História dos jornais no Brasil: da era colonial à Regência (1500-1840) | Matías M. Molina

Em 1863, Manuel Duarte Moreira de Azevedo, bacharel em letras, doutor em medicina, membro do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro e mais conhecido por Dr. Moreira de Azevedo, publicou, na revista do IHGB, o texto Origem e Desenvolvimento da Imprensa no Rio de Janeiro, um dos primeiros, senão, o primeiro, que explorou detalhadamente as publicações da imprensa carioca daquele tempo. O escrito, que, muito provavelmente, foi o único do Oitocentos que se dedicou a tal empreitada, teve como principal objetivo elencar e comentar os periódicos publicados na capital imperial pela tipografia da Impressão Régia ou pelas tipografias particulares instaladas na corte, entre os anos de 1808 e 1863. Depois dele, apenas o historiador Alfredo de Carvalho, aproveitando-se da comemoração do centenário da imprensa no país, publicou, em 1908, Gênese e Progressos da Imprensa Periódica do Brasil, também na revista do IHGB. Diferentemente do Origem e Desenvolvimento da Imprensa no Rio de Janeiro que se ocupou apenas dos periódicos da cidade do Rio de Janeiro, o estudo de Carvalho foi, e continua sendo considerado pela historiografia brasileira como o primeiro estudo que se comprometeu com a audaciosa tarefa de listar todos os periódicos produzidos no Brasil naqueles primeiros cem anos de impressos, independentemente da região em que foram publicados.

Trabalhos abrangentes como o pretendido por Alfredo de Carvalho no começo do século XX ocuparam pouco espaço na historiografia brasileira. No decorrer do século XX e no início do século XXI, a maior parte das obras teve como objeto apenas um determinado periódico, como os estudos de Nelson Dimas Filhos, Jornal do Comércio: a notícia dia a dia (1827-1887), de 1972, e de Maria Beatriz Nizza da Silva, A Gazeta do Rio de Janeiro (1808-1822), de 2007, ou se dedicaram aos periódicos publicados de uma certa região, como o de Gondim da Fonseca, Biografia do jornalismo carioca, de 1947, e o de José de Freitas Nobre, História da imprensa de São Paulo, de 1950.

Ressalva-se nesse habitual da historiografia, todavia, o estudo de Nelson Werneck Sodré, História da Imprensa no Brasil, publicado em 1966. A obra, além de listar um grande número de periódicos publicados no país desde a época colonial até meados do século XX, realiza uma análise do desenvolvimento e da produção dos impressos sob a “óptica da luta de classes”, isto é, por um viés marxista. A imprensa, na visão de Sodré, sempre teria sido utilizada como um meio de comunicação de massas e, assim, sempre funcionou como um aparelho de sujeição dos trabalhadores. Na época de seu lançamento a obra ocupou uma lacuna da historiografia brasileira, que desde o início do século não tinha trabalhos dedicados a tentar realizar uma história mais completa dos impressos produzidos no Brasil. A História da Imprensa no Brasil de Sodré, nesse sentido, foi muito bem recebida por aqueles estudiosos da segunda metade do século XX e foi considerada por muitos pesquisadores, durante um bom tempo – e por alguns até hoje –, o principal trabalho sobre a história da imprensa do Brasil, principalmente em razão do grande levantamento de Sodré acerca dos títulos produzidos. Contudo, o estudo de Sodré encontra-se, de certo modo, datado dentro da atual historiografia brasileira e a necessidade de uma história da imprensa do Brasil, que contemple os aspectos culturais e sociais mais abrangentes, permanece sob demanda.

A historiografia brasileira, em vista disso, desde a década de sessenta do século passado carecia de uma obra que se propusesse a realizar um estudo sobre os impressos publicados no Brasil, da colônia à contemporaneidade, a partir de um viés mais cultural e social. É nesse espaço desabitado, pois, que se insere o estudo do jornalista Matías M. Molina,[1] História dos Jornais no Brasil. Dada à ambição do trabalho, Molina propôs dividir o estudo em três volumes, pois, segundo ele mesmo justificou, dar conta dos impressos publicados nesse longo espaço de tempo é uma tarefa que requer muitas páginas escritas. Este alto número de impressos, aliás, interferiu diretamente na estrutura de seu projeto, que precisou ser repensado e dividido diversas vezes. Por esse motivo, o estudo de Molina se concentrou “apenas nos jornais de informação geral. Ficaram de fora os diários especializados, como os esportivos e econômicos, e os jornais em língua estrangeira […]”.

