Discurso e (pós)verdade | Luzmara Curcino, Vanice Sargentini e Carlos Piovezani

Vanice Sargentini Foto Matheus MaziniSao Carlos Agora
Vanice Sargentini | Foto: Matheus Mazini/São Carlos Agora

O livro Discurso e pós-verdade, organizado pelos professores Carlos Piovezani (UFSCar), Luzmara Curcino (UFSCar) e Vanice Sargentini (UFSCar), resultou da quinta edição do Colóquio Internacional de Análise do Discurso (CIAD) realizada na Universidade Federal de São Carlos em setembro de 2018, que trouxe à discussão a relação entre a verdade e a ordem do discurso e o seu impacto nas sociedades democráticas. A publicação reúne textos dos palestrantes que participaram do Colóquio e traz pontos de vista oriundos não apenas da Análise do Discurso, mas também da Psicanálise e da História, de maneira que é possível ter uma visão ampla da questão da (pós)verdade dado o caráter interdisciplinar do evento.

No primeiro capítulo, Roger Chartier (EHESS/Paris), em Verdade e prova: retórica, literatura, memória e história, mobiliza diferentes autores ligados a diversos campos do saber para pensar a verdade em tempos de revisionismo histórico e distorção dos fatos. Partindo de Foucault, Ginzburg e Ricoeur, o autor aprofunda a reflexão sobre o conceito de verdade trazendo a herança grega para a discussão sobre autoria e autoridade em suas relações com o sagrado, a retórica e a prova. Assim, ele procura entender a verdade levando em conta as condições históricas de possibilidade nas quais a validade do dizer tinha que ser submetido ao crivo da prova e da autoridade.

O segundo capítulo, assinado pelo psicanalista Tales Ab´Sáber (UNIFESP) e denominado Ilusão, convicção e mentira: linguagem e psicopolítica da pós-verdade, o autor apresenta uma análise do processo político brasileiro recente ao se debruçar sobre os afetos e o autoritarismo que constituíram esse processo. A esse movimento, pautado nas emoções e no autoritarismo, o autor denomina fascismo comum. Entendendo parte desse processo como o efeito de uma psicose coletiva, Ab´Sáber vai procurar ver, nos discursos produzidos sobre o Partido dos Trabalhadores (PT) e os ex-presidentes Lula e Dilma, a perda dos vínculos com a realidade e a produção de falsificações históricas e alucinações que jogam na construção do dito mentiroso.

O capítulo seguinte traz uma análise do professor Sírio Possenti (UNICAMP) de discursos presentes nos jornais que são oriundos de diversos campos e que tratam de uma diversidade de temas. Assim, no artigo Jogos de verdade: uma questão para a análise do discurso, o autor, partindo de conceitos presente em Michel Foucault, analisa a presença do discurso científico que é mobilizado, nesses textos, para justificar, fundamentar e produzir um efeito de verdade.

No quarto capítulo, em A vontade de verdade nos discursos: os contornos das fake news, Vanice Sargentini (UFSCar) e Pedro Henrique Varoni de Carvalho (UFSCar), ancorados em textos de Michel Foucault, pensam as noções de verdade na pós-modernidade e analisam o funcionamento discursivo das fake news, bem como seus impactos na democracia brasileira atual.

Em Pós-verdade e enunciação política: entre a mentira e o rumor, Mónica Zoppi Fontana (UNICAMP) propõe pensar o funcionamento do discurso da política no Brasil contemporâneo a partir de dois modos de enunciação que circulam na sociedade brasileira e participam da construção da opinião pública, quais sejam: pós-verdade e fake News. A fim de atingir o objetivo proposto, a autora analisa a circulação do discurso político na sociedade brasileira a partir de diferentes corpora: notícias, reportagens, artigos de opinião, colunas assinadas e crônicas. Todo esse material se encontra perpassado por um fio condutor comum que é o tema da circulação de fake news e sua relação com as práticas discursivas de atores políticos de primeiro escalão, como presidente, parlamentares, políticos e desembargadores.

