A guerra do retorno: como resolver o problema dos refugiados e estabelecer a par entre palestinos e israelenses | Adi Schwartz e Einat Wilf

Adi Schwartz e Einat Wilf Refugiados
Adi Schwartz e Einat Wilf | Foto: [Miriam Alster] (2018)

O livro, publicado em setembro de 2021, traz dois autores israelenses que se propõem a debater a questão dos refugiados palestinos e a estabelecer uma alternativa para a paz entre ambos os grupos. Segundo informações no site da editora de publicação do livro, Adi Schwartz é jornalista e escritor, estudou na Universidade de Tel Aviv e concentra seus estudos no conflito árabe-israelense e na história de Israel II. Já Einat Wilf é PhD em Ciência política pela Universidade de Cambridge e foi membro do Parlamento israelense, tendo escrito outros livros que tratam da sociedade israelense III.

A Guerra do retorno é mais uma publicação sobre um tema que há muito vem sendo debatido nos meios intelectuais, políticos e acadêmicos, pois nos quase setenta anos que se passaram desde o primeiro conflito árabe-israelense diversos artigos e publicações foram escritos. No entanto ainda há muito a ser dito IV. Dividido em cinco capítulos, os autores traçam um panorama que engloba o início da guerra até os dias atuais, focando especificamente na questão dos refugiados: sua origem, o debate acerca do seu direito de retorno, o tratamento dos países árabes e a construção da imagem do palestino enquanto refugiado nos meios internacionais.

Ainda no prefácio, o que se pode observar é um pouco do teor que estará presente em todo o livro: os palestinos não só desperdiçaram as oportunidades de criação de um Estado próprio como recusaram qualquer tentativa de se negociar a paz enquanto o Estado de Israel estivesse encravado naquilo que eles consideravam sua terra por direito V. Não obstante, questiona-se ainda o motivo de haver refugiados de uma guerra que terminou há setenta anos e afirma que uma das agências criadas para, teoricamente, resolver o problema, é na verdade parte dele VI.

No início de cada capítulo, evidencia-se a preocupação sobre a questão dos refugiados: seu número é posto em caixa alta antes das considerações dos autores. No primeiro deles, intitulado Travando a guerra (1948), as explanações delimitam o cenário do contexto mundial antes do início do conflito, quando a região da Palestina estava sob a tutela dos britânicos e o Estado de Israel ainda não havia sido criado. Mesmo nesse momento, ele já era considerado um crime contra a justiça VII pela maioria dos árabes–senão por todos- e foi exatamente essa visão conduziu à guerra e posteriormente ao problema do refugiado palestino VIII. Apesar do apelo feito pela comunidade internacional e do plano de partilha da ONU, os árabes rechaçaram toda e qualquer tentativa de estabelecer um diálogo enquanto Israel ocupasse a região como país soberano, pois os judeus não tinham direito aquela terra IX. A partir deste impasse, a perspectiva israelense era a de que não haveria a possibilidade de convivência pacífica e que sua independência passaria pelo crivo da defesa militar, visto que a violência contra seus novos cidadãos por parte das milícias árabes-palestinas era repugnante X. Muito devido a isso, os palestinos foram impedidos pelas forças israelenses de retornar às suas casas, pois havia uma mistura entre cidadãos e combatentes milicianos que não poderiam ser diferenciados pelas tropas de Israel no calor da batalha XI . Para além desta opção, o não-retorno voluntário ocorria devido a um temor de que haveria um sentimento de vingança nos soldados de Israel, caso os palestinos optassem pela volta.

Em 1949, o número de refugiados era de 726 mil e, apesar do resultado desfavorável da primeira batalha para os árabes, a rejeição em relação a Israel aumentou. Neste segundo capítulo, Exigindo o retorno (1949), o foco de Schwartz e Wilf é mostrar como os refugiados palestinos passaram de um problema para uma alternativa na continuidade da guerra contra Israel, esta travada até o fim, sem qualquer possibilidade de convivência pacífica entre duas nações soberanas XII. A participação da Liga Árabe na decisão sobre os refugiados foi fundamental para a construção da imagem deste perante os órgãos responsáveis dos seus cuidados, pois ela havia determinado que a solução duradoura para aquele problema era a repatriação XIII. Neste ponto, os autores fazem questão de salientar que não há prerrogativa no direito internacional exigindo do país receptor a aceitação dos refugiados, sobretudo quando há ameaça e perigo iminentes para seus cidadãos, já que tal acolhimento, nesse caso, poderia significar a criação de uma quinta-coluna de resistência, reavivando o sentimento beligerante dos palestinos. No entanto, sobre esse direito de retorno, Schwartz e Wilf deixam claro que não foi nenhum político árabe a sugeri-lo, mas sim um mediador escolhido pela ONU para encontrar uma solução ao conflito, o conde sueco Folke Bernadotte XIV. O ano de 1949 acabou sem uma solução aceita de ambos os lados e marcou ainda uma mudança no entendimento sobre o retorno dos refugiados por parte da comunidade internacional.