Outro fator que, segundo o jornalista, também contribuiu para a estrutura de seu projeto, foi o livro do professor da universidade norte-americana de Princeton, Paul Starr, The Creation of the Media. O livro do americano pretende mostrar “de que maneira algumas instituições como o Correios, a expansão do ensino, a introdução do telégrafo e outras tecnologias” foram importantes para a criação e a evolução dos meios de comunicação nos Estados Unidos. Inspirado por este trabalho, Molina adaptou “a maneira de Starr ver a criação da mídia em seu país para tentar compreender melhor as condições em que nasceram e desenvolveram os jornais brasileiros”. Por meio de uma pesquisa minuciosa, Molina tem como objetivo realizar uma história dos jornais brasileiros, ou seja, seu estudo “não tenta adivinhar” o futuro de um jornal, “não antecipa seu fim nem assegura que terão vida eterna. Limita-se a contar a história dos jornais no contexto de uma época. Dezenas deles”. Não se encaminha, portanto, no sentido de discutir o destino dos jornais, ou melhor, no sentido de discorrer sobre uma história dos jornais para desnudar o futuro dos impressos.

O primeiro livro, do que promete ser um vasto estudo, História dos Jornais no Brasil: da era colonial à Regência (1500-1840), foi publicado no início de 2015 e analisa, de maneira geral, a chegada das primeiras tipografias, os primeiros impressos publicados e alguns homens das letras que se envolveram com as artes gráficas. A obra se encontra dividida em quatro partes. Intitulada A era colonial, a primeira parte do estudo destaca a tipografia e a imprensa da colônia com intuito de, segundo o autor, compreender melhor os porquês de o Brasil só ter conseguido firmar uma imprensa nacional apenas no século XIX. Na segunda, A corte no Brasil, Molina explora o recorte que ele chamou como o “período de transição”, ou seja, o momento marcado pela vinda da Corte portuguesa, pela instalação da Impressão Régia e pela produção dos primeiros impressos. Jornais na independência e na regência é o título da terceira parte deste volume e, como sugere, tem como proposta investigar o envolvimento e o posicionamento de algumas folhas diante do governo, em tempos, vale lembrar, de conturbados debates que tomavam as ruas, principalmente da cidade do Rio de Janeiro, e tinha os jornais como principal veículo de informação. A quarta e última parte, Infraestrutura, discute a respeito dos “fatores que condicionaram o desenvolvimento da imprensa e ajuda a explicar a baixa penetração dos jornais no Brasil”, nos séculos XVI, XVII, XVIII até meados do XIX, mais especificamente até 1840.

Molina abre espaço, neste primeiro volume, para uma reflexão a respeito da história dos impressos do Brasil na época colonial. Não por achar que a colônia teve uma importante produção de impressos, mas para tentar refletir sobre os porquês de o país não ter uma imprensa, ou mesmo, uma tipografia, nos seus primeiros séculos de vida – uma vez que o Brasil, “três séculos e meio depois das primeiras obras estampadas por Gutemberg”, só desempenhou tal atividade a partir de 1808, com a vinda da família real portuguesa. Destaca Molina que não foi proibida oficialmente no Brasil a instalação de tipografias nem a produção de impressos durante a colônia, mas o fato – simples até – foi que as terras brasileiras não eram propícias para o desenvolvimento das artes gráficas. Com uma minguada população, praticamente toda analfabeta, e um grande território, a colônia de Portugal não recebia incentivos nem para a produção de pequenos folhetos. No período inicial, destarte, a instalação de uma tipografia poderia, de acordo com Molina, “ser considerada supérflua”, mas com o aumento da população e o aumento da dependência dos portugueses em relação ao Brasil, a ideia passou a ser aceita e, aos poucos, ganhou corpo.

Logo na primeira década do século XVII, quando as capitanias do Norte ficaram nas mãos dos holandeses, isto é, da Companhia das Índias Ocidentais, e diferentes povos imigraram para essa região, o plano para a existência aqui no Brasil de uma tipografia passou a ser concreto. O principal governante deste domínio, o conde João Maurício de Nassau pediu, várias vezes durante seu governo, que fosse instalada uma tipografia naquela região com o argumento de que a impressão de documentos naquelas terras seria benéfica para a sua administração e, consequentemente, para a manutenção do domínio. Todavia, com a expulsão dos holandeses e a retomada do território pelos portugueses, em 1654, o projeto de Maurício de Nassau não foi executado. Os portugueses, como era de se esperar, e dado seu posicionamento frente a esse assunto, engavetaram rapidamente a iniciativa do conde. Outra tentativa de se instalar uma tipografia no Brasil foi a do português Antônio Isidoro da Fonseca que, em meados do século XVIII, se acomodou no Rio de Janeiro com seus equipamentos e até chegou a imprimir algumas obras. A Corte de Lisboa, infelizmente, não aprovou a ação e, além de determinar o retorno de Isidoro da Fonseca para Portugal em razão desse episódio, passou a proibir a instalação de tipografias bem como a produção dos impressos na colônia. Nota-se, nesse sentido, segundo Molina, que na colônia a não existência de uma lei que proibisse a impressão não significava que ela era permitida, pois sempre que existia alguma iniciativa de impressão ela era rapidamente coibida pelos portugueses.

