ontextualism, Externalism and Epis­temic Standards – WILLIAMS (E-CCH)

WILLIAMS, Michael. Contextualism, Externalism and Epis­temic Standards. Philosophical Studies, n. 103, 2001, p. 1-23. Resenha de: LATANSIO, Vanessa. Especiaria – Cadernos de Ciências Humanas, Ilhéus, v. 18, n. 32, p.233-238, jan./jun. 2018.

O artigo em apreciação neste trabalho, Contextualism, Exter­nalism and Epistemic Standards (“Contextualismo, externalismo e padrões epistêmicos”), de autoria de Michael Williams (1947-), foi publicado em 2001 pela Philosophical Studies, uma revista de referên­cia em filosofia analítica. Michael Williams é um filósofo britânico e professor na Universidade de Johns Hopkins, tem reconhecimento no cenário acadêmico pela relevância do seu trabalho em episte­mologia e desenvolve neste artigo uma objeção ao tratamento que o contextualismo de viés conversacional, que Williams vai chamar de contextualismo conversacional simples (SCC), expressa diante do problema do ceticismo. Nessa publicação, consta uma nota de que versões deste artigo foram dadas na conferência “Novas Dire­ções na Epistemologia”, realizada na Universidade de Tuebingen, em janeiro de 1999, e no Colóquio de Oberlin, de 1999. Williams agradece aos participantes dessas conferências por discussões que lhe foram estimulantes, mas especialmente Stewart Cohen, Fred Dretske, Thomas Grundmann, Hilary Kornblith, Bill Lycan, Karsten Stueber e o comentarista em Oberlin, Tim Williamson. Todos com trabalhos de referência no cenário da epistemologia contemporânea. Entretanto, neste artigo, Williams menciona Stewart Cohen, que esteve presente nessas conferências, Keith De Rose (1962) e David Lewis (1941), que se destacam em suas abordagens no cenário do contextualismo epistemológico de aspeto conversacional, a quem Williams direciona suas objeções neste artigo.

Cohen, segundo Williams, no seu artigo Knowledge, Context and Social Standards (1987)1, foi o primeiro a apresentar uma visão detalhada do SCC. E que, ainda que Cohen estivesse sugestionado pelas ideias de Lewis, encontradas no artigo Scorekeeping in a Lan­guage Game (1979)2, a sua versão do SCC difere deste. Para Cohen, o conhecimento está relacionado diretamente à justificação; enquanto que, para Lewis, as ideias contextualistas são mais bem discutidas sem supor qualquer conexão – entre o conhecimento e a justificação. De Rose, no artigo Solving the Skeptical Problem (1995),3 compartilha da versão de Lewis, apresentando uma abordagem complexa sobre o contextualismo não-justificacionista. Contudo, Williams dedicar-se-á em outro momento para uma análise mais detalhada da proposta de De Rose, assim como menciona que também discuta em outros artigos, em conexão com algumas das ideias de Robert Fogelin,4 a versão justificacionista, como a de Cohen. Apesar de Williams detetar as nuances entre as propostas do SCC, ou seja, apesar das diferenças entre as versões de Cohen, Lewis e De Rose, os problemas apontados e aos quais pretende expor neste artigo assombram, na sua análise, outros contextualistas externalistas. Assim, não trata-se de uma crítica direta a uma versão específica do SCC, mas antes, uma objeção mais geral, embora, a fim de restringir os limites da discussão, enfatize seus comentários a Lewis.

