Teoria da História em Marc Bloch: excertos | Itamar Freitas

O texto de Marc Bloch que analisamos neste curso é exceção em termos de público por resultar de uma fala aos alunos do “Lycée d’Amiens”, onde trabalhava como professor do secundário. Critique historique et critique du témoignage” (Crítica histórica e crítica de testemunho – 1914) foi apresentada em uma solenidade de entrega de prêmios. As teses, contudo, foram conservadas na póstuma Apologia pela História ou sobre o ofício do historiador (Apologie pour l’histoire ou métier d’historien – 1949): o objeto do seu trabalho é o passado; sem fontes não há conhecimento sobre o passado; e a verdade do historiador é obtida com o “método crítico”. Mas há diferenças em relação à Apologia (além das dimensões do texto, é claro). Uma está no autoreconhecimento como “professor de História” e “historiador”:

Meus caros amigos, como vocês sabem, eu sou professor de história. O passado constitui a matéria de meu ensino. Eu narro a vocês batalhas às quais não assisti, descrevo-lhes monumentos desaparecidos bem antes do meu nascimento, falo de homens que jamais vi. E meu caso é o de todos os historiadores. Nós não temos dos acontecimentos de outrora um conhecimento imediato e pessoal, comparável, por exemplo, àquele que seu professor de Física tem da eletricidade. Sobre os acontecimentos, sabemos somente o que as narrativas dos homens queos testemunharam revelam. Quando essas narrativas nos faltam, nossa ignorância é completa e sem remédio. (Bloch, [1914] 2019, p.57).

Outra diferença está na exemplificação e na finalidade. Bloch preenche os seus argumentos com acontecimentos e narrativas, provavelmente, curriculares. Mas abusa das alegorias, metáforas, analogias, envolvendo juiz de instrução, jurado, operação matemática simples e conflito de trânsito com a intenção de demonstrar que o método serve à vida prática. É um antídoto ao “espírito de maledicência” e ao “espírito de desconfiança”, ou seja (como diríamos a respeito da crítica documental nos séculos XVII e XVIII), é o bom senso entre o dogmatismo e o ceticismo. Isso significa dizer que os liceanos, municiados do método crítico, evitarão “acusar de mentira o amigo que se confunde” e a aceitar “uma causa rapidamente julgada”, sem submetê-la a “um novo exame” (Bloch, 2019, p.67).

Ele não se demora em demonstrar o ceticismo. Mas explicita a proveniência do dogmatismo: as pessoas tendem a acreditar imediatamente naquilo que lhe chega aos olhos e ouvidos. Esse diagnóstico e o respectivo remédio, contudo, não é remetido às palavras dos seus mestres Langlois e Seignobos (ação instintiva), nem ao cético Descartes (dúvida metódica) que se ocuparam da mesma discussão. Ele recupera Tucídides (o prejuízo da verdade diante da opinião), afirmando que o homem “é naturalmente preguiçoso”. (Bloch, 2019, p.58-59). As operações de método que prescreve também já eram de domínio público naquele 1914. O (1) “recolher”, (2) o “comparar” e o (3) “pesar testemunhos” (Bloch, 2019, p.67).

Não estavam formalmente distantes, por exemplo, do que afirmava outro noviço professor de História, na Estônia, no longínquo 1868. Referimo-nos a W. Maurenbrecher, que recebeu a habilitação em Bonn (1867) e foi professor na Universidade de Dorpat (1868), Königsberg (1969), Bonn (1877) e em Leipzig (1884) (Berg, 1968, p.233). No seu primeiro emprego docente (Dorpat), Maurenbrecher apresentou em preleção as suas estratégias de ensino para o curso de História Geral, publicados um ano depois com o título: Sobre o método e a tarefa da pesquisa histórica (Ueber die Methode und Aufgabe der historischen Forschung – 1868). No texto, ele disseminava as “leis” ou os “princípios” do “historiador científico”, reunidas em seu tempo de formação com Leopold von Ranke (1795-1886) e Heinrich Karl Ludolf von Sybel (1817-1895), nas Universidades de Berlin e de Munique. Suas proposições (ele dizia não obedecerem a um cânone) prescreviam as operações de (1) “encontrar as fontes” e “determinar os fatos” mediante “crítica”, (2) “concebê-los” e “julgá-los” segundo “leis eternas da ordem moral do mundo” (Maurenbrecher, 1868, p.25, p.28). […]


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