Patrimônio Histórico e Cultural / Locus – Revista de História / 2010

O presente número da Revista Locus apresenta um dossiê sobre o patrimônio cultural e a sua preservação, tema extremamente caro à nossa época, na qual situações que vão se consolidando historicamente, como aquelas referentes à globalização e ao desenvolvimento econômico, encontram-se cada vez mais interpeladas por novas situações a elas impostas pelas redes sociais e por questões / movimentos referentes às identidades / diversidades, à democracia participativa e, mesmo, à sustentabilidade, redimensionada a partir dessas outras questões explicitadas.

A importância do citado tema pode ser exemplificada pelo intenso afluxo de contribuições que chegaram à revista, que antecipam a necessidade / possibilidade de estendermos o mesmo tema por outro(s) número(s) da publicação. Dentre os artigos enviados, optamos por escolher, primeiramente, aqueles que traziam novas abordagens sobre uma dimensão mais usual deste patrimônio cultural: a edificada, vista aqui em sua abrangência urbana.

O dossiê é iniciado com o denso e instigante artigo do arquiteto espanhol Joaquin Ibáñez Montoya, professor da Escuela Técnica Superior de Arquitectura da Universidad Politécnica de Madrid que, desde 1979, exerce o cargo de “arquiteto-conservador” da Catedral de Cuenca, Patrimônio Cultural da Humanidade. Em seu texto, Montoya demonstra a complexidade necessária na preservação deste importante monumento, preservação na qual se torna fundamental o diálogo entre “Matéria, Memória e Método” e onde outros dois conceitos assumem papel fundamental: História e Paisagem. História da própria constituição / construção do monumento em si, como também das diversas intervenções pelas quais passou; “paisagem memorável” urbana e cultural, por sua vez, cuja construção histórica tem, no citado monumento, o seu eixo gerador.

O artigo seguinte, de Eugenia Maria Azevedo Salomão, nos dá um painel informativo e crítico sobre as políticas de preservação instituídas no México desde os fins do século XIX e, mais especificamente, aquelas do centro histórico de Morelia – que, desde 1991, foi designado como Patrimônio Mundial pela UNESCO – problematizando as ações públicas voltadas para uma usual solução de sustentabilidade econômica com a necessária participação popular.

O próximo texto, de Flávio de Lemos Carsalade, aponta a importância dos centros históricos urbanos – entendidos aqui em sua integralidade física, social e simbólica – como fundamentais naquilo que o autor denomina “mudanças de paradigma” do planejamento urbano que vem acontecendo nas últimas décadas, citando, como exemplo dessas mudanças, o caso de Belo Horizonte.

Leonardo Barci Castriota e equipe apresentam, inicialmente, uma contextualização histórica e teórica da noção de conservação integrada, enfocando aquilo que ela traz de contribuição para a preservação do patrimônio urbano ao associá-la efetivamente ao planejamento territorial e ao desenvolvimento econômico e social. A seguir, demonstram a sua aplicabilidade nas políticas públicas em solo brasileiro, consolidada com o Programa Monumenta e com o seu sucessor, o PAC Cidades Históricas, concentrando-se na elaboração deste último no município mineiro de Sabará.

Depois de nos determos especificamente em questões referentes à preservação do patrimônio cultural urbano, vamos com Célia Borges tentar entender como se dá a própria formação de boa parte daquilo que hoje é reconhecido como patrimônio cultural religioso brasileiro, a partir da identificação dos espaços e das construções dos lugares sacros no período colonial, lugares estes nascidos da própria necessidade de manutenção de uma identidade religiosa por parte dos colonizadores e que vão servir, inclusive, de eixos geradores dos próprios espaços urbanos.

Concluindo o dossiê, Ana Maria Mauad nos leva ao norte do Brasil, discorrendo, a partir da produção fotográfica daquela região, sobre a importância da própria identificação e preservação deste patrimônio fotográfico como “suporte da memória” fundamental para o próprio entendimento da dinâmica histórica e social da região.

A revista é complementada por dois artigos e duas resenhas. O primeiro destes artigos, de Marcos Lobato Martins, embora não pertencente ao citado dossiê, de alguma forma o tangencia, pois ao discorrer sobre “o comércio de abastecimento na cidade de Diamantina”, apresenta como eixo de sua análise a história do Mercado Municipal daquela cidade, edifício que, como o próprio autor destaca, é um dos seus principais monumentos.

O artigo de Flávio H. Dias Saldanha, por sua vez, trata do Apresentação recrutamento militar para a Guerra do Paraguai, enfocando com prioridade a província de Minas Gerais, o que assegura originalidade ao texto, principalmente ao tratar do papel da Guarda Nacional no processo, temas sobre os quais a historiografia pouco visita.

Completam a revista duas resenhas, uma escrita por Diogo da Silva Roiz, que trata da construção de identidades elaboradas pelos gregos da Antiguidade, no livro de François Hartog, “Memória de Ulisses”. E a segunda por Vantuil Pereira, que discute a obra E o Vale era o escravo, de Ricardo Salles, que analisa a ordem escravista na região de Vassouras (RJ) no contexto do Império.

Não poderia concluir a apresentação sem agradecer o enorme empenho da editora-chefe desta publicação, a professora Cláudia Viscardi, que com o seu esforço cotidiano contribuiu decisivamente para a feliz conclusão do presente número.

Marcos Olender – Professor Adjunto do PPGHIS da Universidade Federal de Juiz de Fora. Doutor em Arquitetura e Urbanismo pela UFBA. E-mail: [email protected]


OLENDER, Marcos. Editorial. Locus – Revista de História. Juiz de Fora, v.16, n.2, 2010. Acessar publicação original [DR]

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