Paulistas e emboabas no coração das Minas: Ideias, práticas e imaginário político no Século XVIII | Adriana Romeiro

A obra recente de Adriana Romeiro, professora da Universidade Federal de Minas Gerais, vem suprir uma lacuna de estudos recentes sobre o episódio da guerra dos emboabas, conflito que agitou Minas Gerais no início do século XVIII.

O levante dos emboabas é um tema clássico da história do Brasil, já abordado por autores do século XVIII, como Sebastião da Rocha Pitta, Manuel da Fonseca, Pedro Taques Leme e Cláudio Manuel da Costa. O tema foi retomado pelos primeiros historiadores que se propuseram a escrever uma história nacional, originando uma controvérsia sobre quem teria protagonizado um movimento então identificado como nativista, se os paulistas ou os emboabas.

Alinhada com a historiografia recente, a autora consegue enquadrar a guerra dos emboabas no contexto histórico do império ultramarino português, que viu outras revoltas como a de Minas Gerais após a Restauração da independência portuguesa. Durante a Guerra de Sucessão Espanhola a descoberta do ouro não causou euforia entre a elite dirigente portuguesa, antes causou preocupação. Adriana Romeiro aponta que os administradores e conselheiros já haviam percebido que a descoberta do ouro podia ameaçar o domínio da coroa portuguesa na América, por uma invasão estrangeira ou pela perda do controle sobre as comunidades que se formavam longe do litoral, em áreas de difícil acesso.

O primeiro capítulo, intitulado “O negócio das Minas” mostra os diferentes projetos de inserção do território das Minas Gerais na América Portuguesa. O projeto baiano propunha ligar as minas ao porto de Salvador através do vale do rio São Francisco; os paulistas tentaram preservar seu domínio sobre a região, justificado pelo direito de conquista; ainda havia a vontade dos governadores do Rio de Janeiro no sentido de manter a região mineira sob o seu controle administrativo.

“Tumba da paz, berço da rebelião” analisa a sociedade mineira em formação, as disputas entre paulistas e emboabas e as tentativas da coroa em controlar o território das minas. A violência que então grassava na região é representada pela imagem de um ex-voto que foi escolhida para ilustrar a capa do livro.

“O levante paulista” faz uma análise das tensões que originaram o conflito. Adriana Romeiro aponta a disputa pelo contrato dos açougues, que garantia o monopólio do abate e comercialização da carne como o estopim dos conflitos entre os paulistas e os emboabas. Aqui vemos outra vez a preocupação da autora em relacionar o evento local com o geral, particularmente com a cultura popular no Antigo Regime. Ela nos mostra a importância da “economia moral” na Idade Moderna, quando os levantes populares eram comuns no momento em que a população se sentia prejudicada pelo monopólio na comercialização dos produtos alimentícios, remetendo aos estudos de Thompson, Rudé, Tilly, Davis e outros.

No capítulo intitulado “As artes da guerra”, a autora não se limitou à narrativa do conflito, mas também buscou, com sucesso, interpretar as táticas de guerra empregadas pelos paulistas e pelos emboabas. Para isso, Romeiro tomou como modelo o estudo já clássico de Evaldo Cabral de Mello sobre a “guerra brasílica” na sua obra “Olinda Restaurada: guerra e açúcar no nordeste, 1630/1654”. Esse ponto tem um caráter inovador na análise do período estudado, uma vez que ainda são poucos os estudos sobre as táticas de guerra utilizadas na América portuguesa, particularmente com relação a Minas Gerais.

A partir de um aprimorado debate com a historiografia e com as fontes, a autora nos mostra a criação da identidade paulista no quinto capítulo, “Ideias e práticas políticas”, assim como se preocupa com o discurso dos emboabas em se fazerem passar por leais súditos de sua majestade. A figura do paulista como indomado e rude habitante do sertão serviria mais como um instrumento de negociação com o rei e seus representantes do que a uma efetiva independência dos paulistas. O imaginário político de Minas Gerais seria dominado pelo direito de conquista, disputado pelos paulistas e emboabas que, “à custa de nosso sangue, vida e fazendas” se definiam como responsáveis pela conquista da região mineira.

O último capítulo, “O retrato do rei”, analisa a política da coroa em pacificar a revolta através de compromissos com os emboabas e com os paulistas. Através da negociação, a coroa conseguiu contentar os emboabas, que tiveram seu domínio assegurado, assim como os paulistas, que viram a sua vila se tornar cidade e a criação da nova capitania de São Paulo e Minas do Ouro. Como era comum durante o Antigo Regime, a pacificação implicava a glorificação do rei, o qual tinha de sair ileso da rebelião feita contra os opressores que supostamente impediam a justiça real. A representação do poder régio se deu com a colocação do retrato de D. João V na Casa da Câmara de São Paulo.

A obra de Adriana Romeiro, “Paulistas e emboabas no coração das minas” veio, portanto em boa hora. Pela sua análise enquadra-se na nova historiografia que não mais busca a construção de uma história nacional, mas está muito mais preocupada em compreender a história colonial dentro do contexto do império ultramarino português. Para nós, que vivemos numa região que foi uma verdadeira fronteira em movimento durante todo o período colonial, essa perspectiva de análise dos impérios ultramarinos português e espanhol nunca deve ser esquecida, a fim de não voltarmos a construir uma história nacional antes mesmo da criação dos estados nacionais na América. Estudar o Antigo Regime na Europa ou nos trópicos é uma tentativa de compreender a Idade Moderna e não o passado de uma nação que foi construída posteriormente.


Resenhista

Paulo Cesar Possamai – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo. Professor do departamento de História e Antropologia da UFPEL. E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

ROMEIRO, Adriana. Paulistas e emboabas no coração das Minas: Ideias, práticas e imaginário político no Século XVIII. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008. Resenha de: POSSAMAI, Paulo Cesar. História em Revista. Pelotas, v.15, p. 151-153, dez./2009. Acessar publicação original [DR]

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