Edições com dedicatórias do acervo “Biblioteca pessoal de M. М. Bakhtin” | N. N. Ziemkóva

M Bakhtin Bakhtin
MIkhail Bakhtin | Foto: Domínio público

As dedicatórias1 em livros e periódicos presenteados a Mikhail Bakhtin e preservados em sua biblioteca são uma fonte importante não apenas para a reconstrução de alguns momentos de sua biografia, mas também para esclarecer a natureza e as especificidades da recepção das ideias e obras de Bakhtin. Em particular, elas apontam para o fato de Bakhtin ter conseguido reputação como um cientista respeitado e inovador nos círculos acadêmicos muito antes da publicação da segunda edição de Problemas da poética de Dostoiévski [1963] e da publicação de Cultura popular na Idade Média e no Renascimento. O contexto de François Rabelais [1965].

biblioteca de Bakhtin BakhtinEssas dedicatórias refletem a influência revigorante das ideias de Bakhtin sobre a geração mais jovem de especialistas da área de humanidades. Ao mesmo tempo, a dedicatória em livros torna-se uma réplica do diálogo inaudível entre os autores e Bakhtin, uma expressão de esperança para uma conversa imaginada no futuro e um momento de autorreflexão e autocrítica. Entre os autores das dedicatórias estão velhos e novos amigos de Bakhtin, seus antigos oponentes científicos, escritores e críticos literários famosos, colegas de departamento e estudantes. O grande valor da publicação remonta às reproduções das capas dos livros, das páginas de rosto e das dedicatórias. É um acontecimento de grande importância no campo dos estudos bakhtinianos na Rússia. Nunca antes tantos documentos cobrindo a vida e obra de Mikhail Bakhtin foram publicados em um único livro.

O catálogo contém 234 dedicatórias em 227 livros e 5 periódicos, cada uma delas oferecendo um valor especial aos pesquisadores. Porém, o que nos parece de maior importância são as reproduções fotográficas das dedicatórias nos livros e periódicos. Em decorrência de algumas dedicatórias serem muito difíceis de serem lidas, os leitores podem comparar a dedicatória escrita a mão com a sua decifração.

Esta publicação é importante para esclarecer muitos detalhes da biografia e do trabalho científico de Mikhail Bakhtin. Com sua publicação, torna-se possível mergulhar no mundo de Bakhtin e enxergar muitas pessoas específicas por trás dos livros, cada qual com sua própria história de relações com o pensador. Essas pessoas às vezes permanecem desconhecidas ou ocultas por trás de uma vaga dedicatória: “de um leitor agradecido” (p.240), “Seção Mordoviana da VTO” [Sociedade de Teatro Geral Russo]4 (p.249). Outras vezes, essas pessoas são figuras conhecidas, cujos nomes explicitamente escritos mudam significativamente a percepção acerca da simpatia e da antipatia que sentiam em relação ao próprio Bakhtin. O exemplo mais proeminente é o livro com a dedicatória dolíder da OPOIAZ, o formalista Viktor Chklóvski, um dos membros mais ativos do Círculo Linguístico de Praga e amigo de Roman Jakobson, Piótr Bogatyrióv e Lydia Ginzburg, considerada a mais brilhante entre as “formalistas mais jovens”. Devemos considerar que o fato dessas pessoas oferecerem livros para Bakhtin nos anos 1960 e início dos anos 1970 exige uma nova atitude para o que pode ser vagamente chamado de última página na história das relações entre Bakhtin e a Escola Formal Russa. A dedicatória mais reveladora neste contexto é feita por Viktor Chklóvski em 18 de fevereiro de 1973, em seu livro sobre Sergei Eisenstein: “Caro Mikhail Mikhailovich! Aqui está um outro livro. Eu mesmo não o li, mas gosto deste homem. Eu adoro os descaminhos. Ele caminhou sob pressão e fez um milagre, alcançou seu objetivo” (p.208).

Esses detalhes recém descobertos lançam luz à biografia de Bakhtin.

