Conhecendo os valores que orientam a educação escolar brasileira na Constituição de 1988

Principios e valores constitucionais no Estado Democratico de Direito Imagem Brasil EscolaUOL
Princípios e valores constitucionais no Estado Democrático de Direito | Imagem: Brasil Escola/UOL

A Constituição de 1988 é condenada, entre outras razões, por seu detalhismo e exotismo e louvada pela garantia de “amplas liberdades” em um Brasil “marcado pelo autoritarismo” em sua longa duração.[1] A liberdade é um valor que também se aplica às normas sobre a educação. Tomada em seu caráter de educação escolar, a inscrição da Educação na Carta é tida como inovadora pois a prescreve como um direito social de oferta gratuita e com possibilidades de responsabilização do agente público em caso de descumprimento da referida prescrição.[2] Na aula de hoje, vamos explorar a liberdade e outros valores que orientam essa inovação.

O que a maioria de nós espera da vida é que seja lógica. O que a maioria de nós espera de uma Constituição é que também seja lógica e hierarquizada em seus valores. Trata-se de uma herança cristã na qual um valor supremo e abstrato – o poder de Deus – gera uma série de valores secundários (menos abstratos) que se desdobram em normas reguladoras da nossa conduta cotidiana (leis para a aplicação na vida concreta). Dentro desse raciocínio, a maioria de nós espera que ajamos em conformidade com os valores que anunciamos professar. Com o passar da idade, percebemos que o nosso controle sobre a vida é diminuto (muito do que somos resulta de escolhas anteriores à nossa existência ou coetâneas, mas determinadas por estruturas sociais). Assim, colocados em frequentes situações de impasse, agimos de modo contrário à lei e até aos valores supremos que anunciamos professar.

Disso resulta a declaração de que, em ambiente democrático, quanto mais negociada é a saída para um conflito mais contraditória é a norma resultante do acordo. A Constituição de 1988 é um grande acordo, produzido em ambiente democrático, quatro anos após o fim da mais terrível ditadura da república brasileira. Assim, ao invés de três ou quatro ideias abstratas, seguidas de ideias menos abstratas e normas de aplicação na vida concreta, encontramos muita dubiedade, a contradição e pouco daquela imaginada hierarquia. Encontramos, sobretudo, o conflito entre visões absolutas e verticais (hierarquizadas) e visões relativas e horizontais (autodeterminação dos povos, por exemplo) sobre a vida em sociedade.

Por que essas inexatidões se mantêm entre nós professores e futuros professores? Algumas razões podemos discutir aqui. A Constituição brasileira, como várias outras, não define os termos que expressam valores, não circunscreve o conjunto de valores em determinada corrente filosófica e não informa as fontes (outras Constituições, tratados de Direito etc.) das quais extraiu a terminologia (princípios, fundamentos, valores etc.) e, principalmente, não historiciza a construção de cada artigo (seus debates, opções derrotadas ou descartadas, proporcionalidade dos votos em cada vitória). Cabe, então, ao interessado na aplicação das leis (nós professores) o trabalho de analisá-la, considerando o seu modo especial de construção.

As inexatidões, como bem declara Luis Carlos Marín Jiménez, a respeito da mais recente Constituição espanhola, resultam do emprego simultâneo de valores com o sentido de relação econômica ou científica (compra, venda, objetividade etc.), com o sentido de absoluto ou intrínseco (a bondade de Deus que se desdobra na compaixão e na fraternidade do crente) e com o sentido de filosófico ou relativo a fins racionais/utópicos (a liberdade humana que se desdobra em igualdade formal/racional, igualdade jurídica e igualdade política).[3]

Tomando a tipologia coma como ponto de partida, quais são os valores que nos interessam na Carta? Obviamente, os mais gerais e abstratos, localizados no “preâmbulo”, nos títulos “princípios fundamentais”, “direitos políticos” e “educação, cultura e desporto” e nas seções “Educação” e “Cultura”. Eles constituem 20% das referências ao termo “valor”. Os demais, cerca de 80¨%,  (inclusa a palavra “valorização”) têm conotação econômica: valor financeiro, valor de proventos, valor de benefícios, valor orçamentário, valor tributário, valor de multas etc. Assim, compreendendo valores instrumentalmente como instrumentos da Lógica empregados para explicar e medir as ações dos sujeitos (p.20) e “valores superiores” como ideais normativos resultantes de consensos sobre os fins a serem atingidos por determinada sociedade,[4] eu os convido a ler a Carta.

