Memória, patrimônio cultural e processos educativos: diálogos e reflexões históricas | SÆCULUM – Revista de História | 2022

Inteligencia artificial sera usada para descobrir sitios arqueologicos ocultos Imagem Canaltech
Inteligência artificial será usada para descobrir sítios arqueológicos ocultos | Imagem: Canaltech

O patrimônio histórico-cultural caracteriza-se por suas múltiplas dimensões pedagógicas: educar pelo patrimônio, com o patrimônio, nas práticas educativas, na gestão formativa do uso público do patrimônio, nas concepções interdisciplinares e multidisciplinares, entre outras. Nesse sentido, esse dossiê dedica-se a organizar e aglutinar estudos e pesquisas sobre as interfaces entre história, patrimônio cultural e as práticas educativas na história ensinada.

São dimensões analíticas e metodológicas que apresentam o complexo enredo de narrar, lembrar, esquecer, difundir, preservar e questionar historicamente os percursos do patrimônio. Perpassam espaços educativos, caminham pelas praças, trilham ruas, adentram museus, sensibilizando-se pelas edificações de outrora, permitindo que as memórias e histórias, imiscuídas entre o material e a cultura intangível que também habita esses lugares, possam se tornar fontes históricas para/no Ensino de História. São reflexões críticas que têm diferentes basilares epistemológicos para dialogar sobre a natureza documental, imagética, oral, estética, formativa, educativa do patrimônio histórico-cultural que conforma relações de pertencimento entre os grupos e destes com as sociedades e as nações. Essa relação, sistêmica por essência, possibilita projetar meios/motivação/concepções para a educação para e com o patrimônio.

No que diz respeito especificamente ao professor da Educação Básica que necessita trabalhar com o patrimônio cultural em suas aulas de História e projetos integradores, ressaltou Sandra Pelegrini (2009, p. 43) o grande desafio que este enfrenta por trabalhar em uma temática de fronteiras entre várias disciplinas, devendo então realizar a abordagem de novos temas e fontes documentais cuja leitura e análise integre um planejamento de atividades diversificadas capazes de estimular os educandos à “redescobrir” suas histórias locais, suas memórias e suas identidades, posicionando-se como cidadãos com direitos e deveres também culturais.

Os Educadores Patrimoniais, que podem ser professores de História ou possuir formação em distintas áreas (Arqueologia, Antropologia, Museologia, Sociologia, Arquitetura, dentre outras), devem estar cientes das atualizações de conteúdos e conceitos da área, bem como buscar metodologias adequadas para sua compreensão e extroversão ao público leigo. Mesmo em visitas técnicas aos centros históricos com suas praças, estatuárias e edificações antigas, ou em museus e galerias de arte, não se pode perder de vista o trânsito da cultura imaterial das comunidades produtoras de objetos, acervos ou mesmo guardiãs da memória oral e uma variedade de manifestações culturais intangíveis (dança, canto, fazeres artesanais, etc.) que estão muito presentes no cotidiano, embora às vezes invisibilizados.

Pelas veredas do patrimônio cultural houve a incorporação do conceito de referência cultural e a definição dos bens passíveis de registro, sobretudo os de caráter imaterial, com a Constituição Federal brasileira de 1988, no artigo 216. Distingue-os como “portadores de referência à identidade, à ação, e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira” (BRASIL, 1988). Sob esse aspecto, a ideia de auto reconhecer-se em um objeto cultural também requer a consciência dos sujeitos produtores de objetos e processos culturais, formadores de culturas múltiplas em distintas geografias.

Historicamente o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), hoje Instituto (IPHAN); a Comissão Nacional de Folclore (CNF), hoje Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFPC); os Conselhos de Cultura estaduais e municipais; o Ministério da Cultura (MINC), extinto, em 2019; o Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM); o Conselho Internacional de Museus (ICOM), o Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS), além da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) vinculados à Organização das Nações Unidas (ONU), com suas representações no Brasil, têm desempenhado um importante papel na identificação, registro, informação, formação e preservação do patrimônio histórico, além de orientar as políticas públicas de financiamento de ações de salvaguarda, provocar a criação e alteração de legislações referentes à proteção do patrimônio cultural em suas diversas facetas e contribuir para a formulação de conceitos e metodologias próprias dessa área inter, multidisciplinar.

