Transnational Homosexuals in Communist Poland: CrossBorder Flows in Gay and Lesbian Magazines | Lukasz Szulc

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Lukasz Szulc | Imagem: Studies in Etnicity and Nationalism

O termo Guerra Queer é empreendido pelos teóricos queer a fim de compreender as disputas políticas transnacionais sobre questões LGBTI+ que acabam interseccionando entendimentos diversos sobre cultura, tradição e direitos humanos (ALTMAN; SYMONS, 2016, p. 17).1 O termo guerra ilustra nesses debates as polarizações travadas entre regiões supostamente pró-direitos LGBTI+ e aquelas a priori homofóbicas e opositoras aos discursos sobre direitos humanos que contemplariam questões de diversidade de gênero e sexualidade. O caso russo – particularmente com as recentes legislações LGBTfóbicas – é ilustrativo para a concepção de Guerras Queer.2 O país vem se subscrevendo a uma concepção de contraponto aos modelos europeus ocidentais. Dentro dessa lógica discursiva, a Europa Ocidental tem sido projetada como um tipo de civilização degenerada, tendo suas expressões de homossexualidade, os feminismos e a legalização do casamento civil homossexual interpretados como sinais de destruição da família e da masculinidade – os quais, de acordo com tais posicionamentos, seriam sinais evidentes de fraqueza (RIABOV; RIABOVA, 2014, p. 29). O caso polonês seria um representante recente desses conflitos, em particular a partir da proclamação de “zonas livres de LGBT” por governos regionais e municipais entre 2019 e 2020 (ŻUK; PLUCINSKI; ŻUK, 2021). Portanto, as questões LGBTI+ alcançam cada vez mais protagonismo no cenário global político em torno das discussões sobre direitos humanos.

Entretanto, para se analisar as Guerras Queer é necessário partir da constatação de que tais discursos estão “pobremente embasados em diferenças ‘essenciais’- ‘naturais’ ou ‘tradicionais’ – entre regiões particulares” (SZULC, 2018, p. 224, tradução nossa). Nos casos aqui mencionados, a diferenciação é largamente embasada em noções essencialistas que observam uma presumida imposição ocidental de modos particulares de cultura e direitos humanos. Nesse sentido, a obra “Transnational Homosexuals in Communist Poland: Cross-Border Flows in Gay and Lesbian Magazines”,3 de Lukasz Szulc (2018), é uma relevante contribuição a fim de problematizar os essencialismos que embarcam as Guerras Queer e de sublinhar a potencialidade de um empreendimento que entrecruze uma visão transnacional e/ou global com as historiografias LGBTI+. Leia Mais

Brasil-Polônia: Diálogos Histórico-Culturais / História – Debates e Tendências / 2020

A exuberante paisagem da Baia de Guanabara se desvela ao olhar sensível e atento dos poetas. A poesia, aliás, assim como a música, nos servem de linguagem para descrever o indescritível. Temos aqui um paradoxo. A linguagem escrita e falada que comumente utilizamos para nos expressar, igualmente nos impõe limitações para descrever com clareza nossos sentimentos, percepções e emoções.

Talvez por isso Tomasz Łychowski utilizou a poesia como forma de registrar suas impressões ao aportar no Rio de Janeiro em 1949. O caminho feito pelo poeta imigrante foi o mesmo de grande parte dos poloneses que desembarcaram na costa brasileira em grandes contingentes a partir do século XIX. Para muitos, a etapa marítima da viagem iniciava-se nos portos de Bremen ou Hamburgo, a partir daí singravam o Atlântico em direção ao Brasil. Apesar de não constituir o destino final da maioria dos imigrantes, a chegada ao Rio de Janeiro certamente ocupava um lugar de destaque no imaginário das famílias, pois representava um marco nessa jornada rumo ao desconhecido. Era o início de uma nova etapa em suas vidas. A maioria deles jamais retornaria à sua terra natal ou veria seus familiares novamente. A tęsknota za domem [1] se tornou uma constante. Leia Mais

A Polônia e seus emigrados na América Latina (até 1939) | Jerzy Mazurek

Dos milhões de imigrantes poloneses que se espalharam ao redor do planeta, mais de cem mil chegaram ao Brasil entre 1869 e 1939, ocupando majoritariamente colônias rurais nos estados do sul do país. Esse grupo, apesar de menor em comparação com as imigrações italiana, portuguesa, alemã ou espanhola, faz parte do processo mais amplo da imigração europeia massiva para a América Latina entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX. Um fenômeno de grandes proporções, como afirma Devoto, “la migración de masas fue uno de lós fenómenos más característicos del mundo euroatlántico entre los siglos XIX y XX” (2007, p.531), e que moldou a configuração dos países latino-americanos em diferentes aspectos, incluindo o Brasil, no qual esteve presente em diversas regiões, sendo de maneira mais forte em termos populacionais nas regiões sul e sudeste brasileira.

