Três 3-6-9-12 Diventare grande all’epoca degli schermi digitali – TISSERON (REi)

TISSERON, Serge. 3-6-9-12 Diventare grande all’epoca degli schermi digitali. Brescia: La Scuola, 2016 (153p). Resenha de: FATIN, Monica. Revista Entreideias, Salvador, v. 5, n. 1, p. 123-127, jan./jun. 2016.

O livro 3-6-9-12 Diventare grande all’epoca degli schermi digitali,1 de Serge Tisseron, ainda não traduzido no Brasil, reafirma algumas ideias sobre tecnologia e crianças a partir dos usos das telas nas diferentes “idades da infância”, que constam no título do livro, 3-6-9-12. A discussão já se anunciava na trajetória do autor, que foi um dos responsáveis pelo relatório da pesquisa “A criança e as telas”, publicado pela Academia das Ciências, em 2013 na França, e pelo Manifesto “Il bambini e gli schermi”.2 O interesse do autor não é discutir o que as mídias fazem com as crianças ou o que as crianças fazem com as mídias, mas o que acontece nesse “meio”, com uma abordagem que foge da simplificação e renuncia às tentações de “idealizar ou demonizar” as tecnologias. Um convite para educadores conhecerem as mídias e discutirem com as crianças ensinando-as a distinguirem contextos e situações.

Em tempos como estes, em que certas polêmicas se forjam em argumentos dicotômicos, a contundente voz do autor ao falar das “idades da infância” em relação às telas – da televisão, do videogame, do computador, do tablet e do celular/smartphone – é muito coerente com o lugar que o psiquiatra, doutor em psicologia e pesquisador da Universidade Paris VII ocupa. Consciente da complexidade que envolve a relação mídia e infância, ele defende a mediação adulta na negociação com a criança sobre suas escolhas e esclarece que as modalidades de uso de telas a partir da fórmula 3-6- 9-12, que além de se referir às idades e etapas da vida das crianças, também se relaciona às fases da escolaridade infantil e representa um ponto de partida para discutir quando e como introduzir as telas na vida das crianças para aprender a usá-las corretamente.

Embora a reflexão tenha como ponto de partida perguntas de pais e professores, Tisseron não lhes diz o que fazer e convida o leitor a mobilizar-se, a ler, a buscar entender, a estar com as crianças, a observá-las, a compreender suas necessidades e seus medos, pois “o problema das mídias digitais se resolve juntos, não sozinhos”, como responsabilidade nossa, da sociedade civil e das instituições.

Na introdução, Tisseron chama atenção para quatro pontos: “Nunca deixar uma criança com menos de 3 anos diante de televisores; não permitir o uso de videogame em console antes dos 6 anos; acompanhar as descobertas da internet entre 9 e 12 anos; não deixar navegar de forma ilimitada sem que tenha alcançado a idade para poder fazê-lo sozinho”(2016, p.16). Tal radicalidade inspira-se no pensamento arendtiano, sem excluir as crianças do mundo nem abandoná-las a si próprias retirando delas a oportunidade de fazer algo novo, e sim preparando-as para a tarefa de renovar o mundo que compartilhamos com elas.

No capítulo um, a ineficácia das campanhas contra os riscos ligados às telas é discutida diante do forte apelo comercial e de interesses de grupos de comunicação que se apoiam em publicidades enganosas, além do argumento das telas representarem também uma forma de fuga dos problemas da vida cotidiana. Para Tisseron é mais importante encorajar boas práticas que denunciar os perigos, sempre considerando a complexidade de nossas relações com as telas, para além de ser contra ou a favor, e reforça suas indicações em 3 direções: autorregulação; alternância; e acompanhamento.

O apelo é para transformar nossas relações com as telas de forma conjunta, sem responsabilizar ou culpar crianças ou adultos mas explicitando os discursos e trabalhando juntos.

No capitulo dois, o autor defende a fórmula 3-6-9-12 ponderando o quanto a tecnologia digital tem transformado a vida pública, os hábitos familiares e a nossa própria intimidade. Enfático, afirma que antes dos 3 anos a criança precisa construir suas referências espaciais e temporais, seu conhecimento de mundo e de si própria em interação com o ambiente, e os novos objetos digitais fazem parte desse aprendizado tanto no ambiente familiar como escolar. Diferencia as possibilidades de uma tela interativa e não interativa, o papel dos jogos tradicionais, da oralidade, e da cultura do livro nas experiências sensório-motoras e na construção narrativa das crianças pequenas, e apresenta pesquisas feitas com crianças com menos de 3 anos sobre as desvantagens do uso de telas não interativas e suas incidências sobre a linguagem e aprendizagem. Enfatiza as necessidades da criança em cada etapa: descobrir as possibilidades da compreensão de mundo (3 a 6 anos), descobrir as regras do jogo social (6 a 9 anos), explorar a complexidade do mundo e das relações (9 a 12 anos) e questionar as referências familiares (12 em diante). Elenca vantagens e perigos das telas em cada etapa e como elas podem contribuir e preparar a criança “para a sociedade da informação em que a reflexão estratégica, a criatividade e a cooperação são faculdades essenciais”.

(TISSERON, 2016, p. 40) Entre os riscos que o autor aponta, dos 6 aos 9 anos o uso da internet pode fragilizar certas referências que a criança está construindo e que são indispensáveis, entre elas a distinção entre espaço íntimo e espaço público e a noção de ponto de vista do outro. A violência nas telas é um risco para todas as idades, e 9 dos aos 12 anos o autor se refere ao uso excessivo das telas que pode ser indício de outros problemas subjacentes, como baixa autoestima, ansiedade social, violência escolar, etc. que podem desencadear outros problemas.

