriente Médio.

O que move Paulo Visentini é apresentar ao leitor desapercebido que a Primavera Árabe não consiste em uma reação a um ato isolado, mas sim, consequência de um processo histórico longo que envolve relações de poder, uma geopolítica norteada por estratégias de manutenção de áreas de influencia e o poder econômico gerado pela disponibilidade (ou não) de petróleo na cena internacional. Leia Mais

África parceira do Brasil Atlântico. Relações internacionais do Brasil e da África no início do século XXI | José Flávio Sombra Saraiva

África parceira do Brasil atlântico compõe uma das coleções da editora Fino Traço (Belo Horizonte), coleção designada de “Relações Internacionais”, tal coleção nos aparece em meio ao crescimento da importância do tópico que a nomeia, em razão de uma maior inserção, nos últimos anos, do Brasil nos problemas internacionais contemporâneos [1].

O autor da obra África parceira do Brasil atlântico, José Flávio Sombra Saraiva, possui um currículo versado no assunto, pois além da experiência com a temática no ensino superior em diversas universidades estrangeiras e ainda como professor titular de Relações Internacionais na UnB, também dirige o Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (IBRI). O livro marca o interesse do professor e pesquisador acerca da diplomacia e economia na História do presente. Leia Mais

O Alufá Rufino: tráfico, escravidão e liberdade no Atlântico Negro (c.1822-c.1853) | João José Reis e Flávio dos Santos Gomes

Nas últimas páginas de Alufá Rufino os autores ressalvam, talvez tardiamente, sobre as impressões que os leitores possam ter a respeito de uma inversão na imagem da escravidão atlântica, na verdade não uma inversão, mas outra versão, em que o binômio bom/mau se torna difuso. Tradicionalmente, a idéia de maldade para o catolicismo, o pecado (o mau) como oposição às coisas de Deus, como pensava São Tomás de Aquino, poderia ser aplicada para opor a religiosidade de Rufino, um Alufá – um mestre de sabedoria para uma corrente do islamismo – a sociedade branca oitocentista brasileira, mas não é o que acontece nas entrelinhas de sua história.

A religiosidade de Rufino não é vista neste livro como um fardo para o africano Rufino, ao contrário, tornar-se Alufá faz parte de uma série de escolhas que fizeram ímpar sua trajetória. Outros ex-escravos, vindos também da África e com uma vida dissonante da grande maioria, amealharam dinheiro, algumas vezes originário do tráfico negreiro, ou gozaram de certa relação privilegiada na comunidade, geralmente da relação com os cultos adivinhatórios, como mostrou João José dos Reis, um dos autores aqui, em seu livro sobre Domingos Sodré.

É preciso lembrar que os leitores referidos não são necessariamente historiadores ou aqueles que já leram as obras mais recentes que tratam da complexa rede que estruturou a escravidão, textos que discutem o fato de que não só na África houve comércio de escravos por negros. No Brasil, alguns libertos conseguiram adentrar, em pequeno volume, neste negócio.

Como o livro parece ter sido escrito para um público leitor maior do que o alvo de obras acadêmicas, as explicações sobre as nuanças mostradas sobre a vida de Rufino podem ter uma intencionalidade, talvez uma escrita que queira ser mais próxima de uma narrativa romanceada, com um personagem multifacetado que vai se modificando ao passar das páginas. Claro que Rufino não se transforma num personagem caricato aos moldes dos folhetins, suas experiências em diversas partes do Brasil e depois em navegações atlânticas o conduzem a uma série de oportunidades, como possivelmente ter aprendido o preparo de ungüentos com seu senhor, um boticário; ter se tornado um pequeno comerciante transatlântico e talvez de escravos; e ainda ter estudado em escolas islâmicas, aprendendo inclusive a ler e escrever árabe, o que provavelmente possibilitou sua condição de “mestre” em Pernambuco.

Estas oportunidades que levam Rufino a uma condição singular na história do tráfico negreiro do século XIX, também possibilita que os autores do livro o utilizem como um guia para diversos assuntos, como a empresa marítima do tráfico ilegal, a diversidade étnica e religiosa dos escravos e a sociedade branca brasileira, esta última através das páginas de jornal que noticiaram o caso da prisão de Rufino.

Algumas questões chamam a atenção neste livro, primeiro à alforria de Rufino, que além de inusual em sua forma, um documento que mais se aproxima de um alvará, o que podia ser uma forma também diferente dos padrões para um acordo com seu senhor, nos mostra sua desenvoltura na sociedade escravista, já que parece ter conseguido arrecadar o valor que se pagaria por um escravo no Rio Grande do Sul e assim comprar sua alforria. Segundo, a maneira que ele transitava no universo mercantil atlântico, com certas regalias, como a de levar caixas de goiabada numa embarcação, possivelmente de tráfico, para serem comercializadas na costa africana. E depois, continuar pleiteando os direitos a reparação de sua carga apreendida no Ermelinda, detida por acusação de tráfico de escravos.

Também é curiosa a certa tolerância de uma sociedade dominante cristã a religião do Islã praticada pelos africanos, sendo eles ladinos, mais experientes nas relações com os brancos, ou boçais, que deveria trazer suas convicções religiosas mais firmes, pelo menos com as práticas mais frescas na memória.

A curiosidade sobre a alforria de Rufino é que ele pode ter negociado sua liberdade através de um acordo muito particular, o que talvez justifique um documento que normalmente não serviria para este fim. Sendo Peçanha, senhor de Rufino, uma autoridade jurídica, atuando nesta peça como juiz e senhor, o documento tem até um peso maior, dando plenos direitos à liberdade, sem citar o valor de contrato. Isto mostra que havia um dinamismo na relação senhor-escravo2 que permitia certos acordos, os autores levantam a possibilidade que Rufino tenha pagado ao senhor 600 mil-réis, mas este dado não está incluído no documento por ser este um ato jurídico, como já dito, de uma atuação dupla, de autoridade e interessado ao mesmo tempo. Acredito que esta negociação pode ainda ter outros ingredientes que não foi possível demonstrar na pesquisa.

