História do Trabalho / Politeia: História e Sociedade / 2018

Em um contexto nacional marcado pelas iniciativas de desconstrução da legislação que regula as relações do trabalho no Brasil, a Revista Politeia traz, por meio do dossiê História do Trabalho, uma importante contribuição ao tema que volta a ocupar a centralidade nos debates acadêmicos e repercute na vida social, O fenômeno da globalização econômica, sob o vetor político do neoliberalismo, impõe a desregulamentação das relações de trabalho. As iniciativas de mudança tomam corpo, sob o pretexto de que, no Brasil, o valor-trabalho tornou-se pesado para as empresas que aqui estão e para aquelas que desejarem instalar-se, o que torna o país pouco competitivo no cenário econômico mundial. Neste cenário, os estudos que compõem o dossiê problematizam questões fundamentais para o entendimento sócio-histórico da categoria trabalho, transitando por um longo período, desde a proposição da legislação trabalhista em vigor, nos anos de 1930, até o processo de reestruturação produtiva do mercado de trabalho e consumo, nos dias atuais. Os artigos abrangem a participação dos trabalhadores na política institucional e na Justiça do Trabalho, a análise do sindicalismo contemporâneo e a situação de precariedade em que se encontra a classe trabalhadora frente à acumulação flexível do capital na contemporaneidade.

No artigo Na Arena Política: Trabalhadores, Partidos Políticos e Eleições em Alagoinhas-Bahia (1948- 1964) Moisés Leal Morais analisa a participação de trabalhadores do município de Alagoinhas nos pleitos eleitorais no período compreendido pelo conceito de Segunda República, entre o fim do Estado Novo (1945) e o início da Ditadura Civil-Militar (1964). O autor argumenta que, com o processo de redemocratização, a política eleitoral configurou-se como um campo profícuo de atuação dos trabalhadores. Ainda que os não alfabetizados estivessem alijados da participação nas esferas de poder, alguns setores das classes trabalhadoras conseguiram fazer-se representar nas várias instâncias e apresentar demandas de melhorias na infra-estrutura dos bairros operários, de aumento da oferta dos serviços públicos e de cumprimento e manutenção de direitos trabalhista. A pesquisa identificou, entre os trabalhadores atuantes na Câmara de Vereadores da cidade de Alagoinhas, a presença de ferroviários, operários em curtumes e comerciários. Por outro lado, a pesquisa revela a ausência completa de membros da classe trabalhadora em esferas diretivas ou em cargos eletivos de maior importância como os de prefeito, deputado estadual ou federal. Atento à dinâmica da participação partidária, o estudo de Morais destaca a ausência de representantes do Partido Comunista do Brasil (cujo registro foi cassado em 1947), a existência de disputas internas nos partidos de base trabalhista e a migração de trabalhadores para a União Democrática Nacional (UDN), partido conservador claramente associado aos interesses das classes dominantes. O autor demonstra como a eleição presidencial de 1955 reverberou na cidade de Alagoinhas, acirrando as tensões entre dois blocos políticos: de um lado, a Frente Popular Democrática – bancada de oposição que reunia os edis do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e do Partido Social Democrático (PSD) – contava com seis dos doze vereadores eleitos; de outro, a UDN, partido da situação, que estava no controle da prefeitura do município. Com o Golpe Civil-Militar de 1964, e a conseqüente suspensão das garantias democráticas (vigentes, ainda que de forma limitada, desde 1946), os vereadores ligados às classes trabalhadoras, que haviam defendido as Reformas de Base, foram tomados como “agitadores” e “subversivos” e tornam-se alvo de perseguição e da repressão política.