Como parte deste processo mais amplo, a e/imigração polonesa para a América Latina, de modo geral e para o Brasil, de maneira específica, tem sido um tema com múltiplas possibilidades de análise, mas que dentro dos estudos migratórios ainda demanda pesquisas empíricas rigorosas que apontem novos dados sobre a presença deste grupo étnico em terras americanas. Vários fatores explicam o fato de as produções acadêmicas sobre este grupo migrante ainda serem restritas (WEBER, WENCZENOVICZ, 2012) e estarem em um estágio inicial, especialmente no caso da literatura em português no Brasil. Por várias décadas, cientistas sociais poloneses em seu país vêm se debruçando sobre a temática da emigração polonesa, mas muitas vezes, em razão da escrita em polonês, seus trabalhos ficavam circunscritos à realidade local. Um exemplo de novos trabalhos que trazem avanços e contribuições para esta temática, e que permitem o acesso ao leitor brasileiro, é o livro A Polônia e seus emigrados na América Latina (até 1939) de Jerzy Mazurek.

Mazurek é nascido na Polônia e estudou história e biblioteconomia na Universidade de Varsóvia, onde completou seus estudos com uma pós-graduação em museografia, história da arte e em administração. Atualmente é Vice-Diretor do Muzeum Historii Polskiego Ruchu Ludowego (Museu Histórico do Movimento do Povo Polonês), em Varsóvia (desde 1998), e também professor na área de História do Brasil no Instytut Studiów Iberyjskich i Iberoamerykańskich Uniwersytetu Warszawskiego (Instituto de Estudos Ibéricos e Iberoamericanos, da Universidade de Varsóvia).

O professor é autor de vasta bibliografia sobre os poloneses no Brasil e América Latina como Kraj a emigracja: ruch ludowy wobec wychodźstwa chłopskiego do krajów Ameryki Łacińskiej (do 1939 roku) (O país e a emigração: o movimento popular contra a emigração dos camponeses para os países da América Latina (até 1939)) de 2006; Piórem i czynem Kazimierz Warchałowski (1872-1943) – pionier osadnictwa polskiego w Brazylii i Peru (Penas e ação Kazimierz Warchałowski (1872-1943) – um pioneiro da colonização polonesa no Brasil e no Peru) de 2013; e a participação no livro bilíngue Polacy pod Krzyżem Południa (Os Poloneses sob o Cruzeiro Do Sul) de 2009. Além de ser redator de outras obras com temas semelhantes através da edição da Biblioteka Iberyjska (Biblioteca Ibérica), vinculada ao supramencionado instituto do qual o professor Mazurek faz parte.

O volumoso livro (458 páginas) traduzido por Mariano Kawka e publicado pela editora Espaço Acadêmico (Goiás), é uma versão modificada e ampliada do mencionado livro “O país e a emigração: o movimento popular contra a emigração dos camponeses para os países da América Latina (até 1939)”, sendo o modelo daquelas obras que se tornam referência obrigatória para os pesquisadores que querem iniciar estudos sobre um tema específico como a presença dos imigrantes poloneses na América Latina. O texto é escrito com base numa ampla fonte documental que varia de documentos oficiais do Brasil, Argentina e Polônia; impressos de ficção, relatos de viagem, memórias, romances, produção científica; documentos pessoais; pesquisa em fontes paroquiais; análise de periódicos de diferentes países, artigos científicos e de divulgação, além de ampla bibliografia contemplando a produção da Polônia, Brasil e Argentina. Estes aspectos fazem com que a obra de Mazurek seja também um inventário para novas fontes sobre a história dos poloneses na América Latina e permite o cruzamento de dados e informações sobre personagens, opiniões, ações, entre outros assuntos relacionados com a imigração polonesa.

Voltado para um público mais amplo, o texto tem fluidez na leitura, acompanhado de muitas informações, com detalhamento e exploração das fontes a fim de descrever com minúcias aquilo que se propõe. O livro todo é marcado por uma exposição detalhada, a partir das fontes, da relação dos intelectuais e Estado poloneses e o processo emigratório.

O autor analisa uma diversidade de documentos (oficiais, da imprensa, romances, relatórios, crônicas, realtos de viagens, etc.) contextualizando sua postura a partir de seus produtores, seu posicionamento político e diante do fenômeno imigratório. Configurando os escritos a partir de diferentes ideologias sobre a questão nacional polonesa, a economia e as relações com os países vizinhos, minorias e países ocupantes. Além disso, leva em conta as visões sobre o Brasil e a América Latina em geral, ponderando estereótipos e análises feitas por intelectuais que estiveram nas áreas de colonização.

O foco principal é analisar como os partidos e movimentos populares, maneira pela qual Mazurek chama às agremiações partidárias ligadas aos camponeses e ao âmbito rural na Polônia durante e depois da ocupação estrangeira2, se posicionaram em relação à emigração polonesa para a América Latina. Segundo o autor, “no presente trabalho, propusemo-nos apresentar a posição do movimento popular organizado, isto é, dos partidos, facções e organizações, diante da ação colonizadora camponesa na América Latina” (2016, p.13), pensando também como os líderes populares atuaram com relação a essa coletividade emigrada, dando importância à voz dos indivíduos, suas opiniões e ações num contexto de relevância da mobilidade do campo europeu para o ultramar. Mazurek escreve a partir do país de saída dos indivíduos, considerando a emigração e a trajetória dos emigrados em outros continentes como parte fundamental da história da própria Polônia.

Uma das novidades da obra é pensar nas categorias de emigração colonizadora e emigração econômica para o caso polonês. A primeira, centrada na criação de colônias (rurais), onde o camponês recebia terras para o cultivo próprio, era o motor da emigração polonesa para a América Latina. Torna-se uma política de Estado, principalmente após a recuperação da independência e o início da utilização da emigração com fins coloniais. A segunda caracteriza o movimento para a América do Norte, podendo ser muitas vezes uma emigração individual e sazonal, focada em trabalhos urbanos ou então para períodos de colheitas no interior da Alemanha ou na produção de café em São Paulo.