Se então Rufino pagou a importância declarada por ele, mostra que sua ladinização fora frutífera, talvez, como mostram os autores, ele já tivesse amealhado alguma importância ainda nas ruas da Bahia. A atividade comercial, feita por escravos de ganho, tornou-se tão disseminadas em algumas cidades brasileiras que gerou pressões de comerciantes sobre as autoridades. Em Salvador uma medida tentou regularizar a atividade comercial de rua, em 1835 a câmara da cidade editou lei que obrigava a fazer uma matrícula com nome, nome do senhor (caso fosse escravo), tipo de venda, tendo que ser atualizada mensalmente (Reis, p18, 1993).3

Sobre a capacidade de Rufino de utilizar as brechas existentes na sociedade escravagista brasileira é interessante também sua história atlântica, depois de ter vindo agrilhoado nos porões insalubres dos tumbeiros, alguns anos depois, já liberto, comandava a cozinha de embarcações que provavelmente alternavam sua carga entre mercadorias e escravos. A cozinha, como os autores destacam incisivamente, seria muito importante para o negócio ultramarino de cargas vivas, principalmente porque estar em alto-mar não permitia que as pessoas tivessem boas chances de permanecer vivas ante alguma doença violenta, as condições de transporte eram as piores possíveis. Uma provável condição de conhecedor das práticas de um boticário aumentaria o cartaz de Rufino, controlar a qualidade mínima dos alimentos e ainda ter algum tipo de conhecimento para aliviar um mal que pudesse ser tratado ali deveria fazer dele um profissional desejado pelas companhias atlânticas.

Decerto esta importância facilitou com que Rufino tivesse a oportunidade dele mesmo fazer um comércio atlântico, se ele conseguiu mesmo os 600 mil-réis que disse ter pagado por sua alforria, o preço médio de um escravo, não seria estranho pensar que ele tivesse certo traquejo para a negociação. O que também chama a atenção é que, de volta ao Brasil, seus contatos com os donos do Ermelinda não cessaram, provavelmente pelo interesse mútuo, se Rufino queria ser ressarcido por suas goiabadas estragadas, também seu nome constava como papel importante no processo de apreensão da embarcação.

Na última viagem de Rufino à África, ele continuou se aperfeiçoando nos estudos, desta vez o tempo que passou na escola de Fourah Bay parece ter sido suficiente para lhe preparar para ser um mestre islâmico, um Alufá, quando voltara para o Brasil. Apesar dos documentos que foram utilizados na pesquisa do livro se tratar de uma prisão e sua repercussão na imprensa, parece que em certa medida a religião de Maomé era mais tolerada que os cultos dos orixás. O que era estranho em vários sentidos, pois também praticavam adivinhações e uso de objetos rituais simbólicos em suas práticas.

Rufino, por exemplo, sobrevivia de curar males, prever o futuro e até mesmo retirar feitiço. E se a imprensa chamava quem praticavam tais atos de velhacos e oportunistas, é de se estranhar que Rufino tenha sido tratado diversas vezes por mestre ou por homem de sabedoria. Talvez a sua capacidade de escrever e ler árabe o colocasse numa posição diferente dos demais cultos, ou mesmo a sua clientela fosse a responsável por esta diferenciação. Ou seja, alguns brancos também acreditavam na capacidade espiritual do Alufá, não se sabendo quantos ou se os mesmo eram influentes.

Rufino dá margem para pensarmos que a relação entre negros e a sociedade branca brasileira, pelo menos nos subterrâneos, era permeável e que possibilitava até mesmo uma inversão de lugares, o Alufá era o mestre que propiciava conhecimento a quem o procurava, como podemos imaginar pelo relato de Rufino não eram somente os negros.

O livro termina deixando claro que Rufino foi um personagem da história brasileira, ou de uma história atlântica, que soube utilizar as fissuras da sociedade para sobreviver à violência da escravidão. Alguém que reconstruiu seu espaço, se colocando num outro lugar da embarcação negreira, os autores mostram que ele literalmente mudou de lado em relação à caldeira.

Esta reconstrução do espaço, dentro de possibilidades, é claro, se deu não só na relação econômica, mas em sua atividade social, reafirmando sua crença islâmica, ser Alufá o colocou numa posição de destaque numa pequena comunidade de escravos e libertos malês, e em certa medida, também o destacava na sociedade dominante. Rufino foi um guia dos autores para revelar relações que ocorriam na penumbra, que não são percebidas num rápido passar de olhos, mas que são importantes para entendermos a formação da sociedade brasileira, que se pensarmos em Gilberto Freyre, se tornaria cada vez mais matizada.

Notas

2. Para compreender mais sobre essa relação ver CHALLOUB, Sidney. Visões da Liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na corte. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

3. João José Reis. A Greve Negra de 1857 na Bahia. Revista USP, 18, 1993.

Tissiano da Silveira1 – Mestrando do Programa de Pós-graduação em História na Universidade Federal de Santa Catarina, bolsista CNPq. E-mail: [email protected]


REIS, João José; GOMES, Flávio dos Santos; CARVALHO, Marcus Joaquim de. O Alufá Rufino: tráfico, escravidão e liberdade no Atlântico Negro (c.1822-c.1853). São Paulo: Companhia das Letras, 2010.Resenha de: SILVEIRA, Tissiano da. A trajetória singular de Rufino. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.30, n.2, jul./dez. 2012. Acessar publicação original [DR]

 

A África Contemporânea: do colonialismo aos dias atuais | Pio Penna Filho

Ainda são escassas na academia brasileira as obras cujo foco é aÁfrica, e o mesmo vale para análisedas relações entre Brasil e o outro lado do Atlântico Sul. No entanto, há modificações interessantes neste cenário. O transcurso 2010-2012 proveu uma safra de qualidade sobre àquela região,com publicações de nomes já tradicionais na área, como Pio Penna Filho (2010), José Flávio Sombra Saraiva (2012) e Paulo Vizentini (2010a; 2010b; 2010c).A tarefa a qual se propõe Pio Penna Filho, Professor de História das Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB),em seu A África Contemporânea: do colonialismo aos dias atuais, consiste em preencher a lacuna que permanece no campo dos estudos da África Contemporânea e das relações Brasil-África no período.Com o trabalho, o autor busca explorar os elementos presentes em uma África pós-Colonial1 , avançando sobre a agenda de pesquisa, que tradicionalmente se debruça sobre a África pré-Colonial e/ou Colonial.

