Locked room learning as strategy to change processes – KIEHL (EP)

KIEHL, Janet. Locked room learning as strategy to change processes. Saarbrücken: Dr. Müller, 2008. 177 pp.

Os processos de mudança organizacional têm sido pautados por estratégias de aprendizagem ancorada em emoções? A tentativa de resposta a esta pergunta é encontrada no livro “Learning to change: organizational learning and knowlege transfer“, de autoria de Janet Kiehl. Lançado em julho de 2008, nos EUA, a obra traz em seu conteúdo um novo modelo de aprendizagem nas organizações de trabalho. Denominado de locker room learning (LRL) – que em uma tradução literal para o português seria chamado de aprendizagem de vestiário, mas que, na verdade, sua melhor tradução consiste em um modelo de aprendizagem ancorada em emoções – este modelo pressupõe que os afetos são responsáveis pela forma como os indivíduos aprendem nas organizações. A autora foi executiva em empresas como a AT&T e a IBM e seu livro é resultado de sua tese de doutorado defendida em maio de 2004 na Case Western Reserve University, tendo como membro da banca de avaliação David Kolb, referência nos estudos da aprendizagem organizacional.

Estudos sobre a aprendizagem nas organizações são frequentes na literatura. Autores como Argyris e Schön (1978), Kolb (1984) e Senge (1991) desenvolveram trabalhos sobre os processos de aprendizagem no contexto de trabalho, como a teoria dos circuitos de aprendizagem, o modelo de aprendizagem vivencial e as cinco disciplinas para a construção da aprendizagem nas organizações, respectivamente. Neste cenário, Kiehl (2008) destaca-se como mais uma pesquisadora que contribui para os estudos da aprendizagem ao introduzir fenômenos como as emoções e a confiança no escopo da aprendizagem, o que diferencia seu modelo dos pesquisadores citados anteriormente.

O livro está estruturado em sete capítulos, sendo que o primeiro e o segundo tratam do método da pesquisa. O terceiro e o quarto revelam os processos de aprendizagem ocorridos durante os processos de mudança organizacional. Nos capítulos cinco e seis são demonstradas as transferências de aprendizagem durante o processo e, por fim, no sétimo capítulo são apresentadas as conclusões do estudo.

A pesquisa que originou o livro foi realizada no setor de fabricação (GC) da Ohio Component Manufacturing Company (OCM), empresa que atua há 85 anos na fabricação de fluídos de controle para indústrias, empregando cerca de 42 mil pessoas em 46 países onde atua. Teve como objetivos identificar a ocorrência dos níveis de aprendizagem organizacional e a passagem da aprendizagem individual para a organizacional por meio da transferência de conhecimentos. Tais propósitos foram estudados em um contexto de mudança caracterizado pela implementação do kaizen, uma prática administrativa de origem japonesa que visa o aperfeiçoamento constante dos processos de produção. O estudo foi realizado por meio de procedimentos qualitativos, com a utilização de entrevistas semi-estruturadas com 37 empregados do GC, de um total de aproximadamente 150 que trabalhavam no setor.

O processo de aprendizagem individual e organizacional no contexto de mudança pesquisado na OCM utiliza quatro categorias: escolha (choose), crença (believe), avaliação (assess) e engajamento (own). Estas categorias foram construídas pela autora da pesquisa por meio das entrevistas realizadas com os integrantes do setor de fabricação da empresa em estudo. Na fase de escolha (choose), o empregado decide se está disposto e se possui interesse pessoal para passar pelo processo de mudança; caso decida que sim, ele passa à próxima etapa, que é a crença (believe), na qual decidirá se acredita que a organização está comprometida com a mudança e se esta será eficaz; caso decida que não, deve avaliar se continua na organização e, se não houver interesse, ele deixará a organização; se avaliar que deseja continuar, pode passar para a próxima etapa também, mas terá um comportamento ambivalente em relação à crença da eficácia do processo de mudança. Na etapa de avaliação (assess), o indivíduo julga as tarefas a serem realizadas e, finalmente, pode ou não alavancar seu engajamento (own) no processo.

As etapas do processo descrito se assemelham com o modelo de aprendizagem vivencial de Kolb (1984). A comparação é realizada com base na aprendizagem individual, no qual o engajamento (own) é análogo à experiência concreta (act), a avaliação (assess) refere-se às observações e reflexões (value), a crença (believe) é comparada à formação de conceitos abstratos e generalizações (think) e a escolha (choose) é analisada como teste de implicações de conceitos em novas situações (decide).

A estrutura do processo de aprendizagem ancorada em emoções altera a sequência das etapas reveladas anteriormente. Ao invés de iniciar o processo com a escolha, passar para a crença, para a avaliação e, por fim, para o engajamento, a LRL inicia com a crença, posteriormente avança para a escolha, passa para o engajamento e para a última etapa que é a avaliação. Esta diferenciação foi identificada por Kiehl (2008) nas entrevistas, ao descobrir que, embora o treinamento recebido pelos empregados direcionasse a aprendizagem para o modelo anteriormente citado, outros relatos caracterizados pela emoção no contexto de mudança indicavam uma nova estrutura.

