História e ensino. Teorias e metodologias / Antíteses / 2010

Para pensarmos qualquer questão relacionada ao ensino de história hoje em dia, é fundamental levar em conta o caminho traçado nos últimos vinte e cinco anos, pelo menos, em especial no Brasil. Pois consideramos que o processo que vivemos atualmente ainda é um desdobramento das primeiras discussões realizadas na década de 1980. Entendemos que as mesmas fundamentaram e também dão a diferença para aquilo que propomos atualmente, em especial quando pensamos a questão da possibilidade da produção do conhecimento na sala de aula.

Na década de 1980, autores como Marcos Silva e Dea Fenelon procuravam demarcar algumas questões extremamente importantes para se pensar a História como disciplina e, particularmente, a relação da academia com o ensino de História. Questões como a possibilidade de produção de conhecimento no então 1º e 2º graus, ganhavam grande destaque nas discussões daquele momento.

A partir das inovações das tendências historiográficas que despontavam naquele período e aliado à tentativa de se provar que a sala de aula era um lugar onde seria possível produzir conhecimento, foram muito comuns naqueles anos de 1980 os “relatos” de experiência de professores que utilizavam em suas práticas em sala de aula aquilo que se convencionou chamar de “novas linguagens” nas salas de aulas.

É expressivo deste momento dossiês de revistas sobre ensino de história ou seções dentro das revistas, destinadas a estes relatos. Deste período podemos destacar, entre outros, o livro Repensando a História, organizado por Marcos Silva .1

Neste livro, no clássico artigo “A vida e o cemitério dos vivos”, Marcos Silva fazia um alerta para o que ele chamava de paralisia crítica no trabalho em sala de aula e que seria utilizado como álibi para não se tentar nenhuma mudança em sala de aula. O decorrer do livro aponta para várias possibilidades de ações contra esta situação dentro daquilo que Heloisa de Faria Cruz entendia como ir para “além das margens”, pensando a possibilidade de construção de conhecimento em sala de aula. E mais do que isto, praticamente todo o livro questiona o entendimento da escola apenas como espaço de “reprodução de conhecimento”.

Da mesma forma, vários números da Revista Brasileira de História passaram também a dedicar a mesma atenção à fala dos professores inaugurando um espaço que se tornou comum durante alguma tempo.2

Tal preocupação se desdobrou, na década seguinte, em publicações e em dossiês da mesma Revista Brasileira de História, exclusivamente dedicados ao ensino de história, indicando que este tema estava, já naquele momento, se transformava em um lugar de investigação no campo da História.

Entretanto, grande parte destes relatos de experiência, em especial aqueles que tratavam da utilização de novas fontes documentais em aulas de história para o ensino de formação básica, ainda abordavam o seu uso na perspectiva da “novidade”. Ou seja, era uma tentativa de, primeiramente, provar que a sala de aula era também um lugar de produção do conhecimento e, igualmente, que o professor tinha condições de superar a utilização do livro didático como única fonte documental.

Em especial em relação ao uso das novas metodologias, a preocupação se direcionava na perspectiva de demonstrar familiaridade por parte do professor no domínio do conhecimento que essas fontes requeriam e os cuidados com o seu uso. Todavia, no que dizia respeito ao ensino de história e às preocupações com a aprendizagem, as discussões ainda “tateavam”, mas “tentavam” inovar.

Neste sentido, devemos dizer que já no final da década de 1990, as preocupações no campo do ensino de História começavam a se voltar para pensar a produção do conhecimento e o ensino de história focando o olhar em um sujeito fundamental deste processo: o aluno.

No final do século XX aparecem várias discussões no ensino de história a partir da linha de investigação denominada “educação histórica” que tem como intuito investigar as idéias que as crianças possuem sobre determinados conceitos em História.

Neste sentido, podemos perceber que essas preocupações se desdobram em outros trabalhos mais recentes que repensam a questão da produção do conhecimento em sala de aula. Estas pesquisas estão preocupadas essencialmente com a questão de como o aluno aprende conceitos em História. Estas observações podem ser constatadas através, por exemplo, de algumas dissertações de mestrado da Linha de Pesquisa História e Ensino do Programa de Mestrado em História Social da Universidade Estadual de Londrina.