Das várias Convenções dirigidas ao patrimônio cultural mundial ou da humanidade, desde 1930 até o tempo presente, os documentos produzidos à exemplo das Cartas Patrimoniais tornaram-se instrumentos teóricos e procedimentais importantes para arquitetos, museólogos, historiadores, arqueólogos, sociólogos, antropólogos, além de Educadores e demais segmentos profissionais. Nesse campo, a Educação Patrimonial ganhou força por sua presença como norteadora de olhares e reflexões, que ao longo do tempo deixaram de ser uma “prática de cima para baixo”, para tornar-se um compartilhamento de saberes e experiências a partir da cultura, do legado dos mestres, das obras diversas e do significado que as próprias comunidades mantenedoras atribuíam a esse manancial de conhecimentos. A hierarquização verticalizada dos intelectuais e técnicos foi cedendo lugar à horizontalidade de rodas de conversas, escolhas e demandas socioculturais comunitárias.

A pesquisa e o trabalho de informação e formação para a salvaguarda do patrimônio cultural envolve mais do que uma reverência aos monumentos históricos, pois, na contemporaneidade trata-se de “tocar a memória viva com a emoção”, chamar a atenção para o “centro histórico [onde] está na habitação; [pois] é nela que emana a vida, o cotidiano, onde moram as pessoas que vivenciam e cuidam deste espaço ao longo do dia” (SALCEDO, 2019, p. 11). Por isso esse patrimônio cultural urbano, geológico, museal, escolar, e ainda em seu diálogo com práticas religiosas, protagonismos de gênero e diversidade étnica de ancestralidade africana, expõe a potência de se pensar nessa miríade de sentidos ora tensionados, ora convergentes que a cultura proporciona à experiência humana como ensino e aprendizado.

E falar de patrimônio cultural, de legado, de herança, do passado, é remeter-se também ao porvir a partir do presente vivido, por isso o tempo histórico é uma categoria importante no pensar cultural, pois como atentou Rüsen (2014, p. 47), a história confere sentido aos projetos de futuro que orientam a ação. Frutos de uma seleção, de um significado singular e específico para a geração que planeja sua perpetuação, o patrimônio cultural de arquivos, museus, bibliotecas, escolas, galerias de arte, sítios arqueológicos, praças, parques, meios digitais congregam um desejo de eternidade frente à destruição do presente, seja por descaso, desconhecimento ou intencionalidade.

Ao passo que os tempos mudam, pessoas, lugares, experiências se transformam, novas inquietações surgem e a luta pelo “direito ao patrimônio” do século XX, ao acesso e fruição cultural universal, passa a ser nesse breve século XXI, uma reivindicação por “direitos através do patrimônio” em suas especificidades e singularidades. Direitos de cidadania, direitos humanos, direitos de voz e visibilidade, direitos de decisão, direitos de protagonismo, direitos de existência e re-existência. Através dos instrumentais das políticas públicas, os sujeitos se apropriam de conhecimentos que fortalecem suas identidades pleiteando reelaborações do passado, presente e mesmo futuro a partir da decolonialidade de pensamentos e práticas sobre o “patrimônio consagrado” (CHUVA, 2020, p. 31).

Conforme ressaltaram Pierre-Louis, Lima e Eid (2019, p. 3): “o patrimônio brasileiro nasce como herdeiro das tradições luso-cristãs”, rememorando passado, tradições e personalidades responsáveis pelo processo de colonização, vinculado às ideias de “civilização” e “nação”, tornando padrão um eurocentrismo excludente reificado pelo termo “universal”. Por isso, alongando um contexto de silenciamento de outras culturas, fortemente marcado pela escravização, à exemplo dos povos originários e africanos escravizados. Lastros que adentram museus e galerias, corporificam-se em praças e celebrações. Só muito tardiamente ocorre no país a incorporação de suas heranças ao patrimônio nacional, como resultado da ampliação do olhar sobre a diversidade das experiências humanas.

Tolentino (2018, p. 47-48) ao propor “uma epistemologia do Sul e a ecologia de saberes” aplicada ao ensino do patrimônio cultural, fundamentado nas assertivas do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, busca a valorização dos “saberes subalternos que resistiram aos processos colonizadores e as reflexões por eles produzidas, trabalhando na perspectiva da horizontalidade entre os diferentes conhecimentos”. Desse modo, Tolentino (2018, p. 54) defende uma Educação Patrimonial decolonial como projeto ético-político considerando “as referências culturais dos diferentes segmentos sociais e rompendo com a lógica da homogeneização da identidade nacional”.