Assim sendo, o livro apesar do foco centrado na relação dos partidos populares e a emigração, em virtude da multiplicidade de fontes, extensa bibliografia e temas abarcados, contribui para outros aspectos associados com a presença polonesa na América Latina. Abrange novos dados estatísticos relacionados com a saída dos emigrantes; lideranças importantes que participaram de forma ativa na promoção ou refração da emigração de camponeses; a atuação dos estados ocupantes atinentes às tentativas autonomistas polonesas no século XIX e o próprio processo emigratório; analisa também a ação da II República Polonesa frente ao problema emigratório após a independência do país, durante o período entre guerras, um tema ainda muito pouco estudado na historiografia.

O trabalho se permite ampliar o recorte temporal desde finais do século XIX até meados do XX, perpassando diferentes realidades e contextos, os quais moldaram o mapa e as mentalidades europeias. Ademais, a periodicidade pretende dar conta não apenas do processo de emigração, mas também do estabelecimento da comunidade polonesa na diáspora: seu trabalho, instituições, religiosidade, entre outros aspectos.

É importante notar que todo o livro é dividido no período anterior e posterior à Independência Polonesa em 1918, marco importante por trazer mudanças significativas na atuação de intelectuais e políticos em terras polonesas, bem como em razão das mudanças econômicas durante e após a dominação estrangeira. Leva, portanto, em consideração a pressão exercida pelas nações ocupantes (Império Russo, Alemão e Áustro-Húngaro) desde 1795-1918 sobre o campesinato polonês nas diferentes regiões, cada qual tratada com singularidade em virtude das diferentes políticas agrárias, étnicas e sociais perpetradas por aquelas nações. O segundo período, o entre guerras (1918-1939) ou da II República Polonesa, é notadamente importante, uma vez que, do ponto de vista da emigração, é o menos estudado e sobre o qual o autor aponta novos dados emigratórios: com a presença das chamadas “minorias étnicas” (ucranianos, lituanos e judeus) da Polônia Renascida entre os imigrantes (sendo inclusive o maior grupo emigrante no período), bem como a diminuição do número total daqueles que deixavam o país, seja em virtude de uma melhoria das condições na nação de partida e políticas de impedimento de saída de emigrantes, seja em função da restrição nos países de imigração (como as políticas varguistas no Brasil a partir de 1930) em função da crise mundial.

Com base nestes pressupostos, passamos propriamente a análise das diferentes partes da obra composta de quatro capítulos. O autor no primeiro capítulo discorre sobra a colonização polonesa entre 1869-1939. O objetivo geral é explicar as causas da emigração, os caminhos percorridos, os espaços de estabelecimentos e a história da colonização camponesa dos emigrantes poloneses na América Latina. Evidencia o papel das organizações sociais, educativas, culturais, religiosas, bem como a questão rural; tendo como países de destino principais o Brasil e Argentina, sobre os quais recolheu a maioria dos dados e análises. Nessa parte, o autor contempla as diferentes ondas imigratórias, isto é, as chamadas febres, sobre as quais aponta variados números estatísticos dando um panorama da quantidade do afluxo deste grupo emigratório para o Brasil.

Mazurek recorre à importância do aspecto econômico como causa propulsora da emigração dos camponeses. A tese da passagem de sistemas semi-feudais para o capitalismo e consequentemente do superpovoamento dos campos, da minifundização agrária e, assim, da disputa pela terra na Polônia, a qual relegava miséria e problemas sociais para o camponês polonês, são razões pelas quais o autor sugere o desenvolvimento do fenômeno massivo emigratório.

Após esse exame contextual, Mazurek no segundo capítulo ocupa-se mais centradamente das opiniões dos intelectuais poloneses durante o período de domínio estrangeiro e as políticas emigratórias polonesas no entre guerras. Demonstra as mudanças de concepção referentes a emigração, flutuando de movimentos restritivos por parte de periódicos de Varsóvia (então sob ocupação russa), até grupos preocupados com a organização e o apoio aos emigrantes, como a Sociedade Comercial e Geográfica de Lwów (na Galícia austríaca). Consultando fontes escritas em livros, romances e jornais, permite identificar grupos pró e contra as saídas dos camponeses, com argumentos que variavam desde a necessidade de despressurização do campo, os problemas dos países de imigração e a penúria pela qual passavam os emigrantes, até a eminente perda de elementos que contribuiriam com a nação polonesa, seja econômico seja cultural e socialmente. Portanto, demonstra como havia momentos de inflexão no raciocínio dos intelectuais poloneses, ora preocupados com a situação econômica do país, ora com a situação política e a luta pela independência ou a manutenção dela.

