Experiências e Histórias Infanto-Juvenis / Projeto História / 2016

Nota dos editores

Ao longo da preparação dessa edição da revista Projeto História, a autora e Profa. Dra. Tania Mara Tavares da Silva, da Universidade Federal da Cidade do Rio de Janeiro (UNIRIO), veio, lamentavelmente, a falecer. Por esse motivo, acreditamos que, o artigo na sequencia publicado, seja uma das últimas contribuições escritas da Profa. Tania. Com esse artigo queremos homenagear e lembrar a colega que agora passa a ter longa vida com seus escritos e reflexões.

Tania se identificava com a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC / SP), com suas discussões, com seus projetos e estava entusiasmada e planejando desenvolver seu Pós-Doutorado no Programa de Estudos Pós-Graduados da referida universidade. Infelizmente sua morte deixa para trás essa intenção, mas reviverá na publicação deste número da Projeto História.

Como forma de homenageá-la reproduzimos também a nota abaixo elaborado pelo GT HISTÓRIA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE da ANPUH-SP, do qual ela era participante.

Nota do Grupo de Trabalho de História da Infância e Juventude da Associação Nacional de História – seção São Paulo (ANHPU-SP), manifesta seu profundo pesar pelo falecimento da Profa. Dra. Tania Mara Tavares da Silva.

A colega e amiga Tânia era colaboradora e entusiasta das atividades do GT tendo participado de inúmeras atividades organizadas pelo GT Infância e Juventude, sempre com muito afeto, alegria e companheirismo.

O GT lamenta muito a perda da estimada amiga e abraça fraternamente a família.

São Paulo, 19 de abril de 2016

Assina,

GRUPO DE TRABALHO DE HISTÓRIA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE ANPUH-SP

A construção social da infância e da juventude moderna não começa com a “invenção do sentimento moderno de infância, como preconizado por Phillipe Ariès no clássico “História Social da Criança e da Família”, e muito menos ela é a expressão unívoca de uma única forma de ser criança e adolescente na modernidade. Como sabemos a modernidade não foi um único, homogêneo e obrigatório modo de constituição sócio histórico, ela representou conflitos, exclusões. Cada vez mais, os aspectos múltiplos da formação social contemporânea são levados em consideração nos estudos históricos, desvelando a complexidade e as diferentes modernidades vividas e forjadas na concretude da experiência.

Os estudos das dimensões históricas de infanto-juvenil, sempre entendido como constituinte intrínseco da vida social, permitem perceber o mundo multifacetado em processo de mudança vinculase às modificações, e também às permanências, do lugar social destinado a esse setor social. No caso do Brasil, essa mudança sempre precisa ser compreendida em relação com especificidades da formação sócio-histórica nacional: ex-colônia de Portugal; período que se reconhece no Império e na República a colônia como símbolo do atraso sociedade associada a valores forjados no período escravista e que tem consequência no período pós-escravista; economicamente dependente e periférica no sistema capitalista internacional; multirracial; com representações identitárias assentadas, arraigadas (índio, negro, branco); às especificidades regionais.

A infância e a juventude, assim, não podem ser compreendidas como “consequências” da modernidade, mas como componente intrínseco da construção e delineamento do que viria a ser as várias feições da modernidade. Nesse sentido, os artigos reunidos neste Dossiê oportunizam perceber infâncias indígenas, pobres, de classe média, institucionalizadas (FEBEM), ilegítimas, infratoras, abandonadas, trabalhadora, escolarizada; permitem identificar variadas perspectivas e representações construídas sobre o universo infanto-juvenil, desde o olhar dos adultos; oferecem visibilidade para crianças e adolescentes como sujeitos de suas experiências e da vida social.

Os textos revisam fontes de diferentes tipologias como periódicos, jornais, livros de época, publicações oficiais, institucionais (Fundação Nacional e Estadual do Bem Estar do Menor, Fundação Nacional do Índio, Serviço de Proteção aos Índios, Serviço de Psicologia Aplicada, Instituto Interamericano da Criança), boletins, legislação, textos jurídicos, relatórios, Anais de eventos, processos judiciais. A partir dessas variadas fontes, os autores puderam perceber a complexidade histórica envolvida com as experiências envolvendo as crianças e os adolescentes no passado brasileiro e internacional. Esse universo documental também permitiu identificar a mobilização dos adultos na tentativa de controlar, definir padrões de conduta e domesticar gerações de pessoas que viveram suas infâncias entre 1850 e até últimas décadas do século XX.