Assim como grande parte das discussões atuais em epistemolo­gia, a temática do artigo esta pressuposto no debate originado mais especificamente com o filósofo norte-americano Edmund L. Gettier (1927), quando da publicação do seu pequeno artigo Is Justified True Belief Knowledge?5 (“A crença verdadeira justificada é conhecimen­to?”) (1963), que marca uma reviravolta na epistemologia mais recente. Para Gettier, há três situações que a tradição impõe sobre as condições gerais para haver conhecimento. Neste artigo, Gettier expõe essas três condições e com dois contra-exemplos enfraquece a ideia da tradição. Mostra a insuficiência no sistema de justificação da tradição, predominantemente internalista – o fundacionismo e o coerentismo –, que teve como grande adversário o ceticismo. Em outras palavras, demonstra que as crenças verdadeiras justificadas não são suficientes para o conhecimento de uma dada proposição e, portanto, não suficientes nas formas de explicação dessas. Em resposta, decorrem novas perspetivas no tratamento epistemológico, sendo uma dessas o contextualismo externalista. Assim, do debate internalismo e externalismo, algumas correntes do contextualismo externalista se apresentam como alternativas para dar conta desta deficiência, quando não associam a justificação como essencial para o conhecimento, baseando-se na noção de confiabilidade. No artigo em questão, Williams discute, precisamente, a noção das correntes do contextualismo externalista, como apresentado em Lewis, com o intuito de mostrar como o ceticismo, se não o maior, um dos mais incômodos problemas para a epistemologia, não é tão fácil de refutar como acreditam conseguir, uma vez que o argumento de Gettier impõe uma variedade de ceticismo. Ou seja, quando adota-se esta estratégia, a introdução de uma quarta cláusula ao argumento de Gettier, assumimos duas maneiras de negar que o conhecimento seja possível: a primeira a de que ainda que muitas das nossas crenças tenham um status epistêmico positivo, não são de status suficientemente alto para um conhecimento propriamente dito e, assim, o cético permite que atendamos às três primeiras condições, ao nível da justificação no estilo de Agripa, mas não à possibilidade da quarta cláusula na qual a proposta externalista se fixa e, uma segunda maneira, rejeitar até mesmo a capacidade de subir o nível para justificar a crença. Na primeira, é o que Williams quer dizer com ceticismo específico do conhecimento e que aproxima-se no cenário atual ao falibilismo; enquanto que, na segunda, é o ceticismo radical a um nível de justificação de estilo cartesiana, ou seja, que apela ao aspecto da perceção. É nesta última que, segundo Williams, Lewis acredita ter demonstrado a fraqueza dos argumentos céticos. Williams quer objetar que Lewis não consegue lidar com formas profundas de ceticismo e que, portanto, o SCC é um contextualismo superficial que sequer é direcionado ao problema certo.

Para entender o que está em causa no SCC, Williams considera a seguinte situação: um comboio tem partida às 14h, mas, ocasionalmente, em dias em que acontecem reparos na pista, pode ter atraso ou mesmo não ter saída. Sugere, então, que ele (p1) e outro passageiro (p2) estão a espera do comboio e p1 pergunta a p2 se ele tem certeza de que o comboio partirá às 14h. P1 diz que sim. Entretanto, p2 diz que precisa muito desta informação, com precisão, porque tem um compromisso muito importante no destino e não pode perder. P1, diante desta informação, parece não ter tanta certeza já que, ocasionalmente, pode haver reparos na pista e não confirmou se era o caso neste dia. De repente, as coisas não parecem assim tão claras. Ou seja, quando p1 diz que precisa da certeza de que o comboio partirá às 14h, aumenta o padrão de atribuição do conhecimento: p2 passa a não estar tão certo assim. Em outras palavras, o que está em causa no SCC é que uma determinada sentença, como por exemplo ‘p1 sabe que o trem partirá às 14h (Q) nesta situação’ (em t)’ pode ser verdadeira e falsa num mesmo contexto de conversa, como no exemplo acima, para o mesmo sujeito S na mesma proposição e no mesmo tempo. Assim, p1 afirma ser verdadeiro que o trem partirá às 14h, entretanto, aumentado os padrões de atribuição ao conhecimento, já não está tão certo. Ou seja, há uma possibilidade de que seja falso. Para Lewis, quando o p1 aumenta o padrão epistêmico, altera o contexto. Williams coloca em causa se apenas com o revogador (p1), num contexto devido aos padrões regularem-se em conversas, sejam implícitas ou explícitas e seguindo apenas um princípio, ou seja, elevação e/ou redução de padrões, constitui, de fato, uma alteração de contexto e que, a partir disso, consegue-se demonstrar como as hipóteses céticas são remotas. Ou então, mostrar que o fazer epistemologia é que faz com que hipóteses céticas pareçam relevantes.

No SCC de Lewis, as atribuições de conhecimento estão muito próximas da maneira como procedemos no quotidiano, ou seja, o conhecimento de uma pessoa pode mudar dependendo do contexto conversacional e da situação ou posição epistêmica que se encontre. Não temos problemas em conviver com isto. Somos todos falibilistas hoje em dia, diz Williams. Contudo, Lewis dispensa o falibilismo, quando afirma que ‘se você alega que S sabe que P e ainda concede que S não pode eliminar certas possibilidades em que não-P, isso certamente parece que você não concedeu, no fim das contas, que S não sabe que P’. Com esta afirmação, Lewis parece mostrar que falar em conhecimento falível é contraintuitivo e contraditório. A abordagem de Lewis parte do pressuposto de que a justificação varia conforme o contexto e que a infalibilidade não leva necessariamente ao ceticismo. Propõe que ‘Um sujeito S sabe uma proposição P se e somente se P se mantém em todas as possibilidades que resultam não eliminadas pela evidência de S; equivalentemente, se e somente se a evidência de S elimina todas as possibilidades em que não-P’. Para garantir esta pressuposição, introduz uma nova cláusula a sua definição de conhecimento que chamou de sotto voce (em voz baixa) e que diz que ‘S sabe que P se e somente se a evidência de S elimina todas as possibilidades em que não-P – Psst! – exceto para aquelas possibilidades que estamos apropriadamente ignorando’.