A leitura não é apenas um expediente para o conhecimento dos valores que normativamente orientariam a prática educativa no Brasil. Ela também pode nos persuadir sobre os mais democráticos modos de enfrentar uma ausência, uma dubiedade e uma contradição, dos quais destaco dois: o estudo da Carta e a militância política.

Itamar Freitas

DED/PROFHISTÓRIA/UFS

São Cristóvão (SE) 13 de julho de 2022.


Notas

[1] Vila, 2011, p.x.

[2] Cury, 2005; Vieira, 2007; Oliveira, 2018; Lonchiati; Motta, 2019.

[3] Martín Jiménez, 2014, p.76. A tese é de Martín Jiménez e o exemplo é meu.

[4] Martín Jiménez, 2014, p.20, 48.


Referencias

CURY, Carlos Roberto Jamil. A educação nas constituições brasileiras. In: BASTOS, Maria Helena C./ STEPHANOU, Maria. Histórias e memórias da educação no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2005. p.18-29.

LONCHIATI, Fabrizia Angelica Bonatto; MOTTA, Ivan Dias da. Revista de Direito & Desenvolvimento da Unicatólica. v.2, n.1, jan./jun. 2019.

MARTÍN JIMÉNEZ, Luis Carlos. El valor de la Axiología: Critica a la ideia de valor y a las teorias y doctrinas de los valores. Oviedo: Pentalfa Ediciones, 2014.

OLIVEIRA, Romualdo Portela de. A Constituição de 1988 e o direito à educação. Boletim da ANPED, 14, maio, 2018. Disponível em < https://www.anped.org.br/news/constituicao-de-1988-e-o-direito-educacao-por-romualdo-portela-de-oliveira-feusp >

VIEIRA, Sofia Lerche. A educação nas constituições brasileiras: texto e contexto. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília. v. 88, n. 219, p. 291-309, maio/ago. 2007. Disponíel em <>.

VILLA, Marco Antonio. A história das constituições brasileiras: 200 anos de luta contra o arbítrio. São Paulo: Leya, 2011.


Atividades

Este é apenas um modelo de atividade. No estudo da constituição e do Plano Nacional de Educação (PNE), você pode empregar o fichamento por resumo, por citação direta, o esquema, diagrama em V, o mapa conceitual, entre outros. Não é necessário me entregar o fichamento. Ele deve ser produzido, principalmente, para uso como instrumento de consulta na avaliação somativa.

[Aqui, eu avalio a sua capacidade analisar, de identificar e extrair informações]
  1. Quais os valores que fundamentam a Constituição, considerada a leitura do seu “Preâmbulo”?
  2. Quais os valores que fundamentam a Constituição, considerada a leitura do título “Princípios fundamentais”?
  3. Quais os valores que fundamentam a Constituição, considerada a leitura do título “Dos direitos e garantias fundamentais”?
  4. Quais os valores que fundamentam a Constituição, considerada a leitura do título “Da educação, cultura e desporto”?
  5. Quais termos substituem com propriedade a palavra “valor”, considerada a leitura do “Preâmbulo”, dos “Princípios fundamentais”, dos “Direitos e garantias fundamentais” e da “Educação, cultura e desporto?
[Aqui, eu avalio a sua capacidade de identificar diferenças e semelhanças entre informações]
  1. Você consegue estabelecer relações de semelhança e/ou diferença entre os valores prescritos no “Preâmbulo”, nos “Princípios fundamentais” e na seção “Educação”
  2. Em caso positivo, que tipo de relação você estabelece? (Semelhança, igualdade, diferença, complementaridade, contrariedade, hierarquia)
[Aqui, eu avalio a sua capacidade de sintetizar e de atribuir valor (criticar)]
  1. Tomando por base os valores que fundamentam a Constituição contidos nos “Princípios Fundamentais”, em qual posição do espectro político-ideológico representado por um segmento de reta você situa a Constituição cidadã?
  2. Tomando por base os valores que fundamentam a seção “Educação”, em qual posição do espectro político-ideológico representado por um segmento de reta você situa a as prescrições estatais contidas na Carta?
[Este é um esquema ilustrativo do espectro político-ideológico esquerda/direita. Você pode se apoiar nele, circulando os valores e a posição correspondentes aos valores constitucionais, ou criar o seu próprio esquema]

RC Destaque post 16

[Aqui, eu avalio a sua capacidade de mobilizar conhecimentos adquiridos na leitura e aplicá-los a uma situação real]
  1. Narre, em até 10 linhas, uma situação de ensino-aprendizagem (vivenciada Universidade Federal de Sergipe) na qual você percebeu o descumprimento flagrante de algum dos valores prescritos na seção “Educação”? 

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