A questão do reconhecimento da paternidade e dos direitos das crianças decorrentes dessa condição na primeira metade do século XX, no Brasil, através da problematização de textos jurídicos e da legislação de época, é o tema central do artigo “Infância, Família e Mulheres: Processo Civilizador” escrito por Tania Mara Tavares da Silva (ver nota). Debatendo o tema do reconhecimento da paternidade e das consequências da qualificação jurídica discriminatória de crianças nascidas de uniões livres (casais não casados oficialmente) ou de mães solteiras, ou de relações “ilegítimas” (mães ou pais casados que tem filhos fora do casamento), o texto revisa a historiografia sobre o tema, destacando como o assunto foi sendo objeto de limitações em nome de uma certa ordem social e moral. A partir da análise de textos jurídicos de época e de dados judiciais sobre o reconhecimento da paternidade, são exploradas diversas dimensões da problemática questionando permanências e mudanças na sociedade atual na relação entre Estado e crianças.

Dá-se sequência ao dossiê com o artigo “A Febem, o Código de Menores e a “pedagogia do trabalho” (Pernambuco, 1964-1985), do historiador Humberto Silva Miranda, no qual analisa os argumentos que foram apresentados pelo Estado e pelas elites, para justificar a criação da Fundação Estadual do Bem Estar do Menor (de Pernambuco), argumentos que enfatizavam a necessidade de uma nova instituição que vocalizasse as diretrizes da Política Nacional do Bem-Estar do Menor. As novas diretrizes são apresentadas criticamente Humberto e legitimavam o desenvolvimento de um aparato institucional de controle e de intervenção social sobre crianças e adolescentes pobres sob o argumento de promover o bem-estar por meio da privação da liberdade (retirando de circulação crianças e adolescentes, internando-os) e da educação para o trabalho. As fontes utilizadas para a produção da reflexão foram periódicos, livros de época, publicações oficias da Fundação Nacional do Bem Estar do Menor e da Fundação Estadual do Bem Estar do Menor (de Pernambuco).

No artigo “Educação e trabalho na escolarização das crianças indígenas no Brasil (décadas de 1950 e 1960)”, a pesquisadora Sueli Soares dos Santos Batista problematiza a estruturação da educação indígena, destinada às crianças de comunidades indígenas, ao longo do século XX, desde a criação do Serviço de Proteção ao Índio, passando pela FUNAI, e chegando a reestruturação dessa educação com a Constituição de 1988. A autora identificou como a educação destinada às crianças indígenas esteve focada até 1988 na capacitação para o trabalho, como uma forma, segundo imaginavam seus elaboradores, de inserção dos indígenas como trabalhadores agrícolas, em especial, na sociedade brasileira. Refletindo criticamente sobre essa concepção de educação, aponta as dificuldades para o seu desenvolvimento, ao longo do tempo, pelo Estado brasileiro. Indica a nova concepção de educação indígena a partir de 1988 e os desafios atuais para a sua viabilização. A documentação utilizada na pesquisa está centrada em fontes de instituições dedicadas à assistência ao índio no Brasil (SPI, FUNAI) como boletins, legislação, impressos, relatórios.

Buscando desnaturalizar os processos escolares e a construção da subjetividade infantil, Mirian Jorge Warde, propõem no seu artigo “A criança e o tempo: Prescrições do Serviço de Psicologia Aplicada (São Paulo, 1931-1933)”, refletir sobre as iniciativas do Serviço de Psicologia Aplicada, órgão vinculado à Diretoria Geral do Ensino do Estado de São Paulo, em 1931, como forma de)racionalizar, padronizar e massificar a escolarização das crianças no Estado. Por meio da análise das fichas elaboradas pelo Serviço, é destacado como a produção de dados a respeito da criança, da família, das rotinas e dinâmicas escolares, auxiliaram na orientação do processo educativo em vista de torná-lo mais racionalizado e otimizado numa lógica produtivista / fabril numa São Paulo em franca industrialização e crescimento populacional.

A criação do Instituto Disciplinar em São Paulo nos anos iniciais do século XX mobilizou diversos agentes do campo jurídico e médico, que por meio de seus posicionamentos e visões de mundo, propuseram medidas e instituições direcionadas às crianças e aos adolescentes dos setores empobrecidos da sociedade. As pesquisadoras Kátia Cibelle Machado Pirotta e Fernanda Broggi, no artigo “O Instituto Disciplinar e a discriminação da infância em São Paulo”, analisam como o saber médico, marcadamente eugênico e higienista, foi apropriado por juristas nas argumentações que embasaram a criação do Instituto Disciplinar, destinado a atender adolescentes encaminhados pela justiça criminal. As autoras utilizaram fontes legislativas (discursos e leis estaduais), livros de época, entre outros materiais.