A vinda da corte portuguesa para as terras do Brasil ocasionou variadas mudanças na administração dos portugueses e a instauração de determinados órgãos até então inexistentes na colônia, como a imprensa. Com a instalação, em 1808, da Impressão Régia no Brasil, a proibição de fabricação de impressos na colônia foi deixada de lado e substituída por investimentos do governo português: nessa época, o Brasil recebeu um variado maquinário para que fossem desenvolvidas as artes gráficas em suas terras. Molina, levando em consideração tais mudanças ocasionadas com a presença da corte no Brasil, mapeou os principais jornais que começaram a ser publicados pela Impressão Régia ou por tipografias particulares, que tinham a autorização do governo.

Destacou, assim, impressos variados, tais como a Gazeta do Rio de Janeiro (1808-1822), a publicar artigos que se posicionavam de forma favorável ou contrária ao governo de Portugal no Brasil.

Todavia, os jornais voltados para as discussões nos momentos da Independência ou da Regência tiveram um destaque especial na terceira parte deste volume. Foram apresentados primeiramente os jornais do Rio de Janeiro contrários à Independência, como o Conciliador do Reino Unido (1821) de José da Silva Lisboa, que, segundo Molina, não se omitia em defender a união entre os reinos de Portugal e Brasil. E, em seguida, um dos jornais que mais debateram sobre a possibilidade de o Brasil ser ou não um Império: O Republico, que começou a ser publicado durante um ano antes do início das regências, em 1830, mas que saiu por diversas vezes até 1855. Outros jornais publicados na cidade do Rio de Janeiro, que tiveram importante participação na história da imprensa do Brasil receberam igual atenção nesta parte do livro, tais como: o Correio do Rio de Janeiro (1822-1823), o Diário do Rio de Janeiro (1821-1959/1860- 1878), o Jornal do Commercio (1827-atual) e A Aurora Fluminense (1827-1835). Destacase, ainda, a presença de alguns jornais baianos, pernambucanos e, também, de outras províncias do país como, por exemplo, os do Rio de Grande do Sul.

O problema de maior relevo na história da imprensa nesse período apontado por Molina, na última parte de seu livro, foi a contradição entre os jornais terem sido importantes instrumentos na redefinição da vida social e política do país, mas, ao mesmo tempo, pouco lidos pelos brasileiros. Molina pontua, desse modo, as dificuldades da produção dos impressos: o maquinário ultrapassado, o grande número de analfabetos da população brasileira, as dificuldades de transportes, o valor elevado dos impressos, entre outros. Molina evidencia que as adversidades encontradas na fabricação das folhas periódicas fizeram que a mesma elite letrada que produzia os impressos era também quem os comprava.

Molina oferece nesse volume que, como mencionado, integrará futuramente um estudo de maior fôlego, uma análise minuciosa sobre o que a presença ou ausência de impressos pode revelar sobre história da imprensa brasileira. Destaca, sobretudo, as dificuldades de se manter a publicação dos jornais e a importante participação que eles tiveram na vida política e social do Brasil, independentemente de sua duração ou de sua posição ideológica. Em suma, com uma escrita agradável, uma leitura rigorosa das fontes e uma análise que inclui diferentes aspectos, a obra de Molina contribui para diminuir a falta desse tipo de estudo na historiografia brasileira e deixa estudiosos e interessados à espera dos próximos volumes.

Notas

1. Matías M. Molina também é autor de Os melhores jornais do mundo: uma visão da imprensa nacional (2007), de vários artigos publicados no Valor Econômico, entre outros.

Referências

AZEVEDO, Dr. Moreira de. Origem e desenvolvimento da imprensa no Rio de Janeiro.

Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: B. L.

Garnier, t. XXVIII, v. 2, 1865, p. 169-224.

CARVALHO, Alfredo de. Gênese e progressos da imprensa periódica no Brasil. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, parte I, 1908.

DIMAS FILHO, Nélson. Jornal do Commercio: A notícia dia a dia (1827-1987). Rio de Janeiro: Fundação Assis Chateaubriand; Jornal do Commercio, 1987.

FONSECA, Manuel José Gondin da. Biografia do jornalismo carioca: 1808-1908. Rio de Janeiro: Quaresma, 1941.

MOLINA, Matías M. História dos jornais no Brasil: da era colonial à Regência (1500- 1840). São Paulo: Companhia das Letras, 2015. v. 1.

NOBRE, José de Freitas. História da imprensa de São Paulo. São Paulo: Leia, 1950.

SILVA, Maria Beatriz Nizza da. A Gazeta do Rio de Janeiro (1808-1822): cultura e sociedade. Rio de Janeiro: Eduerj, 2007.

SODRÉ, Nelson Werneck. A história da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.

Amanda Peruchi


MOLINA, Matías M. História dos jornais no Brasil: da era colonial à Regência (1500-1840). São Paulo: Companhia das Letras, 2015. v. 1. 560p. Resenha de: PERUCHI, Amanda. No rastro das folhas periódicas: os impresos na historiografia brasileira. Revista Ágora. Vitória, n.23, p.292-297, 2016. Acessar publicação original [IF].

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