História e Relações Internacionais / Crítica Histórica / 2014

A Edição nº 9 da Revista Crítica Histórica é dedicada à relação entre a História e as Relações Internacionais. O Dossiê foi organizado por um corpo de pesquisadores das áreas de História Contemporânea, Direito Internacional e Economia Política Internacional, e seu propósito editorial constituiu-se em reunir trabalhos que (1) destacassem o caráter histórico e político-econômico das relações internacionais atuais, bem como (2) estudos de História que buscassem enfatizar as Relações Internacionais. Esta opção abordativa reflete a percepção, pelos organizadores, da necessidade de interpretar as atuais relações internacionais sob o prisma de sua história, que por sua vez tem sido movida por um conjunto de “forças” que envolvem, ao mesmo tempo, tanto práticas unilaterais, quanto exercícios de cooperação de poder.

Esse “jogo de forças” envolve um conjunto de agentes sociais, Estados e Organizações Internacionais, inseridos numa estrutura e em posições que dependam de seus interesses estratégicos orientados para a transformação ou a conservação da chamada “Nova Ordem Internacional”.

Assim é que, recentemente, um encontro entre representantes do Grupo chamado BRICS – Brasil, Rússia, China, Índia, África do Sul – firmou uma série de acordos, dentre os quais ressalta-se a criação de um banco próprio para financiar e garantir novas linhas de liquidez aos seus membros como alternativa de solução econômica ao Fundo Monetário Internacional e ao sistema financeiro ocidental centrado no eixo Nova York – Londres.

No mesmo sentido, Argentina e China realizaram acordos para cooperação em diversas áreas, que envolveram, em especial, a abertura de um swap cambial entre peso e yuan, o que viabilizará transações da ordem de onze bilhões de dólares em importações para a Argentina, e promoverá as reservas internacionais deste país em 30 bilhões de dólares, ampliando o saldo do balanço de pagamentos deste país, e, por consequência, a sua capacidade e seu poder de compra no exterior.

Como se pode verificar, tais práticas diplomáticas vêm contribuindo para construção de alternativas à “Ordem Internacional” vigente, em que se contestam a predominância do dólar como moeda e dos Estados Unidos como principal agente da economia internacional.

Ao mesmo tempo, observam-se práticas no sentido de conservar e ampliar o poder do establishment internacional. Intervenções estatais por tropas da Organização do Tratado do Atlântico Norte ao arrepio da Carta das Nações Unidas e aprovação onusiana na África do Norte; o consentimento da Assembleia Geral e do Conselho de Segurança das Nações Unidas para as denominadas “ingerências humanitárias” à revelia da manifestação da vontade de movimentos sociais e políticos ou governantes legítimos, como na África Central; os sucessivos descumprimentos de resoluções dessa Organização para a finalidade de proteção de povos e populações civis submetidos a “crimes de guerra” e “contra humanidade”, no Oriente Médio e na Europa do Leste: todos estes fatos denotam a importância de uma interpretação realista no plano das relações internacionais, que não pode, por sua própria natureza, ser realizada sem estudos históricos.

Nessa esteira, em 2014, uma decisão judicial da Suprema Corte Norte-Americana favoreceu uma minoria de agentes financistas que, em 2005, havia decidido não acordar junto ao Governo argentino desconto sobre o pagamento de dívidas contraídas por empréstimos junto a bancos estadunidenses. Nesse sentido, em sede de jurisdição interna, a Corte entendeu que teria havido prejuízo dos acionistas norte-americanos, que desde aquela época, deixaram de receber a integralidade dos pagamentos previstos em contratos. A decisão ignorou as circunstâncias políticas internacionais e, aproveitando-se do fato de que o fórum eleito pelas partes contratantes para dirimir conflitos se estabelecera nos Estados Unidos, sancionou a ilegitimidade do acordo firmado entre a maioria dos credores e o estado Argentino.

Por fim, como se percebe, além da ultima ratio econômica e do necessário liame histórico, as relações internacionais ainda podem ser condicionadas às circunstâncias dos usos particularistas de princípios do direito internacional e, como no caso concreto, também do direito interno das superpotências.

Nessa edição, o artigo que abre o Dossiê, de Mateus Fernandez Xavier, “A Coluna prestes e seus impactos nas Relações Internacionais do Brasil”, tem como objetivo apontar as influências da Coluna Prestes sobre as relações internacionais do Brasil na década de 1920. A análise do contexto político, social, econômico e internacional do país, foi possível compreender as condicionalidades impostas à atuação externa brasileira. A apresentação da configuração do Exército Brasileiro e dos movimentos “subversivos” que tiveram origem no interior dessa instituição também forneceu elementos importantes para o estabelecimento da relação existente entre a Coluna Prestes e as medidas tomadas pelas chancelarias de Félix Pacheco e, em menor medida, de Otávio Mangabeira. Historicizando o espisódio, o artigo nos mostra como foi possível o Ministério das Relações Exteriores ser utilizado como instrumento de repressão a movimentos que contestaram a ordem oligárquica da República Velha.

