Viver o patrimônio  | Memória em Rede | 2019

Ao refletir sobre acrescente difusão e saturação de discursos da memória em nossa contemporaneidade, a historiadora Régine Robin (2016) questionou se haveria, de fato, alguma sociedade que estivesse “em paz” com o seu próprio passado, ou melhor, com os seus múltiplos e conflitantes passados. Para ela, uma dúvida paira no ar: “Onde encontrar uma sociedade que, consciente ou inconscientemente, não manipule, falsifique, reoriente, reconfigure seu passado, não oculte alguns de seus períodos?” (ROBIN, 2016, p. 169). O passado é, afinal, algo que nos toca de algum modo, pois nos comove e nos inspira a agir no presente. É, também, algo que desejamos tocar em seu lado de cá, em nosso presente, ao investir esforços para que os seus significados não se esvaneçam em silêncio ou em esquecimento e para que nunca se dê por encerrado o desafio de interpretá-lo e reinterpretá-lo. Se o passado é irreversível, pois é tempo que flui e nunca retrocede, suas interpretações são infindáveis, permanentemente abertas às possibilidades de um novo devir. O passado, por intermédio de seus vestígios que ainda perduram no seio de uma sociedade, é um recurso disputado em lutas contemporâneas, dentre as quais, lutas por um outro modo de viver o presente e de direcionar caminhos alternativos rumo ao futuro. Para além do fato bruto, lapidações do passado se dão em meio a concorrências memoriais e historiográficas, concorrências entremeadas por reivindicações individuais e coletivas pelos direitos de estabelecer laços de identificação e pertencimento e de exigir reconhecimento público das diferenças. Logo, ainda que se busque apaziguá-lo, o passado que nos toca e que tocamos, passado que se imiscui à vida, é um tempo agonístico. Leia Mais