Após a análise da pesquisadora sobre as categorias definidas para a aprendizagem organizacional no setor GC, inicia-se, no livro, o debate acerca de uma nova proposta de aprendizagem em contextos de mudança, a locker room learning (LRL). Nesse modelo é admitido que “[…] as mudanças ocorridas são prioritariamente baseadas nos relacionamentos interpessoais, no tempo real, na interação dos atores organizacionais no dia-a-dia; do que em instruções de líderes ou em práticas formais de aprendizado” (Kiehl, 2008, p. 80). Ainda conforme a pesquisadora, o nome locker room foi estabelecido porque implica uma necessidade de segurança psicológica para, desta forma, facilitar a aprendizagem. Tal passagem vai ao encontro dos argumentos de Senge (1999) e Schein (2009) que concebem uma estreita relação entre o aumento da capacidade de aprendizagem e a segurança psicológica.

A autora conceitua a aprendizagem ancorada em emoções como “um processo de interação de avaliações, de acreditar em algo, de escolhas e de engajamento nas mudanças estratégicas, sendo que são necessárias condições para alteração de normas e de comportamentos no nível organizacional” (Kiehl, 2008, p. 90). Pautada por tal conceito, Kiehl (2008) interpreta que sua teoria é uma extensão do conceito de comunidades de prática desenvolvido por Wenger (1998, conforme citado por Kiehl, 2008) ao entender que a participação na prática social é um método fundamental de aprendizagem.

É perceptível a relevância que as emoções possuem neste modelo de aprendizagem, tanto pelo fato de a autora compreender que os componentes emocionais ou afetivos não são relatados em pesquisas empíricas sobre a aprendizagem organizacional (Kiehl, 2008), quanto pela afirmação da pesquisadora – sustentada pela teoria da aprendizagem vivencial de Kolb (1984) – de que, enquanto um indivíduo constrói modelos mentais baseados nas suas experiências, o que constitui a LRL é a confiança que os sujeitos apresentam acreditando mais nos pensamentos dos colegas de trabalho do que na passagem pela experiência concreta. Na pesquisa desenvolvida na OCM, a autora conclui que, enquanto todos eram treinados para a mudança e conheciam suas expectativas, muitos passaram a acreditar, não pela experiência direta com o novo processo, mas por observar que seus colegas desenvolviam uma confiança em sua aplicabilidade (Kiehl, 2008).

A obra analisada expôs a importância das emoções associadas à aprendizagem sob condições de mudança organizacional. Para Kiehl (2008), o engajamento voluntário com a comunidade no processo de mudança possui componentes emocionais e, sendo assim, revelam que a aprendizagem ancorada em emoções tende a ser retida por mais tempo do que quando não possui estes componentes. Este é o diferencial do modelo de aprendizagem desenvolvido no livro de Janet Kiehl, pois trata dos processos de aprendizagem associados a componentes emocionais, utilizando uma articulação até então inédita nos estudos da área.

Com base nos argumentos até aqui apresentados é possível interpretar que existem implicações do estudo de Janet Kiehl para as políticas de gestão das organizações brasileiras. Ao entender as emoções como variáveis que influenciam a aprendizagem, é permitida uma reflexão sobre os prováveis efeitos maléficos das práticas de gerenciamento de pessoas, como as proibições de contratação de parentes e de relacionamentos afetivos entre trabalhadores de uma mesma empresa. Tais normas são comuns em alguns códigos de ética e, com base na obra resenhada, podem representar um retrocesso aos processos de aprendizagem organizacional.

A obra analisada é recomendada pelos autores desta resenha para estudiosos da área da aprendizagem organizacional como pesquisadores, gestores e estudantes de pós-graduação. Este novo modelo de aprendizagem proposto por Kiehl (2008) abre mais uma discussão no meio acadêmico e este é apenas o primeiro esboço sobre esta importante obra. Os autores sugerem que novas resenhas ou artigos sejam publicados para que assim seja possível construir um maior conhecimento sobre a aprendizagem ancorada em emoções.

 

Referências

Argyris, C., & Schön, D. (1978). Organizational learning: a theory of action perspective. Reading Mass: Addison-Wesley.         [ Links ]

Kiehl, J. (2008). Learning to change: organizational learning and knowledge transfer. Saarbrücken: Verlag Dr. Müller.         [ Links ]

Kolb, D. A. (1984). Experiential learning: experience as the source of learning and development. New Jersey: Prentice-Hall.         [ Links ]

Schein, E. H. (2009). Cultura organizacional e liderança. São Paulo: Atlas.         [ Links ]

Senge, P. (1991). A quinta disciplina: arte e prática da organização que aprende. São Paulo: Best Seller.         [ Links ]

Senge, P. (1999). A dança das mudanças: os desafios de manter o crescimento e o sucesso em organizações que aprendem (8ª ed.). Rio de Janeiro: Elsevier.         [ Links ]

Ramiro Zinder da Silva – Doutorando na Universidade Federal de Santa Catarina, é Professor da Faculdade Estácio de Sá de Santa Catarina. Endereço para correspondência: Rua Vento Sul, 624, Campeche, Florianópolis-SC. CEP.: 88063-070. Tels.: (48) 3204-9602/9960-9385. E-mail: [email protected]
Narbal Silva – Doutor em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina, é professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: [email protected]

Estud. psicol. (Natal) vol.15 no.3 Natal Sept./Dec. 2010