Com efeito, o artigo de Mojana Vargas intitulado “A construção do Pan-Americanismo nas páginas de Américas (1949-1969)” tem como objetivo concatenar o momento de criação da Organização dos Estados Americanos (OEA) (1948), seu principal veículo de informação no período: a Revista Américas, os interesses político-econômicos estadunidenses e a tentativa de influenciar o “jogo de poder” assimétrico entre o principal ator regional – os EUA – e seus vizinhos, bem como analisar a construção do “discurso do pan-americanismo”.

Na mesma direção, João Gilberto Neves Saraiva procura investigar “As representações do Nordeste brasileiro nas páginas do New York Times (1950-1960)” identificando um conjunto de imagens associadas à região brasileira com o intuito de justificar certas escolhas políticas estadunidenses pelo investimento financeiro externo, seja na área militar, em bases norte-americanas no Rio Grande do Norte, por exemplo, seja na área econômica, em empreendimentos hidrelétricos na Bahia ou turísticos em outros estados do Nordeste.

Em “A internacionalização do Estado na história contemporânea: posições de um debate crítico interdisciplinar”, Rejane Carolina Hoeveler articula o debate acerca da internacionalização do Estado na história contemporânea a partir de uma abordagem interdisciplinar e que já se desenvolve desde os anos 1980. As transformações vividas pelo Estado contemporâneo se relacionam tanto com as metamorfoses do capitalismo contemporâneo quanto com as diversas crises que se entrecruzaram ao longo dos anos 1970, a partir das quais se nota um avanço na relevância das organizações internacionais de diversos tipos. O artigo, portanto, procura identificar e debater as proposições das principais correntes críticas que abordaram o problema da internacionalização do Estado, entre elas as dos chamados “neogramscianos” (como Robert Cox e Stephen Gill) e dos “neopoulantzianos” (como Bob Jessop, C. Gorg e U. Brand). A autora problematiza estas classificações e, ao mesmo tempo, identifica as matrizes teóricas comuns a estas correntes, comparando suas hipóteses acerca do problema e também relacionando estudos de caso internacionais de relevância acerca do tema.

Fechando o Dossiê, o artigo de Giorgio Romano Schutte busca mostrar como a criação do chamado grupo G20, bem como dos BRICS, responde a ajustamentos por parte das nações mais ricas a uma economia internacional cíclica, interdependente e instável, buscando-se maior coordenação entre elas. Ao mesmo tempo, busca argumentar como, nestes espaços multilaterais criados pelas nações desenvolvidas, a presença necessária dos chamados países emergentes, num contexto mais interdependente, pôde, ao menos em parte, ser aproveitada para maior “ganho de poder de decisão, por menor que seja, dos países emergentes, em particular dos BRICS”.

Com a publicação do Dossiê História e Relações Internacionais, procuramos reiterar a importância deste debate tanto no campo da História como no conjunto das Ciências Humanas. A interdisciplinaridade é condição sine qua non para o alargamento e aprofundamento de questões urgentes no campo internacional, não só no que diz respeito às relações entre Estados-nação, mas também entre esses e as Organizações Internacionais e os blocos econômicos. De toda a forma, a prática ou o “exercício do poder” impende uma multiplicidade de questões que deverão ser ponderadas a depender dos interesses e das posições de cada agente na estrutura de poder.

A desproporcionalidade entre o uso de mecanismos bélicos israelenses contra a população civil palestina no conflito na Faixa de Gaza denota como as mais rudes modalidades de relações internacionais permanecem atuais, à margem da diplomacia e do direito internacional.

Este é o caso de Israel e seu apoio norte-americano. Estaria assim equivocada uma abordagem meramente formalista ou jurídica de tais eventos, que depositasse excessiva confiança na capacidade das instituições globais multilaterais, como a Organização das Nações Unidas, em dirimir de forma justa tais tipos de conflito. Daí a importância de uma abordagem histórica e política do ambiente internacional, que permita transcender o campo das declarações oficiais dos grandes centros de poder, em busca de uma leitura mais independente e realista que busque situar os fenômenos em sua dimensão diacrônica, permitindo assim uma compreensão mais adequada de suas gêneses.

Boa leitura!!!

Alessandra Marchioni – Professora Doutora. Direito / UFAL

Henrique Zeferino de Menezes – Professor Doutor. Relações Internacionais / UFPB

Vitor Eduardo Schincariol – Professora Doutora. Ciências Econômicas / UFABC


MARCHIONI, Alessandra; MENEZES, Henrique Zeferino de; SCHINCARIOL, Vitor Eduardo. Apresentação. Crítica Histórica, Maceió, v. 5, n. 9, julho, 2014. Acessar publicação original [DR]

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