Pós-abolição: sociabilidades, relações de trabalho e estratégias de mobilidade social / Ágora / 2020

O interesse dos historiadores (as) brasileiros (as) pelo pós-abolição tem crescido de forma significativa nas últimas décadas, o que trouxe à luz aspectos importantes da participação dos próprios escravizados e de seus descendentes no processo de emancipação, bem como sua atuação individual e coletiva após o 13 de maio nas mais diversas regiões do país. No Espírito Santo, berço da Revista Ágora, os estudos sobre o pós-abolição têm ganhado fôlego recentemente na esteira da renovação historiográfica sobre a escravidão observada nas duas últimas décadas. O acesso a documentos inéditos pelos pesquisadores como registros civis, eclesiásticos e outros, possibilitaram a escrita de teses e dissertações na área e o diálogo com a produção nacional. Tais trabalhos foram, em sua maioria, realizados por historiadores que compõem o Laboratório de História, Poder e Linguagens, da Universidade Federal do Espírito Santo, coordenado pela Dra. Adriana Pereira Campos. Algumas dessas pesquisas estão reunidas no dossiê Pós-abolição: sociabilidades, relações de trabalho e estratégias de mobilidade social que temos a honra de apresentar.

O atual número da Revista Ágora conta com nove artigos e uma resenha, sendo cinco trabalhos baseados em pesquisas desenvolvidas em vários locais do Espírito Santo, abarcando desde a capital até áreas do interior. Os anos finais da escravidão na antiga província e os embates do período posterior à abolição são abordados nessas pesquisas que dialogam com a historiografia produzida nacionalmente.

Dentre os artigos que contemplam o Espírito Santo, está o de Michel Dal Col Costa, que busca uma conexão entre um dos eventos relacionados à resistência dos escravizados mais conhecidos localmente, a Insurreição do Queimado (1849), e um conjunto de festas e folguedos populares cuja origem remonta ao período da escravidão e segue vivo como importante componente da cultura da região central do estado.

Rafaela Lago, por sua vez, analisou as relações sociais dos libertos no imediato pós abolição (1889-1910) na cidade de Vitória, utilizando-se de registros de nascimento, de batismos e jornais locais. A pesquisadora identificou tanto a permanência quanto a chegada de egressos do cativeiro na região. Ao invés de indivíduos apáticos e desprovidos de aptidão para o trabalho livre, o leitor se depara no artigo com pessoas que no dia a dia e durante suas atividades enfrentavam dura realidade e que muitas vezes foram marginalizados e excluídos da cidadania civil.

Outro estudo sobre a região de Vitória foi realizado por Juliana Almeida. Trata-se de uma análise das relações socioculturais entre a capoeira e o candomblé. A pesquisadora observou movimentos distintos, ou seja, certo distanciamento da capoeira Contemporânea capixaba com os elementos do Candomblé e aproximações deste com o grupo de capoeira Angola, que reafirmou tradições inventadas e reforçou a identidade africana com esse estilo de capoeira.

O trabalho de Laryssa Machado desloca o nosso olhar para o sul do Espírito Santo, onde procura identificar e analisar as famílias construídas pelos escravizados em Itapemirim nas últimas décadas antes da abolição (1872-1888). Além de discutir a importância da família para os próprios escravizados e para o sistema escravista, a historiadora aborda a persistência do tráfico de almas após a Lei Eusébio de Queirós naquela região, ajudando-nos a compreender o valor da escravidão para aquela sociedade.

Ainda no sul da província, temos o artigo de Geisa Ribeiro sobre os dois principais jornais publicados em Cachoeiro de Itapemirim, o mais importante município cafeeiro do Espírito Santo nas últimas décadas do século XIX, sobre o “glorioso ato de 13 de maio de 1888”. Por meio da análise de conteúdo, a autora investiga como o jornal conservador e o jornal de tendência republicana se posicionaram diante da abolição e, principalmente, como suas narrativas foram construídas entre o efêmero momento de comemoração e a proclamação da República.

É importante reconhecer que o destaque às pesquisas locais, que consideramos fundamentais para ajudar a compreender o país em sua diversidade, não diminui a necessidade do diálogo com pesquisadores de outras regiões, o que contribui para dimensionar a presença dos pesquisadores e pesquisadoras da Bahia, São Paulo e Minas Gerais que colaboraram com este dossiê.

Com o objetivo de abordar a perspectiva dos descendentes de escravizados sobre as experiências de seus ancestrais na época da escravidão e após a abolição formal, Carolina Pereira aplicou a metodologia da História Oral em seu trabalho sobre as famílias quilombolas do Piemonte da Chapada Diamantina, Bahia. Por meio das entrevistas realizadas com netos e bisnetos de escravizados, a autora pode acessar uma memória sobre a escravidão silenciada e, assim, perceber interpretações valiosas sobre diversos aspectos da vida dos escravizados e seus descendentes durante e após o 13 de maio.

Lucas Ribeiro trouxe informações sobre a primeira associação civil negra do Brasil, a Sociedade Protetora dos Desvalidos, na cidade de Salvador. O pesquisador identificou a associação enquanto um espaço importante de negociação entre lideranças de cor e políticos baianos durante a segunda metade do século XIX. Investigou como trabalhadores negociaram e disputaram um projeto político para os homens de cor, com a intenção de alcançar direitos básicos enquanto cidadãos, como educação, dignidade, assistência mútua, participação política e pertencimento racial.

Jucimar dos Santos, Fabiano de Silva e Silvado Santos discutiram em artigo a atuação de professoras e professores na “instrução popular” entre o final do século XIX e início do século XX, na Bahia. Os pesquisadores identificaram a atuação dos docentes em diferentes espaços para além da sala de aula, como na redação de jornais, em Conferências Pedagógicas, na Assembleia legislativa da Bahia, em associações sociais e na escola para formação de professores, a Escola Normal da Bahia.

Mateus Castilho utilizou Ações de Tutelas e manuscritos processados na esfera do Juízo de Órfãos para compreender a esfera do trabalho na sociedade de Pindamonhangaba (Vale do Paraíba Paulista), no período do pós-abolição. Os dados revelaram famílias negras sendo separadas e fugas empenhadas por menores tutelados na companhia de seus tutores.

Ao todo, portanto, apresentamos nove artigos e uma resenha da obra organizada por Joseli Mendonça, Luana Teixeira e Beatriz Mamigonian, “Pós-Abolição no Sul do Brasil: associativismo e trajetórias negras”, contribuição especial do professor Carlos Eduardo Coutinho da Costa (UFRRJ).

À título de encerramento desta breve introdução que não pretende tomar muito tempo do leitor e da leitora, gostaríamos de dizer que nosso objetivo com este dossiê é oferecer uma oportunidade de reflexão sobre a temática do pós-abolição que, embora tenha recebido atenção crescente nos últimos anos, mantém-se um campo fértil para novas pesquisas.

Boa leitura!

Geisa Lourenço Ribeiro – Professora do Instituto Federal do Espírito Santo (campus Viana). Doutoranda do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal do Espírito Santo sob orientação da professora Dr.ª Adriana Pereira Campos. Pesquisadora do Laboratório de História, Poder e Linguagens da Universidade Federal do Espírito Santo. E-mail: [email protected]

Rafaela Domingos Lago – Doutora em História (UFES). Professora da Faculdade Novo Milênio. Pesquisadora do Laboratório de História, Poder e Linguagens da Universidade Federal do Espírito Santo. E-mail: [email protected]

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