Para que esse pleito se realize, o Educador Patrimonial precisa estar com suas percepções bem aguçadas, abrindo novos horizontes no universo cultural buscando, através de seu planejamento, organizar atividades que envolvam o contato com as comunidades, com os sujeitos históricos mantenedores de suas tradições. Um contato que precisa ser sensível e respeitoso para que ambas as partes sejam favorecidas em uma experiência rica de trocas. Olhar o outro como quem o abraça em sua existência, em sua humanidade e sua herança na diversidade dos povos. Esse exercício é fundamental para que as hierarquias sejam desconstruídas e conhecimentos plurais dialógicos emanem desse encontro.

No que tange ao profissional, oriundo de várias áreas formativas, que estará envolvido no processo de gestão do patrimônio cultural, o estudo da história dos procedimentos de identificação e registro, dos avanços e adversidades, das incongruências na relação memória-história, das burocracias, idealizações e confrontos com a realidade, muitas vezes de perda, o situará nos limites de sua ação, bem como nas oportunidades de ultrapassar essa quando for viável.

Sendo, portanto, importante pesquisar e entender que o processo de patrimonialização no Brasil passa por diversas fases históricas perpassando principalmente as ações do Serviço do Patrimônio Artístico Nacional (SPHAN), apoiado nas ideias do Movimento Modernista, no ano de 1937. E na contemporaneidade pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), responsável pela inserção dos processos de tombamento, revitalização, capacitação, preservação dos bens patrimoniais. E que insere alguns encaminhamentos para preservação do bem patrimonial e sua região, o que se entrelaça com a estudo regional, pois assim, podemos estudar o contexto histórico de determinado espaço e a representatividade do bem patrimonial.

Para o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), “a patrimonialização das culturas tem como preocupação assegurar que os conhecimentos culturais de um grupo ou comunidade sejam transmitidos de geração em geração, gerando um sentimento de identidade e continuidade, contribuindo assim para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana” (HORTA; GRUNBERG; MONTEIRO, 1999, p. 06).

Porém, há em cada região uma complexa rede de questões a serem avaliadas, as dificuldades e as limitações de uma ação pública responsável pela defesa e pela proteção de um patrimônio que seja identificado e reconhecido pela sociedade. Neste processo de análise sobre os encaminhamentos sobre o estudo do patrimônio, Gonçalves (2002, p. 121) destaca que: “os patrimônios culturais são estratégias por meio das quais grupos sociais e indivíduos narram sua memória e sua identidade, buscando para elas um lugar público de reconhecimento, na medida mesmo em que as transformam em ‘patrimônio’”.

Compreende-se que a partir da experiência e do contato direto com as fontes históricas, evidências e manifestações da cultura, em todos os seus múltiplos aspectos, sentidos e significados, a produção do conhecimento histórico em sala de aula amplia-se e aprofunda a importância da contribuição feminina, étnico-racial, ambiental e tecnológica nas tramas históricas.

A promoção da salvaguarda de bens culturais imateriais deve ocorrer por meio do apoio às condições materiais que propiciam a existência desses bens e pela ampliação do acesso aos benefícios gerados por essa preservação, e com a criação de mecanismos de proteção efetiva dos bens culturais imateriais em situação de risco (IPHAN, 2001).

A Coordenação de Educação Patrimonial (CEDUC), vinculada ao Departamento de Articulação e Fomento – DAF pelo Decreto nº 6.844 de 7 de maio de 2009, defende que:

[…] a Educação Patrimonial constitui-se de todos os processos educativos formais e não formais que têm como foco o Patrimônio Cultural, apropriado socialmente como recurso para a compreensão sócio-histórica das referências culturais em todas as suas manifestações, a fim de colaborar para seu reconhecimento, sua valorização e preservação. Considera ainda que os processos educativos devem primar pela construção coletiva e democrática do conhecimento, por meio do diálogo permanente entre os agentes culturais e sociais e pela participação efetiva das comunidades detentoras e produtoras das referências culturais, onde convivem diversas noções de Patrimônio Cultural (IPHAN, 2014, p. 19).

