Miradas sobre os Centenários Portugueses (1940-2020) | Anais do Museu Histórico Nacional | 2021

Bandeira de Portugal 1248 centenários portugueses
Colagem. Bandeira do Estado Português de 1248 | Imagem: Wikipédia

No ano de 1940, em plena Segunda Guerra Mundial, Portugal promoveu a Exposição do Mundo Português, em comemoração do que ficou conhecido como Duplo Centenário: os 800 anos da fundação do Estado (1140) e os 300 anos da Restauração do trono com o fim da União Ibérica (1640). O evento celebrou o passado e, principalmente, o usou em favor da construção de uma imagem positiva e grandiosa para o Estado Novo Português (1933-1974). O Brasil foi o único país convidado, sendo apresentado como um exemplo de nação independente, mas que teria mantido seus laços com a antiga metrópole ao dar continuidade ao “processo civilizador” iniciado com a colonização. Esta mensagem deveria justificar e dar sentido ao imperialismo português para além-mar, garantido pela manutenção de suas colônias na África e na Ásia.

A Exposição teve grande importância na trajetória do Museu Histórico Nacional (MHN), que participou do evento, compondo a seção do Brasil Colonial no Pavilhão Portugueses no Mundo, com o acervo que já preservava e com objetos produzidos especialmente para a ocasião, hoje integrados às coleções. Em 2020, dois anos antes das comemorações do seu primeiro centenário, o MHN promoveu o Seminário Internacional “Miradas decoloniais para os Centenários Portugueses (1940-2020)”, em parceria com o Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (PPGH/Unirio) e com o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES/UC). O objetivo foi provocar debates e estimular reflexões sobre o evento e seu legado, especialmente no campo dos museus e do patrimônio, apontando perspectivas para um futuro emancipador e plural nos processos de escritas da história e construção das memórias.

Os artigos aqui publicados, a maior parte deles de autores que participaram do Seminário como palestrantes, nos ajudam a compreender nesses eventos comemorativos, em seus contextos de realização, os interesses em jogo e os esforços de construção de uma imagem positiva dos países envolvidos. Convidam-nos também a refletir sobre os legados dessas celebrações e de como devemos, a partir da leitura crítica do passado, vislumbrar um diferente horizonte de expectativas, que nos permite vislumbrar outras possibilidade de presente e de futuro.

O dossié é aberto pelo artigo de Margaret Lopes e Ana Lúcia de Abreu Gomes, “’O Mistério dos Orixás e das bonecas’ e O Mapa Geológico: histórias particulares de uma exposição em preparação”. O texto centra-se de forma muito particular em como, no contexto de seus objetivos próprios e ou institucionais, alguns setores, personagens e instituições brasileiras, convocados pelo governo Vargas para organizar representações do Brasil no evento, atuaram nos processos preparatórios dos anos de 1939 e 1940. Trata mais particularmente além do Museu Nacional, do Arquivo Nacional e de alguns aspectos dos livros que foram enviados a Portugal.

No artigo “Simulação e dissimulação do império colonial português em Belém, Lisboa (1940/2020): a secção colonial e o jardim botânico tropical”, a autora Cláudia Castelo realiza uma arqueologia do Jardim Botânico Tropical (JBT), situado em Belém, Lisboa. Ao “escavar” várias camadas de tempo, identifica vestígios patrimoniais dos séculos XVII ao XX, lançando luz sobre os remanescentes da secção colonial da Exposição do Mundo Português. Assim, propõe uma leitura crítica desse espaço para pensar o imperialismo português em 1940 e seus legados.

O texto de Marcus Vinícius de Oliveira, intitulado “O rei do Congo nas Comemorações Centenárias (1940): Fotografia e histórias”, analisa as imagens do rei do Congo, Pedro VII, produzidas e consumidas como forma de propaganda do Império Português, no contexto da Exposição Comemorativa dos Centenários, em 1940. Assim, dedica-se à reflexão sobre as relações assimétricas estabelecidas entre metrópole e colônia e os diferentes interesses envolvidos na realização e circulação das fotografias do rei congolês.

Em seguida temos o artigo “O Café de Portinari na Exposição do Mundo Português – agente catalisador do neo-realismo”. assinado por Luciene Lehmkuhl, que aborda a recepção do quadro “Café”, do pintor brasileiro Cândido Portinari, em Portugal. Único exemplar da arte moderna brasileira a integrar o Pavilhão do Brasil na Exposição do Mundo Português, a obra é considerada, na historiografia portuguesa, uma inspiração do neo-realismo, movimento artístico português na década de 1940. A autora lança luz então para um aspecto pouco abordado pela historiografia brasileira, que é a importância da presença dessa obra na exposição e também para a história da arte em Portugal.

Eduardo Morettin, em “O cinema brasileiro no contexto das exposições universais: a New York World’s Fair (1939-1940) e a Exposição do Mundo Português (1940)”, analisa a presença do cinema brasileiro na New York World’s Fair (1939-1940) e na Exposição do Mundo Português (1940), procurando compreender as duas experiências como iniciativas de regimes autoritários, no Brasil e em Portugal, com vistas à construção de imagens positivas sobre os países, suas histórias e valorização da natureza, da ciência e do progresso tecnológico. Sua análise articula cinema, Estado e diplomacia cultural para pensar o papel que o cinema assumiu nos eventos internacionais e seus desdobramentos após o fim das exposições universais.

Por último, Alda Heizer encerra o dossiê com o artigo “Considerações sobre a exposição portuguesa: ‘Belém Demolir para Encenar – do século XVI ao século XXI’”, no qual compartilha os desafios de pesquisa e as possibilidades de reflexão crítica sobre eventos comemorativos, em tempos de pandemia, marcando bem o contexto de produção do texto. A partir de um giro virtual pela exposição realizada em Portugal no ano de 2020, a autora estabelece um diálogo entre metodologias e análises de grandes eventos comemorativos, convidando a pensar sobre a importância de nos apropriarmos de fontes disponíveis online, seguindo o conselho do professor inglês de literatura e de história oral, Daniel Miller, para pensarmos os dias seguintes e os legados de grandes exposições, como foi a dos Centenários Portugueses em 1940.


Organizadores

Alda Heizer – Historiadora, doutora em geociências (IG-UNICAMP), pesquisadora afiliada ao JBRJ, professora e orientadora no Programa de Pós-Graduação (PPG) em Botânica da Escola Nacional de Botânica Tropical (ENBT) do JBRJ; e no PPGPAT/COC/FIOCRUZ. Participa de grupos do CNPq. E-mail: [email protected]

Aline Montenegro Magalhães – Historiadora, doutora em história (PPGHIS/UFRJ), historiadora do Museu Histórico Nacional, professora e orientadora no ProfHistória/Unirio. E-mail: [email protected]

Rafael Zamorano Bezerra – Historiador, doutor em história (PPGHIS/UFRJ), historiador do Museu Histórico Nacional, professor e orientador nos cursos ProfHistória/Unirio e PPGPAT/COC/FIOCRUZ. E-mail: [email protected]

HEIZER Alda (Org d); MAGALHÃES Aline Montenegro (Org d); BEZERRA Rafael Zamorano (Org d)


Referências desta apresentação

HEIZER, Alda; MAGALHÃES, Aline Montenegro; BEZERRA, Rafael Zamorano. Apresentação. Anais do Museu Histórico Nacional. Rio de Janeiro, v.54, p. 1-4, 2021. Acessar publicação original [DR]

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