Tais estudos podem atestar algumas questões levantadas em recente artigo de Flávia Caimi. Segundo a autora, atualmente, podemos dizer que os estudos atuais sobre os processos do pensar e do aprender, em suas diversas vertentes, acentuam o papel ativo dos sujeitos / alunos em seus percursos de aprendizagem. Da mesma forma, estes trabalhos apontam o protagonismo do professor na promoção de situações educativas que favoreçam o desenvolvimento de habilidades de pensamento, traduzidas na construção de competências cognitivas para o “aprender a aprender”. E que, ao mesmo tempo, para autora, possam educar os jovens com base nos valores contemporâneos 3.

E mais, para Caimi, as pesquisas nesta área sobre o fenômeno da aprendizagem, podem ser traduzidas em duas principais linhas de investigação: os estudos da cognição e educação histórica. As duas linhas de investigação teriam muitos pontos em comum e pelo menos duas diferenças. Para a autora, os estudos da cognição, embora se situem em zona fronteiriça entre a epistemologia da história e a psicologia cognitiva, tendem mais para a segunda, ao passo que a educação histórica dialoga mais estreitamente com os referenciais da epistemologia da história. E, ao investirem mais fortemente nos fundamentos da psicologia cognitiva, os estudos da cognição acabam por dar maior ênfase aos processos de construção do conhecimento em detrimento dos conteúdos da aprendizagem. A educação histórica, em contraposição, focaliza prioritariamente suas investigações nos produtos da aprendizagem escolar, buscando compreender as idéias substantivas dos estudantes sobre o conhecimento e a conceituação histórica.

Contudo, de acordo com Caimi, considerando-se o caráter ainda lacunar das pesquisas no campo da investigação histórica, em virtude de haver poucos pesquisadores debruçados sobre ele, podemos afirmar que as duas vertentes são fundamentais e se complementam: em especial na tarefa de explicitar os meandros do pensamento histórico das crianças e jovens que freqüentam a educação básica.

Concluindo, podemos dizer que atualmente está posto para os pesquisadores do ensino de história que é possível a produção do conhecimento em sala de aula, que existe, segundo Chervel, um saber histórico próprio, chamado por ele de saber escolar.

Diferentemente das décadas anteriores, a questão apontada agora é outra, como salientamos no início deste texto. Ela pode ser resumida em: como se dá este processo de produção de conhecimento e como os alunos podem apreender conceitos específicos do campo de história.

Assim, os artigos apresentados neste número da revista Antíteses, dedicada a pensar questões sobre o ensino de história a partir de pesquisas atuais, se apresentam na confluência dessas discussões, não só no Brasil. Esperamos que a leitura deste número permita contribuir para ampliar as reflexões desenvolvidas por todos que atuam na área do ensino de história.

Maria de Fátima da Cunha –  Coordenadora do Dossiê

Londrina, dezembro de 2010

Notas

1. No livro existia um tópico à parte intitulado “experiências” onde se destacam artigos de professores da rede pública, em sua maioria, narrando as suas experiências em sala de aula utilizando-se de materiais, abordagens e temas diferenciados. Cf. SILVA, Marcos (org.) Repensando a História. SP, ANPUH / Marco Zero: 1984, pp. 95-135.

2. Podemos citar outras publicações que se tornaram referência deste período: O ensino de História e a Criação do Fato de Jayme Pinsky, em 1988; O Ensino de história: revisão urgente de Conceição Cabrini, em 1986 e, já na década de 1990, o livro O saber Histórico na sala de aula organizado por Circe Bittencourt, em 1997, bem como o número 19 da Revista Brasileira de História “História em Quadro-Negro”, organizado por Marcos Silva, em 1990, e o número 25 / 26 da mesma revista que trazia o “Dossiê ensino de História”, em 1992

3. Cf. CAIMI, Flávia Eloísa. História escolar e memória coletiva: como se ensina? Como se aprende? IN: ROCHA, Helenice e outros (orgs.). A Escrita da História Escolar – memória e historiografia. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2009.

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