A circulação de ideias e criação de laços intelectuais-científicos envolvendo o tema da atenção à infância, em especial a saúde infantil e a educação ao ar livre, entrelaçando a América do Sul e a Europa, foram os assuntos analisados por Helvio Alexandre Mariano e Carmem Lúcia Sussel Mariano no artigo “O debate sobre a infância na Quinzena Social de Paris de 1928 e o processo de criação do Instituto Interamericano del Niño”. Os autores apresentam uma interessante relação entre a atuação do Instituto Interamericano del Niño e o Dr. Luis Morquio, diretor do mesmo, e a a atuação de Morquio internacionalmente, em especial, na “Quinzena Social de Paris” de 1928, na qual ele presidiu o “Congrès International de L`Protection de L`Enfance” ocorrido no interior da referida quinzena. As fontes utilizadas, anais dos eventos e boletins do Instituto, permitem perceber a constituição de um campo internacional envolvido com o tema da infância e sua saúde, relativamente dinâmico e com reflexos na América e na Europa.

Buscando acompanhar trajetórias de crianças e adolescentes no Rio Grande do Sul, nas décadas finais do século XIX, José Carlos da Silva Cardozo, no artigo “Os menores de idade no Juízo dos Órfãos de Porto Alegre (Século XIX)”, dedica atenção à fontes judiciais envolvendo processos de Tutela e, através delas, alcança perceber significativos registros sobre a vida, os dilemas, as dificuldades de crianças e adolescentes. Com leitura cuidadosa e “à contrapelo” dos documentos, o artigo apresenta diversas dimensões da vida daquelas crianças e adolescentes objeto da intervenção judicial: as atividades e o cotidiano; atividades laborais; arranjos familiares; circulação por diferentes regiões e situações sociais; como o mundo dos adultos e das instituições se relacionam com os pequenos.

As representações da infância em jornais do Estado do Paraná, na segunda metade do século XIX, foram os objetos da atenção de Juarez José Tuchinski dos Anjos, no artigo “A imprensa periódica e a construção da infância na província do Paraná (1854-1889)”. A análise dos jornais buscou perceber as múltiplas representações de infância e das experiências infantis em circulação e em processo de configuração no Paraná, tendo predominância olhares românticos, positivos que enfatizavam a inocência; mas também expressavam perspectivas críticas e desabonadoras do modo de viver de algumas crianças (que jogavam pedras, as peraltas, “diabinhas”). A apresentação de variadas dimensões da infância permite perceber como essa faixa etária e os sujeitos infantis viviam e eram percebidos de modo cada vez mais complexo e atencioso dos adultos, os quais buscaram, frente a tais crianças e a novas formas de viver a infância, constituir mecanismos para compreendê-los, e atuar e controlá-los em uma sociedade cujas mudanças estavam cada vez mais acelerando-se.

Na seção de artigos livres, de fluxo contínuo, como expressão da política editorial da publicação, são apresentados os textos intitulados: “O meu lembrar pelos meus direitos: memória e direito à cidade em uma favela do Rio de Janeiro”, de Mauro Amoroso e “Higiene do corpo e Higiene da mente: algumas raízes da psiquiatrização da educação no Brasil”, de Alexandre Fernandez Vaz e Lara Beatriz Fuck.

Ao lado dos artigos selecionados, consta ainda do dossiê a apresentação de pesquisa relacionada aos estudos históricos do mundo infanto-juvenil de autoria de historiador José Pacheco dos Santos Júnior (“O valor do trabalho infantojuvenil em um tribunal sertanejo (1964-1972)”. Também faz parte da edição, a pesquisa “A missão na literatura: a Redução jesuítica em “a fonte” de O Tempo e o Vento”, do pesquisador Francisco Carlos Ribeiro.

Por fim, compõem a seção resenha, que nessa edição consta a colaboração de Paulo Brito do Prado, com o texto “Da beleza se faz história e outras coisas mais”.

Esse número da Projeto História expressa o desenvolvimento pelo qual a área de estudos da infância e da juventude e sua história tem passado, e procura ser uma pequena colaboração para o estímulo, continuidade e expansão do campo, manifesta também o esforço de pesquisadores em dar vitalidade à temática. Esforço este que se junta as problemáticas observadas na PUC / SP, suas linhas de pesquisa do Pós Graduação: Cultura e Cidade, Cultura e representação, cultura e Trabalho, assumindo um posicionamento crítico de várias questões presentes na cidade como a menoridade penal, na PUC / SP também se constituiu um Comitê da Verdade que exigiu o reconhecimento de familiares de cidadãos que foram mortos no período, torturados, silenciados, o que se deseja é o direito a História a exercer cidadanias que revelam o que esteve ocultado pelos donos de poder, também às iniciativas do Grupo de Trabalho em História da Infância e Juventude da Associação Nacional de História (ANPUH) em nível nacional e regional (ANPUH-SP).

Boa leitura.

20 de abril de 2016

Olga Brites. E-mail: [email protected]

Eduardo Silveira Netto Nunes. E-mail: [email protected]


BRITES, Olga; NUNES, Eduardo Silveira Netto. Apresentação. Projeto História, São Paulo, v.55, 2016. Acessar publicação original [DR]

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