Aqui surgem algumas questões simples que podem ser respondidas nesta obra ora publicada: qual foi o livro presenteado? Quem o presenteou? Quando foi presenteado? E onde foi dado o presente? Algumas dessas questões puderam ser respondidas pelos autores das dedicatórias e pela compiladora do catálogo, que procurou dar informações sobre cada uma das pessoas que escreveu as dedicatórias, mas, infelizmente, sem indicação das circunstâncias de amizade com Bakhtin. Podemos ver que a primeira dedicatória da lista de livros presenteados a Bakhtin data de 1943 (p.193), enquanto a última data de pouco antes de sua morte, em 1º de fevereiro de 1975 (p.161). Limitando-se à tarefa principal de apresentar as dedicatórias, a compiladora não ofereceu uma fórmula para uma possível análise dos livros presenteados a Bakhtin, por exemplo, os anos em que foram presenteados os livros em sua maioria (é claro que a maioria dos livros foi presentada durante o período em que a “fama” de Bakhtin atingiu seu ápice), ou os principais locais onde os livros foram entregues (Saransk, Moscou, nas Dachas de Escritores em Maliéevka e Pieriediélkino). Um pesquisador das obras bakhtinianas, para quem os dados disponíveis na publicação são combinados com informações de outras fontes – documentos de arquivo, memórias de contemporâneos ou pesquisas de colegas – deve conseguir responder a essas questões.

Ressalta-se que o potencial do acervo da biblioteca bakhtiniana, principalmente dos livros com dedicatórias como fonte histórica e biográfica, já foi apontado por comentadores das obras completas do pensador, os quais, na medida do possível, se referiram às publicações relevantes quando foi possível. Assim, Serguei Botcharóv, quando traça a história da reação dos círculos acadêmicos de Leningrado em relação aos Problemas da poética de Dostoiévski, menciona, como exemplo, Naúm Berkóvski. Na publicação da carta de Berkóvsky para Bakhtin, datada de 18 de janeiro de 1956, Botcharóv explica: “A carta demonstra como foi excepcional a reputação extraoficial de M.M.B[akhtin] e de seu livro (…) entre os filólogos (…) no momento em que o autor parecia negligenciado e obscurescido sete anos antes da publicação da segunda edição do livro” (BAKHTIN, 2000, p.513). No início de abril de 1955, a colega mais jovem de Bakhtin, Valentína Estifiéieva, foi de Saransk a Leningrado para presentear Bakhtin com um livro com a dedicatória de Naum Berkóvsky e outros colegas. A história dessas dedicatórias é parcialmente revelada nesta carta publicada: “Obrigado por responder ao livro que lhe foi enviado. Também há outros que gostariam de ter-lhe feito uma dedicatória, mas tiveram de enviar o livro, não dava mais para esperar. Um de nós ficou especialmente chateado por não lhe ter feito uma dedicatória – A.S. Dolínin” (BAKHTIN, 2000, p.513). O próprio Botcharóv se referiu ao livro, que na época ainda se encontrava no arquivo de Bakhtin. Hoje, o pesquisador pode ler essas dedicatórias no catálogo. Por exemplo, Berkóvski era bastante tradicional: “A Mikhail Mikhailovich Bakhtin, com o mais profundo respeito. 4 de abr[il] de 1955” (p.28). Dmítri Maksímov, um especialista na obra de Alexander Blok e na literatura russa da Era de Prata, escreveu: “A Mikhail Mikhailovich Bakhtin, com profundo respeito por seu brilhante talento” (p.131). A dedicatória de Anna Romm, historiadora da literatura e do teatro anglo-americano, também é bastante precisa: “A Mikhail Mikhailovich como um sinal de profundo respeito” (p.158).

Oportunidades para esclarecimentos biográficos também são fornecidas pelas dedicatórias vindas do círculo interno de Elena e Mikhail Bakhtin, como a dramática história da defesa de Bakhtin em 15 de novembro de 1946, continuada no dia seguinte, quando Bakhtin e sua amiga, a grande pianista Maria Yúdina, vão visitar o famoso crítico de arte Mikhail Alpátov. Isso fica evidente pela data do álbum de Pieter Bruegel, o Velho, doado pelo proprietário a Bakhtin: “Ao estimado Mikhail Mikhailovich Bakhtin com os melhores votos. M. A. 16.XI.46” (p.16).

A história do retorno da biblioteca de Bakhtin a Saransk, de onde saiu para seguir seu proprietário até um apartamento em Moscou, merece consideração especial. Infelizmente, esse evento é mencionado de forma sucinta no catálogo. Após a morte de Bakhtin, de acordo com seu testamento, a biblioteca foi colocada à disposição de Leontína Miélikhova, que no início dos anos 2000 decidiu transferir a maior parte do acervo para Saransk. Como a compiladora do catálogo aponta, “em novembro de 2008, a Biblioteca Nacional Puchkin da República da Mordóvia (…) aceitou manter custódia do acervo de livros e periódicos de Mikhail Mikhailovich Bakhtin” (p.6).

