Concentrar-se nos objetos de leitura | Itamar Freitas e Margarida Oliveira

OLIVEIRA Maria Margarida Dias de objetos de leitura
Maria Margarida Dias de Oliveira | Foto: Portal UFRN

Tratemos, agora, do mundo de sujeitos concretos, que é o mundo de Margarida e de Itamar e, também, o mundo de vocês que nos acompanham neste livro. Somos responsáveis pela editoria de uma revista intitulada Crítica Historiográfica que tem por meta mais ampla o fortalecimento dos domínios nos quais atuamos – a Ciência da História, em geral, e o Ensino de História, em particular. Nossa ação se dá por meio do exercício corriqueiro e obrigatório de ler, avaliar e comunicar o que escrevemos e de ler, avaliar e comunicar o que os nossos colegas – os membros de domínios designados “História” e “Ensino de História” – escrevem.

Acreditamos ser necessário reiterar um modelo de produção conhecimento construído em largos traços ao longo dos últimos 150 anos. Acreditamos que – do modo mais geral possível – construir conhecimento histórico requer motivação social (alguma espécie de interação com o mundo não acadêmico) e o desenvolvimento das operações de pesquisar e comunicar o resultado da problematização de determinado aspecto da realidade que nos incomoda, empregando valores, princípios e habilidades que nos constituíram intelectualmente nos cursos de graduação em História.

As operações macro, cuja utilidade e cientificidade têm sido eventualmente depreciadas por atitudes novidadeiras e pouco refletidas, autodeclaradas como anti-moderna ou pós-moderna, são: interrogar, coletar fontes, interpretar fontes, extrair fatos, princípios, tendências e/ou generalizações e comunicar essas aquisições mediante um texto claro e acessível aos não historiadores.

A execução de tais operações constitui as normas de validação e, com elas, garantimos, em grupo e para a sociedade, a legitimidade do conhecimento que produzimos.

Por essa razão, os objetos que buscamos na leitura de um livro-tese, de um livro-coletânea, um dossiê de artigos ou uma coleção temática com vista à construção de uma resenha, são as coisas que sustentam a legitimidade interna/externa do que produzimos. Elas são, é preciso dizer, o nosso caráter de verdade.

Assim, a resenha que elaboramos nesse contexto tem uma função básica: ela deve atribuir valor à natureza, aos usos e à contribuição que tais elementos oferecem à ao fortalecimento do nosso caráter de verdade e da legitimidade da nossa fala como problematizadores das experiências humanas no tempo.

No jargão acadêmico, esses elementos são os problemas, os métodos, as fontes, a narrativa etc. Mas há um modo mais simples de demonstrar o caráter basilar dessas coisas. Esse modo consiste em discriminar quatro objetos sobre os quais devemos concentrar a nossa atenção durante a leitura de um livro com o objetivo de resenhá-lo:

  • O que diz o autor? (Quais objetos, questões, teses ele acredita transmitir?)
  • Quem é o autor? (Quais dados biobibliográficos depõem sobre o lugar de onde fala?)
  • Em que contexto a coisa é dita (Que espaço, tempo e causa e meios caracterizam, modelam ou determinam a coisa dita?)
  • Quais as consequências das coisas ditas? (Que valor tem a coisa dita para...? Que valores, ações, processos as coisas ditas podem desencadear em...?)

Estas são as perguntas centenárias que fazemos às fontes do nosso conhecimento. Não são questões criadas por historiadores. São resultantes de séculos de interações entre estudiosos da Bíblia, das Leis e dos artefatos (sobretudo aqueles colhidos de povos antigos), por exemplo.

Não são questões formuladas originalmente no século XIX, apenas por historiadores formados em cursos superiores, mas são as questões que melhor descrevem a atitude historiadora profissional.

Não é à toa que alguns clássicos generalistas de como ler livros se apropriam desses tipos de questão, induzindo o noviço leitor a concluir que os teóricos da literatura de ficção e os professores de Língua Portuguesa, por exemplo, possuem as mais importantes técnicas de ler qualquer tipo de livro: qual o objeto eleito pelo autor? Como seleciona e dispõe os objetos de leitura em um texto? É competente sobre os objetos os quais examina e expõe? Que critérios de verdade emprega ao ler uma biografia, uma autobiografia ou uma história do Tempo Presente? Preserva a verossimilhança dos fatos?  (Van Doren; Adler, 2011, p.236-246).

O fato é que esses especialistas em leitura, leitura técnica, leitura acadêmica, leitura instrumental etc. empregam (inconscientemente, talvez) os clássicos discursos sobre os três tipos de hermenêutica que anunciamos acima.

Estas perguntas, repetimos, são centenárias e, hoje, ainda mais necessárias. Questionar sobre a matéria tratada na obra, as credenciais da autoria, os contextos de produção e o valor das coisas ditas são operações aplicáveis à leitura de todas as fontes de informação que alimentam o poder de verdade dos nossos escritos e o livro-tese, o livro-coletânea, o dossiê de artigo e a coleção de livros produzidos por um mesmo editor e, dentro de uma mesma finalidade. Essas perguntas, por fim, são as fontes de informação de um discurso histórico que se quer verdadeiro. Para dar respostas a esses questionamentos, contudo, temos que praticar a tomada de notas sobre os objetos lidos.


Referências deste texto

FREITAS, Itamar; OLIVEIRA, Maria Margarida Dias de. Concentrar-se nos objetos de leitura. In: Resenhando para historiadores. Aracaju: Criação, 2021. No prelo.


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