Rock and Roll: Uma História Social – FRIEDLANDER (CTP)

FRIEDLANDER, Paul. Rock and Roll: Uma História Social. Tradução de A. Costa. 4 ed, Rio de Janeiro: Record, 2006. 485pp. Resenha de: ROCHEDO, Aline. Um olhar sobre o livro, Rock and Roll: Uma História Social. Cadernos do Tempo Presente, São Cristóvão, n. 13, p. 71 – 75, jul./set. 2013.

Para os estudiosos, os curiosos e os apaixonados por música, em especial o rock, apresento o livro que pode ser considerado uma odisseia sociomusical do “rock and roll”. O autor, Paul FriedlanderII, nos relata os primeiros trinta anos da música pop/rock e apresenta os vários estilos musicais oriundos da mesma matriz rítmica. São dezenove capítulos que narram o processo de consolidação do gênero, assim como as peculiaridades dos artistas e lugares por onde engendrou o rock. Tais capítulos apresentam a narrativa histórica do rock a partir do “blues rural” seguido pelo desenvolvimento do “blues urbano”, do “gospel” e do “jump band jazz” no início do século XX, até a chamada “new wave” nos anos 1980.

A narrativa do livro propõe que os estilos musicais oriundos do rock passaram por ciclos de vida. A princípio, estilos emergentes procuram forma e configuração em um processo que pode ser chamado de formulação. Em seguida, os artistas incorporam elementos disponíveis de fontes próximas de sua realidade. Nessa perspectiva, os novos estilos tendem a surgir e existir em um nível regional, desconhecidos de um público maior, antes de explodir em um conhecimento de massa. Tal dinâmica foi percebida nas quatro principais explosões do rock: rock clássico, a invasão inglesa, o hard rock e o punk.

Segundo o autor, os principais marcos identificáveis da história do rock internacional são divididos em cinco momentos: primeiro, de 1954-1955, com a explosão de rock and roll clássico; segundo, entre 1963-1964 com a invasão inglesa; terceiro, 1967-1972, conhecido como a era de ouro (o amadurecimento sincrônico de artistas de vários gêneros, incluindo a primeira invasão inglesa e a ascensão dos reis da guitarra); quarto, de1968-1969 com a explosão hard rock; e quinto, de 1975-1977 com a explosão punk.

O trajeto proposto no livro inicia-se nos anos 1940-1950 quando rock surge como gênero musical de origem negra. Os estilos que influenciaram o “rhythm and blues” e, consequentemente, o rock and roll foram: o “blues” no qual as letras falavam de adversidade, conflitos e, ocasionalmente, celebrações; o “gospel”, nos diálogos de chamado e resposta, originários dos cantos africanos aos quais também inspirou gestos livres durante as apresentações e o “jump band jazz”, estilo que emergiu no rastro do fim da era das grandes bandas no final da Segunda Guerra Mundial. Essa fusão tornouse, posteriormente, a base para a primeira era do rock, o rock and roll clássico.

A visão de mundo do “rhythm and blues” era mais otimista do que a do estilo predecessor, o blues da época da depressão, embora ainda tivesse raízes profundas na liberdade e nas experiências de vida real. Como seu público, os roqueiros clássicos vislumbraram uma válvula de escape musical e emocional. O humor esteve presente como elemento que diferenciou o gênero, numa mensagem aparentemente inofensiva como nas canções de Chuck Berry, Eddie Cochran, Carls Perkins, Little Richard, o que também corroborou para definir sua identidade. Sendo um gênero da música negra, embora se identifique elementos europeus, esses pioneiros do rock forjaram uma fusão de estilos. Assim, apareceram duas gerações distintas: “artistas predominantemente negros, que ficaram populares antes de 1956; e o grupo branco com raízes country e liderados por Elvis, que levou o gênero ao sucesso comercial”.III Nos anos 1950, principalmente por sua origem negra, uma forte pressão foi exercida contra o rock por líderes religiosos, órgãos oficiais e interesses de gravadoras junto à indústria fonográfica. A campanha desenvolvida por meio de uma parcela da sociedade como pais, pastores, professores, ressoava a antipatia ao gênero, no qual os artistas eram caracterizados delinquentes juvenis, preguiçosos e indolentes. As gravadoras, por sua vez, tinham grandes interesses na queda do rock and roll e do “doowop”( um estilo de música vocal), pois nestes estilos elas tinham pouco poder de ação.

Durante praticamente os anos de 1953-1955, essa prática teve o efeito de obscurecer as versões negras originais. Devido a pressão em recusar o rock, houve uma espécie de enfraquecimento, como se o gênero perdesse a popularidade e a força, principalmente por não aceitarem a integração racial.