No terceiro capítulo, analisando o período anterior a independência, Mazurek descreve as diferenças entre a Galícia (região ocupada pela Áustria-Hungria), o Reino (região ocupada pela Rússia) e a zona de ocupação prussiana. A primeira com uma garantia de maior liberdade para os poloneses permitia uma atuação ampla de movimentos camponeses e partidos, através de um autogoverno3 e de intelectuais, os quais participavam de eleições, das decisões e emitiam opiniões sobre a saída camponesa em direção a América (tanto do Norte como a Latina). Assim, era destacada no âmbito rural da Galícia a emergência de uma legislação polonesa própria, que problematizava o fenômeno emigratório. Além da ação direta de grupos com objetivos de guiar ou impedir os camponeses de emigrarem como a mencionada Sociedade Comercial e Geográfica. Apesar dessa liberdade de ação, a região era a mais pobre das três partilhas polonesas, onde os processos de desagregação no campo estavam mais avançados e relegavam piores condições de vida aos camponeses, o que em geral conduzia à mobilidade rumo ao Novo Mundo.

No Reino a emigração era ilegal e havia um controle por parte do Império Russo para impedir a evasão dos camponeses poloneses. Através da imprensa, fruto dos movimentos populares poloneses da região, eram emitidas a maior parte das opiniões acerca do movimento emigratório, que apesar da proibição, acontecia em larga escala, especialmente no final do século XIX. A questão da luta pela independência era contribuinte para a repressão estatal russa, uma vez que ao longo do século XIX emergiram movimentos independentistas na região e conflagraram-se conflitos com as autoridades russas.

As organizações populares polonesas, ainda que com menor espaço para ação, existiam e propagavam suas ideias pelos periódicos. Nesse contexto, a emergência de um sentimento de desnacionalização, percebia os emigrantes como uma “perda” para a “nação” e uma característica de esvaziamento da luta pela recuperação da condição independente. Apesar da identificação dos problemas rurais por parte da intelectualidade, em geral, havia uma intenção de impedir a saída dos camponeses poloneses ou então a perspectiva de “mal necessário”, um escape em função da pobreza no campo e da repressão russa.

Na Prússia (depois Alemanha) a questão era diferente das duas anteriores. Existia um projeto estatal de germanização e de enfrentamento da “questão polonesa” como um “perigo” para o Estado, de modo que a repressão e o controle eram muito maiores. Nesse ínterim, a limitação de publicações e do uso da língua polonesa eram mais evidentes e existia o impedimento da conformação de organizações especificamente polonesas, mesmo no campo. Também, a emigração ultramarina era minorada em função de uma migração interna dentro dos diferentes estados alemães para trabalhos sazonais. Ainda assim, o tema da emigração importava mais ainda para a intelectualidade polonesa local, uma vez que como existia uma política alemã da desnacionalização, havia um estímulo por parte do estado germânico para a saída de camponeses poloneses que vendiam suas terras a alemães, garantindo a ocupação do território. Este fato era visto como uma forma de acelerar o processo de germanização da região, e portanto, as produções sobre o fenômeno por parte da intelectualidade polonesa são de movimentos contrários a emigração de camponeses poloneses a fim de evitar o aceleramento da germanização e impedir uma possível retomada do Estado Nacional.

Ao verificar as múltiplas opiniões e discussões promovidas nas regiões partilhadas polonesas, Mazurek explora o fato de a emigração para a América Latina, devido aos números que atingia, ser vista como um “problema” a ser resolvido, devendo ser impedida ou organizada. O fato é que se torna uma questão a ser pensada, refletida, teorizada e resolvida pela intelectualidade polonesa nas regiões ocupadas, buscando-se avaliações e proposições para lidar com o fenômeno existente, que se tornava cada vez mais massivo e vai ser interrompido apenas com a Primeira Guerra Mundial em 1914.

Por último, no capítulo quatro, o autor se concentra no período da Polônia renascida, após o fim da Primeira Guerra e no momento de uma retomada – ainda que numericamente inferior que as décadas anteriores – no fenômeno emigratório até 1939, quando outra guerra termina novamente com a independência polonesa. Com o retorno da existência da nação no mapa europeu, o autor passa a concentrar-se no jogo político-partidário polonês, nas questões legislativas e executivas, os debates levados a cabo pela intelectualidade na Polônia, bem como continua analisando os periódicos pertencentes especificamente aos partidos populares.

Mazurek também destaca a presença de políticas de colonização com ideias imperialistas coordenadas por sociedades particulares com apoio estatal, as quais visavam também a colonização de outras regiões, para além do Brasil e Argentina, como Peru e Bolívia. Um exemplo eram as atividades da Liga Morska i Kolonialna4.

Entre 1918 e 1939, a tensão no campo e os motivos emigratórios continuavam basicamente os mesmos, desenvolvidos por diversas crises econômicas. Neste momento, a questão da reforma agrária passa a ser central para a maioria dos partidos populares e camponeses, sendo a emigração vista como uma consequência da não consecução da remetida reforma. Múltiplos debates legislativos são levados em consideração, ademais da análise dos programas dos diferentes partidos, suas ideologias e o modo como a emigração era descrita por seus membros a partir de temáticas centrais (impedimento, organização, reforma agrária, colonização), que circulavam nos jornais partidários.

O fato é que, com as restrições impostas pelos países de imigração e consequentemente a diminuição do fluxo de poloneses para a América Latina, o assunto também ganha menos destaque na imprensa partidária. A aproximação da guerra e múltiplos conflitos entre diferentes etnias dentro do território polonês, conduzem ao pensamento de utilização do fenômeno emigratório para a “expulsão” das minorias étnicas do território polonês e a criação de colônias ultramarinas ligadas ao estado, com ideias imperialistas afirmados e, dessa forma, a constituição de instituições com o fito de estabelecer colônias polonesas para o florescimento do país, usando, quiçá, às já existentes comunidades do Brasil e Argentina fruto da diáspora das décadas anteriores.

