Nas margens da boiadeira: territorialidades, espacialidades, técnicas e produções no noroeste paulista | Humberto Perinelli Neto, Sedeval Nardoque, Vagner J. Moreira

O livro de organização de Sedeval Nardoque, Humberto Perinelli e Vagner Moreira é uma obra coletiva que envolve trajetórias individuais de pesquisa. É uma importante contribuição aos estudos da região Noroeste paulista em termos econômicos e sociais. Sua gênese está no ano de 2010, com trabalhos concedidos por pesquisadores da área de geografia.

A partir de pesquisas documentais, e fontes orais dos personagens que moldaram este espaço segundo experiências vividas na região Noroeste paulista, a obra apresenta aspectos sociais, antropológicos e históricos que configuram esta região, problematizando a vivência no campo nos termos que envolvem a dinâmica agromercantil da pecuária e a agricultura organizada entre os séculos XIX e XX. O foco principal é os espaços que se constituem as cidades de Jales e Fernandópolis conhecida como “grande Oeste”.

Na introdução o autor procura demonstrar a diversidade de estilos, enfoques e temas envolvendo a interpretação do rural e urbano, associado ao desenvolvimento e progresso. O enquadramento do núcleo teórico disciplinar relaciona historiadores da cepa como Hobsbaw, Jacques Le Goff e Raymond Willians.

O primeiro texto dos autores Paulo Henrique de Souza e Marta Maria Pereira de Souza trata das formas de apropriação e cultivo das terras do Noroeste paulista. Discute a chegada do pioneiro no Oeste paulista e as mudanças ocorridas na região em termos de modernização do sistema de transporte e expansão das áreas cultivadas a partir do momento em que o café se fez presente pelas terras bandeirantes. Reconhece a importância do café no Brasil proposto por Caio Prado Júnior, como grande propulsor da ocupação do espaço paulista e de suas cercanias, possibilitando o surgimento de novas fazendas e atração de mão de obra para a lavoura por meio do processo imigratório. Mas adverte a presença de povos indígenas e colonizadores dispersos na região.

Deste modo específico, observa-se que, além do café, essa franja pioneira começa a diversificar sua produção agrícola através do algodão, enquanto que os primeiros colonizadores mineiros tinham a expectativa de praticarem nessas terras a pecuária, pois vislumbravam a comercialização da carne junto à população que crescia a cada dia nas regiões tradicionais de cultivo de café. O crescimento dessa agricultura proporcionou no Noroeste paulista a expansão da rede ferroviária e a abertura de frigoríficos fortalecendo o desenvolvimento da região e consequentemente sua urbanização.

O texto seguinte de Hunberto Perinelli Neto retrata o avanço que a economia mercantil de abastecimento teve na compreensão da pecuária. Para o autor as ondas migratórias mineradoras contribuíram sistematicamente para o desenvolvimento da pecuária na região Noroeste paulista. Foi nesse contexto que a demanda por bovinos constituiu o jogo de trocas envolvendo várias localidades sendo capaz de compor uma teia de relações socioeconômicas. A tessitura dessa teia constituiu o chamado “circuito mercantil do boi”, responsável por impulsionar a economia de várias localidades e regiões existentes na hinterlândia, desligadas dos distantes centros econômicos e políticos do país. Outro aspecto mercantil dessa região foram as invernadas, formadas por extensos campos onde o gado recuperava suas forças e pesos, para serem conduzidos aos mercados consumidores.

O destaque alcançado pela pecuária motivou a abertura da Estrada Boiadeira consolidando assim a condição de entreposto mercantil, responsável por encaminhar gado matogrossense para as demais cidades paulistas. Como também a instalação de diversos frigoríficos no país, principalmente filiais de grandes empresas internacionais. Em fins da década de 1960, a pecuária ganharia impulso por meio da organização das feiras de gado trazendo para a região experimentos, equipamentos e produtos associados à indústria da pecuária em torno do cruzamento de raças. Com o tempo, porém, essas feiras passaram a incorporar apresentações de shows, cavalos e parques de diversão.