As dimensões de leitura de mundo e de compartilhamentos culturais se imiscuem ao uso da metodologia da educação patrimonial que pode ser aplicada a qualquer evidência material ou manifestação da cultura, seja um objeto ou conjunto de bens, um monumento ou um sítio histórico ou arqueológico, um museu ou galeria de arte, uma paisagem natural, um parque ou uma área de proteção ambiental, um centro histórico urbano ou uma comunidade da área rural, uma manifestação popular de caráter folclórico ou ritual, um espaço religioso, um processo de produção industrial ou artesanal, em tecnologias e saberes populares.

Metodologia essa permeada por três tempos: o antes (uma breve exposição informativa sobre a cultura em foco, material ou imaterial ou ambas), o durante (a experiência através da visita técnica à um espaço museal, arqueológico, artístico, natural ou encontro com as comunidades tradicionais produtoras dos saberes culturais imateriais) e o depois (quando é possível aliar a teoria à prática, refletir sobre o que foi vivenciado, as trocas, o aprendizado, desenvolvendo proposições de intervenção para a melhoria daquele bem cultural). Pois, como afiançou João Lorandi Demarchi (2018, p. 159): “a educação patrimonial é uma ação educativa que pode se utilizar de várias metodologias. O educador precisa ter consciência de quais são suas concepções sobre educação, patrimônio e cultura para que, assim, não adote métodos contrários às suas convicções”.

É importante salientar que, “o patrimônio é usado não apenas para simbolizar, representar ou comunicar: ele é bom para agir. Essa categoria faz a mediação sensível entre seres humanos e divindades, mortos e vivos, passado e presente, entre o céu e a terra e entre outras opções” (GONÇALVES, 2009, p. 31).

Nesse sentido, o século XXI apresenta desafios que devem ser pautados como imperativos para um bem viver em uma sociedade disposta a transformar suas mazelas na construção de um presente inclusivo e democrático na perspectiva de um futuro de igualdade e paz entre para que os povos possam usufruir do patrimônio cultural com qualidade de vida. Para tal, algumas pautas são essenciais no agora: 1. a promoção da decolonialidade e de uma ecologia de saberes, como já foi referido antes; 2. o escutar das vozes femininas em seu protagonismo; 3. a identificação, recuperação e proteção do meio ambiente; e 4. o uso ético e humanizado das tecnologias digitais de informação e comunicação (TIDIC).

Assim, a questão da decolonialidade e de uma ecologia de saberes pressupõe reconhecer as relações de exclusão impostas sobre as epistemologias do Sul, promovidas capitalismo global e pelo colonialismo, para que seja confrontada “a monocultura da ciência moderna com uma ecologia de saberes, na medida em que se funda no reconhecimento da pluralidade de conhecimentos heterogêneos”, tendo por premissa que, sem o comprometimento da autonomia, “a ecologia de saberes se baseia na ideia de que o conhecimento é interconhecimento” (SANTOS, 2007, p. 84-85).

Destarte, conferir visibilidade às dimensões formativas, aos elementos patrimoniais femininos como detentores e transmissores de saberes, às práticas e tradições culturais, pode contribuir para o entendimento sobre o papel social e cultural das mulheres em diferentes períodos históricos e em sua elaboração plural de saberes.

Sobre o meio ambiente, há que se afirmar a biodiversidade como integrante do patrimônio cultural e natural, valorizando o vínculo deste com a natureza dada a sua realidade e importância intrínseca, muito além dos seus aspectos estéticos, atuando através de pesquisas, ensino e extensão contínuas na salvaguarda ecológica, buscando “compreender como esses bens são distribuídos ao longo do território brasileiro; avaliar as medidas existentes para sua proteção, expressas em normas que estipulam áreas protegidas; tratar da fragilidade desse legado e dos desafios em fazer valer os preceitos que visam impedir o desaparecimento desse legado” (ZANIRATO, 2010, p. 129- 130).