Acrescentamos que, em 2015, na ocasião do 120º aniversário de Mikhail Bakhtin, Miélikhova doou algumas edições restantes para a Universidade da Mordóvia, na qual Bakhtin trabalhou por mais de 20 anos. No momento, esses livros também estão catalogados, e o Centro de M. Bakhtin e a Biblioteca Nacional estão preparando um catálogo geral das obras.

Lembremos que, apesar de todos os esforços dos estudiosos de Bakhtin, a biografia de Bakhtin permanece, sob muitos aspectos, uma bizarra mistura de fatos reais e lendas fantásticas, até mesmo de “relatos orais” de Bakhtin em conversas com Viktor Duvákin, de acordo com a observação precisa de Vitali Mákhlin (2004), o que suscita mais perguntas do que respostas. As peculiaridades da biografia de Bakhtin, as dificuldades por que passou, a peregrinação de Petrogrado a Nevel e de Nevel a Vitebsk, vagando por quartos alugados em Leningrado, o exílio em Kustanai e a vida totalmente instável durante os primeiros períodos em Saransk e Saviólovski, certamente não contribuíram para a coleta ou preservação, por parte de Bakhtin, de quaisquer livros que possuía. Pelas evidências do período em Saviólovo, sabe-se que, antes de partir, Bakhtin distribuiu sua pequena biblioteca aos colegas da escola (PONOMARIÓVA, STRÓGANOV, 1992). É absolutamente certo que, de sua estada em Saviólovo, Bakhtin deixou para trás o Dicionário Alemão-Russo, que lhe foi presentado pelo diretor da escola nº 39, e o popular ensaio de Leonid Timofiéev Verso e Prosa, dedicado a ele por David Tchiernóv, que se suspeita ter sido um colega de Bakhtin em uma das escolas em Saviólovo. Este escreveu: “À memória eterna de um homem de grande alma e bom coração, Mikhail Mikhailovich Bakhtin, de David Chernov, com grande respeito e infinita dedicação. Em momentos de reflexão e dolorosa adversidade, lembre-se do homem com quem compartilhou horas de provação e sofrimento durante a Segunda Gerra Mundial, com uma caneta e um livro. De Seu Grande Amigo, David. 24 / VI-43 g.” (p.193).

Apenas em Saransk, Bakhtin teve a oportunidade concreta de constituir sua biblioteca, pois foi lá que finalmente conseguiu seu próprio escritório em um apartamento recém-adquirido. Valentina Estifiéieva, Leonid Vasíliev, Ivan Vorónin e Yuri Basíkhin, que visitaram os Bakhtins nas décadas de 1950-1960 (suas obras também são apresentadas no catálogo), lembram-se da estante e das pilhas de livros e periódicos sobre a mesa (ESTIFIÉIEVA, 2000). No início dos anos 1970, a biblioteca de Bakhtin se constituía de um acervo bastante consistente de livros e periódicos. Irina Kliúieva e Liudmila Lisunóva afirmam que o volume total do acervo é de 1.378 volumes, dos quais: 1.019 em russo; 301 em alemão (principalmente periódicos); 19 em inglês; 11 em francês; 5 em latim e polonês; 4 em tcheco; 3 em búlgaro; 2 nas línguas da Mordóvia (língua mokcha e língua erziana, respectivamente); por fim, um volume em romeno, sérvio, croata, espanhol, sueco e ucraniano (KLIÚIEVA, LISUNÓVA, 2010, p.31).

Edições com dedicatórias compõem uma parte considerável do acervo de Bakhtin. O círculo de amigos e conhecidos que o presentearam com livros e periódicos é extremamente diverso e reflete com precisão todo o espectro de pessoas com quem Bakhtin mantinha contato. Isto é, seu círculo de amizades constituía-se desde alunos, colegas mais jovens, ouvintes de suas palestras públicas, jovens semióticos, estruturalistas de Moscou e Tartu aos principais especialistas em Dostoiévski, velhos amigos de Nevel e Leningrado e tradutores das obras de Bakhtin em uma variedade de idiomas. A história das dedicatórias, portanto, torna-se a história da recepção das ideias de Bakhtin e das várias reações em relação às obras e à personalidade do estudioso ao longo de várias décadas. Isso permite ao pesquisador não apenas obter informações mais precisas sobre a biografia de Bakhtin, como também compreender algumas características de determinados períodos da vida do pensador.