No sexto capítulo, Luzmara Curcino (UFSCar) analisa os usos simbólicos do livro e da leitura no contexto da atual política brasileira. O recorte dado pela autora recai sobre os livros e autores referenciados por Jair Bolsonaro em lives que constituíram o principal instrumento de campanha eleitoral do atual presidente da República. Segundo a autora, os livros são mobilizados para, sobretudo, justificar posicionamentos e embasar afirmações feitas por Bolsonaro durante esses pronunciamentos não oficiais.

O sétimo capítulo apresenta o artigo de Maria Aldina Marques, professora da Universidade do Minho (Portugal), intitulado A verdade dos outros: questões de responsabilidade enunciativa. Nesse artigo, a pesquisadora examina a relação entre discurso e verdade a partir do modo como o discurso do locutor e o discurso do outro (discurso relatado) é apresentado em textos jornalísticos. O foco da sua análise e discussão recai sobre o caso Ricardo Robles que foi alvo de inúmeras análises e posicionamentos polêmicos na imprensa portuguesa.

Em Efeitos de verdade: a retórica eleitoral de Bolsonaro, Carlos Piovezani (UFSCar) analisa o funcionamento discursivo da fala pública de Jair Bolsonaro que foi ao ar no último pleito eleitoral ocorrido no Brasil. Piovezani se debruça sobre dois pronunciamentos de Bolsonaro (o primeiro e o último) veiculados no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) e analisa as formas e recursos linguísticos, retóricos e discursivos enquanto elementos que constituem o funcionamento do discurso político do candidato que, por sua vez, produzem os seguintes efeitos: franqueza e interação, veemência e antagonismo. O autor ainda utiliza elementos da retórica clássica, como os do esquema argumentativo: docere, delectare et movere, para entender o modo de funcionar do discurso do candidato à presidência e atual presidente.

O artigo de Elvira Narvaja de Arnoux (UBA), cujo título é A verdade e as emoções: retórica e pós-verdade no discurso político, traz para a reflexão do leitor a diferença entre a retórica política praticada no passado e aquela da contemporaneidade. O estudo comparativo parte da análise das diferenças fundamentais entre uma série de manuais de retórica publicados na Argentina no século XIX, clássicos compêndios da retórica antiga e os discursos produzidos no cenário político contemporâneo.

Por fim, no artigo A verdade em disputa: discursos da comunidade internacional sobre a Venezuela, temos o pesquisador Jean-Jacques Kourliandsky (IRIS) examinando o porquê da Venezuela, um pequeno país da América Latina, ter se tornado tema em vários discursos hegemônicos que eclodiram na grande mídia de diferentes países pelo mundo. Ao analisar esses discursos e a produção de sentidos sobre a Venezuela, Kourliandsky conclui que, em relação a outros governos, como o da Arábia Saudita e da China, apenas o da Venezuela, por questões econômicas e ideológicas, é vista como um bode expiatório.

A seleção de textos que compõe o livro traz, para a reflexão do leitor, temas que aprofundam a análise entre a linguagem e a verdade, de modo que contribui com a discussão atual sobre o uso de fake news no processo democrático e seus impactos nas eleições presidenciais, na diplomacia, na execução de políticas públicas e na economia.


Referência

CURCINO, Luzmara; SARGENTINI, Vanice; PIOVEZANI, Carlos (orgs.). Discurso e (pós)verdade. São Paulo: Parábola, 2021.

Resenhista

Luciano Taveira de Azevedo – Professor do Instituto Federal de Alagoas – IFAL e doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem da Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP.


Referências desta Resenha

CURCINO, Luzmara; SARGENTINI, Vanice; PIOVEZANI, Carlos (Orgs.). Discurso e (pós)verdade. São Paulo: Parábola, 2021. Resenha de: AZEVEDO, Luciano Taveira de. Boletim do Tempo Presente, v. 11, n. 04. p. 74-76, abr. 2022. Acessar publicação original [DR]

Deixe um Comentário

Você precisa fazer login para publicar um comentário.