História: a arte de inventar o passado | Durval Muniz de Albuquerque Júnior

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz História
Durval Muniz Albuquerque Jr. Foto: TV Afiada /

ALBUQUERQUE JR D M A arte de inventar o passado HistóriaO livro História: A arte de inventar o passado, de Durval Muniz de Albuquerque Júnior, é a reunião de 16 artigos do autor sobre a escrita da história, ou mais precisamente, sobre o ofício do historiador na contemporaneidade.

O livro foi dividido em três partes: na primeira parte, o autor estabelece as relações da história com a literatura e o lugar (ou lugares) que os mesmos ocupam; na segunda parte, dedica-se a refletir sobre as idéias de Michel Foucault e sua pertinência para o trabalho historiográfico e na terceira parte, Durval agrupou seis ensaios, que embora tenham temas diferentes, têm como eixo a reflexão sobre a escrita (ou escritas) da história.

O autor abre o livro com uma belíssima introdução na qual primeiramente fala da recorrência cada vez maior da palavra invenção em várias áreas do saber e de como essa assinala uma mudança paradigmática. A partir daí, o autor estabelece uma analogia entre o ofício do historiador e “a terceira margem do rio”1 do conto de Guimarães Rosa. Segundo Durval, entre as celeumas criadas em torno da História Social versus História Cultural, localizando a História Social ao lado da materialidade, da objetividade, da realidade do fato histórico e a História Cultural ao lado do simulacro e do discurso, o historiador, com a ajuda da literatura, deveria se posicionar em uma terceira via, uma terceira margem.

Como já foi colocado, a primeira parte do livro é destinada às reflexões do autor sobre História e Literatura. Ela está dividida em quatro capítulos, a saber: capítulo 1 “A hora da estrela: História e Literatura, uma questão de gênero?”; capítulo 2 “História: a arte de inventar o passado”; capítulo 3 “No castelo da história só há processos e metamorfoses, sem veredicto final” e capítulo 4 “História: redemoinhos que atravessam os monturos da memória”.

Embora os quatro capítulos sejam fantásticos, gostaria aqui de dar destaque ao primeiro e ao quarto. No primeiro capítulo, o autor trabalha com a obra de Clarice Lispector, utilizando como uma metáfora para assinalar que as diferenças entre História e Literatura não estão apenas na questão de gênero discursivo, mas de gênero no que nós identificamos na nossa cultura ocidental moderna como feminino e masculino. Estaria assim a História para o masculino como a Literatura para o feminino, pois ao longo da sua formalização, o discurso historiográfico tornou-se um ordenador de mundos, uma forma de conter o caos, de clarear as sombras, deixando de fora, portanto, a realidade plural e pulsante a qual ele pretende descrever. Desse modo, coube à Literatura o lugar da desrazão, das paixões, da sensibilidade, do caos, do disforme, da vida.

No quarto capítulo, em uma homenagem ao poeta Manoel de Barros, o autor defende que a História e os historiadores precisam aprender com o poeta citado a olhar para o ínfimo, o banal. Precisamos baixar das torres do castelo para vermos o que acontece no fosso. Não sob uma perspectiva paternalista exotizante do tipo “a história vista de baixo”, mas admitindo a existência de um mundo que não tem só em cima e embaixo, mas tem lados, sendas, buracos, e de que esse homem, esse indivíduo uno do Iluminismo, não existe, somo só “coisa entre as coisas”.

A segunda parte, na qual o autor fala sobre Foucault e a História, está dividida em 6 capítulos: capítulo 5 “Menocchio e Rivière: criminosos da palavra, poetas do silêncio”; capítulo 7 “Experiência: uma fissura no silêncio”; capítulo 8 “Um leque que respira: a questão do objeto em História”; capítulo 9 “A história em jogo: a atuação de Michel Foucault no campo da historiografia” e capítulo 10 “Michel Foucault e a Mona Lisa ou como escrever a História com um sorriso nos lábios”.

Dessa parte, gostaria da dar destaque ao capítulo 5, no qual o autor estabelece um paralelo entre o livro de Carlo Ginzburg O queijo e os vermes e o de Michel Foucault Eu, Pierre Rivière, que degolei minha mãe, meu irmão e minha irmã, pois acredito que de certa forma Durval consiga sintetizar sua visão sobre as várias contribuições das idéias de Foucault à História. O autor coloca que Ginzburg e Foucault, apesar de partirem do paradigma indiciário, o fazem de forma diferenciada. Ginzburg pretende reconstruir a cultura popular da Europa enquanto um microcosmo da realidade na qual está inserido, uma amostra dessa cultura popular. Foucault, por sua vez, encara o discurso de Rivière como mais uma acontecimento, pois sua preocupação reside nas tramas que engendram tais discursos.

Na terceira e última parte, o autor reuniu 6 ensaios: capítulo 11 “Violar memórias e gestar a História: abordagem a uma problemática fecunda que torna a tarefa do historiador um parto difícil”; capítulo 12 “Íntimas histórias: a amizade como método de trabalho historiográfico”, capítulo 13 “Os nomes do Pai: a edipianização dos sujeitos e a produção histórica das masculinidades – o diálogo entre três homens (Graciliano, Foucault e Deleuze); capítulo 14 “As dobras do dizer: da (im)possibilidade da história oral; capítulo 15 “Por uma leitura ‘safada’ de E. P. Thompson e capítulo 16 “A singularidade: uma construção nos andaimes pingentes da teoria histórica”. Como já foi colocado, apesar de não terem um tema comum, versam sobre a preocupação central de Durval nesse livro: o fazer da história.

Desta parte, gostaria de debruçar-me sobre os capítulos 11 e 14. No capítulo 11 o autor coloca o cuidado que devemos ter tanto ao manipula como ao conceitualizar História e Memória, para não cairmos na armadilha de que a memória contém em si um caráter mais próximo da “verdade”. De certa maneira, o autor retoma essas reflexões no capítulo 14, ao refletir nas possibilidades da história oral. Durval alerta para o perigo de que a palavra dita carregue sempre o peso maior da fidedignidade, pois esquecemos que o sujeito fala também não é uno, ele próprio é o encontro de outras falas, outras memórias, e a história por ser violação, mesmo quando trabalha com a oralidade, acaba sempre por torna-lá escrita.

Enfim, História: a arte de inventar o passado, de Durval Muniz de Albuquerque Júnior é um livro fundamental para qualquer historiador preocupado com o seu ofício e com as suas conseqüências. Porque “arte de inventar o passado” é também política, e penso que devemos estar atentos a que políticas andamos nos filiando, reafirmando ou simplesmente não questionando. Acredito igualmente que este livro é essencial para qualquer pessoa que pretenda libertar-se e procurar outros rumos para pensar o mundo.

Ada Dias Pinto Vitenti – Mestranda em História na UnB. Professora da União Pioneira de Integração Social (UPIS -DF).


ALBUQUERQUE JR., Durval Muniz de. História: a arte de inventar o passado. Ensaios de teoria da história. Bauru: Edusc, 2007. 256p. Resenha de: VITENTI, Ada Dias Pinto. Textos de História, Brasília, v.17, n.1, p.187-189, 2009. Acessar publicação original. [IF]

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