Saber e saber-fazer História

O que sabe e o que sabe fazer um profissional de História é questão controversa e, portanto, aberta. Segue uma descrição convergente (embora não consensual). Um profissional da história é identificado por um saber fazer e, necessariamente, por um saber.

Saber História é declarar de modo válido e evidenciado a estrutura e a função da ciência da História, ou seja, é declarar de modo válido e evidenciado “o que ele é capaz de fazer” ou sobre “o que ele é responsável por fazer” (deixarei em aberto, por ora, a perspectiva epistemológica).

Quanto ao saber-fazer história, o significado é menos controverso. Saber-fazer história é uma expressão de síntese para a demonstração de domínio de um conjunto de habilidades, conhecimentos, valores e atitudes mobilizadas nas atividades de investigar, expressar por escrito o resultado da investigação e comunicar esse resultado nas mais variadas linguagens, cumprindo funções sociais as mais diversas, a exemplo de ensinar História escolar, formar professores e produzir relatos sobre o passado para atividades lúdicas.[i]

Para cada uma dessas atividades/funções, as corporações de História exigem dos seus afiliados conjuntos de habilidades, conhecimentos e valores postos em ação em situações problemas.

Para a “pesquisa”, exige-se o domínio de passos canônicos de método: problematizar a realidade, formular hipóteses, assenhorar-se da produção dos pares, buscar fontes, interpretar (ler e criticar) fontes, extrair evidências, oferecer repostas às questões a partir de argumentos completos, narrar, comunicar os resultados em forma de trabalhos acadêmicos.

Para o ensino e a extensão, exige-se problematizar a realidade escolar, formular hipóteses, assenhorar-se da produção dos pares, buscar fontes, interpretar (ler e criticar) fontes, traduzir fontes, planejar e executar ações de ensino-aprendizagem, avaliar desempenho dos alunos, planejar e executar ações de divulgação da pesquisa histórica, planejar e executar ações de assessoramento a projetos que demandem conhecimento histórico especializado em diferentes âmbitos da experiência social, desde os produtos de entretenimento até o trabalho com saúde pública. (Oliveira; Freitas, 2022, p.xx-xx).

A lista acima agrupa saber-fazer pesquisa, saber-fazer ensino e saber-fazer extensão. Para cada uma dessas macro-atividades/funções, um “saber que” é exigido, ou seja, conhecimentos proposicionais são necessários. Esses conhecimentos são adquiridos mediante formação especializada, em nível superior, e envolvem a apresentação e o desenvolvimento de todas as habilidades citadas acima.

Essas macro-atividades espelham, em grande parte, os currículos de Graduação em História. Observem que, no senso comum, as matérias (não questionaremos aqui) da formação inicial são classificadas como: saberes teóricos da prática da pesquisa; saberes-fazeres da pesquisa; saberes teóricos do ensino/ saberes-fazeres do ensino.

Nas últimas duas décadas, sobretudo por causa das mudanças impostas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação nacional (LDB), esse currículo vem sendo tipificado como excessivamente teórico, razão pela qual foi estendida a carga horária relativa ao saber-fazer do ensino (as práticas).

Em termos de saber-fazer da pesquisa, a reclamação dos alunos é menor porque a própria universidade supre parte da demanda com os cursos de pós-graduação. Se o aluno não domina rudimentares habilidades de investigação e escrita na graduação, pode desenvolvê-las durante o mestrado.

O que não percebemos, talvez, é que essas habilidades de pesquisa e escrita (esse saber-fazer profissional da História) vem sendo transferido ao trabalho das máquinas e, evidentemente, abrindo espaço a outros saberes-fazeres de cunho e saberes de cunho intelectual.

[i] No interior da universidade pública e gratuita, essas instâncias de atuação, geradas por demandas sociais, podem ser resumidas nas atividades de pesquisa, ensino e extensão.