Os anos cinquenta do século passado não trouxe grandes novidades no posicionamento árabe ou israelense, mas no do governo norte-americano, sim. A política dos EUA se distanciou da insistência em um retorno a Israel e passou a considerar uma readaptação nos países árabes vizinhos XV, que buscaram dificultar tal processo, visto que isso significaria reconhecer a vitória israelense e aceitar que aquela nação e o seu povo jamais sairiam dali. Em Recusando a integração (1950-1959), a narrativa abordada é a de que Líbano, Síria, Egito e outros criaram diversos empecilhos na integração e readaptação dos palestinos naqueles países, impedindo-os de se tornarem cidadãos passíveis de direitos e deveres e abandonando assim o status de refugiados (estes que atingiram a cifra de 894 mil). Nesse interim, a UNRWA (United Nations Relief and Works Agency for Palestine Refugees in the Near East) responsável pela adaptação dos refugiados fracassa, em parte pela atitude dos próprios refugiados em não aceitar que a maioria jamais retornaria a Israel XVI. Aqui se concentra uma das questões centrais do livro e as motivações pelas quais o número de refugiados cresce ano após ano, sem aparente solução.

Os dois últimos capítulos se debruçam nas posturas dos novos líderes dos palestinos, sobretudo Yasser Arafat e a OLP. O caminho encontrado para a resistência vai dos atos terroristas a negociação da paz. Os autores introduzem o relato de um jovem responsável pela invasão das instalações olímpicas dos atletas israelenses, em 1972. Trazem para o centro da discussão a convocação daqueles que nasceram já nos campos de refugiados e sequer viram a Palestina, mas que receberam a carga histórica e os relatos dos avós, pais e tios mencionando a terra roubada. Deixam evidente também o sistema educacional e a assistência hospitalar recebida por este grupo nos campos e a maneira como a UNRWA falhou na tratativa e na criação de uma ideia sólida sobre quem eram os refugiados. Do final dos anos 80 até o presente, Schwartz e Wilf evidenciam uma cifra de mais de dois milhões de refugiados e em como a busca por uma alternativa viável já era vista como opção pelos palestinos, visto que sobretudo o apoio dado pela União Soviética em outros tempos já não existia. Os Acordos de Oslo e a Cúpula de Camp David entraram em evidência como uma possibilidade para a paz, guiados pelas lideranças dos palestinos e israelenses e intermediados pelos norte-americanos. Apesar das promessas e de décadas de diálogos entremeados por conflitos, a resolução do conflito não aparenta estar mais próxima do que há setenta anos.

Finalizando a publicação, os autores trazem uma alternativa para a paz: primeiro cobram dos países que reconheçam a impossibilidade de haver paz sem que os palestinos abdiquem de sua posição em exigir a totalidade do território; segundo, que não há nada que obrigue Israel a aceitar o retorno dos palestinos para as suas antigas casas; e terceiro, que a UNRWA abandone o sistema de registro dos refugiados e que seja desmantelada para não criar mais problemas, ao invés de resolvê-los.

É, sem dúvida, um livro singular. Schwartz e Wilf baseiam-se em relatos das personalidades e figuras que fizeram parte do início do conflito, no final dos anos quarenta até os dias atuais. A visão de que os palestinos recusaram a maioria das possibilidades de um estabelecimento do seu Estado por não aceitarem a soberania israelense traz, no mínimo, inquietações. As questões levantadas nessa obra, longe de esgotarem o tema, apresentam mais incertezas quanto ao final dessa disputa e mostra com clareza aquilo que foi dito pelos autores ainda no prefácio: há muito a ser dito.

Notas

II https://www.editoracontexto.com.br/categoria/autores/a3/adi-schwartz.

III https://www.editoracontexto.com.br/categoria/autores/e1/einat-wilf.

IV Schwartz, Adi. Wilf, Einat. A guerra do retorno: como resolver o problema dos refugiados e estabelecer a par entre palestinos e israelenses. Tradução de Rachel Meneguello. São Paulo: Contexto, 2021, p. 10.

V Idem, p. 11.

VI Idem, p. 13-14.

VII Idem, p. 18

VIII Idem, ibidem.

IX Idem, p. 24.

X Idem, p. 27-28; p. 30.

XI Idem, p. 28.

XII Idem, p. 55.

XIII Idem, p. 60.

XIV Idem, p. 69.

XV Idem, p. 95.

XVI Idem, p. 122.


Resenhista

Taffarel Cantidio – Mestrando no programa em ensino de história pela Universidade de Pernambuco e professor da educação básica.


Referências desta Resenha

SCHWARTZ, Adi; WILF, Einat. A guerra do retorno: como resolver o problema dos refugiados e estabelecer a par entre palestinos e israelenses. Trad. Rachel Meneguello. São Paulo: Contexto, 2021. Resenha de: CANTIDIO, T. A guerra do retorno: como resolver o problema dos refugiados e estabelecer a paz entre palestinos e israelenses. Boletim do Tempo Presente, v. 10, n. 12, p. 68-70, dez. 2021. Acessar publicação original [DR]

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