Introdução à Alfabetização Histórica para professores do Ensino Fundamental I

Itamar Freitas

UFS/Uneb

[email protected]

Introdução

Esta oficina de “letramento histórico” se destina aos professores do Ensino Fundamental 1, que atuam nas redes municipais da microrregião de Irecê-BA. A ideia do evento é compartilhar saberes e práticas resultantes da pesquisa básica e aplicada sobre Ensino de História por meio de estratégias ativas de aprendizagem.

A oficina tem caráter de formação continuada docente e é realizada com objetivos. O primeiro é estimular os professores a refletirem sobre os seus conhecimentos a respeito das categorias “passado” e “ciência da História”.

O segundo objetivo é instrumentalizar os professores com estratégias de leitura sobre o passado, tomando como parâmetros algumas habilidades, conhecimentos e valores partilhados pela maioria dos historiadores profissionais que atuam no Brasil.

Esses objetivos estão em consonância com a pesquisa recente na área do Ensino de História, que detectou uma ausência significativa nos cursos de formação inicial de professores em termos: (1) de informações sobre os modos de aquisição de conhecimento das crianças e jovens escolares (habilidades e emoções intervenientes na formação das aprendizagens históricas) e (2) informações sobre estratégias de desenvolvimento de habilidades, conhecimentos e valores historiadores que medeiam a compreensão do passado em situação escolar.

A proposição desta oficina, em síntese, se justifica pela necessidade de difundir a ideia de que o Ensino de História não necessariamente deve se pautar pela transmissão de conhecimento de fatos e processos históricos. Sem negligenciar esse conteúdo enfatizado nos exames gerais de escala, como o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), a aprendizagem específica de modos de produção e de validação do conhecimento da ciência de referência (no caso, a História) é fundamental para a compreensão crítica dos referidos fatos históricos com seus constituintes (as datas tópicas, datas cronológicas, sujeitos, motivações, causas e consequências).

Assim, são pré-requisitos à participação na oficina: a predisposição para reconhecer desafios pessoais no que diz respeito à atividade de ensinar História para crianças e jovens não apenas circunscrita ao conteúdo factual e o desejo de ampliar a informação sobre consciência, memória e aprendizagem histórica.

Relações com os currículos em vigor

A oficina auxilia o cumprimento de orientações prescritas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e na Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC-Formação).

Em relação à BNCC-Formação, a oficina de Introdução ao Letramento Histórico instrumentaliza o professor no que diz respeito à “a) compreensão da natureza do conhecimento e reconhecimento da importância de sua contextualização na realidade da escola e dos estudantes” (BRASIL, 2019, p.6).

No que diz respeito às relações com a BNCC, a oficina de introdução ao letramento histórico é estratégia para o desenvolvimento das seguintes competências 3, 4 e 6, que são específicas para o ensino de História:

  • 3. Elaborar questionamentos, hipóteses, argumentos e proposições em relação a documentos, interpretações e contextos históricos específicos, recorrendo a diferentes linguagens e mídias, exercitando a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos, a cooperação e o respeito.
  • 4. Identificar interpretações que expressem visões de diferentes sujeitos, culturas e povos com relação a um mesmo contexto histórico, e posicionar-se criticamente com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários.
  • 6. Compreender e problematizar os conceitos e procedimentos norteadores da produção historiográfica. (BRASIL, s.d, p.402).

 

Visão geral de Alfabetização Histórica

A junção das palavras “alfabetização” e “histórica” dá vazão a diversos significados, embora todos eles ressaltem o valor da expressão como orientador, ora dos meios, ora dos fins do ensino de História escolar.

O mais comum significado é o que pensa a alfabetização histórica como resultante da combinação entre habilidades de decifração de grafemas e fonemas e retenção de conhecimento substantivo de História. É o que se convencionou chamar de “Alfabetização com história” (Fonseca, 2009).

A alfabetização histórica [historical literacy] (Maposa, 2009; Barca, 2006), por outro lado, pode significar o emprego dos insumos do trabalho profissional do historiador: habilidades, conhecimentos e valores e, ainda, conceitos, princípios e procedimentos.

No século XIX, ela aparece como o emprego de “linguagem histórica”, ou seja, do glossário do tempo, casos únicos [cas uniques] e casos típicos [cas types] (Seignobos, 1907).

No século XX, a alfabetização histórica pode emergir como significado de aprendizado do conhecimento histórico [historical knowledge] (Ravitch, 1989), das estruturas de conhecimento [frameworks knowledge] (Howson, 2006), de habilidades históricas – trabalho com fontes, contextualização, heurística, método histórico, entre outros (Lee, 2003; Taylor, 2004; Wineburg, 2013; Nokes, 2013; Monte-Sano et al., 2014).

Por fim, nos séculos XX e XXI, o alfabetizar-se historicamente pode significar a aquisição de compreensão histórica [historical understanding] (Seixas, 1996), camadas de compreensão histórica [Layers of historical understanding] (Egan, 1989) e/ou de consciência histórica [historical consciousness] (Rüsen, 2012).

Nesta oficina, empregaremos a alfabetização histórica de modo típico e dominante: processo de aquisição/desenvolvimento/qualificação de ideias sobre Epistemologia Histórica. Epistemologia Histórica, por sua vez, é o domínio da História que estuda e justifica a plausibilidade da História como ciência, mediante o estudo e normatização da natureza e do processo do conhecimento histórico.

Em termo ideal-típicos – e acompanhando as assertivas de Hofer (2000), peço que compreendam operatoriamente a natureza do conhecimento histórico em termos da estrutura na qual se realiza (fatos isolados e autônomos ou fatos relacionados em contexto?) e da segurança que pode fornecer (conhecimento imutável e certo ou conhecimento mutável e incerto?). Em igual paralelismo, peço que considerem o processo de aquisição do conhecimento histórico em termos da sua fonte (externa ao Eu, interna ao Eu ou mediada entre o nosso Eu e o Eu de outras pessoas?) e em termo dos meios da sua justificação (observação e sentimento ou regras e critério de um domínio especializados?).

Dentro desse modelo, portanto, a formação de professores que ensinam História deve reservar parte das suas horas para atividades de alfabetização histórica em termos de diagnóstico e, em seguida, em termos de atividades de aprendizagem que possibilitem ao professor melhorar as suas ideias sobre Epistemologia Histórica em quatro dimensões: ideia sobre estrutura do conhecimento histórico; ideia obre a segurança que o conhecimento histórico pode fornecer; ideia de proveniência do conhecimento histórico; e, por fim, ideia de padrões de validação do conhecimento histórico.

Esse modelo formativo, contudo, exige que reconheçamos os seus limites político-ideológicos. Em primeiro lugar, as ideias que realizam a cientificidade da História, ou seja, a quádrupla constituição da Epistemologia da História sugerida, são apenas uma possibilidade. Em segundo lugar, a Epistemologia Histórica professada neste curso pode servir a várias finalidades da aprendizagem histórica, isto é, pode ajudar a realizar diferentes finalidades do componente curricular História.

Vamos então, avançar no processo de alfabetização histórica de modo prático. Vamos fazer o diagnóstico para, em seguida, discutir os resultados, identificando as ideias a modificar e as adequadas estratégias para iniciar o processo de modificação em quatro horas.

Deixe um Comentário

Você precisa fazer login para publicar um comentário.