Outro ponto diz respeito à questão das especificidades das dedicatórias e seu lugar no processo de comunicação entre a pessoa que presenteia com uma obra e aquela que recebe a obra. Podemos dizer que a dedicatória se torna uma réplica de um diálogo inaudível, o início de uma conversa que se supõe ou se entende que continuará no futuro. A dedicatória esclarece muito sobre os sentimentos de quem presenteia Bakhtin com uma obra. As dedicatórias podem ser vistas também como uma espécie de autorreflexão, que é extremamente importante para revelar a natureza da recepção das ideias de Bakhtin e de sua personalidade nos anos 1960 e início dos anos 1970. Também pode-se estender esse ponto de vista ao período anterior, quando Naum Berkóvski parecia ser o único a tentar preservar a memória de Problemas da poética de Dostoiévski. Nesse sentido, a dedicatória feita pela jovem historiadora do teatro Tatiana Batchiélis é extremamente indicativa e caracteriza com precisão o impacto renovador das ideias de Bakhtin sobre a geração dos anos 1960: “Ao gênio Mikhail Mikhailovich Bakhtin, – com a mais profunda gratidão pelo magnífico desarranjo criado nas mentes das pessoas de minha geração. (Por favor,) não se preocupe em ler o livro – deixe apenas que permaneça a seu lado. Com os melhores cumprimentos – T. Batchiélis. Pieriediélkino, agosto de 1972” (p.26).

Às vezes, a dedicatória vira o início de uma carta ou mesmo uma espécie de carta – uma tentativa de conversa com Bakhtin. Essa conversa geralmente importa muito mais para o próprio autor da dedicatória. Desse ponto de vista, as palavras de um dos maiores pesquisadores de Dostoiévski, Arkadi Dolínin, são reveladoras: “Ao prezado Mikhail Mikhailovich Bakhtin, com os sinceros votos de saúde e sucesso em seu trabalho. Eu gostaria de encontrá-lo pessoalmente algum dia. A. Dolínin. 16 / III 64. P.S. Recentemente, reli seus ‘Problemas’ (2ª edição). Que trabalho original e inteligente é este!” (p.163).

As dedicatórias demonstram o reconhecimento de mestres dos estudos soviéticos de Dostoiévski: eles não apenas aceitaram as ideias de Bakhtin, como também o reconheceram, de fato, como primus inter pares. Destaca-se a dedicatória feita por Leoníd Gróssman em sua biografia de Dostoiévski, em 8 de outubro de 1963: “Ao autor da melhor obra sobre Dostoiévski, Mikhail Mikhailovich Bakhtin, em sinal de profundo respeito por sua obra” (p.57). Às vezes, essas dedicatórias ecoam um cruzamento de destinos. Assim, Alísa Akímova escreveu, em novembro de 1969, em uma obra compilada por ela e por seu falecido marido, Adrián Piotróvski, um filólogo clássico e tradutor: “Caros Elena Aleksándrovna e Mikhail Mikhailovich, um livro muito querido para mim, escrito por um homem e sobre um homem que Mikhail Mikhailovich conheceu antes de mim, com os melhores votos e carinho, Alísa Akímova” (p.15). A dedicatória feita mais tarde por Akímova em sua obra nos permite entender que as relações entre os Bakhtins e os Akímova foram mais profundas: “Aos meus queridos e muito estimados Elena Aleksándrovna e Mikhail Mikhailovich Bakhtins. Enquanto eu estiver adoentada, não poderei ir até vocês, por isso, envio-lhes meu Voltaire como meu representante. Peço perdão pelas rasuras e pelos rabiscos e não pelos meus enganos, corrigidos a mão. Receio que há outros problemas também, mesmo assim arrisco-me a enviar-lhes o livro. Eu ficaria muito grata se você pudesse ler e me dar sua opinião. A. Akímova. 2 / III / 1971” (p.14).

A atitude em relação a Bakhtin também se manifesta no caráter da dedicatória – de um tom formalmente educado e rotineiro para um modo quase confessional. Esse modo confessional aparece de forma mais evidente na dedicatória do historiador de arte Valiéri Prokófiev: “A Mikhail Mikhailovich Bakhtin, com o mais profundo respeito. Por favor, aceite este livro como um sinal de admiração pelo seu estudo sobre Rabelais, cuja influência, espero seja reconhecida também nesta obra [Prokófiev]” (p.150). Às vezes, a dedicatória contém um alto grau de autocrítica, por exemplo, a dedicatória feita por Serguei Botcharóv: “Caros Elena Aleksandrovna e Mikhail Mikhailovich, com amor e apreensão, decido enviar-lhes esta composição leve. 7,12,63” (p.34). Uma dedicatória particularmente exótica pertence ao famoso filólogo clássico, futuro membro da Academia de Ciências da URSS, Sierguéi Aviérintsev: “Domina clarissimo, omnis juventutis doctae ingeniosissimo Magistro MICHAELLI MICHAELIS F. BACHTINIO d.d.d. devotus S. A.” (p.12).

