Sonhos em tempo de guerra: memórias de infância | Ngũgĩ Wa Thiong’o

Internacionalmente reconhecido por seu trabalho literário, dramático e de crítica intelectual, Ngũgĩ wa Thiong’o chegou a ser um dos favoritos indicados ao prêmio Nobel de literatura no ano de 2016. Contudo, sua obra permanece sendo ignorada por grande parte do público brasileiro. Sonhos em tempo de guerra, publicado pela Biblioteca Azul, junto com o premiado romance Grão de trigo, publicado pela Alfaguara, são, por enquanto, as duas únicas obras do autor traduzidas em nosso país. Ambos livros retratam eventos históricos importantes do Quênia, vinculados à emergência da rebelião Mau Mau que levou o país à independência em 1963. Mas, diferentemente de Grão de trigo, o livro Sonhos em tempos de guerra não constitui um romance, mas se apresenta com o subtítulo de memórias de infância. Trata-se, portanto, de um registro de fragmentos da história do Quênia sob a perspectiva intimista das lembranças pessoais do autor.

Profundamente auto-reflexivo e questionador, o próprio relato levanta perguntas sobre o funcionamento da memória que, como o subtítulo anuncia, constitui a base do próprio trabalho. “Mas por que alguém se recorda vividamente de alguns eventos e personagens enquanto outros não? Como a mente é capaz de selecionar aquilo que se sedimenta fundo na memória e aquilo que ela permite flutuar na superfície?” (WA THIONG’O, 2015a, p. 69). Estas incertezas, e outras, sobre a memória e a escrita do próprio passado, tornam o trabalho ainda mais instigante. Assim, é um livro, ao mesmo tempo, forte e delicado, que apresenta os anos iniciais da vida de Ngũgĩ wa Thiong’o, sua educação familiar, religiosa e escolar, focando sobretudo nos espaços primários e de sociabilidade básica que o formaram. Há um provérbio africano que diz “é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança”. A obra que temos em mãos revela como a formação inicial deste gigante intelectual teve como base não uma aldeia comum, mas um povoado que vivia sob a rígida ocupação colonial britânica. Quando criança o pequeno Ngũgĩ vivenciou um universo bastante estendido, marcado pela guerra genocida, travada em África e alhures, com a presença de estrangeiros em sua comunidade, um intenso fluxo de ideias novas e a constante referência a personagens e a lugares distantes. O livro trata, portanto, de uma educação sentimental atravessada por circulações ampliadas, na qual as relações de poder e conhecimento transbordaram, e muito, as dinâmicas locais da “aldeia”. Leia Mais