Esquematicamente, o livro está estruturado em duas partes. A primeira tem como objetivo analisar, em perspectiva histórica, a evolução do continente africano nos dois últimos séculos, de modo a reconstruir as bases nas quais se alicerçou o sistema colonial europeu ao final do século XIX para depois percorrer o século XX, marcado pela descolonização às portas do pós-Guerra Fria, adentrando a primeira década do novo milênio com suas alterações subjacentes no sistema internacional que possibilitaram uma inserção africana propriamente dita. Leia Mais

História da África: uma introdução – LOPES; ARNAUT (RHR)

LOPES, Ana Mónica; ARNAUT, Luís. História da África: uma introdução. Belo Horizonte: Crisálida, 2005. Resenha de: SILVA, José Alexandre da. Revista de História Regional, v.16, n.1, p. 304-310, Verão, 2011.

Desde 2003, quando o Presidente Lula sancionou a lei nº 10.639, vários títulos dedicados à história afro-brasileira e africana têm surgido no mercado editorial brasileiro. O conteúdo da referida lei torna obrigatório o ensino de História Africana e Afro-brasileira nas escolas públicas e particulares de nosso país. Nesse sentido, ela cria uma demanda de materiais que sirvam de subsídio para professores da Educação Básica, alunos de graduação e a quem mais interessar. Uma das formas em que o mercado editorial vem respondendo a essa necessidade é trazendo a público livros de caráter introdutório.1 Uma dessas obras é História da África: uma introdução.

De autoria de Ana Mónica Lopes, africana nascida em Lubango, doutora em História das Culturas, e Luís Arnaut, professor de História da África na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Este livro de dimensões modestas visa introduzir o leitor ao conhecimento acerca da história da África. Não obstante, cumpre seu papel construindo um panorama do continente amparado em pesquisadores brasileiros e africanos e, seu principal mérito, traz as principais concepções historiográficas acerca do continente africano.

A conquista dos movimentos negros que representa essa lei, a nosso ver, passa por alguns dilemas. Embora algumas unidades da federação organizadas com suas Secretarias de Educação, oficialmente possuam um discurso no sentido de efetivar a lei, é outra história afirmar que ela seja de fato levada até seu objetivo final, a sala de aula. Quando se fala de história africana, logo nossas lembranças escolares nos remetem à história da escravidão, com as imagens de negros em ambiente de trabalho ou sendo açoitados. Pensando na história da África, o conteúdo escolar mais recorrente é o das navegações do século XVI, quando portugueses e holandeses contornam o continente. Essa visão repousa na representação do dominador, civilizado e possuidor de um aparato tecnológico mais sofisticado, o europeu. Em contrapartida, temos a representação do africano submisso, colonizado e destituído de objetos que remetam à ideia de tecnologia. Assim, a visão mais difundida da África continente torna-se um obstáculo.

Ao longo do tempo, esses elementos presentes nos materiais escolares e nas salas de aulas, se cristalizaram em nosso imaginário. Romper com a narrativa do negro vitimizado vindo de um lugar desconhecido pode ser um passo essencial para que os afrodescendentes se assumam como tal. Entretanto, também é importante lembrar que construir uma narrativa na qual os africanos e os afro-brasileiros figurem de forma digna não significa fomentar ódio racial ou um país cindido entre brancos e negros.2 Nosso país é composto por várias etnias, e que cada uma tenha sua história não implica em animosidade entre as mesmas.

Já na introdução da obra, os autores justificam a necessidade de seu livro apresentando a questão de como os professores ensinarão a seus alunos algo que não aprenderam nos bancos da universidade, considerando que nos cursos de licenciatura o continente aparece como secundário e marginal em relação a alguns processos históricos. No primeiro capítulo, são abordadas as várias construções acerca da ideia de África, em fontes como os textos de Heródoto, Plínio e a cartografia medieval, desde o período da Antiguidade, passando pela Idade Média e Moderna. No geral, prevalece a noção de “território de monstros”, continente associado ao “Bestiário” e região de “clima inóspito”.

O segundo capítulo questiona o termo África que, utilizado de forma genérica, como identidade estabelecida pelo europeu, para todos os habitantes do continente não permite uma matização de suas diferenças físicas, culturais e sociais, tendo sido utilizado como sinônimo de atraso. Os autores pontuam que os habitantes da África devem ser pensados como membros de civilizações e culturas que realizaram migrações, trocas culturais com outras civilizações e com padrões de sociabilidade que tornam inadequadas sua caracterização pela ótica ocidental. Há que se destacar a importância da reflexão empreendida pelos autores sobre os conceitos de raça, etnia e formação humana.

No capítulo 3, intitulado “Religiões”, Lopes e Arnaut traçam um perfil do continente africano no que tange a essa questão. A introdução das religiões monoteístas, como o cristianismo e o islamismo, é analisada de forma atenta pelos autores, os quais destacam que esta última se encontra na melhor posição para se tornar a religião do continente, devido ao seu ritmo de crescimento. No que se refere às religiões nativas, consideramos importante citar:

“[…] tentam responder às mesmas indagações que as demais religiões. Apresentam um deus superior que criou o universo e, em algumas, verificamos a presença de entidades menores […] Outro elemento importante é a ligação com os ancestrais […].” 3

O quarto capítulo trabalha a questão de como as diferentes tradições intelectuais se posicionaram diante do continente africano. A concepção hegeliana de negação de história para a África prevaleceu favorecida pela noção, superada, de se considerar o que é histórico vinculado ao surgimento da escrita. Nos dias de hoje, acredita-se que a humanidade está vinculada ao princípio da ereção corporal que possibilitou pensar outros registros, iconográficos e artísticos, como fontes de pesquisa. Os autores também mencionam a importância de alguns centros de pesquisa, que mesmo estando atrelados ao colonialismo europeu, deram uma contribuição importante para aspectos da história e geografia africana, assim como a realização do projeto História Geral da África coordenado pela na década de 1960.