Em suma, para Mazurek,

o capitalismo era o catalisador de lentas transformações sociais, a mais importante das quais era a libertação da mão de obra agrícola do sistema da servidão. Isso, no entanto, provocou o surgimento de uma enorme população sem terra. Essa massa não podia ser absorvida pelo vagaroso desenvolvimento das cidades e da indústria. A fome de terra dos camponeses e a pouca capacidade do mercado para absorver a mão de obra em excesso tornaram-se as causas da emigração da população rural em busca de melhores condições de vida. A inicialmente lenta emigração aos países da Europa Ocidental e à América do Norte transformou-se num movimento colonizador maciço especialmente no Brasil […] muitas vezes definidos como “febre brasileira” (MAZUREK, 2016, p.405).

O livro traz uma boa descrição dos aspectos concernentes a imigração polonesa e sua vinculação com os movimentos populares ligados ao campo. Em virtude da sua apropriação mais ampla, apresenta um trabalho empírico notável usando fontes de múltiplos países e diferentes idiomas. Um esforço de problematização e análise de diferentes realidades num espectro temporal e espacial ampliado, os quais permitem a constituição de uma obra de referência importante para qualquer estudioso do tema, sendo um significativo elemento para a configuração da historiografia sobre os poloneses no Brasil, escrita em português para leitores nativos neste idioma.

Apesar dos números menores que outros grupos migrantes, os poloneses no Brasil se adaptaram ao país de acolhida e participaram da sua vida social, constituindo um grupo étnico, que longe de ser homogêneo, em muitos aspectos preservou suas especificidades ao mesmo tempo em que se assimilou. Pesquisar a história da imigração polonesa é pesquisar a História do Brasil, em que o fenômeno imigratório massivo trouxe alterações à sociedade brasileira e ajudou na sua conformação.

A historiografia sobre os poloneses na América Latina e destacadamente no Brasil vem aos poucos se desenvolvendo. Um maior relacionamento entre pesquisadores dos dois lados do Atlântico e produções que permitam o acesso linguístico aos estudiosos são meios de avançar na construção do conhecimento sobre as migrações, a fim de renovar estes estudos e propor novos problemas e temas de pesquisa a este assunto que apesar de ser muito trabalhado, como objeto gerador de pesquisas, está longe de esgotar-se.

Notas

1 Doutorando em História na Universidade Federal do Paraná. Contato: rhuan.trindade@hotmail.com. Resenha recebida em 10 de novembro de 2016.

2 A Polônia sofreu três partilhas no século XVIII entre Áustria (depois Áutro-Hungria), Rússia e Prússia (depois Alemanha): a primeira em 1772, depois 1793 e finalmente 1795 que acaba definitivamente com a independência daquela nação, a qual retornaria apenas após a Primeira Guerra Mundial.

3 Na Galícia, aos poloneses era permitido escolher dirigentes igualmente poloneses em diversos níveis de atuação política, incluindo representantes para o Parlamento em Viena.

4 A Liga Marítima e Colonial era uma das mais importantes organizações que procurava áreas de colonização para os emigrantes poloneses. A Liga almejava através da colonização dominar territórios na América do Sul e África. Os planos de colonização não ultrapassaram o estágio de planos e desmoronaram-se nos fins dos anos trinta.

Referências

DEVOTO, Fernando J. La inmigración de ultramar. In: TORRADO, Susana (comp). Población y bienestar en la Argentina del primero al segundo Centenario. Buenos Aires: Edhasa, 2007.

MAZUREK, Jerzy. A Polônia e seus emigrados na América Latina (até 1939). Goiânia: Espaço Acadêmico, 2016.

WEBER, Regina. & WENCZENOVICZ, Thaís J. Historiografia da imigração polonesa: avaliação em perspectiva dos estudos sobre o Rio Grande do Sul. História UNISINOS, vol. 16, p.159-170, 2012.

Rhuan Targino Zaleski Trindade1 –  Doutorando em História na Universidade Federal do Paraná. E-mail: rhuan.trindade@hotmail.com


MAZUREK, Jerzy. A Polônia e seus emigrados na América Latina (até 1939). Goiânia: Espaço Acadêmico, 2016. Resenha de: TRINDADE, Rhuan Targino Zaleski. Polska emigracja: revisitando e ampliando o tema da presença polonesa na América Latina. Aedos. Porto Alegre, v.9, n.18, p.297-305, dez., 2016. Acessar publicação original [DR]

Gênese e desenvolvimento de um fato científico – FLECK (HU)

FLECK, L. Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Belo Horizonte: Fabrefactum, 2010. 201 p. Resenha de: CURI, Luciano Marcos; SANTOS, Roberto Carlos dos. Fleck e a(s) ciência(s): um olhar sociocultural. História Unisinos 15(3):472-475, Setembro/Dezembro 2011.

Os leitores de língua portuguesa agora já podem usufruir da obra do médico e teórico judaico-polônes Ludwik Fleck intitulada Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Lançada no Brasil no dia 13 de setembro de 2010, durante o Colóquio de História e Filosofia da Ciência [Ludwik Fleck] realizado em Belo Horizonte na UFMG3, em homenagem ao próprio Fleck, a edição vem preencher uma lacuna há muito já verificada.