E no que diz respeito às TIDIC, entender que o uso de drones e do sensoriamento remoto por satélite de sítios arqueológicos, como tem sido feito em Lima (Peru) (BUTTERS, 2014) e no Oriente Médio no projeto Cultural Landscapes Scanner (CLS), do Instituto Italiano de Tecnologia (IIT) e da Agência Espacial Europeia (ESA), com o processamento de dados sendo realizado pela Inteligência Artificial e Machine Learning (IIT, 2021), já são realidades concretas. Desse modo, a compreensão de museus e sítios, não apenas como lugares de memória, expografia e conservação, mas também como interfaces com o mundo digital e ainda, como espaços de inovação, é fundamental, posto que “a aproximação entre acervo e público se faz cada vez mais imprescindível para uma instituição museológica, evidenciando seu caráter conectivo e de diálogo. Não obstante, as ferramentas tecnológicas hoje disponíveis fazem parte do cotidiano dos profissionais envolvidos com o museu” (MARTINS; BARACHO, 2018).

Seguindo essa perspectiva de problematização, os artigos são divididos em temáticas que dialogam sobre ensino de história, sobre as identidades, as disputas, os enfrentamentos, as interfaces com diferentes áreas de conhecimento. Assim, cada artigo postula nesse dossiê, apresentar as análises, reflexões e perspectivas teóricas e metodológicas acerca do patrimônio histórico-cultural em suas diferentes nuances.

No artigo de Adson Rodrigo Silva Pinheiro e Raquel da Silva Alves, intitulado Ensino de História e Educação Patrimonial: usos e apropriações na formação docente no ensino de EAD, os autores apresentam concepções de patrimônio presentes em projetos preliminares desenvolvidos pelos estudantes de estágio supervisionado em docência em História do polo do município de Camocim do curso de EAD da Universidade Estadual do Ceará. A análise é feita para compreender as práticas e perspectivas dos discentes na inclusão do patrimônio cultural como atividade necessária ao ensino de história. Para alcançar esse fim, analisamos seis relatórios apresentados no fim da disciplina realizada em 2019 que consistiam na construção de intervenção pedagógicas na abordagem da educação patrimonial.

O artigo de Almir Félix Batista de Oliveira e Margarida Maria Dias de Oliveira, sob o título O Patrimônio Cultural e o patrimônio geológico: o Geoparque Seridó/RN como local de aprendizagem não formal, tem por objetivo discutir alguns aspectos relacionados a possibilidade de aprendizado em locais não formais, tais como os geoparques e especificamente através do Geoparque Seridó. Os geoparques conforme a Organização para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO se baseiam em três premissas: a conservação, a educação e o turismo, na perspectiva de promover ações de preservação/conservação do patrimônio, tanto cultural quanto ambiental (geológico) e a possibilidade deles (turismo aliado às ações de preservação) servirem de motor para o desenvolvimento sustentável dos locais/comunidades/sociedades em que ele se encontra inserido.

Janaína Cardoso de Mello e Sandro Marcío Drumond Alves Marengo, no texto Léxico, Cultura e Ensino: o patrimônio imaterial no Museu da Gente Sergipana, analisam o museu tecnológico como um locus de significados (re)construídos e em constante (re) construção. E assim apresentam o Museu da Gente Sergipana (MGSE) e as possibilidades de exploração didática de um item lexical (pão jacó) – tomado como patrimônio linguístico sergipano -, que serve de exemplo de articulação interdisciplinar entre as aulas de História e de Língua Portuguesa.

Já o artigo de Merilin Baldan, intitulado Educação, História e Museus: uma reflexão sobre o ensino de história, busca discutir a relação da prática de ensino da história e da cultura local com a aprendizagem e consciência histórica de estudantes do curso de Pedagogia de uma Instituição Federal de Ensino Superior no sul de Mato Grosso. Dialogando sobre os sentidos construídos na visitação a museus locais e regionais, com a aprendizagem e consciência histórica das estudantes de pedagogia.

No texto De Ana Maria à Severina: o patrimônio cultural afetivo, as emoções e memórias em Ceilândia/DF, Jaqueline Zarbato e Sandra Maria Rodrigues dialogam sobre o estudo da história das mulheres e da Educação Patrimonial, seguindo as premissas do Patrimônio Cultural Afetivo. Para tal, utilizam como ferramenta as memórias femininas sobre a construção da então cidade-satélite de Ceilândia, zona periférica do Distrito Federal, e seus patrimônios culturais, institucionalizados e/ou afetivos ligados, em sua maioria, à construção da dignidade e cidadania de seus moradores, disponibilizadas pelo Arquivo Público do Distrito Federal – APDF.