No capítulo três, ao propor de um percurso para todas as idades, Tisseron enfatiza que “a educação não consiste em proteger e controlar uma criança, mas em ensiná-la, progressivamente, a defender-se e orientar-se por si” (2016, p.45). No entanto, para conseguir tal propósito, enquanto a criança pequena precisa ser protegida e distanciada dos perigos, a capacidade de assumir certos riscos é essencial para o adolescente desenvolver a autonomia, pondera o autor. Em ambos os casos, o diálogo sempre é importante.

As propostas fundamentam-se nas possibilidades de aprendizagem em cada idade e no confronto com certos discursos do senso comum. Em qualquer idade é importante escolher os programas junto com as crianças, limitar o tempo de consumo, convidá-las a falarem sobre o que veem ou fazem encorajando as suas produções.

No capitulo quatro, as redes sociais são entendidas como instrumento que favorece a construção da individualidade e a descoberta das regras do jogo social entre os adolescentes. Tisseron busca desconstruir ou validar certos discursos sobre as práticas no facebook, problematiza o mito que considera os adolescentes extraordinariamente criativos na internet, destaca a falta de conhecimento da natureza do contrato que firmam sem ler, e adverte sobre o grande número de sintomas de depressão e insônia entre os adolescentes que se intensificam em quem já possui tais tendências. Entre as explicações possíveis, o autor menciona a dificuldade do adolescente administrar a própria identidade, por vezes apresentada de modo idealizado e em comparação com outros perfis, questão relacionada ao capital social e às diversas formas de pertencimento nas redes.

As ponderações sobre “o bom uso da rede” são discutidas no capítulo cinco, a partir dos mecanismos do “desejo de extimidade”.

(TISSERON, 2016, p. 75) Diante da exposição da intimidade que torna público alguns elementos da vida íntima, o autor discute as razões do querer mostrar-se, a busca de aceitação nos diferentes clicks, os modelos de autoestima, as “virtudes” da invisibilidade, o anonimato, e outros modos de ver, seduzir e relacionar que as redes propiciam. Tensiona argumentos sobre renuncia à vigilância dos filhos/alunos, e sobre os usos sociais das redes nas instituições educativas, discutindo diversos espaços, regras, formatos e critérios a serem construídos conjuntamente para ampliar as possibilidades do dispositivo. Diante da educação indireta das redes sociais, ressalta o papel da mídia-educação.

No capítulo seis, o autor redimensiona as transformações discutidas nos capítulos anteriores num quadro mais amplo da cultura, relacionando as práticas da cultura do livro às da cultura das telas – para além da contraposição ligadas aos saberes, às aprendizagens, ao funcionamento psíquico e à construção de relações. Destaca as “quatro revoluções da tecnologia digital”, ou seja, revolução “nas relações com os saberes”, “em relação à aprendizagem”, “revolução psicológica” e “revolução das relações e da sociabilidade” e a suas complementariedades.

No capítulo sete, o autor destaca o papel da educação voltada à dimensão do digital desde a infância e as formas de aprendizagem em cada idade, sugerindo a construção de propostas como uma sucessão de momentos capazes de remotivar os estudantes de todas as idades.

Nas conclusões uma síntese sobre o dispositivo tratado no livro com destaque à mediação adulta: “seria inaceitável que as crianças hoje com três anos devessem aprender sozinhas a apropriar-se das telas, exatamente como fez a maioria dos adolescentes de hoje, a seu risco e perigo”. (TISSERON, 2016, p. 133) Certamente, as ideias do autor inspiram muitas reflexões.

Poderíamos questionar a radicalidade de evitar as telas antes do 3 anos e a provável discussão diante dos diversos interesses que movem a cadeia produtiva das produções televisivas para crianças pequenas. Importa notar que o autor nem chega a ponderar sobre a qualidade que tais programas deveriam ter nessa idade, diferente de quando se refere às idades das telas. É na tensão entre “vantagens e perigos” que se expressa a complexidade dessa relação, para além da discussão semântica. Se é notável o ineditismo de tal reflexão em relação às faixas etárias referidas, não podemos perder de vista a importância de relativizar certas fronteiras. Muitos argumentos sobre a mediação entre crianças e telas e papel da família/escola dependem sempre do contexto sócio-econômico-cultural em que se inserem, bem como das diferentes formas de acesso e apropriação das tecnologias, que são diferentes de uma cultura para outra. Interessa vislumbrar a possibilidade de diálogo a partir do nosso lugar e da nossa singularidade cultural, inclusive para “estranhar o familiar” e problematizar certas práticas que nos parecem tão naturais, mas que só o distanciamento crítico possibilita por em questão.

Notas

1O original foi publicado em francês, em 2013 com o título 3-6-9-12 Apprivoiser les écrans et grandir, que pode ser traduzido por Domesticar as telas e crescer.
Na tradução italiana feita por P. C. Rivoltella, em que se baseou esta resenha, o título pode ser traduzido por Tornar-se grande na época das telas digitais.
2Pode-se fazer download do manifesto e do cartaz original no site do autor . Na versão italiana está disponível em: .

Traduzimos o manifesto para língua portuguesa e está disponível no site do Grupo de Pesquisa Núcleo Infância Comunicação Cultura e Arte, NICA, UFSC/CNPq .

Monica Fantin – Professora Associada do Centro de Educação da Universidade Federal de Santa Catarina.

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