O Colégio Pedro II e seu impacto na constituição do Magistério Público Secundário no Brasil (1837-1945) / Revista Brasileira de História da Educação / 2015

O conjunto de textos que compõem este dossiê se refere à pesquisa desenvolvida pelo grupo História da Profissão Docente, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC-Rio – mas que envolve pesquisadores de outras instituições universitárias -, intitulada O Colégio Pedro II e seu impacto na constituição do magistério público secundário no Brasil, financiada pelo CNPq e pela Faperj [*]. A pesquisa propõe-se a estudar o processo de constituição de uma identidade profissional específica por parte desse segmento da categoria docente, o magistério público secundário, a partir de um recorte institucional. Toma como objeto de estudo o Colégio Pedro II, com um largo espectro temporal (1837- 1945), buscando entender como, ao longo desse período, foi se configurando o seu quadro docente, considerando-se o lugar que a instituição ocupa no processo de institucionalização do ensino secundário no Brasil e o seu caráter modelar. O marco inicial da pesquisa é a criação do colégio, em 1837, com a qual a própria denominação de ensino secundário passa a ter curso legal entre nós. O marco final, 1945, foi estabelecido em função do término do período do Estado Novo, ao longo do qual foi gestada uma política de centralização do controle do ensino secundário nas mãos do governo federal, por meio do Ministério da Educação e Saúde Públicas, que se consubstanciou na Lei Orgânica do Ensino Secundário de 1942, e sob cujo impacto, a nosso ver, o colégio encerra uma espécie de ciclo e perde o seu caráter de colégio padrão.

A referida pesquisa possui uma equipe grande de pesquisadores, de cerca de 15 integrantes, entre professores da PUC-Rio e de outras instituições (UFF, UFOPE, UESA), pós-graduandos da PUC-Rio, bolsistas de iniciação científica e voluntários, o que nos permitiu rastrear vários arquivos da cidade do Rio de Janeiro, entre os quais o Núcleo de Documentação e Memória do Colégio Pedro II (Nudom), o Arquivo Nacional, o Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, a Biblioteca Nacional, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), além de outras fontes disponíveis na internet.

A pesquisa se desenvolve com uma pesquisa-mãe, que é assumida pelo grupo como um todo, e com alguns subprojetos vinculados. A pesquisa-mãe vem se debruçando, particularmente, sobre o período imperial.

Dos subprojetos vinculados, já resultaram a dissertação de Mestrado de Gilberto Vieira Garcia (2014), orientada pela professora Patrícia Coelho, que estudou a trajetória profissional dos dois primeiros professores de música do colégio, nos seus anos iniciais de funcionamento, e uma tese de Doutorado, de Jefferson Soares (2014), orientada por mim, que se debruçou sobre o quadro docente do colégio, entre os anos de 1925 e 1945, período marcado por três reformas (Rocha Vaz, em 1925, Francisco Campos, em 1932, e Gustavo Capanema, em 1942), que consolidaram o processo de institucionalização do ensino secundário brasileiro. Foi, em particular, a tese de Jefferson que nos permitiu estabelecer, com clareza, o marco final da pesquisa.

Há um terceiro subprojeto vinculado à pesquisa, que se configurou inicialmente como um projeto de Pós-Doutorado, financiado por uma bolsa PNPD / Capes, ainda em fase de conclusão, que vem se debruçando sobre o período ao longo do qual o colégio funcionou sob a denominação de Ginásio Nacional (1890-1911), e que está sendo desenvolvido por André Freixo, atualmente professor do departamento de história da UFOP. Por fim, outra integrante do grupo, professora da UFF, Flávia Soares, fez a sua tese de Doutorado sobre os professores de matemática do colégio, durante o período imperial. Por meio dessa estratégia, conseguimos estabelecer para a pesquisa um recorte temporal de longa duração, sem nenhuma pretensão de esgotar a análise do período, fugindo também de uma visão de linearidade do processo.

Dois sociólogos franceses têm sido os nossos principais interlocutores: François Dubet e Claude Dubar. Com relação a Dubet, a nossa referência central é a análise que este desenvolve sobre a profissão docente, em seu livro Le Declin de l’Institution (DUBET, 2002). Dubet situa essa profissão entre aquelas que se remetem ao ‘trabalho sobre o outro’, ou seja, “[…] atividades assalariadas, profissionais e reconhecidas que visam explicitamente a transformar o outro, ou, conjunto das atividades profissionais que participam da socialização dos indivíduos” (DUBET, 2002, p. 9, tradução nossa).

Partindo do pressuposto de que o ‘trabalho sobre o outro’, nas suas origens, foi concebido como um ‘programa institucional’, que designa particularmente um modo de socialização ou um ‘tipo de relação com o outro’, esse autor estabelece distinções entre a forma como se configuraram o trabalho do professor primário e o do professor secundário. Chama a atenção, igualmente, para o fato de que mudanças nesse ‘programa institucional’ repercutem na percepção que os professores possuem do seu trabalho docente e, consequentemente, da sua própria identidade profissional.