O quinto capítulo versa sobre as organizações políticas. Nele, os autores trabalham com categorias de império e reinos e classificam a organização política dos povos africanos em três fases distintas até o período da colonização.

Uma se estende até o século VI da era cristã, marcada pela constituição de grandes culturas na faixa mediterrânea e na extensão do Nilo. Uma segunda até o século XV, marcada pela presença islâmica. A terceira fase vai até 1880 e é caracterizada pela presença europeia no continente.

O capítulo 6 é referente ao fenômeno que chamamos também de neocolonialismo. Até o final do século XIX, o contato dos europeus com o continente africano estava mais restrito ao litoral. Com as independências das nações latino- -americanas, voltaram sua atenção para continente que até então funcionava principalmente como repositório de escravos, partilhando-o entre si. As explicações mais comuns para esse fenômeno são realizadas a partir da perspectiva europeia, com a concentração de capital e formação de monopólios nos países colonizadores.

O livro aqui analisado traz uma perspectiva diferente, amparada na teoria da dimensão africana. Segundo essa, uma expansão do capital privado desencadeou uma ocupação militar no continente africano frente à ação de resistência dos habitantes nativos à colonização. Os europeus de fato tiveram motivos de ordem econômica para essa expansão, mas os povos do continente africano também estavam passando por transformações antes da presença europeia, de modo que a resistência dessas populações ao domínio comercial desencadeou o domínio militar. Essa resistência é categorizada pelos autores em: primária, primária retardada e intermediária. Em suas palavras: A resistência primária foi uma reação direta à ameaça representada pelos invasores europeus. Os reis buscavam através dos diversos meios disponíveis, tanto militares quanto diplomáticos, conter a invasão, ou pelo menos impedir que resultasse na extinção dos reinos. Após os europeus já terem estabelecido sua presença e sua autoridade no território africano, desenvolveu-se a resistência primária retardada.

Apesar da diferença da presença ou não do europeu, as duas resistências são chamadas de primária, na medida em que traduzem um confronto entre povos distintos […] A resistência intermediária revela uma acomodação entre as antigas estruturas africanas e as novas estruturas coloniais. A partir da década de 1920, assistimos a uma acomodação e a um ajustamento à nova situação na qual os africanos e os europeus participam, de forma assimétrica, é verdade, da mesma configuração social.4 O domínio colonial é tema do capítulo 7. Lopes e Arnaut explicam o êxito do domínio militar dos europeus com cinco razões: superioridade militar e logística; maior estabilidade; maiores recursos materiais e financeiros; maior conhecimento do continente; e o avanço da medicina tropical. As primeiras e principais preocupações dos europeus foram no sentido de coagir mão de obra para abastecer os portos com produtos nativos e expropriação da propriedade da terra em favor dos colonos.

A violência, o extermínio biológico e cultural são apenas algumas das facetas da colonização europeia na África. Lopes e Arnaut destacam outros elementos que necessitam ser considerados ao se analisar esse processo histórico. A colonização europeia trouxe transformações significativas para os africanos tais como: a urbanização, propagação da educação formal e formação de uma nova identidade. Esse último elemento foi fundamental no processo de luta pela independência dos países africanos. Essas independências são tema do capítulo 8, no qual os autores problematizam a forma como a temática é apontada nos livros didáticos. O termo independência é apresentado como forma de pensar o processo de fim de domínio de nações europeias sobre o continente africano, em contraposição ao termo descolonização.

Essa última designação, também utilizada por professores de História em sala de aula, elimina vestígios da luta africana nesse processo e fortalece uma visão etnocêntrica do processo histórico em questão.

Também destacamos a importância de um item ao final livro que apresenta uma lista de filmes cuja temática é África. Os comentários que acompanham cada filme podem bem auxiliar professores numa eventual escolha para trabalhar com seus alunos. Nesse mesmo item, também pode ser encontrada uma cronologia detalhada das independências africanas, trazendo dados como ano, data, chefe de governo, principais partidos e fatos ligados ao evento. Na sequência, encontra-se uma considerável lista de sugestões bibliográficas agrupadas em torno de grandes temas que podem servir como roteiro de um estudo mais aprofundado. Também observamos a presença de alguns erros gráficos que esperamos sejam corrigidos em edições posteriores.

A obra ora resenhada cumpre bem seu papel de introduzir ao conhecimento de história da África. Pode ser bastante útil tanto a professores do Ensino Fundamental e Médio, bem como a acadêmicos das Ciências Humanas e ao público em geral. Trata-se de um trabalho introdutório que oferece ao leitor um panorama historiográfico, e não meramente informativo, do tema abordado, a África, o que pode ser destacado como ponto forte da obra. Outro elemento que merece atenção diz respeito à forma como os autores abordam o impacto da colonização europeia no continente não de forma maniqueísta, colonizador versus colonizado, mas como elementos que integram um processo histórico que cotidianamente desafia os africanos na busca de novos rumos para o seu continente.

Notas

1 Sobre algumas dessas obras traçamos algumas reflexões: SILVA, José Alexandre. África e Brasil Africano para a sala de aula. Históriae-História. In: http://www. historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=resenhas&id=21; _____ Ancestrais: uma introdução à História da África Atlântica. Revista África e Africanidades. Ano I – n. 4 – Fev. 2009. In: http://www.africaeafricanidades.com/documentos/ Ancestrais_uma_introducao_a_historia_da_Africa.pdf

2 Este argumento é defendido por alguns autores, entre os quais destacamos: MAGNOLI, Demétrio. Uma Gota de Sangue. São Paulo: Contexto, 2009. Ver: SILVA, José Alexandre. Históriae-História. In: http://www.historiaehistoria. com.br/materia.cfm?tb=resenhas&id=60

3 LOPES, Ana Mónica; ARNAUT, Luís. História da África: uma introdução. Belo Horizonte: Crisálida, 2005, p. 30-31.

4 LOPES, Ana Mónica; ARNAUT, Luís. História da África: uma introdução. Belo Horizonte: Crisálida, 2005, p. 64.

José Alexandre da Silva – Professor de História da Secretaria de Estado de Educação do Paraná, e mestrando em educação pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). E-mail: [email protected].

