Teoria da História | Charles Seignobos

Em 1898, na França, Langlois e Seignobos publicavam suas teorias sobre investigação e interpretação, separadamente, usando um conhecido metodólogo como alvo. Tratava-se do já comentado jesuíta C. Smedt. Ele teria apresentado regras imprecisas e ingênuas sobre crítica de fontes, além de reservar espaço para o exame dos “milagres”. Não era, enfim, um “tratado metódico” (Seignobos, 1887, p.2; Langlois, 1888, p.618; Langlois; Seignobos, 1998, p.134, p.170). As críticas foram registradas por Seignobos, na Revue Philosophique de la France et de l’Étranger (1887) e por Langlois na Bibliothéque de l’École des Chartes (1888). Os dois textos, um de ensino de “ciências auxiliares da História da Idade Média” e outro sobre “as condições psicológicas do conhecimento em História” constituiriam a espinha dorsal do mais citado impresso francês na matéria: Introdução aos Estudos Históricos (Introduction aux études historiques – 1898). Observem o título do artigo (originado de uma conferência na Sorbonne) e verão que a locução “História da Idade Média” foi designada apenas “História”, transformada em etapa analítica do método. A parte sintética do “método” ficava a cargo do citado artigo de Seignobos (Seignobos, 1887, p.1).

Langlois e Seignobos (principalmente Seignobos) estavam preocupados com a transposição “do método histórico” para o ensino de História nas escolas secundárias. Os apêndices da Introdução contêm um projeto de reforma para as faculdades de Filosofia e Letras e, também, uma Teoria para o ensino de História nos liceus franceses. O elemento textual, contudo, privilegiou o exame das “condições e os procedimentos”, do “caráter” e dos “limites do conhecimento em história”. Era um “ensaio sobre o método das ciências históricas” para combater o autodidatismo e esclarecer aos trabalhadores da História sobre o método da sua ciência (Langlois; Seignobos, 1992, p.1, 21-22). Ele afirmava que a tarefa bem poderia já estar cumprida com o Lehrbuch de Bernheim (1894), mas, havia problemas nesse livro que justificam a escrita de um novo manual. Para os franceses, Bernheim tratava muito de Metafísica e pouco de questões práticas (certamente, um exagero de Seignobos). Era pouco original e restringia-se aos especialistas e escrito em língua alemã. O público da Introdução era constituído, principalmente, por jovens candidatos a um emprego estatal como professores de História nos liceus (Langlois; Seignobos, 1992, p.24-25).

Após a publicação da Introdução, Langlois fez avançar o seu projeto de bibliografia histórica e Seignobos simplificou sua teoria da compreensão histórica. Durante três anos, ele ministrou aulas no Collège Libre des Sciences Sociales e publicou os resultados no livro O método histórico aplicado às Ciências Sociais (La méthode historique appliquée aux sciences sociales – 1901). O texto era endereçado aos especialistas das Ciências Sociais e da História, embora o próprio autor acreditasse que o maior interesse viria dos primeiros (e com muita razão). O objetivo estava explícito no título (Seignobos, 1901, p. i-ii). Implicitamente, porém, queria controlar as emergentes Ciências Sociais. Não se tratava, pois, da oferta de uma simples ferramenta (o método histórico), e sim, da elaboração de uma Teoria (no sentido Droyseano), ou seja, das questões, o objeto, o método e os limites do conhecimento das Ciências Sociais. Aplicada integralmente, a lição de Seignobos transportaria as Ciências Sociais do âmbito do positivismo/naturalismo ao mundo das representações subjetivas.

Vejamos, agora, um excerto que sintetiza sua Teoria, transcrito da sua obra mais conhecida, escrita em parceria com Charles-Victor Langlois: Introdução aos estudos históricos (1898).

“CAPÍTULO I

Condições Gerais do Conhecimento Histórico [p.65]

Já dissemos que a história é feita com documentos e que os documentos são traços de eventos passados. Este é o lugar para indicar as consequências de esta declaração e nesta definição.

Os fatos podem ser conhecidos empiricamente apenas de duas maneiras: diretamente, se forem observados enquanto estão acontecendo, ou indiretamente, estudando os traços que restam. Um evento como um terremoto, por exemplo: eu tenho consciência direta se eu testemunho o fenômeno. Por outro lado, tenho consciência indiretamente, se, sem experimentá-lo, vejo os efeitos materiais que ele deixou (rachaduras, paredes destruídas). Se esses efeitos forem apagados, leio a descrição escrita por alguém que viu o fenômeno ou experimentou os seus efeitos. Mas a característica dos “fatos históricos” deve ser conhecida apenas indiretamente, de acordo com traços. O conhecimento histórico é, em essência, conhecimento indireto. O método da ciência histórica deve, portanto, diferir radicalmente do das ciências diretas, isto é, de todas as outras ciências, exceto a Geologia, que se baseia na observação direta. A ciência histórica não é de todo, não importa o que se tenha dito, uma ciência da observação.

