Dinâmicas no mundo rural | PerCursos | 2019

Frente a uma cíclica e recorrente crise na produção bibliográfica sobre o mundo rural, aceitamos no início de 2019 o desafio de organizar um dossiê que reunisse diferentes visões e abordagens decorrentes de pesquisa sobre aspectos da vida e da existência nos espaços fora do mundo urbano. “Dinâmicas do mundo rural” traz aqui um apanhado de oito artigos oriundos de diferentes regiões do país enfocando aspectos do pensamento sobre a vida no mundo rural abordados a partir de diferentes e muito distintas disciplinas. Complementam o dossiê uma longa entrevista com Maria Ignez da Silveira Paulilo, socióloga que dedicou sua vida ao feminismo e ao mundo rural, e uma resenha acerca de uma recente obra oferecida como subsídio à organização dos jovens do campo.

O dossiê inicia com o artigo “Decadência dos sistemas agrícolas tradicionais e a urbanização da cidade de São Paulo”, escrito por Cristina de Marco Santiago, que aborda as transformações do espaço rural da lavoura caipira no estado de São Paulo mostrando como as transformações no sistema de abastecimento da capital paulista levaram à decadência da lavoura caipira do seu entorno.

“Entre as margens dos rios e as marchas da história: espaço e sociedade ribeirinha na Amazônia”, escrito por João Santos Nahum, recupera o processo de ocupação ribeirinha do Amazonas e a formação de diferentes identidades híbridas. Destaca a violência física e simbólica imposta aos indígenas locais bem como a uma miríade de imigrantes deslocados de diferentes regiões, especialmente do nordeste, para atender à demanda de força de trabalho por diferentes ciclos econômicos.

“Cartografia das queimadas e incêndios aplicadas à mitigação de desastres e conservação de paisagens”, escrito por André Luiz Nascentes Coelho e Antonio Celso de Oliveira Goulart, parte da observação do fenômeno em Santa Teresa, Espírito Santo, para trazer uma contribuição às ações de controle e monitoramento de queimadas e incêndios propondo uma metodologia “apropriada” ao trabalho em zonas periféricas. O tema se mostra especialmente relevante frente à comoção nacional e internacional causada pelos eventos que abalaram a região amazônica no curso do ano de 2019.

“Política territorial e pobreza: o microcrédito orientado no Território Oeste Catarinense”, escrito por Carlos Eduardo Arns e Juliano Vitória Domingues, realiza um balanço de políticas de microcrédito para um importante setor da economia rural. Debatendo as características e os entraves de diferentes políticas públicas, os autores destacam a sua possível bancarrota frente ao alastramento das consequências do golpe jurídico midiático parlamentar de 2016.

“Seridó Potiguar: apontamentos históricos e socioeconômicos para o estudo da atual dinâmica urbano-regional”, escrito por Diego Salomão Candido de Oliveira Salvador, Marluce Silvino e Eulália Jéssica Medeiros Silva, descreve a evolução do território do Seridó do Rio Grande do Norte alicerçada no espaço geográfico, na economia e na fé, em constante diálogo entre o rural e o urbano – onde a devoção à Sant’Ana parece constituir importante atributo da identidade cultural.

“Jovens homens que ‘saíram pelo meio do mundo’: sentido do trabalho para cortadores de cana”, escrito por Catarina Malheiros da Silva, apresenta um exercício metodológico para abordar o tema da migração laboral no corte de cana em São Paulo a partir da coleta dos discursos de seus protagonistas. A autora revela que o ofício de cortar cana, do ponto de vista dos jovens migrantes pendulares, pode ser um indicador de sucesso profissional e positivação identitária, quando olhados a partir de Palmas de Monte Alto, Bahia, no contexto de origem dos jovens homens que migram para o “meio do mundo”.

“A requalificação da paisagem e os espaços multifuncionais no entorno da Usina Mourão I, Campo Mourão/PR”, escrito por Dienifer Fernanda dos Santos, Ana Paula Colavite, Cláudia Chies e Adriano Ferreira Guimarães, mostra a transformação de um espaço rural em área “urbanizada” e elitizada a partir da instalação de uma usina hidroelétrica. A multifuncionalização de uma área rural, com a introdução de áreas de lazer e especulação imobiliária, instigam a reflexão sobre as definições de rural e urbano, destacando o avanço de práticas urbanas sobre territórios rurais ou reservas naturais.

“A educação rural em Portugal – entre a aldeia e a escola”, escrito por Alcione Nawroski, aborda a biografia e o legado do pedagogo português António Sérgio. Tendo vivido no final do século XIX e em grande parte do século XX, o pedagogo Antônio Sérgio comovia-se com a decadência do mundo rural português – que englobava a maior parte do país. Propôs, de diferentes maneiras, a educação popular e de caráter cooperativista como único caminho para a emancipação social da maioria da população. O texto reforça a necessidade de se continuar pensando o mundo rural de maneira diferenciada e destaca a obra de António Sérgio como um libelo contra o parasitismo bacharelesco pequeno burguês.

Integra, ainda, o dossiê a entrevista de Maria Ignez da Silveira Paulilo, trazida aqui sem cortes. Esta produção representou uma rara oportunidade para socializarmos com os nossos leitores uma conversa aberta e sem censura com uma das mais importantes pesquisadoras sobre o mundo rural no Brasil. Em três horas de entrevista, materializadas em 40 páginas de texto, Maria Ignez Paulilo discorreu sobre 40 anos de atividade acadêmica voltada para a investigação do mundo rural em articulação com a condição das mulheres na sociedade brasileira. O relato aborda a sua formação profissional, a carreira acadêmica em uma época de estruturação da pós-graduação no Brasil e muitos momentos fortes de descobertas envolvendo a orientação de alunos, o contato com o público-alvo de pesquisa e as peripécias ligadas aos aspectos internacionais de uma longa e produtiva carreira.

Fechando o trabalho, trazemos a resenha de Kelli Cristina Dacol, apresentando o livro “Formar Novos Rurais”, escrito em parceria por Valério Alécio Turnes, Wilson Schmidt e Thaíse Costa Guzzatti. No momento em que grandes esforços são realizados no sentido de possibilitar aos jovens rurais o suporte necessário à tomada de decisão entre permanecer ou sair, este livro representa um grande alento para aqueles que estão especialmente interessados em ficar e lutar.

Agradecemos, ao findar este trabalho, a todos os pesquisadores e pesquisadoras que submeteram seus trabalhos à nossa apreciação e às dezenas de colegas que não mediram esforços para garantir a avaliação incógnita dos textos submetidos e contribuir, assim, para a oferta de material de qualidade ao público interessado em ampliar seus horizontes, numa perspectiva inter, multi e transdisciplinar, sobre a diversidade e a complexidade crescente do mundo rural.


Organizadores

Pedro Martins – UDESC.

Clécio Azevedo da Silva – UFSC.

Geraldo Augusto Locks

Marlon Javier Méndez Sastoque


Referências desta apresentação

MARTINS, Pedro; SILVA, Clécio Azevedo da; LOCKS, Geraldo Augusto; SASTOQUE, Marlon Javier Méndez. Apresentação. PerCursos. Florianópolis, v. 20, n. 43, p. 03 – 06, maio/ago. 2019. Acessar publicação original [DR]

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