Embora a obra de Fleck ainda seja pouco conhecida, sua importância não é pequena nem ultrapassada. Seu trabalho já estava traduzido para o inglês (1979), italiano (1983), espanhol (1986) e francês (2005) antes da presente tradução brasileira (2010). A republicação em alemão data de 1978. O restante de sua obra epistemológica encontra-se disponível em alemão e inglês (Cohen e Schnelle, 1986)4.

O livro Gênese e desenvolvimento de um fato científico foi originalmente publicado em alemão, na Suíça em 1935. A trajetória biográfica de Fleck foi decididamente bastante acidentada, o que em parte explica a pouca divulgação de seu livro. Ele, seu único filho (Ryszard Arie Fleck) e esposa (Ernestina Waldman) foram vítimas da ocupação nazista na Polônia durante a Segunda Guerra Mundial e foram enviados para os campos de concentração de Auschwitz e Buchenwald (cf. Lothar e Schnelle, 2010 [1986], p. 3). Embora Fleck, esposa e filho tenham sobrevivido à guerra, o mesmo não aconteceu com amigos, colegas e o restante da família.

Durante a guerra, Fleck prosseguiu suas pesquisas e desenvolveu uma nova técnica de obtenção da vacina antitifo a partir da urina dos doentes. Tal realização despertou a cobiça dos nazistas, que preservaram sua vida, interessados na sua formação e habilidade científica.

Após a guerra, Fleck retornou à Polônia, onde atuou como professor universitário e membro de importantes associações científicas de seu país. No período entre 1946 e 1957, Fleck desenvolveu intensa atividade científico-acadêmica: orientou quase 50 teses de doutorado, publicou 87 artigos científicos e participou de vários congressos científicos, um deles, inclusive, no Brasil em 1955: o II Congresso Internacional de Alergistas, realizado no Rio de Janeiro entre os dias 6 e 13 de novembro daquele ano (Condé, 2010, p. XV). Em 1956, Fleck sofreu um infarto e descobriu que estava com câncer. A partir deste momento, sua saúde piorou consideravelmente. Essa nova conjuntura o levou a emigrar com sua esposa para Israel, país onde seu filho vivia desde o fim da guerra. Lá faleceu em 1961, vítima de um segundo infarto.

Outro motivo que dificultou a divulgação da obra de Fleck foi sua decisão após a guerra de seguir uma carreira na área da microbiologia, à qual dedicou maior empenho e na qual publicou maior número de trabalhos.

Embora hoje sua notoriedade se deva ao presente trabalho ora traduzido, este foi ignorado durante décadas. Sua redescoberta, em parte, deve-se a Thomas Samuel Kuhn e ao comentário que inseriu em seu livro sobre a “monografia de Fleck”.

Após ter sido praticamente ignorado por várias décadas, Gênese e Desenvolvimento de um Fato Científico, (re) aparece em 1979, em sua tradução para o inglês, na qual o primeiro desses ilustres apresentadores não foi nada menos do que Thomas Kuhn. Cerca de duas décadas antes, em grande medida, Kuhn havia sido o responsável por essa (re)descoberta do livro de Fleck ao afirmar também no prefácio de A Estrutura das Revoluções Cientificas: “encontrei a monografia quase desconhecida de Ludwik Fleck, […], um ensaio que antecipa muitas de minhas próprias idéias” (Condé, 2010, p. IX).5

O livro de Fleck divide-se em quatro capítulos, mais um prefácio do próprio autor datado de 1934. O autor parte de um fato cotidiano de sua lida médica para desenvolver sua reflexão epistemológica: a sífilis.

Assim, o primeiro capítulo faz uma recapitulação histórica para mostrar “como surgiu o conceito atual de sífilis” e já enseja sua explicação utilizando, mesmo que implicitamente em algumas passagens, os conceitos que se desenvolvem nos três últimos capítulos. O segundo capítulo, intitulado “Consequências para a teoria do conhecimento da história apresentada de um conceito”, demonstra o condicionamento histórico-social do pensamento e introduz as noções de protoideias (préideias), estilo de pensamento e coletivo de pensamento.

Na página 62, Fleck cita a importância da biologia na formação de sua epistemologia e esclarece a presença das mutações na formação do pensamento. Relembrar a citação da biologia por parte de Fleck é importante para marcar a distinção que o separa de toda a tradição anterior de reflexão sobre a ciência, o chamado Círculo de Viena, bem como de Karl Popper, cujo livro havia sido publicado em 1934 (Popper, 1993).

No terceiro capítulo, “Sobre a reação de Wassermann e sua descoberta”, Fleck demonstra a construção do fato hoje plenamente conhecido como “reação de Wassermann” (teste diagnóstico da sífilis) e introduz uma reflexão crítica sobre a tão propalada objetividade como critério seguro para discernimento do conhecimento científico.

Essa reflexão é muito importante para a historiografia de modo geral, pois propõe uma percepção problematizadora, não ingênua, sobre a visão retrospectiva habitual dos historiadores e desmistifica a existência concreta da chamada objetividade. Nesse momento, aborda-se a questão do erro na construção da ciência de maneira inovadora para a época.

