Cultura material e cultura intelectual (séculos XVI-XIX) / Antíteses / 2017

Este dossiê temático que intitulámos “Cultura material e cultura intelectual (séculos XVI-XIX)” constitui mais um resultado palpável da parceria iniciada há alguns anos entre as duas signatárias, as docentes, Maria Renata da Cruz Duran, da Universidade Estadual de Londrina, e Isabel Drumond Braga, da Universidade de Lisboa. No decurso do pósdoutoramento da primeira, pensou-se na preparação de um número temático de uma revista brasileira que acolhesse trabalhos de investigadores dedicados ao estudo da história da cultura com os quais as coordenadoras tivessem, de algum modo, trabalhado. O resultado que agora vem a público é apenas uma parte desse projeto que tem continuidade em outras vertentes e suportes.

Objeto de estudo da História enquanto matéria autónoma, desde o século XIX, com os textos fundacionais de Jacob Burckhardt e Johan Huizinga, e com percursos e autores muito diferenciados ao longo dos tempos, a cultura é o foco do presente dossiê, tendo em conta as suas facetas material e intelectual, naturalmente enlaçadas. Os séculos XVI e XIX servem como fronteiras de um panorama que tem início na Península Ibérica, com o texto “As Leguminosas no Portugal Moderno: uma presença constante e discreta”, de uma das organizadoras, e também autora convidada, Isabel Drumond Braga, da Universidade de Lisboa. Elaborado no rescaldo do Ano Internacional das Leguminosas (2016) o texto apresenta fontes como livros de culinária, informações sobre dietas de estudantes, de religiosos e de presos, provérbios, relatos de viajantes estrangeiros e outras, a fim de explorar as potencialidades da História da Cultura.

“Cultura material en la clausura de la realeza: “Las reliquias (tipos, simbología y cuidado) en el Monasterio de Las Descalzas Reales en Edad Moderna” é o texto subsequente, onde Esther Jimenez, da Universidade de Granada, explora as esferas de poder no universo feminino quinhentista a partir de seus vestígios materiais.

O doutor Carlo Pellicia, investigador do CLEPUL (Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias), da Universidade de Lisboa, apresenta em suas “Notas sobre influência da cultura portuguesa no Japão (séculos XVII e XVIII): o legado dos missionários europeus”, uma sondagem acerca do nanbangaku ou nanban bunka, ou seja, o conjunto das doutrinas dos “bárbaros do sul”, que não conheceu o seu epílogo com a proscrição do cristianismo, nem com o afastamento do mercantilismo ibérico. Situado entre 1641 e 1715, o artigo nos transporta para uma Ásia portuguesa.

Através de um profícuo diálogo entre Literatura e História, Markus Ebenhoch, da Universidade de Salzburgo, produziu o texto “O discurso religioso nas Obras do diabinho da mão furada”. Dedicado ao estudo de António José da Silva (1705-1739), chamado “o Judeu”, Ebenhoch apresenta uma análise dos processos inquisitoriais levantados contra António José da Silva, detendo-se no que classificou como “uma crítica satírica ao catolicismo e ao Santo Ofício, escrita por um antigo preso desta instituição”.

Maria Marta Lobo de Araújo, da Universidade do Minho, parte da análise intrínseca de um recolhimento do norte de Portugal, durante o século XVIII em “Aprender na clausura: a aula publica do recolhimento da Caridade de Braga, no século XVIII”. Local de preservação e definição da honra feminina, o espaço é sondado a partir de um cruzamento de fontes relativas às questões materiais e intelectuais.

Da mistura desses aspectos também se vale Francisco de Almeida Dias, Università degli Studi della Tuscia (Viterbo), com o seu texto sobre “D. Alexandre de Sousa e Holstein e a cultura lusitana numa Roma em ebulição (1790-1803)”. No artigo, o autor aborda a formação artística dos jovens portugueses enviados pela Casa Pia de Lisboa, bem como a fundação de uma efémera Academia de Belas-Artes, que teve D. Alexandre de Sousa e Holstein como protagonista.

Com “Assistência e cultura material: o património móvel do hospital da Santa Casa da Misericórdia de Pombal na segunda metade do século XIX”, Ricardo Pessa de Oliveira destaca o âmbito patrimonial em que a cultura artística, assim como a material, costumam operar. Claudia Marques Martinez, da Universidade Estadual de Londrina, atua no mesmo sentido, situando, todavia, uma abordagem da cultura intelectual no Brasil em que emerge o termo “cultura imaterial”, no texto “Manoel Bernardes da Cunha Cação, o inventário de um abolicionista: da cultura material à cultura imaterial”.

Carollina de Lima, da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afrobrasileira, nos situa no campo do papel social da literatura na sondagem da cultura imaterial e / ou intelectual em ”A conciliação nos folhetins: Joaquim Manuel de Macedo e a carteira do meu tio (1855)”. Aldrin Figueiredo, da Universidade Federal do Pará, distende a história social ao analisar o papel da arte sacra e religiosa na Amazônia no contexto do movimento de renovação do catolicismo brasileiro no século XIX, mediante fontes em prosa, verso, pintura e escultura.

Na intersecção do design, “Joalheria de Crioulas: Subversão e Poder no Brasil Colonial”, de Amanda Gatinho Teixeira, mestre em Antropologia pela Universidade Federal do Pará, integra a seção dedicada a estudantes de pós-graduação, reaberta nesse número, apresentando uma visão histórico-antropológica acerca da joalheria Oitocentista no Brasil.

O dossiê fecha com o texto da organizadora Maria Renata da Cruz Duran, professora de História Moderna e Contemporânea da Universidade Estadual de Londrina, pós-doutoranda pela Universidade de Lisboa e bolsista PDE / CNPq, com o artigo “A ´augusta mãe por cima das ondas do oceano´: a corte portuguesa no púlpito brasileiro”, no qual revisa um sermão de frei Francisco de São Carlos, pregador real no Rio de Janeiro em 1809, com a finalidade de averiguar, na sermonística, um modelo de narrativa histórica que procura estabelecer uma interligação entre Portugal e Brasil, no solo sagrado das Capelas Reais.

Como se pode notar, o presente dossiê explora diferentes fontes, métodos e objetos, destacando na História da Cultura um manancial de compreensão da sociedade moderna e contemporânea que, tal como os autores aqui reunidos, ultrapassa e entrelaça fronteiras.

Maria Renata da Cruz Duran, Universidade Estadual de Londrina – PDE / CNPq

Isabel Drumond Braga, Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras e CIDEHUS-EU

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