Discurso religioso e seu referente / Revista Mosaico / 2014

A revista Mosaico retoma sua edição com um dossiê temático acerca do discurso religioso e seu referente. O núcleo deste dossiê advém de trabalhos apresentados no mini simpósio acerca da questão no VIII Simpósio Nacional de História e Historiografia, realizado na Universidade Federal de Ouro Preto em 2014.

Não é fácil pensar acerca desta problemática. O antigo positivismo que possuía uma ideia, basicamente, reflexiva da realidade – na qual a mente reproduz fielmente os dados externos – há muito tempo foi colocado em xeque. Contudo, após a crise dos paradigmas dos anos setenta e oitenta, as soluções enquadradas no epiteto “epistemologia pós-moderna” não criaram caminhos profícuos para o conhecimento histórico.

No caso particular dos que investigam a historia religiosa, nenhuma das correntes acima citadas é conveniente. Na primeira, a referência dos discursos e das práticas dos sujeitos religiosos é anulada como algo não pertinente aos métodos científicos de investigação. Por outro lado, as teorias que apontaram a importância do elemento discursivo como constituinte do saber defenderam a elipse do aspecto referencial deste conhecimento.

Portanto, a tendência tem sido avançar por caminhos menos radicalizados e mais plurais de acercamento dos fenômenos religiosos. Se o domínio da realidade e / ou divindade escapa por entre as palavras, não se deve afirmar dogmaticamente sua mudez e / ou inexistência. Afinal, esta força denominada de “sagrado” continua a movimentar as pessoas por todo o globo, sustenta diversas instituições, faz surgir movimentos políticos e modifica intermitentemente a sociedade.

O dossiê inicia abordando um mestre do discurso, aquele que é considerado o maior pregador da língua portuguesa: o padre Antônio Vieira. O artigo de Milton Moura demonstra as estratégias utilizadas pelo sacerdote para ressignificar as experiências temporais e como, para isso, ele se apropria de textos sagrados.

Para o cristianismo, os textos considerados mais sagrados são os Evangelhos, fonte do conhecimento acerca de Jesus. Na liturgia católica, ainda hoje, a assembleia se coloca de pé em reverência para escutá-los. O segundo artigo do dossiê, escrito por Andre Caes e Wesley Alves, trata destes livros, mas não dos que foram incorporados na tradição e passaram a compor a Bíblia Sagrada. O estudo aborda o imaginário criado sobre os evangelhos “apócrifos”, fazendo inclusive uma pesquisa de campo para captar as representações sociais que se projetam sobre tais textos.

Outro trabalho que articula o conhecimento histórico com a realidade contemporânea é o estudo sobre o Caminho de Santiago. Fruto de uma grande pesquisa internacional e interdisciplinar, o artigo aponta a importância dos saberes religiosos, bem como do conhecimento histórico, para os peregrinos que durante todo o ano afluem para aquela cidade espanhola.

O artigo seguinte aborda um limite discursivo, o silêncio e as vozes sobre o morrer no Goiás oitocentista. A pesquisa de Deuzair José da Silva aprofunda nos aspectos simbólicos dos rituais que visam exercer algum tipo de controle sobre o destino da alma. Demonstra como eram importantes os gestos, as falas, o mover das crenças diante da proximidade inelutável do fim.

Os pecados deviam ser confessados periodicamente para que se obtivesse o perdão. Para facilitar, a igreja fez uma lista dos mais comuns, classificando-os em veniais, mortais e capitais. Contudo, sugere Albert Drummond, alguns deles foram transformados em virtudes pela sociedade capitalista. O autor analisa historicamente o tema da preguiça, os valores que lhe foram atribuídos, suas características básicas conforme cada época, concluindo com o que chama de “paradoxo”: na sociedade que coloca o trabalho como centro da vida, a preguiça tornou-se extremamente valorizada.

Ainda abordando aspectos do mundo moderno, o último texto do dossiê dialoga com a teologia ao tratar dos sentidos da palavra deus no pensamento de Paul Tillich. A “morte de Deus” decretada pelo Zaratustra nietzschiano pode ser aceita, sem necessariamente acabar com a vida religiosa, defende o autor Otávio B. Rodrigues da Costa. Portanto, o artigo retrabalha historicamente as noções de secularização e de laicidade, de modo a averiguar as condições de sustentabilidade do discurso teológico nos dias atuais.

Os artigos livres inseridos neste numero tratam de tema bem distintos. O primeiro faz uma introdução à semiótica proposta por Charles Pierce. A meta principal dos autores, Alessandro Aguiar e Eduardo Quadros, é romper com certo medo dos historiadores em dialogar com ciência dos signos e, ao mesmo tempo, demonstrar que esta perspectiva é bem mais “historicizável” que a tradição europeia proveniente de Saussure. O artigo aprofunda a aplicação das categorias piercianas para a análise das fontes fotográficas.

O artigo seguinte aborda o poder dos discursos médicos sobre o corpo das mães. Para Georgiane G. Heil Vázquez, as concepções religiosas acerca da maternidade foram readaptadas aos saberes médicos, fonte importante de poder e controle no século XX, gerando princípios dogmáticos sobre o que seria o normal / saudável e o que seria desviante / doentio. A autora demonstrará, inclusive, que a simples ação de parir será relacionada ideologicamente ao progresso da nação brasileira.

Por fim, a pesquisadora Heliane Prudente estuda a questão do emprego e do desemprego no Brasil atual, enfatizando a problemática situação da juventude goiana para a entrada no mercado de trabalho. O artigo apresenta, com diversos dados, uma série de desafios para construção de nosso futuro, de modo a conscientizar acerca da nefasta herança histórica que deverá ser superada.

A comissão editorial


Comissão editorial. Editorial. Revista Mosaico. Goiânia, v.7, n.1, jan. / jun., 2014. Acessar publicação original [DR]

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