Muitos daqueles que enviaram dedicatórias não pertenciam à área das humanidades. Apesar disso, viam em Bakhtin um parceiro na arte. Eram romancistas e poetas, incluindo aqueles que se tornaram famosos na década de 1960 (Borís Slútsky e Davíd Samóilov). Interessantes são as dedicatórias de ex-alunos, que escolheram o caminho criativo e presentearam o professor com suas experiências literárias. Assim, o romancista e jornalista Gennady Balabaev escreveu: “Ao querido Mikhail Mikhailovich Bakhtin, de seu aluno. Você me ensinou a sentir e compreender a alma viva da literatura e, com seu exemplo, ensinou-me uma lição ímpar de comportamento na vida. Este livro é uma tímida homenagem e um símbolo de respeito” (p.20). O poeta Vitáli Yiúchkin escreveu: “Para Elena Aleksandrovna e Mikhail Mikhailovich. Nunca vou (conseguir) encontrar o mundo espiritual que vocês encontraram. Eu sofro com isso, mas ainda assim sofro menos que vocês. Seu Vitaly. 7 out. 1969 Saransk” (p.214). Essas dedicatórias mostram que, em Saransk, um número considerável de contemporâneos mais jovens que Bakhtin conheciam a difícil biografia de seu mentor.

Não fica clara a razão da concisão das dedicatórias feitas por Serguei Botcharóv, Vadím Kójinov, Geórgi Gátchiev e outros participantes do “círculo jovem de Bakhtin”. Pode-se supor que a brevidade das dedicatórias se explique não apenas pelo mais profundo respeito e reverência que tinham por Bakhtin, mas também pela possibilidade de comunicação pessoal e correspondência constante, que os salvou de buscar uma fonte adicional de comunicação. Assim, Vadím Kójinov escreveu: “Para os infinitamente queridos Elena Aleksandrovna e Mikhail Mikhailovich Bakhtin, com grande amor. V. Kójinov. 23 / II.64” (p.95). Às vezes, a dedicatória também se torna uma forma de jogo verbal breve, como foi o caso de Botcharóv em um artigo sobre Guerra e paz, de Lev Tolstói: “Para Elena Aleksandrovna e Mikhail Mikhailovich, sobre paz. 16 de setembro 70” (p.36).

Uma história igualmente importante é a atitude acerca da relação de Bakhtin com os maiores representantes da vida literária no período, os grandes nomes da teoria literária stalinista: Grigóri Abrámovich, Alexander Reviákin, Leonid Timofiéiev e Mikhail Khráptchienko. As boas relações pessoais entre Timofiéiev e Bakhtin eram conhecidas há muito tempo, confirmadas pelas dedicatórias de Timofiéiev: “Ao querido Mikhail Mikhailovich Bakhtin, do contador de histórias – com os sentimentos mais cordiais. 21.III.66” (p.173). A simpatia que Reviákin sentia por Bakhtin merece menção especial, principalmente porque ele doou seus livros ao autor de Problemas da poética de Dostoiévski muito antes da publicação de sua segunda edição: “Saudações ao querido M.M. Bakhtin, de seu admirador A. Reviákin. 28.VIII-60” (p.153). A simpatia por Bakhtin também é evidenciada pela dedicatória de Khráptchienko, então o Ministro das Artes de Stalin e um dos líderes oficiais da Academia Soviética de Filologia – o que não o impediu de assinar abaixo-assinados em apoio à publicação das obras de Bakhtin. Pode-se presumir que o membro da Academia Soviética de Ciências, Khráptchienko, foi bastante sincero quando escreveu: “A Mikhail Mikhailovich Bakhtin, como um sinal de profundo respeito por M. Khráptchienko. 30 / III-66” (p.191).