O autor Sedeval Nardoque mostra a desconcentração fundiária da cidade de Jales, fato relacionado ao processo de colonização da região, onde milhares de pessoas foram conduzidas por especuladores imobiliários para a fronteira. O loteador Euphly Jalles revendeu vários terrenos em processo de grilagem ao longo de várias décadas, para centenas de famílias. Esses acontecimentos contribuíram para a construção do espaço geográfico do município de Jales, pois o loteamento foi aberto em 1940 para que fosse efetuada as vendas, fundando a primeira vila, para servir como ponto de referência para os compradores.

Segundo Celso Donizete Locatel o momento de ocupação das microrregiões de Jales e Fernandópolis foram fundadas tendo em vista o objetivo de possibilitar a comercialização das terras no seu entorno imediato. Para isso são utilizados os espaços entre campo e cidade levando em conta que ambos fazem parte de uma unidade geográfica, econômica, social, cultural e política, do qual depende seu desenvolvimento. Diante disso é possível entender a hierarquia das localidades que forma a rede urbana das microrregiões de Jales e Fernandópolis onde ambas apresentam ocorrência das funções definidas e de elevada complexidade.

João Geraldo Nunes Rubelo apresenta um estudo teórico dos vários paradigmas abordando a questão agrária relativa ao camponês. Trata-se do território do município de Jales, buscando identificar as relações de produção com base no campesinato e suas territorialidades. A formação socioeconômica dessa microrregião geográfica teve como presença marcante o camponês, que continua sendo o elemento preponderante. Discute a diminuta esperança de melhorias para a agricultura devido à ausência de uma política agrícola no Brasil para o setor e uma alteração no campo, que na atualidade se transforma, pois adverte que a economia da produção agrícola sede território lentamente para a produção de prestação de serviço.

A importância da agricultura de base familiar realizada no município de Fernandópolis é pesquisada por Lourdes Sales Rosa Casari. A autora analisa as transformações ocorridas nas atividades agrícolas entre 1970 e 1996, decorrentes da forma como o capital se intensificou na agricultura, sob a égide dos complexos agroindustriais responsáveis pela produção de técnicas e insumos utilizados no campo, como também na compra de matérias primas agrícolas a serem industrializadas. Neste caso, mostra as estratégias buscadas pelo pequeno produtor para manter sua propriedade na combinação entre o cultivo de lavouras, a pecuária e a criação de pequenos animais.

O autor Celbo Antonio da Fonseca Rosas trata o processo da produção cafeeira no Noroeste paulista, desde a época de 1940 em que o café era plantado na região para a obtenção de renda com mais rapidez pelos produtores para o pagamento de dívidas à CAIC (Companhia Agrícola de Imigração e Colonização). Esse período se torna o auge do café na região que, nos anos de 1980 entra em decadência devido as condições climáticas, o aparecimento de nematoides e também pelas oscilações nos preços do mercado globalizado. O autor destaca que como alternativa ao café os produtores optaram pela plantação de milho, laranja e a produção da pecuária.

Por ultimo, Evandro César Clemente fala da questão do leite produzido por pecuaristas de Jales e sua inserção no mercado consumidor diante do processo de mecanização do campo e a intensificação das formas de produção cada vez mais dentro dos padrões capitalistas.

De maneira geral, o livro possui longas discussões sobre o processo agrícola na região Noroeste paulista, principalmente em relação aos espaços geográficos e a economia. Os autores defendem a idéia do café como responsável pelo povoamento e inserção das diversas agriculturas. Porém o trabalho tem passagens repetitivas no intuito de ressaltar a importância do café.

As obras bibliográficas e as fontes utilizadas contribuem para novas pesquisas. Seu trabalho amplia consideravelmente o conhecimento sobre a história das cidades como Jales e Fernandópolis na região Noroeste paulista, inaugurando a senda para novos estudos da região.

Natalia Scarabeli Zancanari – Mestranda em História – Universidade Federal da Grande Dourados. E-mail: [email protected]


PERINELLI Neto, Humberto; NARDOQUE Sedeval; MOREIRA, Vagner José (Orgs.). Nas margens da boiadeira: territorialidades, espacialidades, técnicas e produções no noroeste paulista. São Paulo: Expressão Popular, 2010. Resenha de: ZANCANARI, Natalia Scarabeli. Revista Trilhas da História. Três Lagoas, v.2, n.3, p. 190-193, jul./dez. 2012. Acessar publicação original [DR]

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