Nos anos 1960 a música popular negra estava dividida em dois estilos bem diferentes e distintos: o “soul”, o som abrasador, forte e relevante de Memphis e a “Motown”, o som elegante, dançante e mais popular de Detroit. Ambos tinham origem no “gospel”, “doo-wop” e no “rhythm and blues”, mas cada um construiu de forma diferente suas músicas, a partir dessas influências. Poucas músicas do repertório soul eram destinadas ao movimento pelos direitos civis dos negros que estava em curso. No entanto, a música foi adotada pela comunidade negra como símbolo e referência: “A „soul music‟ ajudou a criar a atmosfera na qual o orgulho negro cresceu”.IV O estilo que emergiu no início dos anos 1960 e adentrou os anos 1970, deixou importante legado para a geração seguinte envolvida com funk.

Enquanto os últimos acordes do rock clássico ecoavam na cena musical americana, a juventude inglesa nos anos 1960 começava a se apropriar de um novo ritmo, uma fusão entre o rock clássico, rockabilly, blues e pop, que posteriormente acabou retornando aos Estados Unidos. Tal fusão se tornou o gênero de maior sucesso comercial e de crítica da história da música popular. Tanto a música quanto a sua travessia pelo Atlântico foram chamados de “invasão inglesa”. Assim, os Beatles trilharam um caminho que não havia sido explorado antes. Admiradores dos astros Chuck Berry e Elvis Presley, o quarteto mais famoso da Inglaterra, registrou o rock inglês a seu modo.

No primeiro período da explosão Beatles as letras remetiam ao universo juvenil da sensibilidade adolescente nas relações de amizade e namoro. Posteriormente, o grupo adquire um perfil amadurecido com letras e músicas mais elaboradas mostrando uma visão de mundo crítica. Criando uma linguagem musical própria, a banda influenciou o comportamento juvenil de sua época conquistando fãs em todas as partes do mundo.

Outro importante grupo, os Rolling Stones ao lado dos Beatles, protagonizou a chamada “invasão britânica” que projetou os artistas ingleses nas paradas dos EUA.

Entre 1965 e 1970 várias bandas foram formadas, fermentando a mistura de folk-rock. No período, Bob Dylan, jovem estadunidense, configurou o rock ao seu estilo. A música folk sempre foi uma parte importante da tradição musical americana, e as canções de protesto, histórias pessoais ligadas aos eventos sociais correntes, são partes essenciais de sua herança. Embora Dylan não tenha protagonizado inovações na stética musical, suas letras, extremamente conscientes, poéticas e profundas influenciaram a utilização do rock como meio de contestação.

No final dos anos 1970, importantes tendências econômicas e artísticas estavam afetando o modo pelo qual a música era criada e vendida. Gravadoras e programas de rádio davam pouca chance a talentos desconhecidos, apostando somente nos artistas já consagrados. O público, cansado das mesmas músicas e do aumento do preço dos discos, começou a reagir. Assim, o surgimento da tecnologia da fita cassete, essa que permitira a gravação caseira, aliado a outras variáveis econômicas e a perda do interesse do consumidor, causou uma queda nas vendas de discos. Foi neste contexto, economicamente orientado e controlado que explodiu o estilo simples, primário e contestador chamado punk-rock.

Os grupos punks de jovens ingleses revoltados berravam letras polêmicas sobre cultura e política com um rock simplista e distorcido. Embora o punk nunca tenha se tornado um gênero comercial viável, o seu foco nas mazelas da sociedade passou a ser um dos seus elementos mais copiados. Os grupos punks anglo-americanos, como Sex Pistols e The Ramones, desprezavam o apuro técnico-formal da música utilizando poucos e fáceis acordes. Os punks acreditavam numa arte crua que atingisse o público e mexesse com suas emoções. Para os artistas envolvidos no processo de consolidação desta vertente do rock, toda interpretação do mundo devia passar pela perspectiva punk.

Durante a década de 1980, o panorama do pop/rock estava repleto de numerosos estilos diferentes. A influência punk na nova música (chamada de new wave) estava apenas florescendo nas rádios, mas em poucos anos proliferou e invadiu a mídia. O ingrediente chave do sucesso da “new wave” era a ligação da música com o vídeo, uma dinâmica que foi institucionalizada com o nascimento da MTV( Music Television). A MTV apresentava a seus espectadores uma série de músicos da „new wave‟. Os artistas mais ecléticos eram os que mais produziam vídeos. Muitos críticos tinham a impressão de que os videoclipes reforçavam tendências negativas que ainda corriam na sociedade.

Alguns ainda achavam que quando uma música virava vídeo, a consequência era a perda da música, pois a imagem e o estilo prevaleciam.