Na sequência, o artigo de Antero Maximiliano Dias dos Reis, Marcos Alberto Rambo e Conrado de Oliveira e Silva, intitulado Fontes processuais historiográficas da Justiça do Trabalho: importância e vulnerabilidade, traz à reflexão a potencialidade da documentação da Justiça do Trabalho para a pesquisa histórica. Para os autores, a preservação e as investigações que se valem dos acervos dos tribunais trabalhistas são cruciais para a afirmação da memória dos trabalhadores e para a reverberação de vozes que, de outra forma, estariam condenadas ao silêncio. O artigo culmina com a reflexão sobre as políticas neoliberais que, nos dias atuais, no Brasil, objetivam fragilizar ou até mesmo extinguir a legislação trabalhista em vigor, assim como a Justiça do Trabalho como instância de mediação entre trabalhadores e patrões.

Tendo o sudoeste baiano como campo de investigação, particularmente as cidades que estavam sob a jurisdição da Junta de Conciliação e Julgamento de Vitória da Conquista, o artigo de José Pacheco dos Santos Júnior, Uma História Econômica e da Justiça do Trabalho em Vitória da Conquista (BA), 1963-1972, apresenta uma análise do cenário que impulsionou a necessidade de criação e organização de uma primeira instância da Justiça do Trabalho na cidade de Vitória da Conquista no emergir da década de 1960. Para o autor, a localização espacial, a área de abrangência urbana e a intensidade econômica foram fundamentais para que o referido município sediasse um seção local do Tribunal do Trabalho. O autor destaca o esforço do Poder Executivo local para inserir a região, marcada pelo crescimento econômico e urbano e pela ampliação do mercado de mão de obra, na alçada do Judiciário Trabalhista.

O artigo que encerra o dossiê, O Trabalho Terceirizado: a estratégia do capital que fomenta a cisão entre os trabalhadores, de autoria de Ana Patrícia Dias, analisa o processo de terceirização no segmento bancário da economia brasileira. A autora infere que essa transformação está na base de uma profunda reconfiguração do setor, forjando novos cenários de trabalho nos quais conflitos e tensões entre os trabalhadores são desencadeados. No ambiente de trabalho, as hierarquias entre trabalhadores de diferentes condições aprofundam e a precarização de determinadas ocupações, entendidas como subemprego, e acentuam o processo de superexploração da força de trabalho. A autora chama a atenção para as diferenças objetivas que demarcam as condições de trabalho e salariais de trabalhadores que realizam atividades correspondentes aos trabalhadores bancários efetivos. As desigualdades em relação a estes ocasionam conflitos intraclasse em ambientes laborais tensos e conflituosos, marcados por situações de desconfiança e discriminação.

Dias observa, ainda, como o redimensionamento econômico do “capitalismo flexível” isenta as empresas corporativas de determinadas obrigações trabalhistas, já que a responsabilidade dos encargos é repassada às empresas de locação de mão de obra. Além disso, a reestruturação produtiva, inerente às novas formas de circulação do capital, transfere parte do trabalho para o cliente, que se torna “prossumidor”, no sentido de que, ao mesmo tempo, produz e consome o serviço mediante o uso dos terminais de caixas eletrônicos e do internet banking. Por outro lado, na “trama da terceirização”, os bancos afastam das agências os pequenos correntistas ao repassar às franquias os serviços menos lucrativos, como o recebimento de tributos e pequenas contas, bem como a captação de pequenas poupanças. O artigo analisa o caso da Caixa Econômica Federal, que, a partir do ano de 2000, deslocou parte dos serviços bancários para as casas lotéricas e, posteriormente, também para supermercados, lojas de departamentos, farmácias etc.

Boa Leitura!

Antero Maximiliano Dias dos Reis – Professor da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) Doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo (USP) E-mail: [email protected]

José Pacheco dos Santos Júnior – Doutorando em História Econômica pela Universidade de São Paulo (USP) E-mail: [email protected]


REIS, Antero Maximiliano Dias dos; SANTOS JÚNIOR, José Pacheco dos. Apresentação. Politeia: História e Sociedade. Vitória da Conquista, v. 18, n. 1, 2018. Acessar publicação original [DR]

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