No quarto capítulo, “Aspectos epistemológicos da história da reação de Wassermann”, Fleck introduz a noção de saber num sentido já bem próximo ao que Michel Foucault definirá mais tarde. Nesse capítulo, aparecem as noções de círculo esotérico (dos cientistas) e círculo exotérico (saber popular), e discute-se a circulação de saberes e conteúdos entre os dois. Também se explicitam as noções de conexões ativas e passivas, e ressalta-se a importância dos manuais de ciência na formação de novos profissionais. Para Fleck, o estilo de pensamento de determinada área do saber em determinada época consiste numa predisposição a uma percepção direcionada (Fleck, 2010, p. 198). No final do capítulo, alude ao estilo de pensamento indiano e chinês, num dos muitos exemplos que evoca, e evidencia que sua reflexão possui um escopo muito maior e pode ser extrapolada para inúmeras outras searas.

Desde modo, o livro de Fleck possui outras possibilidades que, no geral, só recentemente começam a ser exploradas. Habitualmente, suas noções de estilo de pensamento e coletivo de pensamento são consideradas precursoras e semelhantes às de épistémè de Foucault6 e de paradigma em Thomas Kuhn (Cf. Kuhn, 2006). Contudo, essa posição já foi criticada por Bruno Latour.

No posfácio à edição francesa da obra de Ludwik Fleck, Bruno Latour (2005) sugere que uma das injustiças dirigidas a esse pensador (refere-se a Fleck) é o fato de seu conceito de “coletivo de pensamento” ter sido considerado um mero “precursor” da noção de “paradigma” de Kuhn. Segundo Latour, para Fleck não se tratava apenas de estudar o contexto social das ciências, mas de perseguir todas as relações, os embates e as alianças envolvidas na produção do conhecimento e na história do pensamento. Latour o considera, assim, um pioneiro ainda atual e instigante (cf. Machado, 2008, p. 122).

Assim, a obra de Fleck aponta que as ideias científicas circulam inexistindo rupturas totais, ou abruptas, como mais tarde sugeriu Thomas Kuhn. Fleck demonstra a existência de inúmeros reposicionamentos sociais, as chamadas mutações, que possibilitam a gênese e o desenvolvimento de um fato científico. Esses adventos ocasionam a desestabilização de conceitos antigos, do estilo de pensamento de outrora, permitindo o surgimento de novos objetos científicos.

A história da sífilis de Fleck, portanto, não equivale às congêneres de sua época. Diferentemente das abordagens então recorrentes, ele evidencia a construção social da sífilis e demonstra como a reação de Wassermann introduziu um novo estilo de pensamento que reconfigurou o entendimento da própria doença. Para Fleck, o conhecimento científico é um fenômeno social e cultural. A cultura é que torna possível e legitima a ciência e não se constitui num embaraço na lida dos cientistas ou um percalço no caminho da objetividade.

O primeiro estudo epistemológico de Fleck afirmava que as “doenças” são construções coletivas dos médicos7. No seu segundo trabalho epistemológico, ele radicalizou esta idéia e explicou que os agentes causadores das doenças (infecciosas), as bactérias, são também construções dos cientistas8. […] Posteriormente, em seu livro de 1935, Gênese e desenvolvimento de um fato científico […] Fleck desenvolve a ideia sobre o papel das práticas profissionais na construção e validação dos “fatos científicos”. O conhecimento, explica ele, não pode ser concebido fora do grupo de pessoas que o criam e o possuem. Um fato científico é como uma regra desenvolvida por um pensamento coletivo, isto é, um grupo de pessoas ligadas por um estilo de pensamento comum (Löwy, 1994, p. 236-237).

Aqui é preciso reconhecer que a leitura da obra de Fleck demanda uma contextualização que o prefácio e o prólogo realizam satisfatoriamente. Isso ocorre por vários motivos. O texto de Fleck se repete. O primeiro capítulo, por exemplo, para aqueles que não estão familiarizados com o estudo histórico das doenças, pode parecer um pouco enfadonho. Contudo, é a partir da história da sífilis que ele desenvolve sua epistemologia, e o primeiro capítulo é a apresentação do caso a ser estudado, ou seja, da sífilis. Neste caso específico sobre a história da sífilis, alguns leitores mais informados poderão objetar que o texto de Fleck se encontra desatualizado. Quanto à sífilis certamente, quanto ao projeto epistemológico não. Fleck não aborda, por exemplo, a famosa contenda sobre a origem da sífilis, se é americana ou europeia. Isso, no entanto, é secundário. Aplicando a teoria fleckiana ao próprio Fleck, a compreensão destas mudanças na percepção da sífilis tem motivações sociais.

Ele próprio ressalta que a história de uma doença (ou de um fato científico, para usar seus termos) nunca está completa; é sempre tarefa inacabada. Assim, desde a publicação do seu livro, outros temas tornaram-se relevantes no que tange à sífilis e que, em 1935, não estavam tão presentes no estilo de pensamento e no coletivo de pensamento da época.

Para Mauro Condé, professor do Departamento de História da UFMG e um dos articuladores da tradução brasileira, a epistemologia fleckiana possui maior flexibilidade e resolutividade que as demais abordagens teóricas interpretativas da(s) ciência(s) hoje disponíveis. Para ele, a obra de Fleck permanece rica, instigante e atual.