Capoeira – The History of an Afro-Brazilian Martial Art | Matthias Röhrig Assunção

A produção intelectual sobre capoeira tem crescido vertiginosamente, no Brasil e no exterior. Em meio a esse aumento de publicações e pesquisas sobre a temática, o livro do historiador Matthias Assunção, Capoeira – The History of an Afro-Brazilian Martial Art, merece destaque pelas questões levantadas. Assunção, que nos últimos quinze anos é membro do corpo docente da Universidade de Essex, na Inglaterra, se configura hoje como um dos principais expoentes nos estudos sobre capoeira.

No livro em questão, o autor estabelece um grande panorama da situação da capoeira desde o século XIX até os dias de hoje. O fio condutor da análise constitui-se em perfazer os caminhos pelos quais uma brincadeira de escravos marginalizada e temida “arma corporal” se tornou o jogo da moda de ‘descolados’ pelo mundo todo. Leia Mais

As relações internacionais da Ásia e da África | Paulo Fagundes Vizentini

O mundo atual apresenta mais de 190 países espalhados pelo globo cada qual, com maior ou menor intensidade, mantendo relações com outros Estados e agentes. Acostumamos-nos, todavia, seja pela origem de nossa disciplina ou por pertencermos à América, a focarmos grande parte de nossos estudos das relações internacionais ao que ocorre basicamente no lado não oriental da antiga “cortina de ferro”, passando da Europa aos EUA, até chegarmos à América do Sul.

Entretanto, esse tipo de enfoque já não satisfaz ao profissional que se preocupa em compreender a recente dinâmica internacional. A Ásia, juntamente com os países do Oriente Médio e África, estão cada vez mais presentes nos espaços jornalísticos e é preciso entender o processo pelo qual essas regiões chegaram a este lugar de destaque, para que se produzam análises mais consistentes. E esse é o vácuo na literatura que o livro Relações Internacionais da Ásia e da África vem a preencher. Leia Mais

Dictionnaire de la colonisation française | Claude LIauzu

Entre as muitas obras recentes que tratam do passado colonial da França, o Dicionário da colonização francesa destaca-se pela abrangência das temáticas e análises, numa época de grandes debates no campo desta história. Falecido no ano da publicação deste dicionário, o grande historiador Claude Liauzu o organizou com a preocupação central de valorizar a seriedade na determinação dos fatos e respeitar a pluralidade das interpretações. Ele introduz o volume « A colonização em questões » (p. 9-25) expondo suas ambições e limites.

Os grandes embates que ocupam a fábrica da história colonial na França dos séculos XIX e XX, e sua eventual instrumentalização pelos poderes políticos, torna o assunto atual. Claude Liauzu e sua equipe de dezenas de colaboradores (entre os quais pesquisadores oriundos dos países antigamentes colonizados) decidiram encarar o desafio, afirmando a necessidade de oferecer aos leitores pontos de referência seguros a partir dos quais eles possam definir uma opinião informada no fogo cruzado das « guerras de memória ». Daí a forma de dicionário. São setecentos e setenta e cinco entradas que dizem respeito a pessoas, eventos, mas também categorias de análise histórica. « Tempos fortes », que antecedem sequência alfabética, estabelecem a periodização do assunto. Dezoito mapas e uma bibliografia (dividida tematicamente), no fim da obra, além de diversos índices (de pessoas, lugares e temas, disponíveis na internet) ajudam o leitor a se situar. Os nomes que, nos textos, remetem a artigos próprios são assinalados por asterisco e setas associam outros relacionados.

São tratados aspectos variados, destacando-se a definição do próprio título « colonização » com vários desdobramentos: etimológicos (« colônia », p. 200-201, e « colônia penal » p. 201) ; sociais e políticos como o dossiê « colonos – brancos pobres e ´franceses majorados » (p. 202-210) com várias seções, inclusive o « colono visto pelo colonizado » ; geográficos, mostrando as dimensões políticas, em cada região em que atuou, América, África, Ásia, Próximo Oriente ; culturais, revelando os diversos olhares sobre o fenômeno, « escola colonial » (p. 258), « a escola do colonizado » (p. 259-263), « professores primários » (p. 381), « estudantes colonizados » (p. 280), e mesmo as prestigiosas instituições acadêmicas como a « Escola francesa do Extremo Oriente » (p. 263), focada em aspectos tocando diretamente à historiografia. « As colônias na escola » (p. 265) complementada pelo dossiê « criança e propaganda colonial – Convencer os jovens da metrópole » (p. 269) e o artigo « Propaganda colonial oficial » (p. 538-539), expõe a maneira como a colonização foi ensinada pelos manuais e outros meios de divulgação, desde a criação da escola pública, laica, gratuita e obrigatória, pelos próprios governos da IIIa. República, que promoviam ambas.

« Escritores e colonização » trata da literatura acerca deste fenômeno, seguindo uma entrada rápida sobre o papel de editoras como as Éditions de Minuit, que publicaram grandes textos de combate contra a colonização, em particular A questão, de Henri Alleg, denunciando a tortura utilizada pelo exército francês durante a guerra – que não dizia seu nome – da Argélia. Enfim, « palavras e colonização », (p. 482), « migrações e colonização » (p. 470). « República e colonização – Relações ambíguas » (p. 552-557), faz objeto de um dos numerosos dossiês analíticos que pontuam a obra, com um subtítulo « colonização e civilização », onde são tratados os grandes traços do discurso dominante a respeito do assunto. Outro dossiê, « Capitalismo e colonização. Um debate » (p. 168-172), mostra como se articulam império e prosperidade na metrópole, ao longo dos séculos. « Cristianismo, missões e colonização » (p. 185-191) seguido de « Cristianismo e descolonização » (p. 191-193) focam no papel dos religiosos, numa empresa estatal cuja fase republicana foi marcada pelo anti-clericalismo.