Quanto à interlocução com Dubar, esta se desenvolve em torno à sua percepção do processo de profissionalização como um processo de socialização que se desenvolve ao longo de toda a vida do sujeito (DUBAR, 1997). Desse ponto de vista, a identidade profissional do professor se configuraria como o resultado, sempre instável e provisório, da mediação de múltiplas interferências: as relacionadas ao controle estatal e as que emanam da cultura institucional em que aquele se encontra inserido, interagindo ambas com as identidades visadas pelo próprio sujeito. Particularmente importante, no caso, é a categoria, proposta por Dubar, de ‘estratégias identitárias’, que podem ser externas e internas à instituição e que buscamos identificar no caso dos nossos sujeitos.

Para esse autor, igualmente, a identidade profissional possui, também, uma ‘dimensão geracional’, devendo-se, portanto, atentar para as características das ‘gerações de professores’, pois elas constituem uma referência importante em termos da historicidade desse processo identitário.

Os textos incluídos neste dossiê se remetem a distintos momentos da história da instituição objeto do nosso estudo e têm recortes bastante diferenciados. Os três primeiros textos se remetem ao período imperial e os dois outros se debruçam sobre o período republicano a partir de óticas distintas.

O primeiro texto, de Luciana Borges, Ivone G. Lopes e Regina Lucia F. Cravo, intitulado Verdadeiras Glórias Nacionais: a memória acerca das primeiras gerações de professores do Colégio de Pedro II através das páginas da Revista da Semana, aborda a memória construída sobre os professores do Colégio de Pedro II, do período imperial, chamando a atenção para o seu caráter ‘monumental’, por meio da análise dos artigos publicados na Revista da Semana, entre os anos 1928 e 1941, ao longo dos quais se comemora o centenário do colégio.

O segundo texto, de Ana Waleska Mendonça, Fernando dos S. Silva e Paloma de O Rezende, A Classe de Repetidores do Colégio de Pedro II: um degrau na carreira docente ou uma estratégia de formação?, debruçase sobre uma peculiar categoria docente, criada no colégio em 1855, a ‘classe dos repetidores’, que não só passou a constituir um degrau na carreira docente interna ao colégio, como também, e talvez principalmente, apresentava-se como uma estratégia de formação docente.

O terceiro texto, de Gilberto Vieira Garcia, com o sugestivo título: Lições e Mestres de Música no Colégio Pedro II (1838-1858): contrapontos à memória da educação musical no Brasil, estuda em particular a trajetória dos dois primeiros professores de música do colégio, chamando a atenção para o lugar da educação musical no seu ‘projeto institucional’ e, a partir daí, discutindo a memória construída sobre a história da educação musical no Brasil.

O quarto texto, de André Freixo e Patrícia Coelho, O ensino renovado de História pelo catedrático do Colégio Pedro II Jonathas Serrano, já se aplica ao período republicano e analisa a proposta de renovação do ensino de história, implementada no colégio (uma ‘renovação conservadora’), no início da década de 1930, por Jonathas Serrano, à época catedrático da disciplina e ex-aluno do Ginásio Nacional, ‘nascido e criado’ no colégio.

O quinto e último texto, de Jefferson da Costa Soares, Os Professores do Colégio Pedro II: categorias, trajetórias e aspectos identitários (1925-1945), estuda os professores que lecionaram no colégio, entre 1925 e 1945, buscando identificar as várias categorias docentes existentes, ao longo desse período, as trajetórias de alguns desses professores e alguns aspectos da identidade dos mesmos enquanto professores do Colégio Pedro II, em um momento crítico da história do magistério secundário no Brasil.

Nota

* O projeto se vincula a um amplo programa de pesquisa de caráter interinstitucional que se intitula A construção da identidade do professor do ensino secundário, normal e profissional: uma abordagem comparativa, que envolve pesquisadores de várias instituições universitárias do Rio de Janeiro e que recebeu o apoio da Faperj.

Referências

DUBAR, C. A Socialização: construção das identidades sociais e profissionais. Porto: Porto Ed., 1997.

DUBET, F. Le Declin de l’Institution. Paris: Seuil, 2002.

GARCIA, G. V. Tão sublime quanto encantadora arte: o ensino de música no Imperial Collegio de Pedro II (1838-1858). 2014. 288 f. Dissertação (Mestrado em Educação)-Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.

SOARES, J. C. Dos professores ‘estranhos’ aos catedráticos: aspectos da construção da identidade profissional docente no Colégio Pedro II (1925- 1945). 2014. 100 f. Tese (Doutorado em Educação)-Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.

Ana Waleska Pollo Campos Mendonça – Doutora em educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUCRio), Professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e pesquisadora do CNPq. E-mail: [email protected]


MENDONÇA, Ana Waleska Pollo Campos. Apresentação. Revista Brasileira de História da Educação. Maringá, v. 15, n. 3, set. / dez., 2015. Acessar publicação original [DR]

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