As dedicatórias em livros de pesquisadores britânicos, americanos e outros pesquisadores estrangeiros que visitaram Bakhtin ativamente no final dos anos 1960-1970 também são interessantes. Nesta parte do acervo, destaca-se a dedicatória de Richard Pease, vice-presidente da Sociedade Internacional F. M. Dostoiévski: “Ao grande mestre Mikhail Mikhailovich Bakhtin, do autor. Richard Peace, agosto de 1971” (p.225), e a dedicatória de uma das maiores eslavistas alemãs modernas, Renate Lachmann, que em 1970 era uma pesquisadora em início de carreira: “A Mikhail Bakhtin, com respeito de R. Lachmann” (p.226).

Bakhtin guardou cuidadosamente todas as publicações que lhe foram presenteadas – desde reimpressões de artigos e resumos de dissertações a material educacional. Entre eles, estão as antologias do historiador da literatura alemã Boris Puríschiev, os livros didáticos Métodos de ensino da fonética da língua russa para o 5º ano da escola erziana na Mordóvia de Aleksandra Tchíkina, o Estudo dos fundamentos gerais da história da literatura russa na escola nacional de Aleksander Lipáiev, os Ensaios sobre a história da matemática na antiguidade de Anna Ráik e mesmo uma edição do periódico Língua russa na escola do Quirguistão com um pequeno artigo do puchkinista Yuri Tchumakóv.

Podemos afirmar que todas as dedicatórias do catálogo merecem atenção, estudo e compreensão no contexto da biografia e do trabalho científico de Mikhail Bakhtin. O fato de tal oportunidade ter agora sido dada a um vasto leque de investigadores é mérito da compiladora do catálogo, Natalia Ziemkóva, que merece um agradecimento especial, e um feito marcante da era digital – a versão eletrônica da publicação está disponível no site da biblioteca, em: https://natlibraryrm.ru/?p=6669.

Notas

1 Nota do tradutor: A dedicatória a que a resenha se refere funciona para documentar o momento em que um livro é presenteado a alguém, isto é, pode explicar o motivo do oferecimento; informar acerca da importância do momento; oferecer boas energias e conselhos; apontar alguma ideia relevante acerca do livro etc.

2 Em russo: Vsierossíiskoie tieatrálnoie óbschiestvo.

Traduzido por Maria Glushkova –[email protected]

Referências

BAKHTIN, M. M. Sobraniye sochineniy: v 7 t. T. 2. [Obras coletadas: em 7 volumes. Vol. 2]. Moskva: Russkiye slovari, 2000.

YESTIFEYEVA, V. B. Vospominaniya o Bakhtine (Pervoye desyatiletiye v Saranske). [Memórias de Bakhtin (A primeira década em Saransk)] // Dialog. Carnaval. Chronotop 2000, №1. p.127-151.

KLYUYEVA, I. V., & LISUNOVA, L. M. M. M. Bakhtin – myslitel’, pedagog, chelovek [М. М. Bakhtin – pensador, professor, pessoa]. [Saransk, 2010.

MAKHLIN, V. Tozhe razgovor. [Também uma conversa.] // Voprosy literatury 2004, № 3, p.3-45.

PONOMAREVA, YE. N., & STROGANOV, M. V. O prebyvanii M. M. Bakhtina v Kalininskoy oblasti // M. M. Bakhtin: problemy nauchnogo naslediya. [ Sobre a estadia de M. M. Bakhtin na região de Kalínin // M. M. Bakhtin: problemas do patrimônio científico]. Izdatel’stvo Mordovskogo universiteta, 1992, p.145-149.


Resenhistas

Svetlana Dubrovskaya – Universidade Estadual da Investigação de Mordóvia – MGU Ogarióv / Faculdade de Letras, Departamento de Língua Russa para Estrangeiros, Saransk, Rússia; Doutora em Filologia; https://orcid.org/0000-0002- 1361-6942  E-mail: [email protected]

Oleg Osovsky – Universidade Pedagógica Estadual de Mordóvia Evsiéviev – MGPU / Faculdade de Línguas Estrangeiras, Departamento de Linguística e Tradução, Saransk, Rússia; Doutor em Filologia https://orcid.org/0000- 0002-9869-3233 E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

ZIEMKÓVA, N. N. (Org.). Edições com dedicatórias do acervo “Biblioteca pessoal de M. М. Bakhtin”. Ed. O. A. Páltina. Saransk: Biblioteca Nacional Pushkin da República da Mordóvia: catálogo, 2018. Resenha de: DUBROVSKAYA, Svetlana; OSOVSKY, Oleg. Bakhtiniana – Revista de Estudos do Discurso. São Paulo, v.16, n.4, out./dez. 2021. Acessar publicação original [DR]

 

 

 

 

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