Um dos maiores desafios que o pensamento de Fleck nos oferece talvez seja o de tentar compreender um fato científico a partir de um “sistema de referência”, no qual múltiplas “conexões passivas” e “conexões ativas” se equilibram e os fatos surgem e se desenvolvem. Enfim, devemos abandonar as dicotomias das posições radicais de uma descrição empírica, por um lado, ou de uma postulação lógica, por outro, para abraçar o conhecimento que emerge da atividade humana em suas interações com o social e a natureza (Condé, 2010, p. XIV-XV).

Assim, a leitura da obra de Fleck, situada na fronteira entre sociologia, história e filosofia da ciência, pode ser edificante em várias áreas do conhecimento, pode ser mesmo desconcertante em alguns momentos. Contudo, certamente, trata-se de uma empreitada profícua para historiadores e todos aqueles que têm na sua lida a refl exão sobre o social e o cultural.

A tradução brasileira, é importante registrar, foi feita com rigor e cuidado e incluiu o prólogo de Lothar Schäfer e Thomas Schnelle intitulado “Fundamentação da perspectiva sociológica de Ludwik Fleck na teoria da ciência” escrito originalmente para a edição espanhola de 1986. Deslize editorial foi a omissão no final do livro das referências bibliográficas do próprio Fleck, presentes no original em alemão e na tradução em inglês e espanhol. Elas contêm informações importantes.

Uma delas é a citação que Fleck faz da obra de Karl Popper e que aparece apenas no final. Tais referências são indicativas da atualidade das leituras de Fleck e da diferenciação que queria demarcar e estabelecer. Outra queixa é a ausência de fotografias e mais dados biográficos sobre Fleck, que a presente tradução brasileira deveria conter pela oportunidade ímpar que constituiu de divulgação do próprio autor no Brasil e nos demais países de língua portuguesa.

A expectativa agora é para que a editora Fabrefactum disponibilize o restante da obra epistemológica de Fleck em língua portuguesa, ou seja, os sete artigos por ora apenas disponíveis em inglês e alemão. Isso contribuirá de maneira decisiva para a consolidação no cenário brasileiro deste importante autor e de suas refl exões sobre a História, a Sociologia e a Filosofia das Ciências.

Referências

COHEN, R.S.; SCHNELLE, T. (eds.). 1986. Cognition and fact: materials on Ludwik Fleck. Dordrecht, Reidel Publish Company, 468 p.

CONDÉ, M.L.L. 2010. Prefácio. In: L. FLECK Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Belo Horizonte, Fabrefactum, p. VII-XVI.

FLECK, L. 2010 [1935]. Gênese e desenvolvimento de um fato científico.

Belo Horizonte, Fabrefactum, 201 p.

FOUCAULT, M. 2000a [1970]. A ordem do discurso. São Paulo, Loyola, 79 p.

FOUCAULT, M. 2000b [1969]. Arqueologia do saber. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 244 p.

FOUCAULT, M. 2000c [1966]. As palavras e a coisas. São Paulo, Martins Fontes, 541 p.

KUHN, T.S. 2006 [1962]. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo, Perspectiva, 260 p.

LOTHAR, S.; SCHNELLE, T. 2010 [1986]. Fundamentação da perspectiva sociológica de Ludwik Fleck na teoria da ciência. In: L. FLECK, Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Belo Horizonte, Fabrefactum, p. 1-36.

LÖWY, I. 1994. Fleck e a historiografia recente da pesquisa biomédica.

In: V. PORTOCARRERO (org.), Filosofia, História e Sociologia das Ciências 1: abordagens contemporâneas. Rio de Janeiro, Fiocruz, p. 233-249.

MACHADO, P.S. 2008. Intersexualidade e o “Consenso de Chicago”: as vicissitudes da nomenclatura e suas implicações regulatórias.

Revista Brasileira de Ciências Sociais, 23(68):109-124.

POPPER, K. 1993 [1934]. A lógica da pesquisa científica. São Paulo, Cultrix, 567 p.

Notas

3 Na FAFICH (Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas), no Auditório Baesse.

4 Trata-se de sete artigos publicados entre 1927 e 1960. São eles: “Algumas características específicas do modo médico de pensar” (1927); “Sobre a crise da realidade” (1929); “Observação científica e percepção em geral” (1935); “O problema de uma teoria do conhecimento” (1936); “Problemas da ciência da ciência” (1946); “Olhar, ver e saber” (1947) e “Crise na ciência” (1960) Cf. Condé (2010, p. VIII). Esses textos em inglês encontram-se em: Cohen e Schnelle (1986).

5 No original de Thomas Kuhn a afirmação citada encontra-se na página 11 (Kuhn, 2006).

6 A noção de épistémè aparece em inúmeras ocasiões na obra foucaultiana. Apenas para citar alguns exemplos: As palavras e as coisas (2000c [1966]); Arqueologia do saber (2000b [1969]) e A ordem do discurso (2000a [1970]).

7 Trata-se do artigo de 1927: “Algumas características específicas do modo médico de pensar”.

8 Trata-se do artigo de 1929: “Sobre a crise da realidade”

Luciano Marcos Curi Centro – Doutor em História pela UFMG. Universitário do Planalto de Araxá Av. Ministro Olavo Drummond, 5 38180-084, Araxá, MG, Brasil.

Roberto Carlos dos Santos – Mestre em História Social pela UFU. Centro Universitário de Patos de Minas Rua Major Gote, 808 38702-054, Patos de Minas, MG, Brasil.