Estado, sociedade e educação profissional no Brasil: desafios e perspectivas para o século XXI | Eraldo L. Batista, Isaura M. Zanardinie e João C. da Silva

O livro tem por objetivo, segundo seus organizadores, apresentar “resultados de pesquisa focalizando questões teóricas e metodológicas e empíricas, trazendo ainda aspectos histórico-conceituais da Educação Básica, particularmente do ensino profissional” de nível médio (Batista, Zanardini e Silva, 2018, p. 13). Trata-se de coletânea de 13 capítulos, escritos por 19 pesquisadores.

Maria Ciavatta, no Prefácio, já nos indica que “o conjunto de textos, sobre vários aspectos do Estado, sociedade e educação no Brasil, é exemplar sobre a questão educacional da população nos cinco séculos de existência conhecida pelo mundo europeu, a terra brasilis, e na atualidade desta segunda década do século XXI” (p. 9).

De fato, mesmo no capítulo, cujo título remete a um estudo de caso, encontram-se reflexões sobre o referencial teórico de análise, a metodologia da pesquisa e, sobretudo, reflexões sobre o contexto histórico-político e socioeconômico do nosso país.

Numa leitura geral vamos encontrar capítulos que enfatizam: a integração entre educação profissional e ensino médio; o contexto socioeconômico das políticas sociais e, especificamente, a educacional; e a produção de ciência e tecnologia.

A coletânea abre-se com o capítulo “A implementação dos cursos técnicos integrados no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná” de Celso João Ferretti. Seu texto abrange as ênfases mencionadas. A conclusão de sua pesquisa, sobre o caso dos cursos integrados ao ensino médio implementados no IFPR, indica “um conjunto de circunstâncias contraditórias as quais, ao mesmo tempo em que permitem descortinar perspectivas favoráveis a tal implementação [formação politécnica e construção de sociedades mais justas e igualitárias], apontam para sérios entraves a ela” (p. 44). A razão desta conclusão está referenciada na “identidade histórica das antigas escolas técnicas” criando “uma cultura institucional reconhecida e hegemônica, fundada na formação de técnicos segundo as necessidades reais ou proclamadas da sociedade brasileira” (p. 18). Na história das políticas educacionais recentes, “tanto as proposições do governo FHC quanto do governo Lula parecem assentar-se em um poder transformador da escola que necessita ser relativizado” (p. 20). Elege como categorias de análise, tanto ‘apropriação’ quanto a ‘objetivação’, entendendo por ‘apropriação’ a incorporação consciente de conhecimentos (valores, proposições, produzidos historicamente) e por ‘objetivação’, a realização destes conhecimentos, por meio de propostas concretas e ações.

Complementarmente, Deitos e Zanardini, em seu capítulo denominado “Aspectos socioeconômicos das políticas educacionais no Brasil” analisam a direção dada pelo Estado à política educacional, nas “mediações que foram produzidas e desenvolvidas em determinadas circunstâncias históricas” (p. 47). Destacam seu entendimento que esta análise só pode ser feita vinculada ao “conjunto de relações socioeconômicas, políticas, ideológicas e educacionais de maneira ampla em estreita e direta relação com a estrutura estatal” (p. 54).

O capítulo “A intrínseca relação entre o estado capitalista e as políticas sociais”, assinado por Daiane A. R. Becker e Edaguimar O. Viriato, por meio de pesquisa bibliográfica conclui que “o Estado está [estruturado e] instituído da função de garantir os interesses do capital” (p. 106) e que, portanto, as políticas educacionais “surgem da relação de disputa entre as classes, na relação capital e trabalho” (p. 107).

Tanto Rosangela Garcia e Isaura Zanardini, no texto sobre “As orientações do liberalismo e dos organismos internacionais para as políticas de educação no Brasil: o caso da educação profissional” (p. 199-222), quanto Marise Ramos, em seu capítulo sobre “O currículo na perspectiva de classe: desafios e possibilidades para a educação profissional” (p. 223-242), abordam com enfoques diferentes a questão da disputa entre classes nas propostas educacionais no Brasil. Ramos aborda principalmente o currículo e o denominado ‘modelo de competências’; e Garcia e Zanardini trazem a problemática das orientações liberais dos órgãos internacionais em relação à educação profissional brasileira. Ambos os textos identificam, nas contradições, oportunidades de luta contra-hegemônica em favor dos interesses dos trabalhadores. Marise Ramos é, certamente, mais explícita neste ponto: faz uma proposta concreta na perspectiva da pedagogia histórico-crítica, da qual alguns princípios estão presentes na resolução n. 6/2012 do Conselho Nacional de Educação que trata das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Profissional de Nível Médio. E afirma que, mesmo depois da contrarreforma do Ensino Médio (lei n. 13.415 / 2017): “Mas é especialmente por meio da luta social e popular pela educação da classe trabalhadora, a ser fortemente travada na esfera da sociedade civil e em tensão com a sociedade política, que as ideias defendidas aqui neste texto podem ser mais do que formulações utópicas” (p. 239-240).

