História e Saúde / Tempo / 2005

Quando convidado a organizar este dossiê, o primeiro desafio foi o de escolher seu título. História e Saúde me pareceu o mais adequado, posto que amplo e, portanto, plasticamente capaz de dar conta de toda a diversidade de temas, enfoques, abordagens, orientações teóricas e historiográficas que, atualmente, orientam este emergente campo de estudos. No Brasil, o final da década de 1990 foi particularmente profícuo no sentido de abrir os horizontes e as perspectivas de análise no campo das relações entre história e saúde, mostrando a diversidade de enfoques abertos pelo esgotamento da até então hegemônica perspectiva foucaultiana. Os trabalhos aqui apresentados refletem uma pequena dimensão desta diversidade.

O artigo de Nikelen Acosta Witter, doutoranda no curso de pós-gradução em Historia da UFF e professora licenciada do Centro Universitário Franciscano, Santa Maria, RS, abre o dossiê, ao fazer um inventário crítico de alguns dos trabalhos historiográficos mais recentes produzidos no Brasil, centrados no estudo das diversas práticas de cura populares, apontanto suas indicações, no sentido de formular uma possível agenda da pesquisa para o tema. O artigo seguinte, de Lígia Bellini, doutora em História e professora do Departamento de História da Universidade Federal da Bahia, discute um conjunto de imagens e procedimentos analíticos pelos quais o corpo humano era classificado e descrito em textos médicos portugueses do século XVI, buscando as relações entre estas representações e alguns pensadores e correntes intelectuais do período. O trabalho de Georgina Silva dos Santos, doutora em História e professora do Departamento de História da UFF, estuda o papel da sangria, enquanto importante prática terapêutica em Portugal, na Época Moderna, as matrizes do pensamento médico que a legitimavam e a técnica e o perfil dos barbeiros, profissionais responsáveis por sua aplicação. O texto de Daniela Buono Calainho, doutora em História e professora da Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, analisa o papel de “médicos”, que os jesuítas exerceram no Brasil colonial, numa sociedade onde não era possível simplesmente importar / praticar o saber acadêmico europeu. Neste sentido, Daniela mostra como os padres aprenderam com os indígenas e utilizaram os recursos vegetais e minerais da terra, incorporando os conhecimentos “populares” à medicina européia, numa verdadeira mestiçagem cultural. O trabalho seguinte, de autoria de Marta de Almeida, doutora em História e pesquisadora do Museu de Astronomia e Ciências Afins / MAST, analisa o quadro de institucionalização da microbiologia no Serviço Sanitário de São Paulo, na virada do século XIX para o XX, e seu papel na história da saúde pública no Brasil, apontando, neste processo, as estratégias dos médicos paulistas em busca de legitimação profissional e social. Ainda nesta conjuntura de institucionalização da bacteriologia, Anny Jackeline Torres Silveira, doutora em História e Professora de História do Coltec, da Universidade Federal de Minas Gerais, utiliza-se do impacto provocado pela gripe espanhola de 1918, para analisar a discussão que a pandemia provocou entre a comunidade médica internacional e nacional, os limites e as contribuições da então nascente bacteriologia para explicar a doença, mostrando também o papel de médicos brasileiros no debate. O dossiê encerra-se com o artigo de Simone Petraglia Kropf, doutoranda em História na UFF e pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz, que analisa o processo histórico de construção da doença de Chagas como entidade médica específica e enquanto problema de saúde pública no Brasil, num contexto internacional marcado pela Segunda Guerra Mundial e seus desdobramentos, onde se redefinem as relações entre ciência, saúde e desenvolvimento.

São todos trabalhos de qualidade, bem diversos em suas abordagens, orientações e perspectivas, e cumprem o papel de dar uma idéia da amplitude que este campo de estudos, que aqui convencionamos denominar História e Saúde, vem tomando nos últimos anos no Brasil.

André Luiz Vieira de Campos – Professor Adjunto do Departamento de História da UFF. E-mail: [email protected]


CAMPOS, André Luiz Vieira de. Apresentação. Tempo. Niterói, v.10, n.19, jul. / dez., 2005. Acessar publicação original [DR]