No artigo de Arilson dos Santos Gomes, denominado Museus e Memórias Afrodiaspóricas no Sul do Brasil, apresenta as possibilidades da educação histórica que tenham como temas o patrimônio e os objetos da cultura material, de modo a evidenciar as agências dos sujeitos negros no desenvolvimento de seus lugares de origem que, dificilmente, aparecem nas histórias oficiais. Analisou as imagens alusivas à exposição “Palmares não é só um, são milhares”, no Museu Antropológico do Rio Grande do Sul (MARS), na cidade de Porto Alegre/RS.

O artigo de Rosemeire Pereira D’Àvila, intitulado O culto aos antepassados e a Tenrikyo: nova Religião Japonesa e seu templo como patrimônio cultural de Bauru, trata dos espaços religiosos nipônicos. Analisando a constituição da identidade religiosa dos indivíduos por meio de valores, de práticas e do próprio culto aos antepassados – os quais constituem um patrimônio imaterial. Tal culto era realizado em oratórios domésticos no interior das residências, até a fundação e a organização do primeiro templo da Igreja Tenrikyo, que, na tessitura dos acontecimentos, tornou-se um patrimônio cultural dos bauruenses, contribuindo para manter e preservar a identidade dessa comunidade.

Por fim, o artigo de Tatiane Modesti, nomeado: Os objetos e o espaço da EEB Bom Pastor: aspectos pedagógicos da cultura material escolar (Chapecó/SC-1940-1960), analisa o espaço escolar da EEB Bom Pastor, em Chapecó-SC entre as décadas de 1940 e 1960, buscando perceber como o espaço e os objetos que o compunham estavam voltados para pedagógico. Foram utilizadas como fontes os relatórios do Grupo Escolar Bom Pastor, além de imagens e objetos constantes no memorial e arquivo da escola.

Ao finalizar esse dossiê, o/ leitor/a poderá perceber as diferentes perspectivas em que se tem o patrimônio cultural como campo de conhecimento. Ou como aponta François Hartog (2006, p. 272) sobre a polissemia do termo patrimônio, como “uma maneira de viver as rupturas, de reconhecê-las e reduzi-las, referindo-se a elas, elegendo-as, produzindo semióforos. Inscrito na longa duração da história ocidental, a noção conheceu diversos estados, sempre correlatos com tempos fortes de questionamento da ordem do tempo. O patrimônio é um recurso para o tempo de crise. Se há assim momentos do patrimônio, seria ilusório nos fixarmos sobre uma acepção única do termo”.

Referências

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Organizadores

Janaína Cardoso de Mello – Professora do Programa de Pós-Graduação em Ensino de História (ProfHistória) da UFS. Tem doutorado em História Social (UFRJ). Membro do Laboratório de Humanidades Digitais e Documentação Terminológica (LADOC) da UFS e da Red de Cooperación Académica en la Cátedra Patrimonio Cultural Inmaterial de Latinoamérica y el Caribe/UNESCO, Argentina e Colômbia. E-mail: [email protected]   https://orcid.org/0000-0002-5060-0691

Jaqueline Aparecida Martins Zarbato – Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação (CPTL/UFMS) e do ProfHistória da UFMT, na graduação em História/FACH/UFMS. Tem doutorado em História Cultural (UFSC). Pós Doutora em História pela Unicamp. Pesquisadora externa do CITCEM/Centro de Investigação Transdisciplinar Cultura, Espaço e Memória/Faculdade de Letras da Universidade do Porto/Portugal. Coordena o Grupo de Pesquisa: Ensino de História, Mulheres e Patrimônio. Membro da ANPUH, Apehun/Argentina. Coordenadora de área do projeto Residência pedagógica/UFMS. E-mail: [email protected]  https://orcid.org/0000-0002-3183-4740


Referências desta apresentação

MELLO, Janaína Cardoso de; ZARBATO, Jaqueline Aparecida Martins. Memória, patrimônio cultural e processos educativos: diálogos e reflexões históricas. SÆCULUM – Revista de História. João Pessoa, v. 27, n. 46, p. 212-221, jan./jun. 2022. Acessar publicação original [DR]

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