Os fatos passados ​​nos são conhecidos apenas pelos traços que foram preservados. Esses traços, chamados documentos, o historiador observa diretamente, é verdade. Porém, depois disso ele não tem mais nada a observar. Procede, então, pelo raciocínio, para tentar concluir, o mais corretamente possível, os traços dos fatos. O documento é o ponto de partida; o passado é o ponto de chegada. Entre esse ponto de partida e esse ponto de chegada, devemos cruzar uma série complexa de raciocínios, encadeados entre si, onde as chances de erro são inúmeras; o menor erro, cometido no início, pela manhã ou no final do trabalho, pode viciar todas as conclusões. O “método histórico”, ou indireto, é visivelmente inferior ao método de observação direta; mas os historiadores não têm escolha: é o único a alcançar fatos passados, e será visto mais tarde como ele pode, apesar dessas condições defeituosas, levar ao conhecimento científico.

A análise detalhada do raciocínio que leva do reconhecimento material dos documentos ao conhecimento dos fatos é uma das partes principais da Metodologia Histórica. Este é o domínio da crítica.

Os sete capítulos seguintes são dedicados a ele. Vamos tentar esboçar primeiro, muito brevemente, as linhas gerais e as grandes divisões.

  1. Dois tipos de documentos podem ser distinguidos. Às vezes, o fato passado deixou um rastro material (um monumento, um objeto fabricado). Às vezes, e na maioria dos casos, o traço do fato é psicológico: é uma descrição ou um relacionamento escrito. O primeiro caso é muito mais simples que o segundo. Existe, de fato, uma relação fixa entre certas impressões materiais e suas causas, e essa relação, determinada pelas leis da física, é bem conhecida. O traço psicológico, pelo contrário, é puramente simbólico: não existe. Não é o fato em si; não é nem a impressão imediata do fato na mente da testemunha; é apenas um sinal convencional da impressão produzida pelo fato na mente da testemunha. Documentos escritos, portanto, não têm valor por si mesmos, como documentos materiais; eles têm valor apenas como sinais de operações psicológicas, complicadas e difíceis de desvendar. A grande maioria dos documentos que fornecem ao historiador o ponto de partida de seu raciocínio são, em suma, apenas traços de operações psicológicas.

Dito isto, para concluir de um documento escrito o fato causal distante, ou seja, para conhecer a relação que vincula esse documento a esse fato, é necessário reconstruir toda a série de causas intermediárias que produz o documento. É necessário representar toda a cadeia de atos praticados pelo autor do documento, desde o fato observado por ele até o manuscrito (ou o impresso) que temos hoje sob os olhos. Essa cadeia é tomada na direção oposta, começando com a inspeção do manuscrito (ou impressão) para chegar ao fato antigo. Esses são o objetivo e o curso da análise crítica.

Primeiro, observamos o documento. É o que era quando foi produzido? Não foi danificado desde então? Estamos procurando como ele estava determinando a procedência. Esse primeiro grupo de pesquisas anteriores, que trata de redação, idioma, formas, fontes, etc., é o campo específico da CRÍTICA EXTERNA ou dos estudos críticos. Depois dessa operação, intervém a CRÍTICA INTERNA: funciona, por meio de raciocínios por analogia dos quais os principais são emprestados da psicologia geral, para representar os estados psicológicos vivenciados pelo autor do documento. Sabendo o que o autor do documento disse, alguém se pergunta: (1) O que ele quis dizer? (2) Ele acreditava no que disse? (3) Ele estava fundamentado para acreditar no que acreditava? Nesta última fase, o documento volta ao ponto semelhante a uma das operações científicas pelas quais toda a ciência objetiva está constituída: torna-se uma observação; resta apenas trabalhar de acordo com o método objetivo da ciência. Todo documento tem valor exatamente na medida em que, depois de ter sido estudado em sua gênese, é reduzido a uma observação bem feita.

  1. Duas conclusões emergem do exposto: a extrema complexidade e a necessidade absoluta de crítica histórica.

Comparado a outros estudiosos, o historiador se encontra em uma situação muito infeliz. Não só nunca é dado a ele, como ao químico, observar os fatos diretamente; mas é muito raro que os documentos que ele é obrigado a usar sejam observações precisas. Não possui esses relatórios de observações cientificamente estabelecidos que, nas ciências constituídas, podem substituir as observações diretas. Ele está na condição de um químico que conheceria uma série de experimentos apenas pelos relatórios de seu técnico de laboratório. Assim, o historiador é obrigado a tirar proveito de relatórios muito grosseiros, dos quais nenhum estudioso ficaria satisfeito.

Tanto mais necessárias são as precauções a serem tomadas ao usar esses documentos, que são os únicos materiais da ciência histórica: é obviamente importante eliminar aqueles que não têm valor e distinguir em outros o que é corretamente observado. Tanto mais necessárias são, ao mesmo tempo, as advertências sobre esse assunto, de que a inclinação natural da mente humana é não tomar precauções e prosseguir naqueles assuntos em que a precisão mais exata seria indispensável, confusa.”

Fonte: LANGLOIS, Charles-Victor; SEIGNOBOS, Charles. Introduction aux études historiques. Paris: sn., 1898.


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