Outros conjuntos de artigos poderiam assim ser singularizados, particularmente em torno dos artigos-dossiês que propõem uma síntese sobre dado assunto, tentando equilibrar o tratamento dos diversos espaços geográficos que, através de quatro continentes, sofreram a marca da empresa colonial francesa : por exemplo, a Nova Caledônia (p. 501-505), complementada por outros artigos como « religiões da Oceânia », (p. 551) « Oceânia » (p. 506-507) « Novas Hébridas Vanuatu » (p. 505) e assuntos, às vezes esquecidos, como o de Moruroa, atol onde os franceses efetuaram seus experimentos nucleares (p. 481).

Em « Raça » incluindo « a política das raças », « racismo » (p. 545-548), Liauzu, autor do maior número de entradas, evoca um campo que detalhou no seu notável estudo Raça e civilização. O outro na civilização ocidental (Paris: Syros, 1992). Ao lado dos artigos esperados sobre a « escravidão – quatro séculos de história da colonização » (p.272-277) e sua abrogação, com a figura emblemática de Victor Schoelcher (p. 579), os autores não se furtam a mencionar eventos recentes, como a Lei Taubira (2001), que confere ao tráfico negreiro o estatuto de crime contra a humanidade (« Comitê para a memória da escravidão » p. 210) e a mal afamada lei de 2005, posteriormente abrogada sob pressão dos meios acadêmicos e mais amplamente cidadãos, que pretendia obrigar ao ensino dos « aspectos positivos » da colonização francesa (p. 533).

Os autores utilizam conceitos atuais como os « lugares de memória » (p. 409-413), complementado em « imaginário e espaços » (p. 364-366), e lugares, simplesmente, inclusive presídios famosos (« Poulo Condor », no Vietnam, p. 536) ou manifestações físicas importantes como o « Mediterrâneo » (p. 460), ou ainda espaços situados no tempo como o artigo « O Magreb na véspera da colonização – Blocagens e tentativas de reforma ». (p. 437-440), ou « o grande deserto do Sahara » (p. 568).

Entre os assuntos tratados em si podem ser citados como exemplos as grandes temáticas do « povoamento » (p. 527), « campesinato » (p. 524), « industrialização » (p. 379), assim como conceitos: « negritude » (p. 495), « nacionalismos » (p. 488). As posições das grandes forças políticas são detalhadas (« Internacional Comunista » (p. 383); « OAS » (p. 506) « FLN » (p. 299) com seus desdobramentos: « chefes históricos », « Federação de França do FLN »; « Pan-africanismo » (p. 514). Personalidades de destaque como Ahmed Messali Hadj, nacionalista argelino do século XX, Ho Chi Minh (p. 359) ou Solitude (p. 586) heroina da resistência ao restabelecimento da escravidão nas Antilhas são tratados com particular cuidado assim como as « resistências à conquista » (p. 557) e grandes rebeliões, como a Kanak, em 1878 (p. 393) ou a insurreição em Madagascar de 1947 (p. 435) e as diversas organizações (partidos e movimentos armados, mas também confrarias e outras) de resistência dos povos colonizados pela França. Entre os personagens mencionados, pode-se destacar os resistentes à colonização, inclusive franceses como Camille Pelletan que denunciava no seu jornal, A justiça, a maneira como as autoridades republicanas francesas impunham sua civilização « por meio de canhões » (p. 526). Em obra póstuma de Claude Liauzu, História do anti-colonialismo na França do século XVI a nossos dias (Paris: Colin, 2007), este aspecto ganha vulto.

Obviamente, aspectos econômicos da empresa colonial estão presentes : as companhias que recebiam concessões da potência colonial (p. 213-216), « cultura de seringueira na Indochina » (p. 358) etc. Também é tratada a dimensão propriamente militar, os métodos de conquista e administração – « governo colonial » (p. 315-319) ; « ministério das colônias » (p. 472-473) – de vastos espaços e populações numerosas em âmbitos geográficos diversos e longínquos, embora nenhuma predominância seja dedicada a estes assuntos clássicos. No entanto, menciona-se aspectos peculiares como, sob o título « Marinha, Marinheiros – o seu papel na expansão colonial » (p. 444), evocando a situação difícil destes, muitas vezes oriundos de territórios colonizados. O maior destaque é dedicado aos conflitos de descolonização, sobretudo na Argélia, que se desdobra em dois dossiês: « guerra de Argélia – Uma guerra que não diz seu nome » (p. 321-335) e « guerra de Argélia e liberdades – Estado de sítio e poderes especiais » (p. 340); para garantir o equilíbrio no tratamento, há também : « Guerra de Indochina – A primeira guerra de descolonização» (p. 341-350).

Aspectos culturais têm, em compensação, muito destaque, desde « festas » (p. 297), « canção » (p. 179), como testemunho da cultura popular, refletindo preconceitos sob os apetrechos do exotismo, mas também nas dimensões de resistência como o anti-militarismo. Famosos artistas são retratados, como Josephine Baker (p. 130-131), cujo sucesso revelou visões metropolitanas da coisa tropical, por assim dizer, e influenciou numa mudança, surpreendentemente recente, nas mentalidades. « Fotografia – a colocação em imagens das colônias » (p. 529), « pintura orientalista » (p. 510) e « Cinema » (p. 194-200), tratam tanto de documentos fotografados encenados ou não, documentários e ficções, mostrando também os esforços de alguns autores para romper com os clichês coloniais, como o premiado « Indígenas », de Rachid Bouchareb (Cannes 2006). A literatura abrange as representações, inclusive populares, como a personagem bretã « Bécassine e suas aventuras coloniais » (p. 140) mas também as produções de criadores de horizontes diversos : literatura da África negra, magrebina, da Nova Caledônia, da Polinésia, « Indochina : edição e literatura » (p. 374) e enfim, « literatura e colonização » (p. 421), seguida de um artigo curioso : « literatura, romance policial e descolonização » (p. 422), mencionando sobretudo obras recentes que tratam de episódios de repressão na própria metrópole contra pessoas oriundas das (ex)colônias.