Ainda nos anos 1980, a música aumentou o debate de temas como política, economia, e justiça social. Artistas e promotores de shows escolheram ligar estas causas a grandes eventos de forma a divulgar questões políticas, levantar fundos, envolver mais artistas e ajudar a promover os negócios do rock. De 1985 a 1990, os megaeventos promoveram causas e debates progressistas. Estas ações angariaram recursos e mostraram ao público que alguns astros não tinham medo de tomar posições públicas sobre assuntos políticos e sociais. Um resultado visível dessa mobilização foi o fato da Anistia Internacional ter recebido mais de duzentos mil novos membros depois das turnês. Outras organizações também perceberam o aumento no interesse pelo ativismo.

Assim, o envolvimento de artistas foi o fator diferencial: “ele expôs seus fãs a importantes debates estimulando-os a pensar e agir”.V Entretanto, também era perceptível que a indústria da música tomava decisões baseadas no mercado, favorável às poderosas corporações multinacionais: “as principais corporações multinacionais que controlam a música são politicamente conservadoras e preferem homogeneizar a música e neutralizar qualquer tipo de conteúdo cultural ou político polêmico”.

Ademais os debates sociais, econômicos e políticos no entorno do rock, a leitura nos proporciona acompanhar a trajetória do gênero que cresceu em diversos países acompanhado por um público jovem e entusiasmado, adequado às peculiaridades regionais. O autor foi cuidadoso em mostrar a diversidade de biografias de bandas e artistas destes trinta anos de rock, como Chuck Berry, Little Richard, Lee Lewis, Elvis Presley, The Beatles, Jemi Hendrix, Bob Dylan, The Clash, Led Zepplin dentre outros.

O primeiro e o último capítulo destoam dos outros, pois são norteadores para uma análise didática denominada pelo autor como “Janela do Rock”. Letras, músicas, ritmos, artistas, atitudes e contexto sociais são considerados para a compreensão do gênero e propriamente das composições. Para Friedlander, a análise de uma música e sua letra deve considerar a história pessoal do artista, a relação da música com a sociedade no contexto da época, os padrões e valores contemporâneos e ainda atentar para o fato de que cada ouvinte interpreta a canção de maneira diferente, dependendo de sua própria experiência de vida.

Em um primeiro momento, a música é recebida de forma intuitiva e contém uma rica variedade de conhecimento e sentimento sem o processo de pensamento lógico que nos acompanha e ao qual geralmente chamamos de entendimento. Na forma analítica, o ouvinte passa a ter condições de realizar julgamentos próprios sobre a natureza das músicas, sua qualidade e diferenciação em relação a outras músicas e seu contexto social. E deste ponto, procurar por conta própria mais informações sobre a música e o artista. Por exemplo, nos anos 1950, a crítica à sociedade era indireta, sutil e não fazia qualquer menção de um ataque aos valores conservadores dominantes. Esta constatação, no entanto, pode ser equivocada porque muitos elementos de rebeldia eram encontrados fora das letras, nas apresentações e performance dos artistas.

O rock é fusão da música negra de resistência e protesto com influências europeias que ultrapassou as diferenças raciais e sociais. A história social do rock é marcada pela política conservadora da guerra fria, rigorosos códigos morais e sexuais.

Registra uma transmissão de mensagens, implícitas e explícitas, relatos, símbolos de rebeldia, mudança social e sentimentos. Talvez por isso, cada época possua aqueles artistas cujos movimentos e aparência no palco são, predominantemente, gestos de desafio. A mensagem alcança lugares que não estão, necessariamente, ligados à política e esta mensagem pode gerir mudanças e ir mais longe do que se pode supor.

Notas

2 Paul Friedlander é Professor na Universidade do Oregon de História do Rock e membro da Associação Internacional para o estudo da Música Popular. Foi diretor-assistente do Conservatório de Música da Universidade do Pacífico, na Califórnia.

3 FRIEDLANDER, Paul. Rock and Roll: Uma História Social. Tradução de A. Costa. 4º ed, RJ: Record, 2006. P.47

4 FRIEDLANDER, op. cit.p.241

5 Idem.p.376

6 dem.p.407

Referências

FRIEDLANDER, PAUL. Rock and Roll: Uma História Social. Tradução de A. Costa. 4 ed, Rio de Janeiro: Record, 2006. 485pp.

Aline Rochedo –

Mestre em História Social pela Universidade Federal Fluminense. Pesquisadora dos anos 1980, no âmbito da política, economia e sociedade, tendo o BRock e Culturas Juvenis como norteadores. Atua na área de Cultura, História e Comunicação, principalmente nos seguintes temas: Música brasileira, Rock, Juventudes, Identidade e Memória.

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