Matéria da Bretanha / Brathair / 2003

As florestas, os castelos, os vestidos das damas e as armaduras sempre reluzentes dos cavaleiros vão compondo os cenários das narrativas que encerram a Matéria da Bretanha. Escritas entre os séculos XI e XIV, as aventuras ambientadas na corte do rei Artur e vividas pelos seus cavaleiros até hoje povoam o imaginário ocidental e são o objeto de estudo– e porque não dizer de paixão? – de historiadores, literatos, antropólogos, arqueólogos e demais pesquisadores, que se deixam encantar pelas narrativas arturianas.

Corroborando o nosso pensamento, J. Saraiva em Crepúsculo da Idade Média em Portugal (1988:60), afirma que a Matéria da Bretanha nos envolve num mundo encantado de mar, floresta, nevoeiro, fadas, filtros mágicos e metamorfoses.

Este primeiro número temático da Revista Eletrônica do Grupo de Estudos Celtas e Germânicos – BRATHAIR – traz aos seus leitores um conjunto de cinco artigos e duas resenhas, onde são analisados alguns textos que integram a Matéria da Bretanha. Os textos centram-se nas representações do ciclo arturiano nas literaturas européias da Idade Média, utilizando obras anônimas como, por exemplo, A Demanda do Santo Graal, ou de autores como Wolfram von Eschenbach (Parsifal) e de outras narrativas relacionadas às Ilhas Britânicas, como A Viagem de São Brandão.

O artigo de Antonio Furtado (PUC / RJ) traz um estudo de um conto intitulado La mule sans frein que se encontra em seu último livro, Aventuras na Távola Redonda (Vozes, 2003). Analisando o significado do freio que uma jovem e bela dama incumbe Sir Gawain de procurar, Furtado vai comparando a demanda do cavaleiro em busca do freio da mula com outros textos, onde também se empreende a busca por objetos mágicos e os desafios que esta emanda apresenta e como são superados. As aventuras de Gawain para auxiliar a dama são expostas de maneira a cativar o leitor e, mais ainda, fazê-lo viajar ao lado do cavaleiro. É um convite à aventura no mundo arturiano!

Ainda nas empreitadas de viagem, o texto de Paulo Roberto Soares de Deus (UNB) apresenta uma análise da narrativa da viagem de São Brandão. O texto, que foi apresentado na sua forma escrita pela primeira vez no século X, narra a viagem empreendida por São Brandão e seus companheiros na busca do Paraíso. O texto de Soares analisa as questões da cultura clerical e dos elementos folclóricos que estão presentes no texto de A Viagem de São Brandão, refletindo sobre como esses dois temas estão expostos na narrativa irlandesa. As questões de oralidade e escrita são debatidas no artigo e apresentam reflexões elucidativas acerca dessa questão que é constante, quando se analisam os textos da Matéria da Bretanha.

Relacionado também à questão da viagem é o tema do romance de cavalaria A Demanda do Santo Graal, estudado por Adriana Zierer (UEMA), mostrando Artur com características de rei ideal. A obra trata das aventuras dos cavaleiros de Artur em busca do Graal, cálice com o sangue de Cristo recolhido da Cruz, capaz de garantir plenitude material e espiritual. Segundo a autora, ainda que o rei Artur seja coadjuvante na trama do romance, possui elementos de rei- guerreiro e justo, que aparecem em obras arturianas anteriores, como, por exemplo, a Historia Regum Britanniae, de Geoffrey de Monmouth. Zierer apresenta a intertextualidade entre as duas obras e aponta Artur como um modelo régio utilizado pelo monarca português Afonso III para o seu fortalecimento político no século XIII.

Com relação ao tema do sangue no Ocidente Cristão, José Rivair Macedo (UFRGS) apresenta uma parte de seus estudos sobre o assunto, com um artigo sobre o papel do sangue nos romances arturianos. Segundo o autor, o sangue neste período poderia estar ligado à paixão e ao adultério (através de exemplos em Tristão e Isolda e O Cavaleiro da Charrete), à fertilidade (como o Graal), à vingança (o sangue jorraria na presença do causador da morte) e à impureza (sangue puro / impuro). Neste último caso, a impureza estava diretamente associada à lepra. Um exemplo pode ser dado no romance de cavalaria A Demanda do Santo Graal, no qual indivíduos puros como Galaaz e a irmã de Persival são capazes de curarem leprosos através de seu sangue.

Diretamente ligado à questão do sangue puro / impuro, é o estudo de Daniele Gallindo (UFRJ / PPGHC) acerca da mortificação da carne em Parsifal, de Wolfram von Eschenbach e em O Pobre Henrique de Hartman von Aue. Em ambas as obras, o pecado da luxúria teria sido a causa de uma doença incurável, como no caso da lepra que acometeu o cavaleiro pecador Henrique, ou a moléstia de Anfortas, o rei pescador. Tanto Henrique quanto Anfortas

são curados por intermediação de pessoas puras, uma donzela e o cavaleiro predestinado, Parsifal. Nos dois casos, Deus mandara a punição, para que o cristão pudesse se regenerar, o que une as idéias de sofrimento físico e salvação.

Com relação às resenhas, Lênia Márcia Mongelli (USP / ABREM) apresenta os dados sobre a publicação Matéria da Bretanha em Portugal, a qual contém os trabalhos do Colóquio sobre o tema realizado em Portugal na Universidade de Lisboa, coordenado por Margarida Madureira e Teresa Amado. O livro contém textos de autores consagrados sobre o assunto, como Irene Freire Nunes, responsável pela última edição de A Demanda do Santo Graal (1995), Ivo Castro, tradutor da versão portuguesa do Livro de José de Arimatéia, a ser publicada em breve e de José Carlos Miranda, autor de A Demanda do Santo Graal e o Ciclo Arturiano da Vulgata (1998).

A resenha do livro de Antonio Furtado Aventuras na Távola Redonda (Vozes: 2003) apresenta um “convite” tanto ao leitor quanto ao estudioso para mergulhar nas aventuras vividas pelos Cavaleiros da Távola Redonda nas mais diversas demandas e descobrir os encantos das narrativas arturianas. Luciana de Campos (UNESP) apresenta o livro de Furtado, estabelecendo analogias com filmes e também com outros textos, mostrando a importância dos estudos acerca da Matéria da Bretanha.

Com este número temático Matéria da Bretanha, a Revista BRATHAIR pretende contribuir para o aprofundamento dos estudos sobre as narrativas medievais de fundo céltico. Para o ano de 2004, além do próximo número temático do periódico, cujo tema é Religião e Mitologia Celta e Germânica, o Grupo de Estudos Celtas e Germânicos pretende ampliar as discussões e reflexões dos pesquisadores brasileiros através da realização de um Simpósio Nacional, cujos detalhes serão em breve anunciados ao público interessado.

Adriana Zierer – Professora Mestre.

Luciana de Campos – Professora Mestre.

Coordenadoras


CAMPOS, Luciana de; ZIERER, Adriana. Editorial. Brathair, São Luís v.3, n.2, 2003. Acessar publicação original [DR]

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