Muitos atores da descolonização, em várias áreas, literatura e política em particular, fazem parte do elenco biografado: como Leopoldo Sedar Senghor (p. 584), Albert Memmi (p. 461-462), Aimé Césaire (p. 176), desaparecido recentemente. Eles dividem páginas com autores franceses cuja obra e engajamento lhes estão ligados ou opostos: SaintJohn Perse (p. 572), Jean Paul Sartre (p. 578), Céline (p. 174), Camus (p. 163-164), André Malraux (p. 441). Outros autores, cuja obra fez evoluir consideravelmente os instrumentos do pensar da coisa colonial, são mencionados, por exemplo, Marcel Mauss (p. 458), Jean Dresch (251), Cheikh Anta Diop (p. 183), Frantz Fanon (286) e Maxime Rodinson (p. 565), além de revistas como « Presença africana », que marcou as gerações da descolonização fazendo « a ligação com os intelectuais franceses » (p. 538), bem como editores como François Maspéro (p. 455) que abasteceu os militantes anti-colonialistas com obras de Castro, Ho Chi Minh, Basil Davidson e tantos outros.

Entre as dimensões culturais, poderia se singularizar a questão das línguas criadas pela própria colonização « pidgin » (p. 532), « petit nègre » (p. 527) , « pataouète » (p. 523) e « sabir » (p. 568), assim como seu impacto sobre o francês : termos próprios à história colonial ou por ela gerados como « força negra » (p. 302) « spahis » (p. 587) « méharistes », os policiais do deserto (p. 461); ou ainda « bled » palavra oriunda do árabe falado na Argélia que passsou na língua francesa para designar o campo ; « bidonville » (clássica tradução de favela), cuja origem é marroquina ; « béké », termo das Antilhas, até hoje empregado para os descendentes de plantadores ; « cafre » termo utilizado na ilha da Réunion para designar as populações mestiças (p. 160).

O artigo « folie et psychiatrie » (p. 302) evoca a obra pioneira de Frantz Fanon e a recém formada sociedade franco-argelina de psiquiatria, cujo primeiro congresso (2003) consagrou o reconhecimento científico dos traumas resultantes da colonização e guerras de libertação. O dossiê « Saúde » (p. 575-577) trata da epidemiologia, mas sobretudo do imaginário e da justificação da exploração colonial apresentada como compensada pela assistência primária à saúde das populações colonizadas:« Institutos Pasteur » (p. 381) ; « Médicos » (p. 459) « quinine » (p. 544). Os autores do Dicionário não hesitam em abordar assuntos difíceis como o dossiê sobre « mestiçagens e uniões mistas – Da marginalidade à pluralidade incontornável » (p. 465-470); « homossexualidade » (p. 361); « corpos – realidades e imaginários » (p. 223-227) « prostitutas » (p. 539), ao qual corresponde o artigo «masculinidade colonial » (p. 454-455). Embora haja um dossiê importante « mulheres – elas também têm uma história » (p. 287- 295) associado ao artigo « moças – Um novo tipo social nascido da colonização » (p. 387-389), sua presença, esparsa em outras entradas, inclusive biográficas (poucas), é discreta.

Em suma, Dicionário da colonização francesa é uma obra que prima pela coragem dos autores, abrangência e atualidade dos assuntos e sobriedade benvinda no tratamento.

Christine Rufino Dabat – Professora do Departamento de História da UFPE.


LIAUZU, Claude (Dir.). Dictionnaire de la colonisation française. Conselho científico: Hélène d’Almeida Topor, Pierre Brocheux, Myriam Cottias, Jean-Marc Regnault. Paris: Larousse, 2007. Resenha de: DABAT, Christine Rufino. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.26, n.1, p. 266-271, jan./jun. 2008. Acessar publicação original [DR]

Além da Escravidão: investigações sobre raça/trabalho e cidadania em sociedades pós-emancipação | Frederick Cooper, Thomas C. Holt e Rebecca J. Scott

Vivemos um momento singular na história brasileira. Depois de anos de luta dos afro-descendentes, nunca a questão da desigualdade racial esteve tão visível: políticas públicas com o objetivo de reparar anos de exclusão têm sido implementadas; a pesquisa histórica é sensível a essa nova condição; nos cursos de pós-graduação, trabalhos são produzidos sobre o período pós-abolição, no intuito de analisar a historicidade da exclusão racial e dos embates da população negra pelo alargamento das fronteiras sociais. Entretanto, esses estudos, alguns distantes do mercado editorial, ainda não progrediram para análises comparativas com outras sociedades que conviveram com a escravidão e que também tiveram que enfrentar as dificuldades do período pós-emancipação.

Em se tratando de uma instituição atlântica, que teve repercussões na América, na África e na Europa, a escravidão e os contextos pós-emancipação devem ser analisados da maneira mais abrangente possível. Afinal, a situação de desigualdade racial está presente em todos os lugares nos quais existiu o trabalho cativo negro. Por isso, o livro Além da Escravidão: investigações sobre raça, trabalho e cidadania em sociedades pós-emancipação, escrito por três renomados pesquisadores norte-americanos, Frederick Cooper, Thomas C. Holt e Rebecca Scott, é imprescindível. Ele é fruto de estudos subordinados ao projeto Postemancipation Societies que, desde o ano de 1982, vem coletando e selecionando fontes do Caribe, da África e do Brasil. O livro contém três ensaios comparativos, que analisam as sociedades pós-emancipação em diferentes partes do mundo – como o Caribe britânico (especialmente a Jamaica), Cuba, a Louisiana (nos Estados Unidos) e a África colonial – e abrangem o período de 1833, ano da abolição da escravatura na Jamaica, até 1946, quando o trabalho forçado extinguiu-se na África de colonização francesa. Leia Mais

Conflicting Missions. Havana, Washington and Africa, 1959-1976 | Piero Gleijeses

Conflicting Missions. Havana, Washington and Africa vem cobrir um vácuo na história da política externa de Cuba, relativo a um aspecto já tão discutido anteriormente, mas que, até aqui, não ia além de meras conjecturas sem provas: foi Cuba subserviente à União Soviética em seus envolvimentos de suporte a movimentos revolucionários na África? Desde 1991, Gleijeses realizou quatorze viagens a Cuba a fim de pesquisar nos documentos oficiais a história dessa época e trabalhou, ainda, com os arquivos norte-americanos, britânicos, alemães e belgas, além de realizar inúmeras entrevistas com personagens-chave africanos. Os resultados dos estudos de Gleijeses mostram nitidamente que os fatores que moveram Cuba em direção à África foram basicamente dois: uma “compulsão messiânica de liderar a revolução” e a sobrevivência da própria revolução cubana (p. 375). Para tanto, não houve nenhuma coordenação prévia com a União Soviética, e Cuba chegou, em alguns momentos, a pôr em risco relações importantes em função desses ideais.

