Ditadura militar: mecanismos de repressão e construção de consenso / Tempo Amazônico / 2021

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Para o historiador francês Henry Rousso, os grandes conflitos mundiais da primeira metade do século XX levaram ao “enraizamento de uma história do tempo presente no campo científico e no espaço público”.[1]

Referia-se ao fato de que rememorar a tragédia das guerras, do Holocausto, tornou-se uma espécie de imperativo. Entre historiadores, não caberia a pretensão de neutralidade diante do horror das catástrofes, mas, antes, o engajamento em um ofício crítico estreitamente atrelado às questões de seu tempo, tanto entre pares, quanto diante de um público mais amplo.

Em raciocínio análogo, podemos afirmar que a ditadura militar foi uma das catástrofes brasileiras do último século. A violenta experiência de mais de duas décadas de autoritarismo deixou profundas marcas na sociedade brasileira. Para melhor compreendê-las, especialistas têm de enfrentar uma intrincada composição de memórias individuais e coletivas, uma volumosa gama de documentos de variadas origens, além de uma série de indagações que surgem da discussão política cotidiana.

A presente edição de Tempo Amazônico, revista eletrônica semestral da seção amapaense da Associação Nacional de História (ANPUH / AP), traz o dossiê “Ditadura militar: mecanismos de repressão e construção de consenso”, que reúne produções originais sobre o golpe de 1964 e a ditadura. Trata-se de contribuição oportuna para a historiografia especializada no tema,seja pelo especial enfoque nos estudos sobre a região amazônica, seja pela variedade de perspectivas possibilitada pelo conjunto dos textos que seguem.

O primeiro texto traz o estudo de Vanessa Cristina da Silva Sampaio sobre o mundo do trabalho e as greves do Distrito Industrial da Zona Franca de Manaus nos anos de 1985 e 1986, quando a transição para a democracia ainda se consolidava. O segundo é um texto de Tiago Francisco Monteiro que tematiza as relações bilaterais Brasil-África do Sul durante os primeiros dois governos da ditadura militar, com foco particular nas relações raciais em ambos os países.

Na sequência, há a proposta de Gustavo Feital Monteiro de discutir o nazismo a partir do conceito de religião política, apontando limites e possibilidades de tal perspectiva. Depois, Danilo Mateus da Silva Pacheco trata das práticas curriculares do ensino de História da ditadura no estado do Amapá, evidenciando a experiência de professores.

Em seguida, temos o artigo de Caio Vinícius de Carvalho Ferreira que traz a avaliação histórica dos acontecimentos na região do Pontal do Triângulo Mineiro na ocasião do golpe de 1964. Ainda sobre o evento que iniciou a ditadura, há o texto de Francisco Bento da Silva e Jadson da Silva Bernardo intitulado “Ecos do golpe de 1964 no Acre: ditadura, intolerância e perseguições políticas”.

O artigo de Thiago Rocha de Queiroz reúne algumas das impressões do chargista amazonense João Miranda sobre as eleições indiretas de 1974, revelando aspectos da dinâmica política do estado do Amazonas naquela conjuntura. Já no texto de Priscila Oliveira Pereira, aborda-se a participação dos governadores no golpe de 1964 e nos primeiros anos da ditadura, com ênfase nas movimentações de Petrônio Portella, que governava o estado do Piauí.

Fernanda Fernandes da Silva analisou a trajetória do diretório estadual amazonense do Partido Comunista do Brasil (PCB), dando conta dos desafios enfrentados por seus militantes quando colocados na clandestinidade. Por último, há uma resenha de autoria de Dimas Brasileiro Veras e Rebeca Santos de Amorim Guedes sobre o filme “Amores de chumbo”, dirigido por Tuca Silveira, que nos convida a pensar sobre o direito à memória e sobre as consequências que sofremos, até os dias de hoje, do modelo de transição para a democracia que prevaleceu em nosso país.

Em tempos de negacionismo, fake news e proliferação de usos políticos do passado, o papel da reflexão profissional do historiador tem seu significado renovado.

Esperamos que este dossiê sirva aos intuitos reflexivos de seus leitores e os leve a novos questionamentos.

Notas

1. ROUSSO, Henry. A última catástrofe: a história, o presente e o contemporâneo. Tradução de Fernando
Coelho e Fabrício Coelho. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2016, p. 219.

Diego Knack – Doutor (SME-RJ)

César Augusto Queirós – Doutor (PPGH-UFAM)


KNACK, Diego; QUEIRÓS, César Augusto. Apresentação. Tempo Amazônico, Macapá, v.8, n.2, 2021. Acessar publicação original [DR]

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