Sendo assim, Lewis estabelece seis regras para determinar quais possibilidades podem ou não ser ignoradas e se uma dada possibi­lidade é ou não relevante. As três primeiras regras são proibitivas: Atualidade, Crença e Semelhança. E as outras três são permissivas: Con­fiabilidade, Método e Conservadorismo. Ainda tem uma outra condição que Lewis não considera bem como uma regra, diz que é trivial, que é a Regra de Atenção. Ao contrário de Lewis, Williams não vê nada de trivial nesta condição, pelo contrário. Dentro desta estrutura, as hipóteses céticas para Lewis representam possibilidades que pode­rão ou não ser ignoradas. É neste aspecto das regras que Williams objeta contra Lewis. Na análise de Williams, o conhecimento para Lewis está vinculado à eliminação das possibilidades de erro por meio de ‘evidências’ e que tanto a ‘evidência’ quanto a ‘eliminação’ são de caráter totalmente externalista, acredita Lewis. Williams não discorda, contudo, sinaliza que as regras de pressuposição intro­duzem uma dimensão justificativa de que Lewis não se apercebeu e que parece crucial para sustentar seu posicionamento acerca do conhecimento ser alusivo. Lewis esquece o caráter normativo de suas regras. O fato psicológico de perceber uma possibilidade não resolve a questão normativa de saber se ela merece ser notada. Para Williams, a dificuldade de Lewis é a falta de clareza na dimensão normativo-justificativa de sua explicação do conhecimento. Com a Regra de Semelhança, por meio da noção de ‘saliência’, elimina mais uma vez a distinção entre o psicológico e o normativo.

Por fim, Williams conclui que o contextualismo de Lewis, ou melhor, o SCC de maneira geral, apresenta limitações diagnósticas para tratar das variedades de ceticismo. Ou seja, no SCC, as pos­sibilidades de erro tornam-se relevantes simplesmente por serem atendidas, mas, voltando ao contexto não falado, deixam de ser relevantes e, portanto, permitem que o conhecimento desapareça e apareça exatamente da mesma maneira. Entretanto, na análise de Williams, o ceticismo radical ameaçado pelas Regras de Semelhança e Realidade não tem nada a ver com fatores de conversação, pois surge da semelhança entre nossa situação epistêmica no mundo atual e nossa situação epistêmica em mundos envolvendo um engano maciço, por exemplo. É precisamente esta semelhança fundamental, e não os caprichos da conversa ou da atenção, que coloca o proble­ma, segundo Williams. Como resultado é que nenhuma versão de contextualismo que limita a sua concepção de mudança de contexto para considerações conversacionais será capaz de lidar com isso.

Notas

1 COHEN, S. (1986). Knowledge and Context. The Journal of Philosophy 83(10): 574- 83. COHEN, S. (1987). Knowledge, Context, and Social Standards. Synthese 73(1): 3-26.

2 LEWIS, D. (1979). Scorekeeping in a Language Game. Journal of Philosophical Logic 8(1): 339-59.

3 DeROSE, Keith. (1995). Solving the Skeptical Problem. The Philosophical Review. Vol. 104, No. 1, p. 1-52.

4 FOLEGIN, Robert. Pyrrhonian Reflections on Knowledge and Justification. Oxford: Oxford University Press, 1994.

5 GETTIER; Edmund L. Is Justified True Belief Knowledge? Analysis, Vol. 23, No. 6. (Jun., 1963), p. 121-123.

WILLIAMS, Michael. Contextualism, Externalism and Epis­temic Standards. Philosophical Studies, n. 103, 2001, p. 1-23. Resenha de: LATANSIO, Vanessa. Especiaria – Cadernos de Ciências Humanas, Ilhéus, v. 18, n. 32, p.233-238, jan./jun. 2018.

Vanessa Duron Latansio – Professora do Departamento de Filosofia e Ciências Humanas – UESC  Doutoranda do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas  da Universidade Nova de Lisboa.  E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[IF]