Das 552 páginas do livro, cerca de 150 são constituídas por notas e referências bibliográficas e documentais. O restante está dividido em duas partes bem nítidas: a primeira inclui os primeiros dez capítulos e relata as intervenções na Argélia, no Zaire (hoje República Democrática do Congo), no Congo (hoje República do Congo) e na Guiné-Bissau; a segunda inclui sete capítulos referentes ao caso de Angola e as conclusões gerais. Todos os capítulos são enriquecidos de mapas e fotos explicativas e com referências adicionais às do texto. Leia Mais

Argentina: visões brasileiras | Alemanha: visões brasileiras | Estados Unidos: visões brasileiras | África do Sul: visões brasileiras | Samuel Pinheiro Guimarães

A obra organizada pelo Diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais do Itamaraty compreende quatro volumes de textos de autores e pesquisadores brasileiros de destaque no âmbito político, diplomático e acadêmico. A coleção teve dois objetivos: em primeiro lugar, aumentar no Brasil o conhecimento acerca das relações internacionais de seus principais parceiros e, em segundo lugar, estimular estudos sobre outros países importantes. E uma abordagem: desenvolver análises das relações internacionais desses países sob o ângulo diplomático, político, econômico e estratégico, mas numa ótica de interpretação desde a perspectiva brasileira. Embora a obra apresente uma análise sincronizada e evolutiva desde a década de 1940 à atualidade, a ênfase foi posta na conjuntura recente, a década de 1990.

Os colaboradores foram, para o estudo da Argentina: Amado Luiz Cervo (A política exterior da Argentina: 1945-2000); Pedro Motta Pinto Coelho (Observações sobre a visão argentina da política internacional de 1945 até hoje); Ricardo Markwald e Roberto Iglesias (A política externa econômica da Argentina: uma visão dos anos 90). Para o estudo dos Estados Unidos: Cesar Guimarães (Envolvimento e ampliação: a política externa dos Estados Unidos); José Tavares de Araújo (A política econômica externa dos Estados Unidos nos anos 90); Mauro Mendes de Azeredo (Visão americana da política internacional de 45 até hoje). Para o estudo da Alemanha: Amaury Banhos Porto de Oliveira (A questão alemã desgasta a paz americana); Luiz Alberto Moniz Bandeira (A política exterior da Alemanha); Theotônio dos Santos (A política econômica externa da Alemanha). Para o estudo da África do Sul: Hélio Magalhães de Mendonça (Política externa da África do Sul (1945-1999); Luiz Henrique Nunes Bahia (A política Externa da África do Sul: da internacionalização à globalização); Paul Israel Singer (A política econômica externa da África do Sul). Leia Mais

Die beiden deutschen Staaten in Afrika: Zwischen Konkurrenz und Koexistenz 1949-1990 | Ulf Enge e Hans-Georg Scheicher

Este livro sobre as políticas africanas dos dois Estados alemães entre 1949 e 1990 pode ser considerado, por duas razões, uma agradável conseqüência da reunificação da Alemanha. Em primeiro lugar, só a abertura dos arquivos da ex-RDA permitiu, pela primeira vez, pesquisar e entender profundamente a política exterior deste Estado. Os dois autores tiraram bastante proveito desta extraordinária oportunidade. Em segundo lugar, a cooperação entre os dois autores simboliza a ruptura política na Alemanha. Ulf Engel, cientista político de Hamburgo, cuja área principal de trabalho são as relações internacionais na África Austral, atuou neste projeto com Hans-Georg Schleicher, historiador, ex-diplomata de carreira da RDA e ex-embaixador deste Estado no Zimbábue que, juntamente com a grande maioria dos seus colegas, foi demitido no processo da reunificação. A pesquisa ganhou significativamente com esta cooperação “desigual”, e com a formação acadêmica e política e as biografias e experiências profissionais tão variadas e distintas dos dois colaboradores. Leia Mais

O lugar da África: a dimensão atlântica da política externa brasileira (de 1946 a nossos dias) | José Flávio Sombra Saraiva

A coleção Relações Internacionais (da Editora da Universidade de Brasília), coordenada pelo professor Amado Luiz Cervo, acaba de lançar uma importante obra sobre a política africana do Brasil e as relações Brasil-África, de autoria do africanista e especialista em relações internacionais José Flávio Sombra Saraiva. Este livro vem, em primeiro lugar, cobrir uma grave lacuna existente sobre o tema em nossos manuais universitários, atualizando, aprofundando e inovando o trabalho iniciado pelo professor José Honório Rodrigues com Brasil e África, outro horizonte (2 volumes) e pelo diplomata Adolpho Justo Bezerra de Menezes com Ásia, África e a Política Independente do Brasil e O Brasil e o mundo ásio-africano, todos eles trabalhos publicados no início dos anos 60.

Evidentemente os cursos de Pós-Graduação de Relações Internacionais, História e Ciência Política têm propiciado a elaboração de vários estudos específicos sobre este tema, mas não um abrangente, de síntese. Neste caso, merece referência o excelente trabalho geral do diplomata Fernando Marroni de Abreu, L’évolution de la politique africaine du Brésil, tese defendida na Sorbonne em 1988, mas não publicada. Assim, o livro recém lançado pelo Dr. Flávio Saraiva constitui o primeiro manual universitário sobre o conjunto das relações contemporâneas do Brasil com a África. Não se trata, contudo, de um simples manual, pois, se está apresentado com este perfil, nem por isso deixa de constituir uma obra de análise aprofundada, baseada também numa ampla documentação, bibliografia e entrevistas realizadas tanto no Brasil como na África. Leia Mais