Com o objetivo de “compreender a forma como a noção de competências é apropriada e experimentada na prática pedagógica de professores do Ensino Médio” (p. 109), Araújo e Alves, no capítulo 5, apresentam o relato de sua pesquisa com base nas falas dos professores de uma escola de Ensino Médio em Macapá / AP. O texto recupera, antes do relato da pesquisa, os principais conceitos relacionados à pedagogia das competências (p. 115-125), inclusive levantando a hipótese de que esta pedagogia reifica “uma ideologia de base pragmática que toma a educação em relação subordinada à lógica do mercado” (p. 110). E esta subordinação ideológica está “incorporada nos processos de ensino” (p. 139).

Ao estudar a “Educação profissional, divisão do trabalho e os trabalhadores na construção civil”, as pesquisadoras Ana E. S. Alves e Miriam C. C. Almeida concluem que se “evidencia a edificação de uma educação profissional comprometida com a lógica da acumulação capitalista” (p. 86), sobrando para os trabalhadores da construção civil “uma educação em que a formação técnica cumpre [tão somente] o objetivo de treinar ou adestrar o trabalhador para o trabalho” (p. 87).

Por meio de uma pesquisa documental e bibliográfica, Janice R. C. Griebeler e Ireni M. Z. Figueiredo tratam, no Capítulo 12 (p. 263-2870), dos “Diferentes sentidos atribuídos à compreensão da relação da educação profissional e ensino médio”. As pesquisadoras têm como objetivo tratar dos “termos polissêmicos para entender o significado atribuído no contexto da reforma da Educação Básica na década de 90” e acrescentam: “A utilização dos termos como sinônimos confundem… aquilo que queremos expressar, quando empregados para entender a relação entre a Educação Profissional e o Ensino Médio” (p. 264). O texto analisa, ainda, o decreto n. 5.154/2004 (governo Lula), revogando o decreto n. 2.208/1997 (governo FHC), que aboliu, na rede federal, a integração como forma de articulação entre o ensino médio e a educação profissional. Esta integração significa, no Documento Base do MEC de 2007, a superação “da preparação para o trabalho ao seu aspecto operacional, simplificado, escoimado dos conhecimentos que estão na sua gênese científico-tecnológica e na sua apropriação histórico-social” (p. 275).

Cíntia Brazorotto em seu capítulo sobre “o início da implantação do ensino médio integrado… em um município do interior paulista” (p. 159), objeto de um acordo firmado entre Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo com a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (p. 159), teve como hipótese a “disparidade entre as orientações expressas na política e a efetiva integração entre os ensinos médio regular e o técnico profissionalizante” (p.162). Os resultados da pesquisa indicaram “que a organização do ensino médio integrado proposto no Acordo não contemplou a efetiva integração entre o ensino médio regular e o técnico, contribuindo para reafirmar o dualismo existente na educação brasileira” (p. 175).

O texto de José Carlos dos Santos e de Márcia Regina Ristow (p. 179 -197), “a partir de uma perspectiva histórico-filosófica”, trata do ensino agrícola tanto numa perspectiva de país quanto no enfoque mais específico do Estado do Paraná. Suas análises concluem que o ensino agrícola “desenvolveu-se, enquanto modalidade específica, na passagem da década de 1930 para a de 1940”. Com forte conotação dualista, “os desgarrados da República deveriam passar pela disciplina formadora para o trabalho, abandonar hábitos tradicionais e adotar a qualificação técnica e sua ‘ferramentalia’ como meios de trabalho” (p. 195).

Os capítulos 11 (assinados por Schwede e Lima Filho) e 13 (assinado por Zuleide S. Silveira) priorizam a produção e o desenvolvimento de ciência e tecnologia na origem dos Institutos Federais e na concepção de educação tecnológica. O primeiro ressalta “um processo contraditório e dialógico”. O segundo aponta para limites e desafios ao analisar o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica para o Ensino Médio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e, segundo os dados da pesquisa, “na essência, eles aprofundam as desigualdades sociais”.

O livro, em todos os textos, trabalha com a hipótese de que os desafios são grandes, mas que uma outra realidade da educação profissional é possível. Depende da ousadia dos estudantes e docentes – a quem se dirige a obra – em tentar novos caminhos, capazes de formar profissionais integralmente como pessoas humanas. Os capítulos se impõem como fundamento sólido, com base em pesquisa científica, para as mudanças no conteúdo e na forma da qualificação profissional exigida pela contemporaneidade.

Sobretudo na formação de profissionais de saúde – campo em que o progresso científico e metodológico tem impactos incisivos – este livro irá contribuir para a construção de estruturas e metodologias formativas adequadas às iniciativas cada vez mais desafiadoras.

Referências

BATISTA, Eraldo L.; ZANARDINI, Isaura M.; SILVA, João C. da (orgs). Estado, sociedade e educação profissional no Brasil: desafios e perspectivas para o século XXI. Porto Alegre: Unioeste e Evangraf, 2018.


Resenhista

Francisco José da Silveira Lobo Neto – Fundação Oswaldo Cruz, Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

BATISTA, Eraldo L.; ZANARDINI, Isaura M.; SILVA, João C. da (Orgs). Estado, sociedade e educação profissional no Brasil: desafios e perspectivas para o século XXI. Porto Alegre: Unioeste; Evangraf, 2018. Resenha de: LOBO NETO, Francisco José da Silveira. Políticas de educação profissional: contexto socioeconômico e político no Brasil. Trabalho, Educação e Saúde. Rio de Janeiro, v. 19, 2021. Acessar publicação original [DR]

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